terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Elon Musk, liberdade de expressão e manipulação

 A decisão do magnata de fechar o escritório da rede social X no Brasil visa evitar cumprimento de ordens judiciais, potencializando riscos de desinformação e interferência nas eleições

Por: Maria Eduarda Bianchi Umebara


No dia 17 de agosto, a rede social X anunciou a saída de seu escritório do Brasil por meio de uma nota publicada na própria plataforma. No comunicado, a empresa afirmou que decisão foi tomada devido a ameaças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes ,que teria advertido sobre a possível prisão de um funcionário, o representante legal da rede no país, caso não fossem cumpridas as "ordens de censura". Para proteger a segurança de sua equipe, alegou a nota, a rede social optou por encerrar suas operações no país. No entanto, a plataforma continua disponível para uso dos brasileiros.

A tensão entre o ministro e Elon Musk, dono da rede social, vem crescendo desde abril deste ano, após decisões judiciais que visavam bloquear contas populares do Brasil que disseminam fake news e atacam as instituições brasileiras. Musk acusou Moraes de censura, levando o ministro a incluir o empresário no inquérito das milícias digitais e abrir uma investigação por possíveis crimes como obstrução à Justiça. Além disso, Moraes impôs uma multa diária de 100 mil reais para cada perfil reativado em descumprimento da ordem judicial. Musk reagiu com críticas severas, chamando Moraes de "ditador brutal".

No dia 8 de agosto, o ministro havia determinado o bloqueio de 7 perfis, incluindo o do senador Marcos do Val (Podemos - ES). Entretanto, o X não cumpriu com a decisão judicial. Com isso, segundo os documentos compartilhados pela rede social, Moraes determinou, na sexta-feira (16), uma intimação dos advogados da plataforma no Brasil, buscando que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas, o bloqueio das contas desses usuários.

O fechamento do escritório da empresa no Brasil pode complicar a aplicação da legislação brasileira à plataforma. No entanto, segundo o especialista em direito digital Marcelo Crespo, mesmo sem um escritório físico no país, a empresa ainda está legalmente obrigada a cumprir as leis nacionais. A dificuldade é que as ordens judiciais precisarão ser enviadas à sede internacional da empresa, o que pode atrasar ou dificultar seu cumprimento.

Crespo aponta que a decisão de Elon Musk parece ser “estratégica”, uma vez que o empresário não tem interesse em seguir a legislação brasileira.

Embora o X desempenhe um papel crucial na promoção de debates entre pessoas de diferentes regiões, a falta de mecanismos eficazes para aplicar a lei pode resultar em graves consequências para o país. Muitos perfis continuarão a disseminar fake news, especialmente durante períodos eleitorais, interferindo diretamente no processo democrático e criando um cenário em que a desinformação pode se espalhar sem controle, influenciando a percepção pública e comprometendo a integridade das eleições, com narrativas deliberadamente falseadas para moldar opiniões e decisões de voto.

Se, sim, esse um debate antigo e é válido o argumento de que falseamento de narrativas, boatos, mentiras e manipulações fazem parte da vida social e da própria democracia, é preciso não perder de vista o alcance e poder das mídias sociais - e consequentemente de seus proprietários - nesse processo. O regramento e a responsabilização portanto devem levar em conta essas características.

A decisão de Elon Musk, o magnata dono da gigante dos veículos elétricos Tesla, que já disse que buscaria fontes de lítio onde quer que fosse, mesmo que para isso fosse necessário derrubar governos democraticamente eleitos, coloca em evidência que sua preocupação pode não ser exatamente a defesa da liberdade de expressão.

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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Corrida para o precipício

 Por Gilson Raslan Filho


Folha de S.Paulo protagonizou, nas últimas semanas, uma das cenas que traduzem a crise por que passa o jornalismo brasileiro

O fim de tarde de 13 de agosto trazia consigo uma notícia que prometia, mais uma vez, abalar as estruturas da República e mudar completamente o quadro político brasileiro. Em parceria com o ativista e jornalista estadunidense Glenn Greenwald, a manchete do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL destacava: Alexandre de Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas.

A acusação era grave: o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes teria burlado normas implícitas do processo judicial para fornecer informações ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que conduzia os processos contra tentativa de golpe de estado e outros crimes.

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente




As informações, vazadas para Greenwald, ganharam imediata correlação com a Vazajato, que expôs, por meio de vazamentos de milhões de mensagens privadas, o esquema nada republicano adotado pelo então juiz Sérgio Moro e membros do Ministério Público que cuidavam do processo da Lava-Jato. E de fato, anda no calor da divulgação, parecia que os blocos tectônicos se moviam.

Glenn Greenwald, havia meses gritava contra uma perseguição a bolsonaristas. Os bolsonaristas, presos ou em liberdade, inclusive o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, enrolado em acusações de diversas formas de irregularidades e crimes, não perderam a chance de gritarem contra uma alegada perseguição judicial liderada pelo ministro Alexandre de Moraes. O Brasil ficou em suspenso. E na noite do mesmo dia houve uma mobilização da mídia brasileira para tentar esclarecer o fato – que afinal, se verdadeiro, seria muito grave e justificaria a gritaria e a correlação com a Vazajato.

A fervura, todavia, começou a baixar já na manhã do dia seguinte. Excetuando os diretamente interessados e seus porta-vozes na mídia, começou a se formar o consenso, inclusive entre juristas, de que o ato de ofício praticado pelo Ministro Alexandre de Moraes não feriu qualquer rito jurídico.

Além disso, esclareceu-se que houve confusão, por parte da Folha de S.Paulo e de Glenn Greenwald - que, em sua grita, reivindicava a 1ª Emenda à Constituição dos EUA –, sobre o alcance, inclusive constitucional, do TSE, comandado por Moraes. O TSE é tribunal apenas no nome.

A justiça eleitoral brasileira, algo raro e merecedor de elogios ao redor do mundo, é uma agência governamental que produz, aplica, cumpre normas e governa todos os assuntos referentes ao processo eleitoral. É uma agência vinculada ao judiciário, surgida para romper com uma tradição de sistemáticas fraudes eleitorais por autoridades vinculadas ao executivo nos primeiros decênios de República oligárquica, fundada por coronéis.

