terça-feira, 1 de junho de 2021

Se é uma questão de saúde pública, onde está o Estado?

QUEM ABSORVE ESSE SANGUE?

Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos:  mulheres sangram, é preciso falar disso!

Camila Machado


Pobreza menstrual – Hoje Macau

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, em 2014, o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Porém, não se trata apenas da falta de dinheiro para comprar absorventes, mas também de direitos básicos, como produtos de higiene, educação sexual, água limpa e um banheiro com privacidade.  A pobreza menstrual nasce de uma realidade muito mais ampla e preocupante que é a falta de políticas públicas eficientes e acessíveis a todos.

Na pandemia, com a ineficiência do Estado até mesmo na manutenção das políticas já existentes, nos deparamos para além do vírus não apenas com a grave e sistematicamente negligenciada pobreza menstrual, mas também com a fome e o desemprego.  Acompanhamos as situações extremas em que muitos brasileiros estão vivendo, nas quais é preciso escolher entre comprar um pacote de absorventes e comer. Isso destrói nossa dignidade humana e vai contra nossos direitos básicos garantidos pela nossa Constituição.

 Porém, a questão da pobreza menstrual vem sendo mobilizada, mesmo que lentamente, na esfera legislativa. A deputada federal Tábata Amaral apresentou, em 2020, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que busca garantir a distribuição gratuita de absorventes femininos em lugares públicos para mulheres de baixa renda e detentas. Na justificativa do PL 428/2020, a parlamentar afirmou que cabe à Casa apontar rumos para solucionar a pobreza menstrual no País, marcada pela dificuldade de acesso a absorventes higiênicos a todos. “Não se trata só de absorvente, mas da dignidade e da saúde da mulher'', disse a primeira-secretária da Câmara, Soraya Santos (PL-RJ) na ocasião. 

Tabata Amaral acusa ministro Weintraub de divulgar seu telefoneTábata estima um custo aproximado de R$ 119 milhões ao ano. A proposta deixa a cargo do governo os custos para manutenção do programa e, portanto, também os critérios de quantidade, tipo de absorventes e locais de distribuição.


Porém, a proposta também gerou posicionamentos contrários, inclusive por membros do governo.  Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub insultou não apenas a proposta de distribuição gratuita de absorventes, mas todas as brasileiras em situação de vulnerabilidade menstrual - e o mais irônico: às vésperas do Dia Internacional da Mulher. Exalando misoginia, ele escreveu em sua conta no Twitter:


“A nova esquerda (colar de pérolas e nanciada por monopolistas) quer gastar R$ 5 bilhões (elevando impostos) para fornecer ‘gratuitamente’ absorventes femininos. Como será o nome da nova estatal? CHICOBRÁS? MenstruaBR?”.


 O número exorbitante de R$ 5 bilhões citado pelo ex-ministro foi apontado como sem fundamento por muitos economistas e foi contra a estimativa feita pela própria parlamentar. Tábata baseada no cenário de acesso aos itens para mulheres de 10 a 50 anos, com renda de até um salário mínimo afirmou que aproximadamente R$ 119,06 milhões seriam gastos por ano para implementação do projeto, jogando por terra o comentário do ex-ministro. Para Tábata, a reação negativa é fruto do preconceito contra a agenda feminina. "Pautas femininas são invisíveis e ainda um grande tabu na sociedade", escreveu a parlamentar  em suas redes.

Outro projeto ainda em tramitação na Câmara dos Deputados sobre o tema é o PL 61/2021, da deputada Rejane Dias (PT-PI), que visa incluir entre as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) o direito de acesso a absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social e em estado de pobreza extrema. A distribuição gratuita deverá abarcar “mulheres sem moradia convencional regular e que utilizem os logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, bem como aquelas que utilizam unidades de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória”, segundo a Agência Câmara de Notícias. 

Enquanto o Estado não age e busca implementar projetos de combate a desinformação e que visem dar suporte a estas mulheres para que possam cuidar da sua saúde íntima de maneira decente, milhares sangram.  E a pergunta que fica é: Quem absorve essa miséria?

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Quem absorve esse sangue?

Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos:  mulheres sangram, é preciso falar disso!

Camila Machado


Pobreza menstrual – Hoje Macau


A menstruação, apesar de ser uma questão de saúde pública, ainda é tida por muitos como um tabu e a desinformação está entre as principais causas desse problema. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, a antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que cerca de uma em cada quatro jovens já faltou à aula por não poder comprar o absorvente e não falam que foi por isso. “Elas têm vergonha, tentam esconder. A falta de absorvente provoca uma sensação de insegurança. É algo que elas sofrem sozinhas, como se fosse um fracasso, uma vergonha, isso é o que mais me chocou”, afirma. Essa fala de Mirian exemplifica, ainda que em linhas superficiais, a dimensão da pobreza menstrual no Brasil. 

Pobreza menstrual: um sofrimento invisível - Jornalismo JúniorNana Queiroz, autora do livro 'Presos que Menstruam', contou ao Fantástico parte da dura realidade das mulheres encarceradas de nosso país quando o tema é menstruação.  Muitas mulheres presas usam miolo de pão, resto de jornal, papel higiênico e até pedaços de plástico quando menstruam, por não terem acesso a kits de higiene adequados. As poucas penitenciárias que disponibilizam absorventes providenciam cerca de 8 unidades em 30 dias para cada detenta. Em seu livro, Queiroz explicita como a falta de políticas públicas para mulheres presas é gritante no Brasil. 


