terça-feira, 26 de julho de 2022

A manipulação de resultados no mundo do futebol

 O lado oculto da realidade esportiva

Por Ígor Borges

O mundo do futebol enfrenta inúmeros desafios fora das quatro linhas, sejam eles erros de arbitragem, polêmicas com jogadores ou, até mesmo, impactos ocasionados pela má gerência da política futebolista. Com isso, os torcedores têm vivido momentos de apreensão quanto ao que ocorre com seus times do coração. E pior: muitas vezes, são calados ou ignorados diante de tais situações.

No empate por 1 a 1 entre Ituano e Cruzeiro, no dia 5 de junho, o futebol apresentado ficou em segundo plano nas pautas esportivas. Ainda no primeiro tempo da partida, houve uma polêmica envolvendo a cabine do VAR (árbitro de vídeo). A equipe de arbitragem da cabine confirmou um impedimento, que não ocorreu, realizando isso de forma rápida, o que foge do habitual cenário do futebol brasileiro. Ainda foram traçadas linhas de impedimento, que foram descritas por “forjadas” e “ridículas”, e que dão a entender sobre a manipulação do lance.

No entanto, o que pouco se fala é do possível envolvimento da polêmica com as casas de apostas esportivas. Nesse mercado, são feitas apostas que podem envolver o resultado, gols marcados na partida e até mesmo número de escanteios e cartões. 

A máfia das apostas

No mundo das apostas esportivas, as casas pagam os apostadores a partir da determinação de um favorito, que geralmente é uma equipe que vive melhor fase e possui mais chances de vencer.  Ou seja, o time favorito gera menor valor de “odd”, e o resultado positivo para o time mais fraco aumenta o valor da aposta. Muitos empresários e pessoas envolvidas com esse tipo de mercado realizam pagamentos tanto para times quanto para jogadores e árbitros. Com isso, os resultados são manipulados para favorecimento desses apostadores. Especula-se algum envolvimento destes na partida da equipe mineira, o que causa o estranhamento, pois esses casos geralmente ocorrem em times de menor expressão. 

Após a polêmica, a equipe de arbitragem da cabine foi afastada por tempo indeterminado, já a de campo foi escalada em novas partidas – da série A, inclusive. 

A falta de abordagem

As mídias, por sua vez, abordaram a polêmica apenas de maneira habitual, citando o erro e debatendo as questões arbitrais. As mesas de debate manifestaram a indignação do torcedor. E as páginas esportivas acompanharam as decisões da CBF quanto aos envolvidos no caso. 

No entanto, falta uma abordagem sobre o que seria, talvez, a maior polêmica no caso. E que, com certeza, afeta diretamente as diretrizes esportivas e, até mesmo, éticas do jornalismo. Deve-se, portanto, apresentar mais fatores quanto ao ocorrido, sem ignorar nenhuma possibilidade. Isso torna-se ainda mais necessário, uma vez que o ocorrido com uma grande equipe, como o Cruzeiro, pode evidenciar toda essa criminalidade e ser o fator notícia propulsor para o esclarecimento e extinção dos casos de manipulação de partidas de futebol. 


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terça-feira, 19 de julho de 2022

Jornalismo, Política e o desaparecimento de Bruno e Dom Phillips

 Por Lais Abreu 


No dia 5 de junho de 2022, o Brasil foi surpreendido com a notícia do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira. Ambos faziam uma expedição na região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, e desapareceram no trajeto entre a comunidade São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte (AM). No dia 3 de junho, os dois haviam se deslocado para visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontrava próxima ao Lago do Jaburu, local onde o jornalista fez algumas entrevistas. No domingo (5), eles saíram rumo à cidade de Atalaia do Norte, onde deveriam ter chegado por volta das 9h e não chegaram. Por volta das 14h do mesmo dia, indígenas saíram em buscas dos dois, mas não obtiveram sucesso.  

A mídia brasileira abordou o assunto apenas na segunda-feira, após a mídia internacional e usuários das redes sociais começarem a se comover. Dias seguidos de notícias sobre as buscas se sucederam; no entanto, apesar de tantas informações, os brasileiros seguiram sem resposta: onde estava Bruno e Dom Phillips? 

A omissão do poder público com o caso demonstra a forma que os telejornais em horário nobre retrataram o assunto. De um lado temos a Rede Globo, por meio do Jornal Nacional e matérias diárias, acompanhando as buscas, fazendo a checagem do assunto, criando reportagens, explicando cada detalhe, caminho percorrido, depoimentos dos familiares, motivos e causas dos desaparecidos, cobrando por uma resposta e transmitindo o descaso do presidente ao ser questionado sobre o fato. E de outro lado temos o jornal da emissora Record, que brevemente falou sobre o desaparecimento e cobertura, sem muito se envolver com os desdobramentos do caso. 

Depois de quase dez dias de cobrança, o acontecimento caminhou para um trágico desfecho. Somente na quarta-feira (15) os suspeitos confessaram o crime. O que é possível observar com a comparação entre as reportagens é uma mídia sem voz, ocultando a notícia e os fatos diante de uma opinião política que a empresa Record transmite. Sendo assim, o telespectador se torna vulnerável perante uma emissora que, em vez de manter a ética no jornalismo, prefere manter a opinião política e transmitir apenas o básico sobre temas que envolvem o atual presidente do país. 