O que se exigia e que fundamentou a denúncia da Folha foi a incompreensão dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros. E mesmo a reivindicação de ato fora do rito – a acusação é de que o Ministro do Supremo Alexandre de Moraes não pediu formalmente ao Presidente do TSE Alexandre de Moraes as informações, que foram ainda assim encaminhadas pelo presidente do TSE ao ministro do STF – pareceu uma exigência delirante.

Ainda assim, o jornal manteve sua denúncia no dia seguinte – e reverberou as vozes de quem se interessava pela “denúncia”: os acusados, que apenas naquele momento suspenderam o apelido que conferiam ao grupo de comunicação: “foice” de São Paulo, em alusão à foice e ao martelo que simbolizam o movimento comunista.

Essa simpatia repentina da parcela de extrema-direita pela Folha explica em parte o imenso erro cometido pelo jornal: na ânsia de se mostrar independente e alheio a ideologias, publicou uma história que reforçaria a extrema-direita da mesma maneira que havia publicado a vazajato, que reforçou a narrativa da esquerda, uma história que seria facilmente derrubada caso os jornalistas da casa fizessem o elementar: checassem as denúncias, até que verificassem sua real dimensão.O outro problema decorre do primeiro: por que os jornalistas não checaram? Essa questão tem resposta mais difícil, porque são múltiplas as razões. Todavia, nenhuma resposta é mais contundente do que os dados de pesquisas que indicam a juvenilização da redação da Folha S.Paulo, por razões estritamente mercantis: jornalistas experientes, que foram formados quando jovens por outros jornalistas experientes, são hoje dispensados porque jornalistas jovens, os focas, custam mais barato.

As seguidas barrigas da Folha e uma sensação de indigência generalizada do jornalismo brasileiro têm uma razão tristemente simples: o jornalismo é uma arte em que os velhos profissionais garantem a excelência do produto, mas a ganância dos proprietários tem excluído os mestres-jornalistas, que ensinam os jovens a como evitar erros, especialmente como evitá-los por confiar de forma desmesurada em seu próprio ímpeto.

Essa tem sido uma regra generalizada nas empresas de comunicação, e o resultado é a constatação da decadência técnica e moral do jornalismo brasileiro. A pergunta que resta: qual nação pode sobreviver a um jornalismo decadente? A sociedade brasileira terá condições de enfrentar o problema?
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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Jogos olímpicos de Paris: polêmicas e debates para a sociedade

 Por Antônio C.M. Mesquita

Foi encerrado há alguns dias os Jogos Olímpicos de Paris, e durante a principal celebração do esporte dois assuntos polêmicos viraram destaque, trazendo a possibilidade do debate.

O primeiro deles ocorreu durante a cerimônia de abertura, realizada em 26 de julho. No segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, incluindo drag queens e a DJ Bárbara Butch, surgiu atrás de uma longa mesa, numa composição que muitos, especialmente nas redes sociais, identificaram como uma paródia da célebre obra "A Última Ceia de Cristo", de Leonardo Da Vinci.

Embora a verdadeira inspiração para a cena tenha sido a pintura “Festa dos Deuses”, do pintor holandês Jan Van Bijlert, que celebra o deus grego Dionísio (ou Baco), o deus do vinho e das festividades, a semelhança visual com "A Última Ceia" desencadeou um acalorado debate entre diferentes espectros políticos.

Vários políticos de direita criticaram o que consideraram uma demonstração de "intolerância religiosa" e uma "profanação da Santa Ceia". Essas críticas surgiram não só na França, mas também em outros países, como o Brasil, onde figuras públicas condenaram a apresentação, classificando-a como desrespeitosa às tradições cristãs e aos valores religiosos. Para esses críticos, a paródia representou um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando preocupações sobre a preservação de símbolos e tradições religiosas no espaço público.

Outra polêmica envolveu o surfista brasileiro João Chianca. Durante os Jogos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) exigiu que o atleta removesse a imagem do Cristo Redentor de suas pranchas. Para muitos cristãos, isso foi visto como uma afronta, especialmente em um contexto onde já se discutia a aparente desconsideração de símbolos religiosos.

Alguns argumentaram que essa decisão do COI desrespeitava o profundo sentimento religioso dos cristãos, para os quais o Cristo Redentor é um ícone sagrado, representando a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, além de simbolizar sua paixão e calvário.

O mestre em Ciências da Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa acrescentam que "A Última Ceia" permanece como um elemento central nos rituais cristãos até os dias atuais. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados, além de Leonardo da Vinci, pintaram suas versões do relato bíblico da Última Ceia, incluindo Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista intitulada "O Sacramento da Última Ceia". Segundo os especialistas, "os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos".

Os especialistas destacam que, assim como a pintura "A Última Ceia" foi uma ressignificação cultural em seu tempo, a performance olímpica também ressignificou a "Última Ceia", adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo. Eles sublinham que a falta de imaginação e compreensão do significado simbólico impede uma visão mais ampla. "Esse comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma literal, sem reconhecer seu caráter metafórico", concluem.

Outro tema que gerou polêmica envolve a boxeadora argelina Imane Khelif derrotou a italiana Angela Carini em apenas 45 segundos, com um golpe forte no rosto da adversária, durante uma luta de boxe feminino. Após o impacto, Carini dirigiu-se ao seu corner para ajustar o capacete, mas em seguida abandonou a luta.

Segundo relatos no local, a italiana teria se sentido injustiçada pelo fato de Khelif já ter sido reprovada em um teste de gênero durante o Mundial de 2023. Apesar das controvérsias, o COI declarou que a atleta argelina estava apta a competir nos Jogos Olímpicos de Paris. Carini, por sua vez, negou que seu abandono tenha sido motivado por preconceito.

De acordo com as normas do Comitê Olímpico, atletas só podem ser excluídas das competições femininas quando fica claro que possuem uma vantagem injusta sobre as outras competidoras ou por questões de segurança. Contudo, a Associação Internacional de Boxe (IBA) não divulgou os motivos exatos pelos quais Imane Khelif e Lin Yu-ting não passaram nos testes de gênero no ano anterior, apenas informando que os níveis de testosterona das atletas, que poderiam impactar o desempenho, não foram medidos.