 A pobreza menstrual, porém, ultrapassa as grades do cárcere e atinge meninas e mulheres do país todo.  Colocando algodão, miolo de pão ou qualquer coisa que estanque o sangramento, essas mulheres passam pelo período menstrual trancadas em casa.  Na falta de absorventes o que resta é recorrer ao que se tem em casa, mesmo que sua saúde íntima fique exposta a infecções no trato urinário, nos rins e nos órgãos reprodutores que podem ou não ter um impacto momentâneo. Se duradouro, ginecologistas alertam que resíduos desse tipo de materiais podem afetar a fertilidade dessas mulheres. 

A desinformação sobre o ciclo menstrual e tudo que ele envolve também é um fator que contribui fortemente para a pobreza menstrual que, embora seja um termo que trate da falta de acesso, por questões econômicas, a absorventes e remédios contra cólicas, também é uma pobreza de informação. Esta é uma questão que, se inserida num contexto ainda mais amplo e preocupante, revela-se também um problema de saúde pública, uma vez que muitas dessas mulheres vivem em habitações nas quais falta até mesmo o saneamento básico.


UMA POBREZA EM NÚMEROS: 

Cerca de 21,8 bilhões de mulheres menstruam no planeta e 30 milhões destas são mulheres brasileiras pelo que aponta um relatório da ONG Girl UP lançado em março deste ano. A ONU estima que uma em cada 10 meninas deixe de comparecer às aulas durante a menstruação; no Brasil, esse número é de uma em cada quatro meninas.  Estudos mostram que políticas públicas ineficientes agravam ainda mais o problema e o Brasil tem se mostrado um exemplo disso.

Escócia se torna primeiro país do mundo a oferecer absorventes e tampões de  graça - BBC News Brasil

De quantos absorventes uma pessoa que menstrua precisa por ano? Considerando um ciclo de quatro dias com a troca do item a cada quatro horas, conforme recomendam especialistas, são cerca de 240 absorventes por pessoa. Dos 12 aos 50 anos, são eliminados 33,6 litros de sangue e para absorver o fluxo, são usadas mais de 8.880 unidades ao longo da vida.

Estima-se que 23% das meninas de 15 a 17 anos não tenham condições financeiras de adquirir produtos seguros para usar durante a menstruação, de acordo com uma pesquisa de 2018 da marca de absorventes Sempre Livre (que entrevistou 1.500 mulheres, de 14 a 24 anos de idade).  A mesma pesquisa revelou que em média cada mulher gasta de R$ 3 mil a R$ 9 mil com absorvente ao longo da vida. Em meio ao desemprego e à recessão que assolam o país, os absorventes, infelizmente, se tornaram um artigo de luxo e não ocupam mais a lista de prioridades das compras do mês. 

A marca de absorventes Always realizou uma pesquisa, em parceria com a Toluna1, e os dados mostram como a falta de dignidade na menstruação é um reflexo da desigualdade de gênero e é agravado pelo tabu em torno da menstruação.

 Segundo a pesquisa, uma entre cada quatro jovens não se sente confortável nem mesmo em falar sobre menstruação, e mais da metade (57%) das mulheres afirmaram que a primeira menstruação as deixou menos confiantes. A busca por informação na primeira menstruação vem quase que totalmente da mãe (79%). É comum o uso de eufemismos para evitar falar em menstruação. Cerca de 67% das brasileiras buscam palavras alternativas à “menstruação”, de acordo com a pesquisa da Sempre Livre.

Pelas entrevistas, é possível notar que o absorvente é considerado um produto de primeira necessidade e como, para estas, a falta de absorvente afeta a confiança feminina. Porém, mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas. 

Três em cada quatro afirmaram que o período menstrual tem um impacto muito negativo na sua confiança pessoal. Para meninas que não tem acesso à absorventes, o impacto na confiança é ainda pior (a falta do absorvente abalou a confiança de 51% das mulheres, trazendo vergonha a 37%). 

Ter acesso a itens de higiene durante a menstruação é mais do que uma questão de necessidade básica. Absorventes trazem dignidade e previnem doenças. Cuidar da sua saúde intima não deveria ser um tabu, porém muita gente ainda abomina o tema.


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Só os pobres aglomeram em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa  



É nítido e notório que, infelizmente, no Brasil, só preto e pobre vai preso ‒ ou para parafrasearmos a canção de Caetano Veloso: preto de tão pobres, pobres de tão pretos.


A pandemia, pois, piorou essa realidade: no país, também só pretos e pobres se aglomeram ‒ rico se diverte, realiza evento social, dá uma espairecida. Pelo menos é essa a impressão que se tem quando se observa as notícias sobre aglomerações nos portais de notícias de Divinópolis.


O Pluris fez uma busca pela palavra “aglomeração” em um site de notícias da cidade ‒ o Divinews ‒, mas que poderia ter sido feita em qualquer outro portal. Vamos restringir nossa abordagem aqui às notícias que tratam sobre aglomerações em Divinópolis, já que há matérias sobre outros municípios.



Quem aglomera e onde


Uma das notícias encontradas se refere a uma aglomeração na rua Rio Grande do Sul esquina com Minas Gerais. Na foto que acompanha a matéria, um policial militar revista jovens, que estão encostados na parede e com as mãos na cabeça. A reportagem está neste link, observe o perfil dos jovens abordados https://divinews.com/2021/05/24/divinopolis-policia-militar-e-vigilancia-sanitaria-abordam-torcedores-do-atletico-por-causarem-aglomeracao/.