 Dessa forma, constata-se que tanto a Rede Globo quanto a Record terão seus telespectadores fiéis como consequência da opinião política que transmitem. Para os jornalistas que buscam mais profissionalismo, o que deve ser feito é se isentar da opinião e focar em relatar, com precisão, os fatos, com a complexidade que o acontecimento merece.


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A história do Luva de Pedreiro

 A liminar que agravou ainda mais o caso do influenciador de futebol

Por Ígor Borges


Um dos assuntos mais recorrentes das duas últimas semanas foi o caso de Iran Santana Alves, o influencer esportivo conhecido como “Luva de Pedreiro”. O jovem, de 20 anos, teve diversas desavenças contratuais com Alan Jesus, seu ex-empresário. Pelo que se especula, o “Luva” teria sido vítima de golpe por parte do empresário e teve milhões de reais “tomados” de forma abusiva.

O tema foi tratado no último domingo por dois programas jornalísticos de grande porte: o Fantástico, da rede Globo, e o Domingo Espetacular, da rede Record. Previamente, tais reportagens teriam informações exclusivas e impactantes como carro chefe. Entretanto, devido a uma liminar concedida a Alan Jesus, as matérias tiveram esses trechos, que abordam a polêmica e possíveis ameaças relatadas, cortados. Restou às emissoras falar da vida de Iran, com sua história, detalhes pessoais e de seu novo projeto com o atual empresário, o ex-jogador de futsal Falcão.

O Fantástico

A rede Globo, após saber da liminar, antes da transmissão da matéria, enfatizou que é contra qualquer discurso de ódio e que ameaças são inaceitáveis. Além disso, a emissora destacou a função do jornalismo, de “apurar - com isenção - todos os lados da notícia e produzir conhecimento sobre os fatos”, e do direito de acesso às informações, “é direito da sociedade ter acesso a todos os acontecimentos relevantes”. Alegando que vai recorrer da decisão de corte da matéria, a emissora entende que a liminar oprime a liberdade de expressão da imprensa.

Ao efetuar tais publicações e posicionamentos, a emissora demonstrou profissionalismo e cunho firme quanto à sua opinião. E, de certa forma, mobilizou ainda mais a população para o entendimento da matéria em questão, “O caso do Luva de Pedreiro”. 

O Domingo Espetacular 

A rede Record foi mais suave perante a situação, comentou sobre a liminar, mas não citou o nome do empresário. Entretanto, a emissora não deixou de entonar a situação triste e complicada que o influenciador está passando. 

O que se nota, portanto, é um cuidado maior com as palavras durante a exibição da matéria, o que, de certa forma, pode ser entendido como forma de precaução por parte da emissora.

A condução do caso

Ambas as redes de televisão trataram do assunto com toda a seriedade e cautela exigidos em matérias desse nível de repercussão. Mas uma delas transmitiu um sentimentalismo necessário nesse tipo de situação, uma cobrança quanto à liminar, que impediu a divulgação de novas vertentes para o caso. É fato que esse posicionamento pode ser considerado arriscado, levando em consideração as possíveis dores de cabeça futuras, mas cabe à mídia fazê-lo, com consciência, independente do que pode ou não ser dito a ela. 


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Divinópolis: A fome em pauta

Em um cenário de aumento da fome - com a alta no preço dos alimentos e dos combustíveis -, é louvável a iniciativa do Portal MPA de colocar em pauta, em Divinópolis, esse assunto.

Por Ana Laura Corrêa




Por meio do que aparenta ser uma série especial de reportagens, intitulada “Em busca da dignidade”, o veículo traz a situação de divinopolitanos que não têm o que comer.


A título de comparação, quando buscamos pela palavra “fome” em outros três portais de notícia da cidade - Gerais, Agora e G37 -, não há qualquer resultado pelo menos neste ano, período em que a crise alimentar no país tem se agravado.


Parece que o problema não existe por aqui. Mas existe, como mostram as reportagens do MPA ou o espantoso (e que parece crescer cada dia mais) número de pedintes nos semáforos da cidade.


Falar de fome

                                                       

É preciso, sim, que se fale da fome. No entanto, só isso não basta. É preciso, também, saber como falar da fome.


Quem aponta isso é o doutor em linguística João Bosco Bezerra Bonfim, que estudou os discursos sobre a fome. Segundo ele, “aqueles que realmente buscam fazer esta discussão para superar a fome devem ter em mente uma perspectiva crítica. Em outras palavras, devem buscar abordagens que permitam ver de que “fome” é essa que estão falando. Do contrário, poderão colaborar para perpetuar esse estado de coisas”.


Assim, o autor aponta sete elementos para verificar se há uma perspectiva crítica na abordagem da fome no discurso - seja ele jornalístico, político ou mesmo as conversas do dia a dia.


  1. Causas:

É preciso explicitar as causas da fome. Isso porque, muitas vezes, no Brasil, a fome é tida como um fenômeno “dado”, natural, e não como decorrente da falta de dinheiro para comprar alimento - que está incluída em um contexto mais amplo ligado à enorme desigualdade social, a qual às vezes torna-se ainda mais escancarada, como agora.