É importante notar que nem Khelif nem Yu-ting se identificam como transgênero. Existem diversas condições genéticas, como a síndrome de insensibilidade a andrógenos, que podem fazer com que mulheres apresentem o cromossomo Y, o que pode ter contribuído para as polêmicas em torno da elegibilidade das atletas.

Essas duas polêmicas nos Jogos Olímpicos de Paris evidenciam as complexas intersecções entre arte, religião, esporte e questões de gênero no mundo contemporâneo. A representação simbólica e a performance artística, como visto na cerimônia de abertura, continuam a desafiar interpretações tradicionais e a suscitar debates sobre o equilíbrio entre liberdade criativa e respeito cultural.

Por outro lado, as controvérsias em torno da elegibilidade de atletas no esporte, como no caso de Imane Khelif, ressaltam a necessidade de critérios claros e justos que considerem tanto a inclusão quanto a equidade competitiva. Em um cenário global cada vez mais diverso e plural, esses debates mostram a importância de promover diálogos construtivos que respeitem as diferentes perspectivas culturais, religiosas e identitárias, ao mesmo tempo em que garantem um ambiente de competição justo e seguro.
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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A profissão jornalística e os impactos das ferramentas digitais

 Como a adoção de IA nas diretrizes do Grupo Globo é reflexo dos novos rumos do jornalismo

Por Heloisa De Tofoli e Victoria Ribeiro


Segundo o código de ética do jornalismo previsto no ano de 1987, o jornalista tem por objetivo garantir o acesso à informação à população, por meio de uma apuração cautelosa. Dessa forma, o profissional em exercício precisa se manter atualizado, a fim de assegurar o seu compromisso com a verdade. Porém, tal ação requer tempo e cuidado, logo algumas redações passaram a buscar estratégias, a fim de otimizar todo o processo e consideraram o uso da inteligência artificial como recurso.

Todas as vezes que surge alguma máquina que interfira no mundo da produção - não só do jornalismo - duas reações são comuns: um temor generalizado em relação ao novo; e a promessa de revoluções produtivas, quase sempre a partir do elogio do incremento da produtividade e, em algumas vezes, de diminuição da quantidade de trabalho humano.

Se podemos considerar as primeiras reações como exageradas, uma vez que há, com a emergência de novas técnicas e máquinas, não apenas a desaparição de atividades e profissões, mas o surgimento de outras, por outro lado, quase nunca essa emergência significa diminuição da quantidade de trabalho humano. Ao contrário. No caso do jornalismo, por exemplo, o surgimento das inteligências artificiais têm significado não apenas sobrecarga do jornalista como um profissional ‘multitarefas’ - significa aprofundamento da precarização do trabalho do jornalismo, com impactos profundos na qualidade do material informativo que circula socialmente.

Para pensar sobre isso, este texto realiza uma análise sobre as diretrizes do Grupo Globo que decidiram adotar a IA nos seus princípios editoriais no dia 27 de janeiro deste ano.

O Grupo Globo adicionou uma terceira seção aos seus princípios editoriais chamada: “O uso de inteligência artificial no jornalismo”, a qual possui 3 subseções:

1) Transparência e supervisão humana
    2) Apuração, produção e distribuição de jornalismo com auxílio de IA
    3) Direitos autorais e governança


Na primeira subseção, o princípio editorial diz que a inteligência artificial adotada tem como objetivo produzir informação de qualidade: “isenta, correta e prestada com rapidez."

O documento destaca a “facilitação” da imparcialidade com a utilização desse novo recurso, tendo em vista que essa ferramenta garante não adotar uma posição, porém como podemos afirmar que o conteúdo produzido por IA será isento de opinião se o que treina essas máquinas é o conjunto de dados produzidos pelos humanos em interação social? Houvesse “neutralidade”, não haveria uma série de denúncias sobre sexismo, racismo e eurocentrismo algorítmico. AIA usa tudo o que é publicado na internet como banco de dados, o qual está repleto de subjetividade e enviesamento.

Ademais, para refletirmos sobre a veracidade dos conteúdos indicados pela IA como fonte de informação, decidimos perguntar ao Chat Generative Pre-trained Transformer (ChatGPT), chatbot desenvolvido pela OpenAI que interage por meio de chat e tem a capacidade de responder diversas questões em uma conversa mais “humanizada”, quando foi realizada a sua última atualização do banco de dados e obtivemos como resposta o ano de 2022 sem previsão para o carregamento de novos dados. Portanto, concluímos que tal fator poderá comprometer a credibilidade dos conteúdos produzidos pelos jornalistas, visto que as informações se encontram desatualizadas, logo a circulação de fake news cresceu.

Nesse contexto, o uso dessa ferramenta no campo jornalístico contribuiu para o aumento da responsabilidade sobre o jornalista, visto que o profissional será responsabilizado pela verificação dos fatos e penalizado caso o conteúdo produzido pela inteligência artificial apresente irregularidades.

“A responsabilidade final pelo conteúdo veiculado,

entretanto, será sempre dos profissionais envolvidos, e

os jornalistas vão adotar estratégias para que eventuais

 erros e enviesamentos produzidos pela inteligência-e, 

de resto, por qualquer tecnologia usada- não resultem em erros

 ou enviesamentos na cobertura jornalística.”


Outra questão que devemos refletir diz respeito a diminuição de jornalistas contratados nas redações. De acordo com a Conta do Passaralhos presente no Volt Data Lab, consultoria orientada por dados que atua no setor de jornalismo e comunicação, houve 2.327 demissões de jornalistas em redações desde 2012 e 7.817 demissões totais em empresas de mídia e esses números só tendem a aumentar, uma vez que o uso da inteligência artificial causa a falsa ideia de que ela otimiza o trabalho jornalístico. Porém, o que está acontecendo é uma sobrecarga na profissão, na qual o único jornalista da empresa é responsável por apurar, escrever e publicar a informação e checar se a IA não está cometendo erros.

Por fim, a seção III do Grupo Globo encerra citando brevemente sobre os “Direitos autorais e governanças”

  1. “A utilização de ferramentas de Inteligência Artificial

pelo Grupo Globo deve sempre observar e respeitar

rigorosamente os direitos autorais e a propriedade 

intelectual, tanto em relação ao conteúdo de terceiros 

quanto aos materiais próprios.” 


Todavia, como garantir que os direitos autorais serão preservados, uma vez que a IA utiliza toda e qualquer informação contida na rede?