Em outra matéria, a aglomeração noticiada é de adolescentes em um parque de diversões em frente a shoppings da cidade. O texto está disponível neste link, junto a um vídeo, no qual é possível ver também o perfil de quem se aglomera https://divinews.com/2021/05/16/shopping-patio-divinopolis-e-boate-mandalla-emitem-nota-de-esclarecimento-sobre-video-lhes-atribuindo-responsabilidade-de-aglomeracao/.


Em vez de buscarmos a palavra “aglomeração”, poderíamos ter procurado pelo termo “batidão” ‒ que parece ser um evento privilegiado pela PM para fiscalização e divulgação à mídia. Outro texto encontrado no Divinews, por exemplo, diz respeito a jovens baleados em uma aglomeração em um “batidão clandestino”, termo que nem mesmo deveria ser usado por carregar todo um estereótipo sobre os frequentadores. Notícia aqui https://divinews.com/2021/05/10/divinopolis-aglomeracao-jovens-sao-baleados-em-batidao-clandestino-na-comunidade-rural-do-inhame/


Já uma reportagem do último fim de semana mostra a abordagem a jovens aglomerados na Praça do Santuário, no Centro de Divinópolis. Mais uma vez com as mãos na cabeça, revistados por policiais. https://divinews.com/2021/05/29/divinopolis-123-pessoas-aglomeradas-na-praca-do-santuario-sao-abordadas-e-notificadas-por-fiscais-da-vs-com-apoio-da-pm/


Não é necessário fazer um amplo estudo sociológico para identificar qual a classe social e a cor dos jovens alvos das notícias acima: mais uma vez, apenas pretos e pobres são penalizados, responsabilizados pelas aglomerações na cidade ‒ pelo menos essa é a sensação se olhamos para a cobertura midiática local. 



A classe média branca não aglomera? 


Um único registro, por fim. Há no Divinews também a notícia de uma festa de lançamento de um DVD, que reuniu mais de 500 pessoas segundo a matéria. Para verificar o perfil das pessoas presentes, basta ver as fotos da matéria, que trazem também uma imagem do estacionamento do evento, com carros que valem alguns milhares de reais. https://divinews.com/2021/02/21/covid-19-show-de-lancamento-de-dvd-autorizado-pela-prefeitura-de-divinopolis-causa-aglomeracao/





Aparentemente, trata-se de um público muito maior do que qualquer outro das reportagens citadas acima. Mas, desta vez, a Polícia Militar apenas “estaria” no local: ou seja, sua presença nem mesmo foi confirmada. Muito menos, desta vez, há fotos dos inconscientes que se aglomeram em plena pandemia. Menos ainda, é óbvio, com as mãos na cabeça encostados na parede. 


Diante disso, é possível, no mínimo, questionar a Polícia Militar sobre os critérios de fotos de quem se aglomera ‒ por que nem todo mundo é fotografado com as mãos na cabeça? ‒ ou das ocorrências que são divulgadas à imprensa ‒ por que nem todas são divulgadas? ‒ e até mesmo de quais ocorrências a PM prefere atender ‒ afinal, a Praça do Santuário e a Rio Grande do Sul parecem ser lugares privilegiados. 


O Pluris está aberto às respostas ‒ e também atento à necessidade da autorreflexão: de nossa parte e dos outros agentes políticos.


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Retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão

Maria Clara Ribeiro


Com a aproximação dos 20 anos da “Guerra ao Terror”, os EUA parecem cumprir a promessa de apartar suas tropas do país. Entretanto, o preço foi alto - não de dólares, vidas. 


A promessa 

Neste ano, as forças estadunidenses estão deixando o Afeganistão. Neste mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que os cerca de 3 mil soldados restantes devem partir até o prazo de 11 de setembro. A data marca os vinte anos do ataque terrorista às Torres Gêmeas: liderados pela Al-Qaeda afegã, os ataques foram seguidos por uma longa campanha de guerra no Oriente Médio - retirando o Talibã do poder e expulsando o grupo da região. 

Vale ressaltar que essa decisão, que partiu do próprio presidente, rejeita a pressão do Pentágono e dos conselheiros da cúpula militar norte-americana. Estes afirmam que a retirada das forças de segurança do solo afegão pode resultar no ressurgimento das ações terroristas, defendidas como tão combatidas nas últimas duas décadas. 


Foto: Hypess


A retirada 

O campo de aviação Kandahar foi fechado discretamente, sem publicidade ou destaque midiático. Este local era uma das maiores bases estadunidenses no país, mas não foi o único a ser evacuado. A próxima ação será voltada aos caças.

As tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) também estão se retirando gradativamente e estima-se que seguirão os mesmos prazos dos EUA. Porém, as autoridades ainda precisam delinear as garantias de segurança do Aeroporto Internacional de Cabul, um detalhe que pode determinar se outras nações irão estabelecer presença diplomática no Afeganistão. 

A Otan planeja continuar treinando as Forças de Operações Especiais Afegãs, uma das mais importantes do país, ao passo que os oficiais militares estadunidenses discutem a possibilidade de manter tropas em países vizinhos para garantir segurança contra possíveis ameaças. Fontes da agência de espionagem norte-americanas afirmam que estão “avaliando” líderes regionais que podem auxiliar sob ameaças terroristas após a retirada. 


Por que as forças ocidentais invadiram o Afeganistão?

A Guerra do Afeganistão é um conflito complexo: a primeira campanha se deu em 1979, durante a Guerra Fria. A batalha foi travada entre a União Soviética e o governo afegão vigente contra as forças mujahidin - opositoras da influência estrangeira, com apoio e financiamento dos EUA. 