  1. Responsabilidade:

Quem pode solucionar o problema da fome? É preciso dar nome aos bois. Segundo Bezerra Bonfim, “se o discurso deixa de mencionar os responsáveis (de fato ou de direito) pela existência da fome, de certo modo contribui para a generalização da responsabilidade (o que é de responsabilidade de todos não é de responsabilidade de ninguém; e aquilo que não tem responsáveis diretos não permite que se dirijam a alguém reivindicações... e assim por diante)”. Acrescentamos que, ao jornalismo, além de citá-los, cabe questioná-los, solicitar posicionamentos. Afinal, o que é feito? E por que não tem sido suficiente? O que se pretende fazer?

  1. Quantificação e localização

É preciso dizer onde e quantas são as pessoas passando fome, para que não haja generalização ou exagero. Este, nos números, atrapalha: “Pois, se o problema é tão grave, ninguém poderá resolvê-lo”, afirma Bonfim. A generalização, por sua vez,  “é algo que contribui para mitificar e não para acabar com a fome”. E há dados disponíveis sobre a fome no país que podem ser incluídos nas matérias.


  1. Resolução do problema

Bonfim diz: “O que é mais certo é que não haverá superação da fome sem a construção da autonomia das pessoas e famílias que passam pela situação de fome. Então, se a notícia, filme, programa prevê apenas ações emergenciais, distribuição de alimentos, algo não vai bem. Não que não se possa ou não se deva fazê-lo. Se há fome, deve haver uma ação assistencial. Mas, se não são incorporadas, desde o início, ações que levem as pessoas e famílias a saírem da situação de miséria e se tornarem autônomas para gerarem a própria renda, esse discurso tem um sério problema. Ele colabora para a perpetuação da situação de fome. Então, ações, programas em torno desse tema devem, necessariamente, incorporar a conquista de autonomia por parte dos famintos”.


  1. Verbos

  É preciso prestar atenção aos verbos para não se deixar enganar. Eles falam de “erradicar” a fome, como se fosse algo bem simples? Tratam de “reduzir”? Em que medida isso ocorreria? “Estuda-se” soluções? Quanto tempo levará? E enquanto isso?


Louvável, com ressalvas


Tendo por base esses parâmetros, vemos que a reportagem “Em busca da dignidade: a fome que atinge famílias de Divinópolis” não traz informações sobre as causas ou responsabilidade. Em relação à quantificação, a matéria apresenta o dado do número de pessoas cadastradas no Cadúnico na cidade, o que já permite ter um panorama da situação. Os verbos do texto são muito voltados à descrição (no presente) da fome no país e na cidade, e  da situação da família apresentada na matéria, não há, assim, o debate de perspectivas (futuro) ou das causas (passado). Por fim, a solução se dá por meio da disponibilização do telefone de contato da personagem da matéria para doações, o que não resolve, efetivamente, o problema da fome. A Prefeitura, por exemplo, não tem fala no texto sobre as ações desenvolvidas no combate ao problema.


É preciso falar da fome, mas de uma perspectiva crítica. Que ela continue sendo pauta na cidade, enquanto, infelizmente, existir.


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NOVO VELHO JORNALISMO

 O jornalismo praticado pelo canal de TV fechada Jovem Pan News cheira a mofo, mas tudo indica que ele veio para ficar


Por Gilson Raslan Filho



                                      
No surpreendente livro Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista (Editora Unicamp, 2021), o etnomusicista estadunidense Benjamin Teitelbaum fornece pistas importantes para se entender o contexto da guerra política e ideológica que vivemos hoje em dia. O livro nos ajuda a compreender inclusive o jornalismo da TV Jovem Pan News, que é o mote para este texto, mas não apenas ele. Antes, porém, de adentrarmos esse novo velho jornalismo, falemos um pouco da obra, sem entrar, todavia, em detalhes.

Como dito, Teitelbaum é um etnomusicista. De origem judia, o professor e pesquisador, há anos, roda o mundo em busca de expressões musicais, muitas delas extintas, de povos antigos, originários e tradicionais. Em suas investigações, se deparou com o fenômeno do renascimento do movimento tradicionalista, com muita força e alcance global. Trata-se de um movimento político, estético e ético que entende estar o mundo em decadência moral em razão da perda de valores – quase sempre identificados como “cristãos”. Para restituir ao mundo o que entende ser sua idade de ouro, o tradicionalismo defende que há povos melhores e piores e que estes devem se submeter àqueles; que mulheres devem cumprir um papel social submisso em relação aos homens; que a homossexualidade é uma excrescência, um desvio da natureza e deve ser curada. Em poucas palavras: para salvar o mundo de sua decadência moral, causada pela confusão geral de raças, povos, gêneros, é necessário conduzi-lo a uma velha ordem social, que se viu na Idade Média europeia.

Apesar de espantosos, os movimentos tradicionalistas existem há muito tempo, em múltiplas instituições, mas sempre tiveram um alcance muito limitado. O que Teitelbaum traz de surpreendente é o fato de ter havido nos últimos anos uma espécie de instrumentalização dos movimentos tradicionalistas, utilizados com táticas de ataque contra “o sistema” muito bem definidas e com alcance global. O autor identifica – e seu livro disseca justamente seus movimentos – três grandes figuras por trás das táticas: o estadunidense Steve Bannon, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro, falecido neste ano Olavo de Carvalho, respectivamente considerados gurus de Donald Trump, Vladimir Putin e Jair Bolsonaro.