Essa é uma questão que pode se relacionar com a repetição de dados e a tendência do algoritmo, visto que os próprios jornalistas utilizam materiais de diferentes jornais como fonte para tratar de um único tema e o mesmo ocorrerá com as ferramentas digitais. Porém, para garantir o crédito ao site ou profissional, será necessário também que o jornalista faça uma verificação.

Desse modo, podemos concluir que a utilização da inteligência artificial pode trazer benefícios e malefícios dentro da profissão, porém é evidente que a ferramenta marca os novos rumos do jornalismo e que o seu uso deve ser debatido de forma cautelosa, assim como a regulamentação do profissional jornalista.
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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

A intersecção: mídia, futebol e política

 Por Letícia Paolinelli


Eleições francesas mostram  que explosão da sociedade do espetáculo tem potencial para provocar profundas mudanças nas instituições


As eleições legislativas de 2024 na França não foram apenas uma luta pelo poder político, mas também um palco onde as interações entre mídia, política e futebol foram expostas de forma intensa. O triunfo da Nova Frente Popular sobre a extrema-direita de Marine Le Pen trouxe à tona a complexa relação entre esses três domínios, destacando como cada um influencia e é influenciado pelo outro. A atuação da mídia e o papel dos jogadores de futebol no campo político francês oferecem uma perspectiva crítica sobre como essas interações moldam a percepção pública e as narrativas sociais.

Mídia: a acústica do estádio

As eleições legislativas de 2024 na França não foram apenas uma demonstração de democracia, mas também um palco onde a política, o futebol e a mídia se entrelaçaram de maneira inextricável. Com a vitória da Nova Frente Popular, uma coligação de esquerda, contra a extrema-direita de Marine Le Pen, teve resultado que transcendeu as fronteiras políticas tradicionais, reverberando fortemente no mundo do futebol e na mídia.

A relação entre futebol e política não é novidade. Na verdade, o futebol tem sido historicamente um palco para manifestações políticas e sociais. No Brasil, a ditadura militar fez uso ostensivo - e nem um pouco discreto - da seleção tricampeã de 1970. E quando a ditadura estava respirando por aparelhos, o movimento "Democracia Corinthiana", liderado por Sócrates nos anos 80, foi crucial para a luta pela redemocratização. Da mesma forma, na Argentina, o futebol desempenhou um papel significativo no avanço da Lei de Medios, uma legislação que visava democratizar os meios de comunicação.

Na França de 2024, os jogadores da seleção nacional se posicionaram firmemente contra a ascensão da extrema-direita. Nomes como Kylian Mbappé, Aurélien Tchouaméni e Marcus Thuram usaram suas plataformas nas redes sociais para incentivar a participação eleitoral e expressar seu alívio com a derrota de Le Pen. Este engajamento dos atletas não apenas refletiu suas crenças pessoais, mas também influenciou seus milhões de seguidores, sublinhando a poderosa interseção entre esporte e política.

A mídia, por sua vez, amplificou essas vozes. A cobertura das eleições pela imprensa esportiva não se limitou aos resultados das urnas, mas também destacou as reações dos jogadores. Através das redes sociais, essas mensagens ganharam um alcance ainda maior, demonstrando como a mídia contemporânea, impulsionada pela conectividade digital, pode moldar a opinião pública e mobilizar a ação política.

A mídia e o futebol têm sido aliados na luta por justiça e democracia, muitas vezes confrontando estruturas de poder estabelecidas. No Brasil, o movimento "Jogo 10 da Noite, Não!" ilustrou essa dinâmica ao desafiar a Rede Globo e seu controle sobre o horário dos jogos, uma prática que prejudicava os torcedores mais humildes. Similarmente, na França, a mobilização dos jogadores contra a extrema-direita destacou o papel do esporte como uma arena para a contestação política e a defesa de valores democráticos.

Para o jogo virar, alguns precisam jogar melhor fora de campo


Um aspecto crítico que emerge da análise da cobertura midiática das eleições francesas é a discrepância na forma como a mídia trata as manifestações políticas dos jogadores dependendo de sua origem étnica. Jogadores negros e imigrantes, como os franceses Mbappé e Thuram, enfrentam uma pressão desproporcional para se posicionar sobre questões políticas e sociais. A mídia frequentemente exige que atletas como eles utilizem suas plataformas para comentar sobre política e questões de inclusão social, ignorando muitas vezes a mesma exigência para jogadores brancos. O zagueiro da moralidade costuma marcar mais uns do que outros.

Este fenômeno não é exclusivo da França. Na Argentina, por exemplo, a popularidade de Lionel Messi foi acompanhada de uma pressão menor para que ele se envolvesse ativamente nas questões políticas do país, apesar de sua visibilidade e influência. No crivo da mídia, quando o assunto é manifestação política e moral, parece que o juiz é mais duro e pesa mais os cartões para jogadores específicos, não à toa e tão pouco sem critérios. A disparidade na cobrança demonstra como o discurso midiático pode reforçar estereótipos e desigualdades, além de reforçar que não existe imparcialidade na mídia, parafraseando Paulo Freire, a questão é se sua base ideológica é inclusiva ou excludente?

Pautas titulares e pautas de banco


No Brasil, a dinâmica entre mídia e futebol apresenta um contraste notável em comparação com a França. A mídia brasileira frequentemente foca em polêmicas e aspectos pessoais da vida dos jogadores, relegando questões sociais e políticas a um segundo plano. O caso de Neymar e a polêmica envolvendo suas atividades pessoais nas praias é um exemplo claro dessa tendência. A cobertura tendenciosa em torno das fofocas e da vida pessoal dos atletas muitas vezes eclipsa discussões mais substanciais sobre temas como legislações e políticas que também afetam esses jogadores e suas famílias, são essas as respectivas pautas titulares e as que estão no banco de reservas das redações de veículos de mídia.

Em contraste, quando se trata de jogadores estrangeiros e questões como as eleições na França, a mídia brasileira tende a investir mais no conteúdo social e político. A cobertura das manifestações dos jogadores franceses nas eleições foi mais detalhada e incisiva, refletindo uma preocupação com a forma como esses eventos influenciam a política e a sociedade. Essa diferença no tratamento revela como a mídia pode moldar a percepção pública ao decidir quais temas são valorizados e quais são minimizados.