Durante cinco anos, de 1996 a 2001, um grupo jihadista internacional chamado Al-Qaeda conseguiu se estabelecer no Afeganistão, liderado por Osama Bin Laden - aliado americano no combate aos soviéticos durante o século passado.  A organização montou campos para treinamento de soldados extremistas e testes com produtos químicos, recrutando e treinando cerca de 20 mil voluntários – não apenas da região, mas de todo o globo. 

O grupo começou a preocupar as lideranças quando assumiu os ataques às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia em 1998, matando 224 civis africanos. A Al-Qaeda conseguiu operar no Afeganistão sob proteção do governo: o Talibã, que assumiu o controle do país em 1996, após saída do Exército Vermelho soviético, dando início à guerra civil.

Os Estados Unidos, por meio de seus aliados sauditas, tentaram persuadir o Talibã a expulsar a Al-Qaeda, mas eles se recusaram. Após os ataques de 11 de setembro, a comunidade internacional pediu à nação que entregasse os responsáveis, mas também foi negado. 

No mês seguinte, a força anti-Talibã Aliança do Norte entrou em Cabul com apoio americano-britânico. A ação resultou na retirada dos mesmos do poder e na fuga da Al-Qaeda pela fronteira com o Paquistão. Assim, oficiais de segurança dizem que, desde então, não houve novos ataques terroristas internacionais bem-sucedidos – planejados no Afeganistão. Assim, avaliando apenas a iniciativa “contraterrorismo”, afirmam que cumpriram seu objetivo.


Foto: Reprodução


Presidentes e a “Guerra ao Terror”

A campanha militar teve início com George W. Bush, mas, o que era para ser uma ação de interferência rápida e destinada apenas à capital Cabul, levou mais de 775 mil soldados norte-americanos para todo o território afegão. 

 No governo seguinte, Obama sucedeu o ritmo e aumentou o número de combatentes ativos no Afeganistão entre 2009 e 2011, seguindo o planejamento tático de enfraquecer o Talibã e reconstruir as forças oficiais afegãs – caminho contrário ao seu discurso de eleição. Ainda em 2011, anunciou medidas para retirar as tropas nacionais, com expectativas de manter 5,5 mil soldados na região até 2016, mas 8,4 mil permaneceram. 

Em 2017, Donald Trump também garantiu em sua candidatura o retorno dos militares. A guerra, descrita por ele como um “desperdício”, recebeu um conjunto adicional de 3 mil soldados estadunidenses ainda no primeiro ano de seu mandato, mas continuou afirmando que todos os combatentes rumariam para os Estados Unidos. 


Dados e previsões

É simplista ignorar os enormes impactos que a ocupação causou e ainda causa aos afegãos, principalmente civis, já que se dão vinte anos de conflito e o país ainda não está em paz. De acordo com o grupo de pesquisa Action on Armed Violence (Ação Contra a Violência Armada), em 2020, mais pessoas foram mortas por artefatos explosivos no Afeganistão do que em qualquer outra nação do mundo.

Há ainda outra preocupação: a Al-Qaeda, o Estado Islâmico (EI) e outros grupos extremistas não desapareceram, eles estão ressurgindo encorajados pela partida iminente das forças ocidentais remanescentes. Por isso, com as negociações de paz em Doha e as seguidas “vitórias” militares, o Talibã deve desempenhar um papel decisivo no futuro do país.

No entanto, o general Nick Carter, chefe do Estado-Maior de Defesa da Grã-Bretanha, afirma que a comunidade internacional construiu uma sociedade civil que dificultou a legitimidade popular do Talibã. Já o pesquisador da fundação Asia Pacific, Sajjan Gohel, é mais pessimista e diz que, sim, há uma preocupação real de que o Afeganistão volte a ser um terreno fértil para o extremismo. Segundo especialistas, dois fatores são decisivos para definir os próximos episódios: se um Talibã triunfante vai permitir as atividades da Al-Qaeda e do EI ou do quanto a comunidade internacional estará preparada (e interessada) para enfrentá-los após retorno integral das forças estadunidenses. 

A Guerra do Afeganistão já contabiliza 3.576 soldados mortos na coalizão, sendo 2.312 apenas estadunidenses. O número de civis afegãos mortos devido ao conflito ultrapassa os 35 mil, segundo a ONU. Segundo estudo publicado pelo Instituto Watson, da Universidade Brown (EUA), cerca de 150 mil pessoas morreram em consequência do conflito até 2018.  

Portanto, o futuro da segurança afegã não é claro. Com ou sem os Estados Unidos, a nação está longe de ser pacífica e garantir tranquilidade à população. O longo período de conflitos na região resultou em graves índices humanitários e, embora esteja em ascendência desde 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano do país é o 20º pior entre as 189 nações classificadas pela ONU (0,496). Para efeito de comparação, o Brasil apresenta um indicador de 0,761. 



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terça-feira, 25 de maio de 2021

Violência sexual: um crime enraizado nas estruturas do Brasil

Por Camila Machado


Uma voluntária da ONG Rio de Paz posa na praia da Copacabana, no Rio de Janeiro, em um protesto contra a violência sexual em novembro de 2016.