Para não nos estendermos – a leitura, bastante palatável, é altamente recomendada -, fixemo-nos em uma tática: o ataque ao “sistema” quase sempre é traduzido como uma luta da liberdade contra o comunismo. Sim, porque “comunismo” é o nome dado às conquistas de negros, comunidade LGBTQI+, povos marginalizados, mulheres, que teriam tornado o mundo caótico. E tal ataque se dá, entre outros mecanismos, pelo uso muito competente – e pouco ético – das redes sociais, com ampla divulgação de fake news e desinformação de toda natureza. O argumento, no caso específico do jornalismo, é que a imprensa “do sistema” é meramente uma versão “comunista”, que deve ser combatida de qualquer forma, para que seja fragilizada. O resultado da tática é o surgimento, com ações orquestradas, de milhares de blogs, microblogs e influenciadores de redes sociais responsáveis por uma dupla tarefa nessa guerra: ser uma voz dissonante das vozes “comunistas” e arregimentar, geralmente com mirabolantes teorias conspiratórias, uma legião de seguidores, muitos deles com um sincero mal-estar em relação a um mundo tomado por grandes corporações e capitalistas, considerados, estes, os financiadores do “comunismo” global.

Uma das principais caraterísticas desse jornalismo de trincheira é seu desprezo pela verdade factual e sua sustentação em uma bem amarrada argumentação silogística, em que termos estranhos entre si ou alheios à verdade são reivindicados com a única finalidade de validar a tese proposta. Isto é, o que se faz é opinião: não há nada de reportagem, apuração, checagem – nada! 

Pois é justamente isso o que faz o jornalismo da TV Jovem Pan News: são horas a fio de divulgação de pesquisas jamais comprovadas, realizadas por entidades fantasmagóricas e “debatidas” por “debatedores” que estão no mesmo espectro ideológico e que repisam o que foi exposto, garantindo, pela repetição, a validação da tese que desejam que seja aceita.

A bem da justiça histórica, é preciso dizer que o jornalismo de opinião não é novo: ele foi amplamente utilizado pela burguesia revolucionária no século 18 europeu para amadurecer suas ideias de poder, de Estado e de sociedade, ideias que foram vitoriosas nas revoluções e ainda hoje dão a face para o mundo. É plausível, portanto, dizer que é um formato de jornalismo de embate ideológico. Igualmente, é plausível pensar que influenciadores ou a TV Jovem Pan News são apenas manifestações desse fenômeno de que o jornalismo de trincheira é apenas um sintoma – ou arma.



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domingo, 29 de agosto de 2021

A quem interessa a expropriação das subjetividades?


Uma análise de algumas das recentes ações referentes à Política de Saúde Mental brasileira:  loucura novamente como mercadoria; um retrocesso intencional? 

Por Camila Machado

“Se tratando de política pública, não é admissível que ganhem os mercadores da loucura e os mercadores dos templos, que vão auferir lucros na indústria farmacêutica, na indústria da segregação e na indústria dos costumes”

- Lasswel (1936)


A Política de Saúde Mental brasileira vinha gradativamente mudando o cuidado em saúde mental ao investir mais em uma rede de dispositivos capazes de substituir os manicômios. Historicamente o modelo manicomial, como vimos em nosso segundo texto (https://www.observatoriopluris.com.br/2021/08/psiquiatria-brasileira-lutas-reformas-e.html), era centrado no hospício e produzia a institucionalização dos portadores de sofrimento psíquico e a exclusão social. Franco Basaglia, protagonista da reforma psiquiátrica italiana e grande influência para transformações em saúde mental no Brasil (link), dizia que “o hospício expropria as subjetividades”. Os sujeitos, ao serem excluídos socialmente, não têm oportunidade mais de estabelecer trocas afetivas, vivenciais, e zera a contratualidade social.  O retorno aos manicômios traria graves consequências à cidadania, mas isso não impediu que medidas contraditórias a tudo isso fossem tomadas, ameaçando as conquistas da reforma psiquiátrica no país. 

A nota técnica Nº 11/2019 divulgada pelo Ministério da Saúde, em fevereiro de 2019, sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas, é uma das ações mais problemáticas desta área e que sinaliza um grande retrocesso para as políticas de saúde mental brasileiras, 

A nota traz a possibilidade de ambulatórios de psiquiatria e hospícios tratarem pacientes com sofrimento psíquico, mas também dependentes químicos. Além de apresentar o uso da eletroconvulsoterapia (ECT) como oferta de “melhor aparato terapêutico como tratamento efetivo”, sugerindo a ampliação desse recurso no Sistema Único de Saúde – SUS. Ainda que o texto diga que a eletroconvulsoterapia terá “indicações para um número limitado de usuários, em circunstâncias específicas”, a forma como está proposto, mostra uma priorização a este recurso em detrimento de tantos outros dispositivos terapêuticos de excelência. Além disso, voltar a utilizar internações de longa permanência serão agravos à saúde pública, que pode nos levar novamente a tendência da institucionalização, a perda dos vínculos sociais e a violação dos direitos humanos – como os que marcam as nossas experiências internacional e nacional.