A forma como a mídia aborda questões políticas e sociais relacionadas ao futebol tem um impacto profundo na construção do imaginário social. No Brasil, a concentração em fofocas e aspectos pessoais dos jogadores contribui para uma visão distorcida da realidade, que desvia a atenção das questões sociais e políticas relevantes. Na peneira de pautas, parece que os portais e canais brasileiros tendem a dar mais valor notícia para as fofocas e a vida pessoal dos jogadores, do que de fato para o esporte e as questões sociais e políticas relacionadas a ele.

A intersecção entre mídia, futebol e política não é meramente circunstancial, mas estrutural e significativa. O esporte, como fenômeno cultural de massa, tem o poder de mobilizar e inspirar, e quando aliado a uma mídia comprometida com a verdade e a justiça, pode promover mudanças sociais substanciais. As eleições francesas de 2024 são um lembrete poderoso de que a relação entre esses campos é complexa e multifacetada, e a vigilância crítica sobre como essas interações se desenrolam é essencial para garantir que o futebol continue a ser um espaço de luta por justiça e igualdade.

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terça-feira, 23 de julho de 2024

Inteligência artificial no jornalismo: ela te assusta ou te conforta?

A inteligência artificial veio para ficar, mas ainda é necessário debater sobre o impacto dela nas redações

Por Lais Abreu,

O jornalismo brasileiro tem passado por uma transformação significativa nos últimos anos, com a incorporação crescente de tecnologias avançadas, incluindo a inteligência artificial (IA). Essa integração está moldando tanto a produção quanto a distribuição de notícias, trazendo novas oportunidades e desafios para o setor.

Antes de dar continuidade ao segundo parágrafo, é válido ressaltar que o parágrafo acima foi escrito pelo ChatGpt, em alguns segundos, após o comando: “Escreva sobre jornalismo brasileiro e a inteligência artificial”. Você conseguiria notar alguma diferença? O que vem a partir de agora foi feito por mim, Lais Abreu, estudante de jornalismo do 7º período.

Não dá para negar que a inteligência artificial veio para ficar e que está sim transformando o jornalismo e possibilitando novas formas para a cobertura de notícias, mas, como o próprio chat descreve, ela também vem trazendo novos desafios para o setor. A IA é capaz de processar grandes quantidades de dados, auxiliar em tarefas repetitivas (agendas, por exemplo), além de ajudar a corrigir erros e desinformação, o que seria ótimo se parasse só por aí.

No dia 27 de junho deste ano, o Grupo Globo transmitiu uma reportagem no Jornal Nacional informando que atualizou os princípios editoriais para incluir orientações sobre o uso de inteligência artificial na produção jornalística em todas as suas redações. Diz o texto:

“O objetivo é encorajar testes e uso dessa tecnologia – que amplia de forma disruptiva a capacidade de processamento e geração de informações – como um meio para aprimorar a qualidade do jornalismo, mantendo o compromisso com a isenção, a correção e a agilidade. 

As orientações estabelecem que o uso de inteligência artificial nas redações do Grupo Globo deve ter: 

  •  supervisão humana; 

  • ser transparente com o público;

  • e respeitar os direitos autorais – próprios e de terceiros.” 


O uso da inteligência artificial já faz parte da realidade de muitas empresas de mídia como os jornais “The New York Times” e “The Guardian”, as redes de televisão PBS (EUA) e CBC (Canadá) e as agências de notícias Associated Press, France Presse e Reuters, por exemplo, que divulgaram documentos sobre o tema nos últimos meses. Mas ainda há muito debate sobre a qualidade do conteúdo produzido através dessa tecnologia.

As opiniões entre os profissionais jornalistas se dividem entre o conforto e deslumbramento de poder utilizar de uma tecnologia que poupa minutos em uma profissão cujo tempo é escasso e nosso maior aliado, e o medo de perder e ser substituído por uma máquina. Afinal qual será a necessidade de as grandes mídias manterem jornalistas empregados se um robô pode redigir textos em minutos?

A boa notícia é que a inteligência artificial trabalha em cima das informações já disponíveis na internet, que até hoje foram produzidas por nós humanos, ou seja, a matéria prima ainda vem da criatividade humana em deixar disponível livros, artigos e textos por aqui. No entanto, também existe o lado ruim da história, uma vez que a internet é poluída de desinformação, fake News e muito mais. Então como evitar a produção de notícias baseadas em mentiras e fraudes?

A tecnologia deve ser usada como ferramenta para complementar e nunca como substituta da investigação humana. Ela pode ajudar a produzir notícias mais precisas, mas é de responsabilidade do jornalista garantir a confiabilidade e a integridade da informação. E se é através dela que pode ser gerada desinformação, é através dela que também deve ser combatida a mesma.

Após solicitar ao ChatGPT uma breve resposta sobre inteligência artificial e disseminação de notícias falsas, achei válido ressaltar sua resposta:

Prevenção e Mitigação

Para combater esses desafios, é essencial o desenvolvimento de ferramentas avançadas de verificação de fatos e monitoramento, baseadas em IA, que possam identificar e neutralizar notícias falsas antes que se espalhem. Além disso, a educação do público sobre a identificação de desinformação e a promoção de práticas de consumo crítico de mídia são fundamentais para mitigar o impacto das notícias falsas geradas por IA.

Em resumo, enquanto a IA oferece poderosas ferramentas para a criação e disseminação de desinformação, também possui o potencial para ser uma aliada crucial na defesa contra essas ameaças, se aplicada de forma ética e responsável.

Concluímos então que: concordamos com o Chat. O segredo do presente e, claro, do futuro jornalístico, é combater o fogo com fogo. Jornalismo é atividade humana - e sim!, a inteligência artificial é uma máquina produzida e alimentada por humanos. Mas o que querem os humanos que produzem essas máquinas? Porque eles querem algo - e esse algo não necessariamente é coincidente com o interesse coletivo. Com ou sem IA, o jornalismo exige o trabalho meticuloso de escavar, depurar e dar forma a histórias. E isso máquina nenhuma consegue ou conseguirá fazer.