A violência sexual no Brasil tem se mostrado cada vez mais um problema estrutural. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que 120 milhões de mulheres tiveram um contato sexual indesejado antes dos 20 anos. As vítimas não seguem um padrão, mas os agressores sim. A violência sexual atinge principalmente os mais vulneráveis e tende a perdurar por anos, uma vez que estas pessoas geralmente são agredidas em suas próprias casas − por seus pais, padrastos, tios, vizinhos ou primos.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, dos 66.348 estupros registrados em 2019, mais da metade (70,5 %) das vítimas eram menores de 14 anos, o que representa o número estarrecedor de quatro meninas estupradas por hora. Verifica-se que em 84,1% dos casos o autor era conhecido da vítima, explicitando o grave contexto de violência intrafamiliar brasileiro. As agressões podem começar cedo e ainda que invasivas tendem a serem sutis. Não é rara também a cumplicidade da mãe e/ou de outros parentes, a responsabilização da vítima e o desamparo desta em situações onde o agressor é quem traz o dinheiro para casa. 

Estes números apresentados pelo Anuário, no entanto, dão conta apenas dos crimes sexuais notificados às polícias. Não se sabe ao certo o tamanho da face invisível desses crimes, que são marcados por uma imensa subnotificação. A omissão deste tipo de violência na maioria das vezes é fruto do medo, do sentimento de culpa e vergonha com que convivem as vítimas e até mesmo do desestímulo por parte das autoridades (Scarpati, Guerra e Duarte, 2014). Segundo o Anuário, as estimativas existentes mostram que esse número pode ser até dez vezes maior, porém nos faltam estudos e pesquisas sobre o problema.

Ainda dentro desse tema da subnotificação, é preciso falar também da chamada violência institucional, pela qual a vítima pode ser exposta após decidir contar o seu caso.  Principalmente na violência contra vulneráveis, é comum que, ao longo do processo de repetição de seu primeiro relato perante o Conselho Tutelar, a Polícia, o hospital etc. as vítimas acabem longe de seus parentes, seu bairro, sua escola e seus amigos. Então, sem apoio psicológico e/ou familiar, essas crianças, quando submetidas repetidamente a uma avalanche de perguntas, se contradizem ou omitem deliberadamente informações, porque o preço que pagariam por revelar o abuso seria alto demais. Geralmente o que temos é a palavra da criança contra a do adulto e entrega-se então o “coelho à raposa” - com aval judicial.  Pois, como afirma a jornalista Ana Paula Araújo, em seu livro “Abuso: a cultura do estupro no Brasil”, o estupro é o único crime em que a vítima é quem sente culpa e vergonha. 

Tendo tudo isso em mente, é preciso olhar com outros olhos para os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020.  Pois, embora os dados sobre o primeiro semestre apresentem uma redução das agressões sexuais, se comparado ao ano anterior, isso nos faz questionar a influência da pandemia na subnotificação dos casos. Os dados apresentam uma redução de 22,8% dos casos totais de estupro (saindo de 33.561 para 25.922).  Porém, nesse mesmo período as denúncias por violência doméstica foram 142.005 para 147.379 e se levarmos em consideração que mais de 80% dos estupros são praticados por membros da própria família da vítima, podemos estimar que realmente foi o número de denúncias que caiu de 2019 para 2020. 

O cenário da pandemia parece impor desafios ainda maiores para o enfrentamento da violência sexual. Todos esses dados que fiz questão de apresentar aqui servem apenas para reafirmar a necessidade de uma efetiva priorização deste tema na construção de uma política pública forte e consistente, não limitada apenas aos setores da segurança pública, mas igualmente aos campos da saúde, educação e assistência.   Não podemos mais fechar os olhos para o que parece ser a cumplicidade do Estado com estes crimes, porque assim estaríamos nós mesmos sendo também cúmplices dessa barbárie. É preciso ouvir e dar voz a essas mulheres clamando por justiça. Porque hoje, mais do que nunca, o que ecoa nos quatro cantos deste país é um rastro de injustiças e morte deixado pelas pessoas que sempre saem impunes, seja qual for o crime. Mais do que saber “de quem é esse sangue todo?” queremos saber quem o derramou. 



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Crise Migratória na Espanha

Maria Clara Ribeiro 


Marroquinos e subsaarianos buscam uma saída para a crise, agravada pela pandemia. Cidade destino, Ceuta relembra Marcha Verde, episódio que marcou a Espanha na década de 1970.


Desde segunda-feira, 17, mais de oito mil pessoas entraram em Ceuta, uma cidade autônoma da Espanha na costa do Marrocos, na parte africana do estreito de Gibraltar, a nado ou a pé, arriscando-se por Benzú, entrada norte, e El Tarajal, ao sul, por consequência da vigente disputa diplomática entre Rabat e Madri. Esta não é a primeira vez que o município enfrenta o efeito das relações fronteiriças: sua história evidencia as consequências de uma relação bilateral, que afeta diretamente as comunidades de ambos os lados da fronteira.  

A maioria dos ingressantes é de origem subsaariana e marroquina. Imagens de pessoas desfalecidas na praia, pelo cansaço e hipotermia, surpreendeu o público e a comunidade internacional. Em imediato, as Forças de Segurança marroquinas cercaram os principais perímetros de entrada e saída da fronteira, incluindo as trilhas da mata, para conter a chegada em massa na cidade. 


Foto: EFE


A maioria gritante dos migrantes é composta por jovens, incluindo adolescentes, que buscam melhores condições de vida e direitos básicos. Entre os relatos, a maioria afirma que quer apenas encontrar um trabalho para ajudar a família e minimizar os efeitos da pobreza e da fome no país, cuja circunstância foi brutalmente intensificada com a disseminação da Covid-19 na região.  