Para piorar a situação a nota apresentada fere também o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao possibilitar a internação de criança e adolescentes junto com adultos, a partir de um laudo médico que o permita. Ao retirar as crianças e adolescentes do meio familiar e ambiente sócio comunitário, priva-os de sua liberdade e de seus direitos (Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

A Nota Técnica ameaça o financiamento de toda rede de cuidados já existente no Brasil ao redirecionar os investimentos em ambulatórios especializados e em comunidades terapêuticas para a compra e uso do ECT. Ao utilizar os já insuficientes recursos existentes nos dispositivos como o ETC, a rede atual sofrerá um desinvestimento. A lógica denunciada (no início da luta antimanicomial) da indústria da loucura parece estar tomando força novamente, e agora com apoio do Ministério da Saúde. Haverá lucro com o ECT (equipamento e uso), medicamentos, leitos psiquiátricos no setor privado e o mais grave, o hospital psiquiátrico será incluído na rede. E assim como na Industria da Loucura da década de 90, novamente segmentos que voltarão a lucrar com o sofrimento psíquico. Mas, claro que os verdadeiros interesses econômicos e políticos estão omissos em tal documento. A rede substitutiva aos manicômios, que vinha sendo construída no Brasil, está sob ameaça por meio da nota técnica.

 Além disso, no ano passado, houve a suspensão de centenas de contratos de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e serviços de residência terapêutica. Enquanto muitos outros foram transformados em “abrigos”, passando a servir meramente para moradia, sem foco na hospitalização. 

No dia 07 de dezembro de 2020, o Jornal Folha de S. Paulo publicou dados obtidos pelo Grupo Técnico do Ministério da Saúde, destacando pontos (des)estruturantes da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). Entre elas, a revogação de mecanismos de fiscalização de hospitais psiquiátricos e extinção das equipes que apoiam a transferência das pessoas que hoje residem nesses lugares. Além da extinção de equipamentos de assistência social, do atendimento psiquiátrico nos CAPS, dos serviços de atendimento à saúde da população em situação de rua, e do controle sobre as internações involuntárias de pessoas com dependência química que, atualmente, demanda comunicação ao Ministério Público. Temos também a revogação do Fórum Nacional sobre Saúde Mental de Crianças e Adolescentes e das diretrizes sobre saúde mental indígena, a transferência da responsabilidade da política sobre drogas para o Ministério da Cidadania e a criação de serviços específicos para pessoas com diagnóstico de dependência química e outros transtornos psiquiátricos.

Estas propostas trazem a diminuição do acesso a tratamentos baseados em evidências científicas, e valores éticos e humanitários, para um país com mais de 200 milhões de habitantes e que em 2017 (período pré-pandemia por Coronavírus) contava com 5,8% de pessoas com depressão e 9,3% com ansiedade, de acordo com dados da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). 

 Com as mudanças grupos que defendem a segregação das pessoas com transtornos mentais e que preferem a responsabilização individual dos doentes e não a análise pela ótica social, ganham financiamento e protagonismo político. E temos a volta dos “indesejáveis” aos cárceres, poupando as pessoas “normais” da convivência e do comportamento instável dos doentes mentais.

Estas são ações representam um grande retrocesso e retoma os grandes investimentos em manicômios, comunidades terapêuticas e no modelo ambulatorial como um todo – que é medicalizante, individualizante e parte da ideia de que a doença é do indivíduo, e com uma consulta (que é basicamente prescrição de medicamentos) tudo se resolverá.  É estranho como todo esse retrocesso parece atender muito bem aos interesses dos empresários dos hospitais psiquiátricos e da indústria farmacêutica.


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sábado, 28 de agosto de 2021

Psiquiatria Brasileira: lutas, reformas e resultados


Por Camila Machado


https://www.sul21.com.br/wp-content/uploads/2017/05/20170518-jornal-sul21-gs-180517-2305-04.jpgComo discutimos em nosso último texto (https://www.observatoriopluris.com.br/2021/08/psiquiatria-brasileira-uma-historia.html) a indústria da loucura no Brasil foi um quadro da história da psiquiatria brasileira que resumia a assistência em saúde mental à internação em grandes hospitais psiquiátricos e a ambulatórios burocratizados, estes quase sempre envoltos em esquemas de corrupção e favorecimento político. Em entrevista para a 15ª edição do boletim informativo do Observatório de Análise Política em Saúde (OAPS), Patrícia Von Flach, assistente social e psicóloga doutoranda no Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), relembra sua experiencia na época: 


 "Eu cheguei no Hospital Juliano Moreira – BA, no final da década de 1980, inicialmente como estagiária de serviço social e depois como profissional concursada pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia - SESAB e nos 12 anos que lá trabalhei pude presenciar o uso indiscriminado e pouco cuidadoso de práticas como eletrochoque e contenções físicas e medicamentosas, com intervenções punitivas e abusos de todas as ordens em relação aos direitos humanos. Não por acaso, quase 100% das pessoas ali internadas eram negras e advindas das áreas mais pobres da periferia de Salvador ou do interior do estado, lembrando-nos que o racismo e a desigualdade social estão na base deste modelo manicomial”.



Segundo a pesquisadora a “indústria da loucura” foi desmontada aos poucos por trabalhadores, usuários e familiares a partir da Constituição de 1988 e da construção do Sistema Único de Saúde (SUS) que posteriormente garantiram a fiscalização e regulamentação dos hospitais psiquiátricos. Muitas experiências reformistas estavam em prática em todo o mundo e colocaram o modelo manicomial em questão.