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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local

Sites e emissoras de Divinópolis cobriram a audiência que discutiu a gratuidade da passagem no transporte público para estudantes

Por Vitor Faria Silveira

No início do mês de outubro o ambiente político em Divinópolis foi bastante agitado. Estudantes do município fizeram manifestações reivindicando o passe livre no transporte público da cidade. Muitos estudantes têm dificuldades para ter acesso às escolas da rede municipal e estadual de ensino em Divinópolis. O problema também é enfrentado por discentes do ensino superior das universidades públicas e privadas da cidade.

Audiência de discussão do passe livre/ Foto: Portal MPA

No dia 2 de outubro, estudantes e professores acompanharam uma audiência na Câmara de Vereadores de Divinópolis para discutir a implementação do benefício no transporte público da cidade. A imprensa local marcou presença no local e noticiou o fato em suas mídias.

A TV Integração fez uma matéria abordando o fato. Na audiência a emissora entrevistou o estudante de Psicologia da Uemg, Vitor Severino Ribeiro, um dos organizadores do movimento na cidade, a professora da rede municipal de ensino, Sidneia Francelino , o vereador Rodyson do Zé Milton, solicitante da audiência e o assessor Jurídico da Prefeitura, Felipe Soalheiro.

O Portal MPA publicou uma notícia destacando a presença maciça dos estudantes das escolas e universidades públicas de Divinópolis. O texto enfatiza as falas do parlamentar Rodyson que, segundo ele, o transporte gratuito elimina a barreira financeira imposta aos estudantes e da docente Kellen Silva que, segundo ela, 20 mil famílias se encontram em vulnerabilidade social no município. O portal também menciona, na fala dela, os playballs que foram custeados pela gestão municipal a preço de R$10 mil reais cada um. A educadora questiona quantas gratuidades poderiam ser pagas com o valor gasto na compra dos brinquedos.

O portal Divinews, conhecido pelas polêmicas com a atual administração da Prefeitura, iniciou a matéria em seu site com acusações contra o prefeito Gleidson Azevedo e seus aliados na Câmara de boicotar a audiência. Conforme o portal, “a tropa”, se referindo aos aliados do executivo municipal, conseguiu o número de telefone do motorista da van que levaria os estudantes da Uemg para a audiência, ligou para ele e o dispensou para esvaziar a reunião. O texto diz ainda que o ato piorou a imagem do prefeito, já que os estudantes gritaram palavras de ordem contra Gleidson. A matéria traz ainda os dados de outras cidades mineiras que implementaram descontos nas passagens do transporte coletivo.

O Jornal Agora abordou as solicitações dos estudantes na audiência e trouxe também outros projetos de lei acerca de gratuidade no transporte público que estão em discussão na casa. Dentre os projetos em discussão, o apresentado pelo vereador Flávio Marra institui a volta dos cobradores no transporte público e a instalação de ar condicionado em todos os veículos operados pelo Consórcio Trans Oeste, responsável pelo transporte público em Divinópolis.

O Portal Gerais não chegou a noticiar os acontecimentos que ocorreram durante a audiência, mas divulgou a ocorrência da audiência na Câmara e o que estaria em pauta durante o ato.

Dentre as emissoras e portais de maior relevância no município, a TV Alterosa não trouxe a pauta do passe livre estudantil para sua programação ou redes sociais. A afiliada do SBT em Divinópolis é conhecida por abordar matérias factuais e “policialescas” para sua programação. Soou estranho que a emissora não tenha noticiado o movimento e a audiência nas duas edições do seu telejornal diário, visto que a emissora conta, atualmente com dois estagiários no departamento de Jornalismo da emissora e que, provavelmente, arcam com a passagem do transporte público para se deslocar para a mesma nos dias de trabalho.

É claro que, para a sociedade civil e suas lutas, ganhar visibilidade na mídia é melhor do que ser ignorado - e por “ignorado” pressupõe-se inclusive alguma forma de interesse ou insensibilidade.

A cobertura do movimento pela mídia local, todavia, põe em dúvida se ela e seus profissionais estão contribuindo para a qualificação do debate público, ao apenas noticiar, sem qualquer esforço analítico ou de contextualização. Na era da hipermidiatização, consumidores e especialmente cidadãos esperam que a mídia possa lhes oferecer mais do que um retrato do que acontece ou não acontece na realidade.
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terça-feira, 7 de novembro de 2023

(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla

Por Matheus Antônio Vieira
Natália Vitória Barbosa Costa e Silva
Maria Eduarda Bianchi Umebara

Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz  ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news


No dia 9 de Setembro deste ano, a motorista de aplicativo Sheilla de Almeida foi dada como desaparecida após realizar uma corrida em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais. Segundo o jornal Estado de Minas, Sheilla realizou sua última viagem pelo aplicativo 99, pela qual pegou um passageiro no bairro Campina Verde e tinha como destino um supermercado situado na rua Rio de Janeiro, localizado no bairro Ipiranga. No dia 27, a Polícia Militar encontrou o corpo da motorista. Segundo o delegado Wesley Costa, Sheilla foi agredida, estrangulada e esfaqueada. ‘

As abordagens oferecidas pela mídia local se resumiam a relatos descritivos oferecidos pela Polícia Militar, e resumos do caso em linhas temporais (estes em grande parte do G1). O Portal MPA também destacou em esclarecer os boatos que circularam na internet sobre o caso, em uma espécie de fact checking que será analisado em tópico à parte. Mesmo com a diversidade de coberturas, em todas nota-se uma ausência de perguntas e esclarecimentos.

Fotografia de Sheilla Angelis de Almeida — Foto: Facebook/Reprodução

Após a confirmação de seu assassinato, as abordagens destacavam a violência sofrida pela motorista e o planejamento do crime por Rafael Monteiro de Sena, que confessou o assassinato. Entretanto, nenhuma das matérias veiculadas sobre o assunto abordaram o assassinato como crime como violência de gênero, o feminicídio. De acordo com as declarações oficiais da polícia, Rafael premeditou o crime, escolhendo Sheilla como alvo.

É por meio dos questionamentos, ou perguntas levantadas pelo jornalismo, que podemos formular uma narrativa acerca da experiência com a vida, construindo visibilidade para os problemas vividos. Ou seja, seu papel é essencial na constituição ou na visibilização do que é a própria violência de gênero. Ao tipificar a violência sofrida pela motorista como um caso extraordinário, que ignora a possibilidade de ter sido considerado um alvo dado o seu gênero, essa e outras agressões de gênero são invisibilizadas.