Categorizados como “eufóricos” pela grande mídia, os migrantes se espalharam estrategicamente na cidade para não serem impedidos ou cercados pelos oficiais de segurança. Os esforços foram rapidamente reforçados com a convocação de soldados, os quais chegaram dirigindo veículos blindados nas linhas fronteiriças. A situação tornou-se ainda mais caótica após forte repressão dos agentes, prendendo e encaminhando os grupos de volta ao país de origem. 

Durante a semana, centenas de pessoas retornaram voluntariamente a Marrocos após pressão governamental, mas o Governo Espanhol informou, em declaração oficial, ter “devolvido” mais de seis mil migrantes e que restariam aproximadamente dois mil na cidade, dos quais 800 são menores. 

A Polícia Nacional e o Exército custodiam os imigrantes nos galpões de El Tarajal (Ceuta).

Foto: El Pais


Apesar do caos gerado, a maioria da população se simpatiza com os migrantes e, por isso, muitos jovens foram vistos percorrendo as ruas do município portando sacolas com alimentos e cobertores, itens doados pelos moradores. Muitos cidadãos relatam ter doado também moedas e pequenas quantidades de dinheiro. 

As ONGs, que prontamente se mobilizaram na região, distribuíram produtos e objetos de higiene pessoal, principalmente máscaras. Na última quarta-feira (19), a Cruz Vermelha se alojou próximo à fronteira e começou a fazer exames de coronavírus, além da distribuição de kits de proteção. Os voluntários se somaram ao grupo, alertando para as medidas de segurança à saúde, como o uso correto da máscara. 

Ceuta é uma cidade espanhola localizada na margem africana oriental, conta com cerca de 85 mil habitantes e totaliza uma área limitada de aproximadamente 14 quilômetros quadrados. Por seu caráter autônomo, os cidadãos a denominam, junto à Melilla, como “cidades esquecidas” pelo governo. Com isso, muitos moradores – em destaque à minoria que não estava contente com a situação – afirmaram que este era um episódio previsível e que era nítido que se complicaria rápido e facilmente. 


Segunda Marcha Verde?

Apesar de estar sendo estimada esta possível “qualificação” do ocorrido migratório, esta caracterização é equivocada. De forma sintética, corrida em novembro de 1975, a Marcha Verde foi uma marcha popular de proporções altíssimas, quando uma massa de civis marroquinos caminhou até a fronteira do país com bandeiras e fotos do rei vigente. 

Após esta manifestação, o governo espanhol estabeleceu negócios com Marrocos e Mauritânia, resultando no Acordo de Madri – que dividiu a colônia entre os dois países. Porém, esta negociação infringiu as normas de descolonização do Saara e, após reivindicações, a Mauritânia abdica o território conquistado enquanto Marrocos insiste na ocupação. 

Entretanto, ainda hoje, após vinte anos da virada do século, a União Africana e a ONU consideram o Saara Ocidental uma região que deve ser descolonizada pela Espanha, mesmo que em alguns casos isso se dê “informalmente”. 


A Marcha não contada

No primeiro semestre de 2020, a imprensa espanhola divulgou documentos da Agência Central de Inteligência estadunidense (CIA) atestando que, em 1975, os EUA temiam um colapso do regime franquista para os socialistas e, assim, uma possível independência do Saara espanhol para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). 

Consequentemente, Henry Kissinger, Secretário de Estado norte-americano, junto ao rei Hassan II, de Marrocos, organizaram em conjunto a Marcha Verde. Como resultado, o governo espanhol descolonizou o Saara. 

Porém, dias depois, foi anunciada a morte de Francisco Franco, Caudillo da Espanha - designação para ditador e chefe de Estado. Assim, a CIA abordou o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e garantiu apoio em troca da permanência das bases da OTAN no seu território e o Saara espanhol. Entretanto, os dirigentes recusaram a ajuda e o Serviço Secreto impulsionou a eleição de Felipe González como Secretário-Geral do Partido.


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sábado, 22 de maio de 2021

Israel e Palestina: dimensão da hostilidade após uma semana de conflito

Maria Clara Ribeiro


Dando continuidade à série especial sobre a questão Palestina-Israel e os recentes e violentos conflitos, nesta semana o Pluris procura dar uma dimensão sobre a tragédia humanitária em que se transformou a batalha e quais são as possíveis consequências, para a região e também para o restante do planeta, desses momentos tragicamente decisivos.

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O conflito acontece em duas perspectivas: cidades judaicas-árabes, principalmente em Israel e Tel Aviv, e a Faixa de Gaza, território palestino com dois milhões de habitantes sob controle israelense. As cidades começaram a ser alvo de ataques desde segunda-feira (10). Com alegações não surpreendentes, líderes de ambos os envolvidos alegam que as investidas são medidas de contra-ataque, mas este jogo acelera ainda mais a violência do conflito.

Após o processo de Paz de Oslo, em 1990, quando houve um breve momento de esperança de cessação e acordo, é necessário adquirir um novo olhar para este conflito: ambos os líderes travam suas batalhas a partir de interesses dominantes através de políticas internas, objetivando a manutenção de sua posição, enquanto a questão fundamental deveria ser o planejamento para obtenção da paz. 


Foto: Agência Wafa


Potência dos ataques

Militares israelenses alegam que os ataques em Gaza são resposta ao atentado contra Jerusalém, quando mais de mil foguetes foram lançados contra a cidade (10/05). Em contrapartida, militantes palestinos justificam-se pela destruição israelense a moradias civis, quando um ataque aéreo demoliu um prédio de treze andares em Gaza e deixou 20 mortos (11/05). Como nova resposta, 200 foguetes foram lançados contra Tel Aviv e Beershba. 