Franco Basaglia – Wikipédia, a enciclopédia livreA reforma psiquiátrica no Brasil foi inspirada pelas ideias e práticas do psiquiatra Franco Basaglia, que revolucionou, a partir da década de 1960, as abordagens e terapias no tratamento de pessoas com transtornos mentais nas cidades italianas de Trieste e Gorizia. Lá Basaglia dirigiu por anos o hospital psiquiátrico San Giovanni, com mais de 1,2 mil pacientes internados, e onde pode aplicar sua nova abordagem libertária, rompendo muros culturais e físicos na forma como uma sociedade deve lidar com seus "loucos" para reintegrá-los à sociedade. 

Basaglia revolucionou o tratamento psiquiátrico, desenvolvendo uma abordagem de reinserção territorial e cultural do paciente na comunidade, ao invés de isolá-lo num manicômio à base de fortes medicações, vigilância ininterrupta, choques elétricos e camisas de força. Seu tratamento possibilitou o retorno de milhares de internos à vida social em Trieste  e levou a prefeitura local a, com os anos, fechar o hospital psiquiátrico, optando pela abertura de novos centros terapêuticos territoriais. 

Os resultados positivos de Basaglia na Itália alcançou o mundo e sua abordagem passou a ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir de 1973. A posição da OMS tornou o debate mundial e a discussão chegou ao Brasil. Profissionais da área da saúde passaram então a denunciar as condições de profunda degradação humana em que operava a maioria dos hospitais psiquiátricos no país. Mas a crise, em pleno regime militar, levou à demissão da maioria dos denunciantes.

Finalmente em 1979, é criado o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) e posteriormente o movimento antimanicomial, em 1987, dando continuidade à luta pela nova psiquiatria. O projeto de reforma psiquiátrica foi apresentado em 1989 pelo então deputado Paulo Delgado (MG) e após 12 anos o texto foi finalmente aprovado e sancionado. No dia 6 de abril de 2001, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sancionou a  (Lei 10.216, de 2001), que representou um divisor de águas no tratamento de brasileiros que sofrem com distúrbios, doenças e transtornos mentais. Foi um marco para a reforma psiquiátrica e levou ao fechamento gradual de manicômios e hospícios que proliferavam país afora.

A lei redireciona o modelo da assistência psiquiátrica, regulamenta cuidado especial com a clientela internada por longos anos e prevê a possibilidade de punição para a internação voluntária arbitrária ou desnecessária. E antes, a Lei Antimanicomial, que promoveu a reforma, já definia a internação do paciente somente se o tratamento fora do hospital fosse ineficaz.

Em substituição aos hospitais psiquiátricos, o Ministério da Saúde determinou, em 2002, a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) em todo o país. Os CAPs são espaços para o acolhimento de pacientes com transtornos mentais, em tratamento não-hospitalar. A função é prestar assistência psicológica e médica, visando a reintegração dos doentes à sociedade. Há hoje, no Brasil, segundo dados de 2020 do Ministério da Saúde, cerca de 2.661 CAPs espalhados por todo o país.

  A luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica como um todo é um processo histórico de defesa aos direitos humanos e busca da cidadania de pessoas em sofrimento psíquico. Foi uma luta contra um modelo que institucionalizava práticas “assistenciais” que violentavam e centralizavam o cuidado dos pacientes em instituições produtoras de exclusão social. 


Frutos da Reforma:

Saúde libera mais R$ 1,8 milhão para programa De Volta pra Casa » Jornal A  Voz do Povo na Região | Feliz a nação cujo Deus é o Senhor! ©2021Muitas das ações referentes a saúde mental que temos hoje no Brasil só são possíveis graças a reforma psiquiátrica que garantiu o direito à cidadania aos doentes mentais.  Um dos fruto desta reforma é o Programa de Volta para Casa (PVC) ( Lei 10.708, de 2003), instituído em 2003 pelo ex-presidente Lula Inácio da Silva, e garante o auxílio-reabilitação psicossocial (hoje no valor de R$ 412 mensais) para assistência, acompanhamento e integração social de pacientes com transtornos mentais egressos de internação em hospitais psiquiátricos por um período igual ou superior a dois anos.   

O PVC é considerado fundamental no processo de desconstrução de práticas manicomiais e reabilitação psicossocial das pessoas com história de internação de longa permanência, como prega a reforma psiquiátrica. Ele tem o objetivo de restituir o direito do paciente de morar e conviver em liberdade, além de promover a autonomia e o protagonismo do beneficiado. Em parceria com a Caixa Econômica Federal, o programa conta hoje com mais de 2600 beneficiários em todo o território nacional.

Além do PVC, temos o programa de Redução de Leitos Hospitalares de Longa Permanência e os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs),  que são casas destinadas a pessoas com transtornos mentais que tiveram alta de internações psiquiátricas, mas que ainda não têm suporte financeiro, social ou laços familiares que permitam a reinserção na comunidade. Hoje temos cerca de 686 SRTs no país, segundo a Agencia Brasil, atendendo pacientes com transtornos mentais, inclusive aqueles que estejam em situação de vulnerabilidade social e pessoal, como moradores de rua ou usuários de álcool e drogas.]

Juntos eles formam um tripé de efetivação do processo de desinstitucionalização e resgate da cidadania dos doentes mentais privados de sua liberdade nos hospitais psiquiátricos brasileiros. Mas, um dos setores que tem enfrentado, há mais de três décadas, a marcação cerrada do “Anti-SUS” é o de atendimento à saúde mental. Projetos vêm sendo desmontados, leis alteradas e toda a luta antimanicomial ameaçada. É preciso falar disso, então para encerrar nossa série sobre a “Psiquiatria Brasileira” na próxima semana trataremos dos retrocessos e destruição de políticas de saúde mental importantes.