“Quem mata?” “Por quê mata?” “De qual forma mata?” “Como encontrou sua vítima?” Foram perguntas realizadas nas matérias que circularam acerca de Sheilla. Mas as perguntas não se aprofundam. “Matou por ser mulher?” “Foi considerada alvo mais fácil?” Não são perguntas levantadas pela abordagem jornalística, inviabilizando a possibilidade da construção narrativa sobre uma violência que poderia ser compreendida como feminicídio. Além disso, as reportagens preferem se contentar com os relatos oferecidos pela Polícia Militar. Apesar de seu papel essencial como figura de autoridade para a história, a limitação da voz da autoridade policial acabou simplificando a ampliação do debate, a pluralidade de vozes e visões na narrativa.

Assim, a ausência de vozes, como de especialistas de gênero, ou o próprio relato de outras mulheres motoristas de aplicativo, reduz a diversidade de perspectivas da narrativa. A participação dessas vozes enriqueceria a discussão e estimularia uma compreensão mais profunda das complexidades do caso para os leitores. Sem compreender essa complexidade, a narrativa se empobrece ao simplificar-se em apenas narrar uma série de descrições da violência sofrida ou no fact checking (checagem de fatos), baseada apenas nas descrições oferecidas pela Polícia Militar.

As abordagens apresentadas não abriam espaço para a possibilidade do crime cometido cometido à Sheilla ter sido feminicídio - resultado da discriminação do gênero feminino na sociedade. No âmbito jornalístico, é crucial que a mídia reconheça o feminicídio como uma das possíveis motivações para crimes cometidos contra mulheres, uma vez que, diversas mulheres são diariamente assassinadas pela condição de seu gênero. Portanto, ao abordar casos de violência contra a mulher, a mídia desempenha papel fundamental em conscientizar a sociedade sobre as profundas raízes do problema. Quando a mídia começar a abordar esses casos como feminicídio, a conscientização pública sobre a questão irá se ampliar.

Outra invisibilização é a ausência de menções sobre a plataforma para a qual Sheilla trabalhava. Com exceção de uma matéria do Estado de Minas, as matérias veiculadas tanto na internet quanto na televisão, não mencionaram a 99, aplicativo de transporte particular que foi utilizado para solicitar as corridas. A ausência dessa informação faz parecer que ela não foi considerada como relevante, e por tal, não conseguimos saber qual foi o papel da plataforma (se sequer existiu) no caso.

As perguntas que deixam de ser feitas nessas narrativas inviabilizam o questionamento do papel dessas plataformas como responsáveis pela segurança do trabalhador. Mas a partir da própria invisibilização, podemos também questionar a própria posição dos veículos: “Por que razão os veículos deixam de publicizar essas informações? Há interesses em jogo?” As plataformas interagem (e não apenas como intermediadoras), com a vida social, e declaradamente a sua responsabilidade com os seus trabalhadores, que têm fugido das suas responsabilidades ao extirpar dos trabalhadores a força de trabalho sem oferecê-los ferramentas de segurança. Plataformas de trabalho já deixaram de ser uma “novidade”, e compõem um campo de interesse social que precisa ser abordado pela mídia.

Abordagem por meio de rumores públicos

O Portal MPA, um portal de notícias e comunicação de Divinópolis e Região, no início das investigações do caso do desaparecimento de Sheilla, construiu uma matéria citando os rumores que circulavam sobre o motorista e o caso. Com o título de manchete: “Acusado de matar Sheilla diz que agiu a mando de um terceiro, seria um agiota.”, o texto traz um conjunto de rumores, apontando as informações que conferem ou não com o que a Polícia Militar informou. Um fact checking (checagem dos fatos) dos rumores. O que chama destaque é que a manchete ser afirmativa, faz parecer que está sendo noticiado algo concreto e confirmado, mesmo tratando-se de um rumor, tal como é esclarecido no próprio texto do Portal MPA.

No próprio texto e em momentos anteriores a família negou qualquer conhecimento desta suposição em relação a agiota, e a polícia também informou que não é possível se comprovar que o latrocínio era uma “execução de dívida”. A Polícia Militar, havia comentado sobre o suposto rumor, negando a possibilidade de ser verdadeiro. E mesmo assim, da forma a qual aparece no título da matéria, ela parece confirmar o rumor, pois não está indicado nem no título, nem na imagem que circulou no o Instagram do Portal MPA, que a matéria trata-se de uma checagem de fatos. A notícia então, incita o imaginário das pessoas acerca do fato, e assim também a curiosidade, como uma tentativa de gerar clicks para o site do veículo.

É importante distinguir entre rumores e notícias, e essa responsabilidade recai sobre a ética do veículo em não disseminar desinformação para seu proveito. A divulgação de suposições dos rumores, sem a devida apuração com fontes independentes - novamente: a autoridade policial é uma fonte necessária, mas ela não é única e talvez não tenha a devida independência, uma vez que está implicada na investigação -, é uma prática que não apenas fere a ética jornalística: ela o faz porque pode provocar uma chaga social muito profunda.

Pode-se questionar: casos como esse devem seguir o ritual de dar visibilidade e checar com diversas fontes? A resposta parece óbvia: a propagação de uma injustiça - ou da violência - não é também responsabilidade do jornalista que não se preocupa em fazer a violência circular?
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O apagamento das dores sociais: quando o espetáculo ofusca as necessidades reais

 Por Maria Eduarda Salgado 

Na era da informação instantânea e da torrente incessante de notícias, uma preocupação surge com mais clareza do que nunca: a influência da mídia na formação da percepção pública. Recentemente, um contraste marcante entre dois casos ilustrou como a mídia pode direcionar a atenção do público para narrativas menos significativas em detrimento de questões sociais que poderiam ser julgadas como de maior urgência.

Em um lado dessa dicotomia, tivemos o término do relacionamento de curta duração (um mês) entre a cantora Luísa Sonza e o influenciador Chico Moedas. Embora relacionamentos pessoais sejam, sem dúvida, dignos de respeito, o circo midiático formado em cima deste episódio, em comparação com assuntos mais prementes, chama bastante a atenção. A dramatização exagerada de tal evento na mídia desviou a atenção de grande parte do público de quaisquer pautas sociais relevantes que ocorriam em paralelo.