No início dos conflitos, houve explosão decorrente de um projétil em um complexo residencial, resultando em cinco feridos. Em seguida, a aviação israelense bombardeou parte do grupo Hamas, usando 80 aviões de guerra F-35. O ataque contou com a alegação de espionagem e descoberta da residência de inimigos do Estado israelense - logo depois, a morte do comandante militar do grupo rival foi confirmada pelo serviço de inteligência do governo. 

Na última quinta-feira (13), as Forças de Defesa israelense anunciaram novo ataque solo. Apesar de afirmarem que não houve operação em Gaza, fontes militares confirmam que o governo bombardeou a região mais de 600 vezes desde o início dos conflitos. Em contra-ataque, movimentos palestinos laçaram mais de 1.600 foguetes em território israelense. 

No mesmo dia, Benny Gantz, Ministro de Defesa de Israel, ordenou mobilização das forças de segurança nacional para regiões urbanas com grande concentração de palestinos, alegando o combate à violência interna. Além disso, Gantz demonstrou interesse em convocar militares da reserva da Guarda de Fronteira, operando na Cisjordânia. A Associated Press, agência global independente, informa que mais de nove mil oficiais já foram convocados. 

Apesar do aparente recuo de ataques, a Esplanada das Mesquitas, em Jerusalém, ainda recebe ataques mobilizados por militantes de extrema-direita. O local é tido como o mais sagrado do Judaísmo e o 3º mais sagrado do Islamismo. O alvo dos conflitos são, principalmente, as forças de segurança e cidadãos israelenses. 

O exército de Israel retomou os ataques à Gaza na madrugada desta segunda-feira (17), quando um intenso bombardeio provocou a destruição de dezenas de edifícios residenciais e corte de energia elétrica em questão de minutos. As autoridades locais ainda não divulgaram o novo balanço de vítimas. 


Violência em números

O número de palestinos mortos nos conflitos em Gaza já totaliza 197, segundo o ministério da Saúde da Faixa de Gaza, região liderada pelo movimento Hamas. Dentre estes, 58 são crianças ou menores de idade. Do lado israelense, são 10 mortos, incluindo uma criança. Além disso, os bombardeios já deixaram mais de 1.200 feridos de ambas as partes, sendo 294 em Israel. 

Mas por que os números israelenses são tão discrepantes? Apesar de também receber intensos ataques, Israel conta com seu Domo de Ferro, poderoso escudo antimíssil. Como exemplo, sabe-se que dos cerca de 1.050 mísseis e morteiros disparados nos primeiros dias, 850 foram interceptados pelo sistema, destruindo os mesmos no ar e impedindo que caiam em áreas civis. Mas, até o momento, calcula-se que cerca de 4 mil projéteis tenham sido lançados, por ambas as partes, desde o início das hostilidades. 


Prédio derrubado por ataque israelense em Gaza

Foto: AFP


Internacionalização do conflito

A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Liga Árabe condenaram a escalada de violência e, em comunicado da Comissão de Direitos Humanos, afirmou que "as forças de segurança de Israel devem permitir e garantir o direito dos palestinos à liberdade de expressão, associação e reunião". Da mesma forma, o chefe da Liga Árabe, Ahmed Aboul Gheit, alegou que "a violação de Jerusalém por Israel e a tolerância do governo com os extremistas judeus que são hostis aos palestinos e árabes é o que está inflamando a situação dessa maneira perigosa".

Após intensificação dos conflitos, o Conselho de Segurança da ONU realizará a terceira reunião sobre a questão em menos de sete dias. Nos encontros anteriores, representantes dos Estados Membros não aceitaram o envio de declaração oficial pedindo o cessar dos ataques, considerando uma ação contraproducente, isto é, quando há grandes riscos de se produzir ações opostas ao esperado. 

Os governos cubano, venezuelano, russo e iraniano repudiaram os ataques promovidos por Tel Aviv por meio das suas chancelarias. Além disso, especialistas pediram aos EUA que possam estimular “a igualdade total e o direito de voto para todos os que residem no território sob controle israelense” e que “não devem apoiar dois sistemas separados e desiguais”. Como consequência, parte da população dos Estados Unidos se juntou à Holanda, Inglaterra, Kuwait e África do Sul, onde milhares de pessoas realizaram protestos exigindo o fim da violência contra a Palestina.

Como consequência, nesta semana, fontes diplomáticas de Washington enviaram um emissário às regiões para negociar o desaceleramento do conflito. Entretanto, o presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, apresentou uma postura omissa aos ataques israelenses e surpreendeu apoiadores ao fazer menções curtas e faltosas. Em contrapartida, representantes de Moscou solicitaram encontro do Quarteto para o Oriente Médio, grupo composto pela Rússia, EUA, União Europeia e ONU. 


Perspectiva sobre a Covid-19 

Nas últimas semanas, o sistema de saúde de Gaza já travava batalha contra o aumento descontrolado de casos de coronavírus, sendo necessário o esvaziamento dos quartos, suspensão de atendimentos básicos e cancelamento de cirurgias para o redirecionamento dos profissionais de saúde, médicos, enfermeiros e técnicos, para auxiliar os inúmeros pacientes com dificuldade respiratória. Em meio a este caos, os bombardeios começaram e atingiram a concentrada área residencial dos palestinos. Assim, os profissionais se esforçam para salvar os infectados pela Covid-19 e vítimas atingidas por explosões, desabamentos e estilhaços, sendo necessários a reatividade de procedimentos cirúrgicos, principalmente para amputações. 