 

 


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sábado, 21 de agosto de 2021

Interposição

Neste texto, o Pluris te convida a brincar de adivinhação. O que será que todos os eventos narrados têm em comum?

Por Maria Clara Ribeiro




Encontro com a CIA

Sem divulgação prévia, o chefe da Agência Central de Inteligência estadunidense (CIA) esteve em Brasília para reunião com o governo no dia 01 de julho deste ano. A visita do primeiro emissário do governo de Joe Biden, William Burns, foi mantida em sigilo até que o mesmo chegasse em terras brasileiras, quando anunciaram que seriam tratados temas de segurança regional, como o reforço de ofensiva anti-China. 

Enquanto membros do governo comemoravam a agenda como sinal de cooperação, apesar de se demonstrar o contrário, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) cobrava informações sobre vinda do diretor da CIA ao Brasil.  

A persistência da pauta em segredo já havia sido criticada oficialmente pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, em ofício direto ao Itamaraty, mas ganhou olhares através da exigência de Braga: “Intervenções desestabilizadoras no Brasil são de amplo conhecimento”. No requerimento, o deputado cita também o golpe militar, 1964, a espionagem contra Dilma Rousseff, 2013, e a Operação Lava Jato. Entretanto, apesar das cobranças e circulação do acontecimento, nenhuma medida foi tomada. 


Falas sobre fraude

Após 25 anos de inserção de urnas eletrônicas nas eleições brasileiras, tidos como “consolidados”, o uso dessa tecnologia entrou em debate. A discussão e desconfiança foi liderada por Bolsonaro, acusando frequentemente que o modelo não seria confiável e alegando fraudes nas últimas eleições, em 2018 (sim, a que se elegeu). 

Desta vez, com maior movimentação, convocou seus seguidores para uma apresentação de seus posicionamentos acerca do tema no dia 29 de julho. Diferente do que costuma fazer, apresentou argumentos falaciosos, já desmentidos previamente por especialistas de ambas posições políticas, como: “voto é inauditável”; eleito em primeiro turno; Aécio eleito em 2014; e falta de segurança no relatório oficial da Polícia Federal. 

Mas, em meio a suas falas, afirmou não ter provas sobre fraude nas eleições, apenas indícios. Tem-se nítido que a ideia do atual presidente era (é), em caso de acusação de fraude no sistema eletrônico das urnas, os votos em papel pudessem retornar para que os votos pudessem ser apurados manualmente.


Nova visita: Conselho de Segurança Nacional dos EUA

Após um mês do “encontro surpresa”, no início de agosto (05), o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, e sua comitiva desembarcaram em território brasileiro. A visita se justifica em discussões acerca das mudanças climáticas e as medidas combativas nacionais. Esta reunião foi inédita: a primeira vez que um representante direto da Casa Branca, do governo de Joe Biden, se encontrou com Jair Bolsonaro. 

Além das reuniões com os governadores, houve conversa particular com Jair Bolsonaro e os ministros das Relações Exteriores e da Defesa. Seria uma postura de abertura com Bolsonaro? Não. A explicação é simples, haja vista que o atual presidente estadunidense não manteve nenhum discurso ou relação direta com o gestor brasileiro – situação que se prolonga desde os resultados da última eleição dos EUA.  


Voto impresso

Em derrota ao desejo de Bolsonaro, a Câmara rejeitou e arquivou a PEC do voto impresso: para passar, o texto precisava de 308 votos, mas foram 229 favoráveis e 218 contrários. A votação encerra tramitação da proposta e mantém o formato atual de apuração – através das urnas eletrônicas. A PEC 135/2019 foi redigida pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e tem como relator o deputado Filipe Barros (PSL-PR), ambos integrantes da base governista atual. 

Mas, ainda mais interessante, o Governo Bolsonaro liberou R$1 bilhão de emendas às vésperas da análise da PEC, liberando emendas individuais pelo mecanismo do 'cheque em branco'. Além disso, sem surpreender ninguém, após derrota do voto impresso, o presidente voltou a criticar Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e afirmar que eleição de 2022 não será confiável, rompendo compromisso feito com o presidente da Câmara - de que iria aceitar qualquer resultado legal, como em caso de a proposta ser rejeitada. 


Encontro nos EUA; relatório da PF

Nos últimos dias, a mídia brasileira noticiou dois acontecimentos, esses sim, claramente articulados.

O deputado Federal Eduardo Bolsonaro, filho do Presidente, pediu licença de seu cargo para (mais) uma visita aos EUA, onde se encontrou com Steve Bannon, personagem até pouco tempo obscuro, mas que ganhou notoriedade ao se revelar como o cérebro por trás da ascensão da extrema direita e nov fascismo em diversos países  do mundo.

Bannon era o dono da empresa de análise profunda de dados Cambridge Analytica, que esteve por trás das eleições de Donald Trump e do movimento Brexit, de saída do Reino Unido da Comunidade Europeia. O poder e o alcance de manipulação de redes sociais pela Cambridge Analytica pode ser visto no documentário Privacidade hackeada, do NetFlix. E os planos de Bannon para o mundo podem ser visitados na impressionante pesquisa do etnólogo estadunidense Benjamin Teitelbaum, publicada no Brasil com o título de Guerra pela eternidade, pela Editora Unicamp.