Como um exemplo trágico, na mesma época, ocorreu a morte prematura e chocante de Maria Clara, a indígena de 15 anos, vítima de estupro e afogamento em uma área de pântano no município de Oiapoque, na região de fronteira no norte do Amapá. A vítima era do povo karipuna e vivia na aldeia do Manga. Esse evento trágico coincidiu com a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, momento crucial de mobilização para destacar a violência enfrentada pelos povos originários, principalmente as mulheres. No entanto, a mídia parecia mais interessada em abordar o drama de um relacionamento entre subcelebridades do que em ampliar a conscientização sobre a luta dos povos indígenas.

Essa disparidade na cobertura midiática demonstra como a privatização do espaço público e a busca incessante por audiência podem prejudicar e empacar a discussão e o debate acerca das questões sociais importantes e de interesse público. Quando as histórias pessoais de figuras caricatas são priorizadas em relação a eventos reais e significativos, a sociedade perde a oportunidade de porfiar pautas cruciais, como a violência de gênero e a insegurança dos povos indígenas.

O verdadeiro desafio agora é repensar o papel da mídia na sociedade e buscar maneiras de superar a priorização inadequada de narrativas menos significativas. A sociedade deve participar de um debate coletivo sobre o que merece destaque e como podemos garantir que questões importantes não sejam negligenciadas em prol do entretenimento vazio.

Embora as soluções possam não ser evidentes em um contexto marcado pelo sensacionalismo midiático embebido do capitalismo tardio, é fundamental começar esse diálogo. Somente através de uma análise crítica do estado atual da mídia e do esforço coletivo para redefinir nossas prioridades informativas, podemos esperar que assuntos relevantes não sejam mais ofuscados por entretenimento superficial.

Esta é uma chamada à reflexão sobre a influência da mídia na percepção pública e um apelo para que a sociedade reafirme seu compromisso com questões que realmente importam, especialmente em momentos cruciais, como a Marcha das Mulheres Indígenas, quando a voz das vítimas de violência deve ser ouvida, respeitada e ampliada.
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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Narciso acha feio o que não é espelho

A miséria do jornalismo brasileiro em dois atos

Por Gilson Raslan Filho

Princípio básico do código de ética, de conduta e do exercício técnico e profissional dos jornalistas, a realidade, os fatos reais, o que de fato aconteceu é imprescindível para repórteres e editores, colunistas e articulistas.

É bem verdade que os dois últimos têm, sobre os dois primeiros, o privilégio de ter sua opinião sobre os fatos como um valor de composição. Mas ainda assim, lá estão eles: os fatos! Isso quer dizer que, a despeito do que eu ache deles (e os consumidores terão a possibilidade de discordar de minhas análises e opiniões), meu ponto de vista não pode prescindir da tarefa magistral e elementar de todo e qualquer jornalista: esclarecer sobre os fatos reais.


Eis que o jornalismo brasileiro fez surgir um novo espécime: o colunista analista sem compromisso com os fatos. Pior: colunistas tão apartados da realidade, que enxergam a sua própria visão do mundo, não o próprio mundo. E mais: acreditam que essa visão é a realidade.

A bem da verdade, é preciso dizer que esse não é um fenômeno novo – mas ele tem se tornado especialmente virulento em tempos de redes sociais e aprofundamento da crise da empresa jornalística fundada no século 20. Tampouco podemos generalizar: há bons jornalistas, que cuidam para que os fatos estejam sempre no centro da cena – não a opinião que analistas, colunistas e articulistas emitem.

Dois casos, todavia, merecem destaque e apontam para uma real falência do jornalismo feito a partir da lógica empresarial burguesa, montada no século 19 e consolidada no século 20. Ambos ocorrem quase no mesmo instante, no mesmo programa, “Em Pauta”, do Canal Globo News, e envolve os jornalistas Guga Chacra, comentarista de geopolítica internacional do canal; e Jorge Pontual, velho comentarista de generalidades, radicado em Nova Iorque.

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Ambos tratavam do mesmo fato: o discurso do Presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em seu retorno à abertura da Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro. Havia um clima de verdadeiro entusiasmo com o discurso que Lula acabara de pronunciar – pelas circunstâncias: o discurso marcava o fim do pesadelo de quatro anos de Bolsonaro; e pelo impacto do discurso mesmo, muito aplaudido e elogiado por inúmeros políticos, empresários e jornalistas ao redor do mundo.

Jornalistas, no entanto, precisam manter uma postura crítica, enxergar além das paixões, relativizar o consenso. Em dois atos, Chacra e Pontual, no esforço por fazer jornalismo crítico, só reforçaram que aquele jornalismo em que militam já morreu. Só eles não sabem.

Ato 1: O absoluto sou eu

Guga Chacra criticou, na fala de Lula sobre ameaças à democracia na Guatemala, a ausência de crítica a regimes “ditatoriais” da China e da Rússia. Assim, de maneira generalista. Mas o que chama a atenção mesmo é a intencionalidade da análise do jornalista: tomar a democracia europeia e estadunidense como planos acabados da experiência democrática. Se Lula tinha a obrigação de denunciar todas as ameaças à democracia, também não deveria fazer em relação aos EUA, à França, à Alemanha etc etc?
 
Assista a um corte do programa:


 
 
Eis o fato: a democracia é ameaçada continuamente – por restrições políticas ou econômicas – em todos os locais. Eis a realidade vista por Guga Chacra: democracia é o que o ocidente entende por democracia.

Ato 2: O mundo para mim

O caso da análise de Jorge Pontual é ainda mais grave de tão simplória, quase grosseira. Para o jornalista, o sucesso do discurso de Lula se dava porque foram usadas palavras-chave de fácil compreensão para... jornalistas. Em outras palavras: para Pontual, o impacto do discurso do presidente brasileiro se deu por ter sido “manchetável”.

Assista a um corte do programa: 
 
 
 
A análise do jornalista beira o primário, porque não se dá conta que a esfera pública já não se limita à mediação do próprio jornalismo e que, por óbvio, a realidade não se realiza a partir do tecido jornalístico. Mas há um fato incontornável aí: analistas como Jorge Pontual nos dão a certeza de que não é desse tipo de analistas, comentaristas, colunistas que o mundo precisa.
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