Foto: Agência Wafa


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quinta-feira, 20 de maio de 2021

Israel e Palestina: fatores que motivaram o agravamento do embate

Maria Clara Ribeiro


Dando continuidade à Série de textos que tentam elucidar a escalada de violência na Palestina, nesta semana o Pluris tenta elucidar as razões por que houve um aprofundamento da crise até o ponto de estarmos vivenciando uma verdadeira calamidade humanitária.

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A não-resolução de antigos conflitos entre judeus e árabes, envolvendo regiões de Jerusalém e Faixa de Gaza, continuam exterminando vidas de ambos os grupos envolvidos, israelenses e palestinos. Especialistas caracterizam o conflito como “uma ferida aberta no coração do Oriente Médio”, pois, há mais de 100 anos, os grupos lutam para dominar as terras entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. 

Vale ressaltar que esses locais apresentam enorme importância para cristãos, judeus e mulçumanos, mas também avançam como símbolos nacionais de poder. Apesar de uma série de amplas derrotas aos palestinos, Israel ainda não pode de declarar dominante ou “vitorioso” enquanto durar o conflito, haja visto que nenhuma das partes e sua população estarão seguras. Além disso, o conflito se desenha com cada vez mais ataques a núcleos urbanos nos últimos 15 anos e o novo estopim de ataques consiste na interrelação de cinco fatos. 


A cada bombardeio, nossa casa chacoalha", diz testemunha sobre ataques no  Oriente Médio

Foto: CNN


Dia de Jerusalém

O primeiro fator que impulsionou a nova escalada de ataques violentos foi o Dia de Jerusalém. Nessa data, marcada pela realização da Marcha da Bandeira, israelenses celebram a captura da parte oriental de Jerusalém por Israel, em 1967. É preciso destacar que o destino da Jerusalém Oriental está no centro do conflito israelense-palestino, pois ambas as partes reivindicam seu direito sobre a cidade. Além disso, o governo israelense considera a cidade inteira como sua capital, mesmo não reconhecida pela maioria da comunidade internacional, enquanto os palestinos a reivindicam como sua futura capital – como futuro Estado independente.


Possível despejo de famílias palestinas

O segundo episódio se dá pelas ameaças de despejo a famílias residentes em Sheikh Jarrah, um bairro palestino. A região se localiza na parte exterior dos muros da Cidade Velha, com vastas terras e propriedades reivindicadas por judeus israelenses. Apesar de parecer uma luta por terras, a disputa tem o objetivo de tornar Jerusalém mais judaica, ou seja, representa um esforço governamental para estabelecer uma comunidade mais hegemônica. Como estratégia, o governo alega violação ao direito internacional por meio da ocupação ilegal. A Suprema Corte de Israel realizaria uma audiência sobre o caso na última segunda-feira (10), mas a sessão foi adiada devido aos crescentes ataques.


Ramadã

O Ramadã é o nono mês do calendário islâmico e é considerado um período sagrado para os mulçumanos, muito dedicado ao jejum e cerimônias para buscar a renovação da fé. Entretanto, nas últimas semanas, houve restrições à entrada de palestinos à Cidade Velha – durante a celebração – e protestos de judeus nacionalistas, pedindo até “morte aos árabes”. A situação se agravou após a vigilância ameaçadora israelense nos centros religiosos, incluindo o uso injustificável de spray de pimenta e granadas de choque no interior da Mesquita de Al-Aqsa – um dos mais sagrados locais mulçumanos, atrás apenas de Meca e Medina. 

Antes do início dos ataques, o Hamas -movimento islamita palestino - emitiu um ultimato para que Israel retirasse suas forças do complexo das Mesquitas e cessasse os ataques aos religiosos. Após persistência dos ataques, o grupo disparou foguetes contra Jerusalém. Seguindo esta tacada, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, publicou em seu perfil que “As organizações terroristas em Gaza cruzaram a linha vermelha. Israel responderá com grande força” e, assim, iniciou-se o conflito armado direto.

A Faixa de Gaza permanece bloqueada por Israel, impedindo o acesso da população a mercadorias, água e medicamentos em geral. Segundo a sessão das Nações Unidas que atende os refugiados palestinos, as reservas de combustível podem esgotar-se a qualquer momento.


Indecisão política em Israel

A instabilidade política israelense é um fator importante na escalada do conflito. O governo permanece transitório e indefinido após a quarta eleição em dois anos. Em suma, o premiê Benjamin Netanyahu não conseguiu compor uma coalizão para assegurar a maioria no Parlamento, agora negociada por Yair Lapid, líder do Yesh Atid (partido centrista do país). Para isso, Lapid necessita apoio de Naftali Bennet, ultranacionalista do partido Yamina, que conta com sete deputados. Ambos arquitetam um Gabinete Nacional com alternância no posto de primeiro-ministro.


Disputa na Palestina

O estopim final ocorreu após a iniciação do conflito. A Palestina se preparava para realizar as primeiras eleições em 15 anos, no dia 22 de maio, quando Mahmoud Abbas, presidente da autoridade palestina, anunciou a interrupção do calendário até que toda a população dispusesse de condições para acompanhar o processo eleitoral. Entretanto, a decisão foi repudiada e tida como golpe e, consequentemente, elevou as tensões entre as duas facções políticas que dividem geograficamente os palestinos – Fatah (Cisjordânia) e Hamas (Faixa de Gaza). Abbas contatou o representante de Política Exterior da União Europeia, Josep Borrell, e com o rei da Jorndânia, Abdullah, pedindo solidariedade. 


Protestos em solidariedade à Palestina marcam sábado no Brasil | Geral

Foto: Brasil de Fato


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