Depois da visita, Steve Bannon declarou que iria atuar nas eleições brasileiras de 2022, chamada por ele de “a mais importante do mundo”, pois que teria em disputa o “maior comunista do mundo”, o ex-presidente Lula.

Dias depois, a mídia teve acesso a um relatório da Polícia Federal, enviado ao ao Tribunal Superior Eleitoral, segundo o qual canais bolsonaristas nas redes sociais atuam com o objetivo de “diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira” e usam como estratégia ataques aos veículos tradicionais de informação (jornais, rádio, TV etc). Esse método também foi aplicado na campanha contra as urnas eletrônicas.

Segundo a PF, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro replicam uma estratégia de comunicação utilizada nas eleições de 2016 nos EUA, atribuída a Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump, e também na eleição presidencial vencida por Bolsonaro em 2018.


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sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Quem é Paulo Freire, segundo a mídia brasileira

Ana Laura Corrêa




Em 2021, o mundo se prepara para as comemorações do centenário de nascimento do pedagogo brasileiro Paulo Freire, um dos mais destacados brasileiros no mundo. De acordo com levantamento do MIT (Massachusetts Institute of Technology), Paulo Freire é um dos filósofos do século XX mais lidos em todo o mundo. Ele é também autor da terceira obra de ciências sociais e humanas mais citada do mundo ‒ Pedagogia do Oprimido ‒, segundo a London School of Economics.


No Brasil, acadêmicos costumam reconhecer seu nome e sua estatura ‒ mas, nos últimos anos, Paulo Freire tem circulado nos grupos de apoiadores do movimento de extrema direita que venceu as eleições em 2018 ‒, sempre associado ao verbete “comunista” (como um xingamento, bem entendido).


Com tanta evidência e polêmica, era de se supor que a mídia brasileira voltasse o mínimo de atenção sobre sua trajetória, sua obra e suas ações.


Mas será que o educador tem esse espaço de destaque na mídia brasileira?


Pesquisamos, então, algumas notícias publicadas sobre Freire, para verificar o que os textos dizem sobre o autor e sua obra.



Três informações


Na matéria “Bolsonaro chama Paulo Freire de 'energúmeno' e diz que TV Escola 'deseduca'”, publicada pelo G1, há três informações sobre Freire: 1) a de que ele foi declarado o patrono da educação brasileira em 2012; 2) de que o educador desenvolveu uma estratégia de ensino baseada nas experiências de vida das pessoas, em especial na alfabetização de adultos; 3) e de que uma das obras do autor, "Pedagogia do Oprimido", é o único livro brasileiro a aparecer na lista dos 100 títulos mais pedidos pelas universidades de língua inglesa consideradas pelo projeto Open Syllabus.

Na sequência, o texto ainda afirma que a “metodologia de Paulo Freire vem sendo criticada por integrantes do governo Jair Bolsonaro, que atribuem ao método o baixo desempenho escolar do país em avaliações da qualidade da educação”. No entanto, não há muitos detalhes sobre o método para além da informação presente no parágrafo anterior, de que é “uma estratégia de ensino baseada nas experiências de vida das pessoas”. Vale ressaltar ainda, o que a reportagem não traz, que a metodologia é utilizada pontualmente em poucas escolas no país.


Textos repetidos

Outras duas matérias publicadas pelo G1 em 2019 ‒ Capes retira homenagem a Paulo Freire do nome de plataforma dedicada à formação de professores e Professores mostram livro de Paulo Freire ao tirar foto com ministro da Educação ‒, embora tenham sido divulgadas em meses diferentes (uma em maio e outra novembro), trazem um mesmo intertítulo sobre Paulo Freire, com três parágrafos iguais.

O primeiro parágrafo traz informações sobre o contexto onde foi desenvolvido inicialmente o método Paulo Freire. Já o segundo apresenta um breve resumo de nove linhas sobre essa metodologia; e o terceiro tem informações básicas sobre o autor.


O pensamento de Paulo Freire

Apesar da relevância intelectual e prática da obra de Paulo Freire, o educador recebe somente alguns poucos parágrafos na mídia brasileira.

 Por que não interessa à imprensa divulgar quem é o autor e qual o conteúdo de sua obra?

Cabe questionar, também, em tempos de ódio ao educador e sua obra, qual conhecimento as pessoas têm sobre Paulo Freire ‒ se é que têm ‒ e de onde vem esse conhecimento, afinal, a grande mídia não parece se interessar muito pelo assunto.

Os textos que encontramos sobre “Quem é Paulo Freire” estão presentes especialmente em veículos de mídia segmentados, voltados à educação, como Guia do Estudante e Brasil Escola.

Vale questionar ainda qual importância teria, nas notícias, um pesquisador brasileiro ‒ mas não progressista e nem das ciências humanas, e sim das exatas, biológicas ou naturais ‒ que tivesse a mesma relevância que Paulo Freire em todo o mundo. Acreditamos que a cobertura midiática seria outra.

Seja como for, é espantoso como tantos veículos de comunicação, que reivindicam sua importância e destaque em relação aos divulgadores de “fake news”, não se interessam pelo fenômeno. Mais uma vez, nós, do PLURIS, salientamos que falta à mídia levantar da cadeira e olhar para fora da janela para verificar se cai água do céu, em um momento quando uns dizem estar chovendo e outros que vivemos a pior seca.


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