quinta-feira, 4 de maio de 2023

FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO

 As disputas em torno da regulamentação das plataformas digitais promoveram alianças inusitadas – mas não há surpresas

Por Gilson Raslan Filho


Nas últimas semanas, assistimos a uma escalada de acontecimentos, cujo palco central foi o Congresso Nacional brasileiro, em torno dos debates para a regulamentação das chamadas big techs, as quase onipresentes plataformas digitais.


Depois de aprovar a urgência para votação do Projeto de Lei (PL) 2630/2020, houve um recuo e o relator do Projeto, Deputado Orlando Silva (PCdoB/SP), pediu, e foi atendido, que a votação na Câmara dos Deputados fosse adiada.


Embora esteja cedo para avaliar as consequências políticas do adiamento, a ação foi considerada uma vitória de alguns atores que, ao fazerem um enorme estardalhaço nas redes sociais, conseguiram dominar o debate público.


Não pretendemos realizar, neste texto, uma análise em torno da necessidade ou dos eventuais perigos representados pelo PL; tampouco nosso objetivo é o esclarecimento sobre os termos do Projeto de Lei (que tem um resumo bastante didático feito pelo Núcleo Jornalismo).


Tampouco desejamos tensionar o debate sobre a guerra de versões - na verdade, um massacre por parte dos opositores da regulamentação. A despeito de o PL ter sido apresentado pelo Senador Alessandro Vieira, do PSDB de Sergipe, em 2020; ter chegado à Câmara do Deputados no mesmo ano e desde então vem sendo debatido na casa; mesmo assim, nas últimas semanas, os opositores conseguiram vincular a ideia de censura ao PL e, mais, que é uma proposta do governo e do “comunista” Orlando Silva para controlar mentes e corações dos “cidadãos de bem”.


Pretendemos, neste momento, realizar algumas reflexões em torno da inusitada, mas não inesperada, aliança para obstruir o debate sobre a óbvia e necessária regulamentação de setor central na vida social contemporânea e cujas regras são apenas aquelas ditadas pela lógica das gigantes da tecnologia e os bilhões arrecadados, sem qualquer transparência, em publicidade digital impulsionada por sensacionalismo, radicalismo, campanhas de ódio – todo tipo de material publicitário que torna o consumidor e o cidadão vulneráveis, numa ameaça óbvia ao estado democrático.



Ao lado de congressistas bolsonaristas, de movimentos fascistas, da bancada evangélica no Congresso (que monopoliza, ruidosamente, a representação do crescente neo-pentecostalismo no Brasil), de produtores de conteúdos de extrema-direita, como o Brasil Pararelo, e de plataformas globais poderosíssimas, como Google, Meta (dona do Facebook e do Instagram) e Spotify, que gastaram rios de dinheiro em campanhas de desinformação para confundir a opinião pública, estiveram no mesmo lado da trincheira alguns auto-denominados jornalistas independentes, que fazem um tipo de jornalismo focado quase exclusivamente em opinião e comentários do que foi noticiado em outros veículos de imprensa quase sempre do mainstream midiático, mas geralmente associados a posições de esquerda.


O argumento dos blogueiros de esquerda era de que o PL privilegiava o financiamento do Grupo Globo e, ao retirar recursos dos pequenos produtores, ameaçava a pluralidade de vozes e dava, especialmente à Globo, o monopólio da verdade.


Texto

Descrição gerada automaticamente


Sem considerar que o argumento desses valorosos combatentes do “jornalismo de esquerda” (e é preciso dizer: são alguns, não todos) é baseado em uma ficção e que eles estão aflitos à toa, uma vez que não há nada no PL que justifique a histeria, parece que a posição evidencia algo mais, digamos, pantanoso.


Numa rápida leitura na maioria desses produtores de conteúdos, é fácil perceber que eles são muito diligentes em publicar comentários gerais, a partir de suposições de fácil identificação ideológica, para um público consumidor ávido em respostas rápidas para suas aflições. Nessa medida, é difícil distinguir, para além do espectro ideológico, a produção “de esquerda” daqueles outros, “de direita”: em ambos, vemos sensacionalismo, teorias conspiratórias, narrativas fantásticas – tudo misturado, com uma finalidade que parece evidente: produzir engajamento e, consequentemente, monetização pelas big techs – algo que já foi abordado pelo Pluris (aqui). E os fatos? Ora, os fatos que lutem!


Engana-se, porém, quem entende que é preciso combater esse tipo de jornalismo, focado em click-baits, em meras iscas para consumidores ávidos - e, por conseguinte, avesso ao exercício pleno da cidadania. Não! Como temos defendido aqui, o jornalismo precisa fazer jornalismo – e cada vez mais atores precisam entrar na arena pública.


Embora não seja pouco a urgência em regulamentar as plataformas digitais, reformar o jornalismo é tão urgente quanto. Do contrário, teremos no máximo uma regulamentação formal, sem efetivo estado democrático.



Compartilhe:

Qual é o mundo que nós, jornalistas, transmitimos para os nossos leitores?

 Por Ana Laura Correa,

Muitos jornalistas se gabam de exercer um jornalismo que é o espelho do real. Mas é preciso questionar qual é esse real que transmitimos para os nossos leitores.


Se a matéria-prima do jornalismo são os fatos cotidianos, é preciso estudar e entender sobre a complexidade do mundo para que possamos reportá-los bem para os nossos leitores.


Não trabalhamos aqui, de forma alguma, com a perspectiva de que devemos noticiar os fatos a partir de uma pretensa objetividade. Ao contrário, consideramos que devemos inserir os acontecimentos em uma grande rede de significados.


Afinal, os homicídios registrados em razão das drogas não são um mero acaso sem explicação. As cadeias lotadas também não. A falta de recursos para a saúde e a educação pública não são fatos isolados, mas estão presentes em uma rede que quer, efetivamente, que isso aconteça.


E nesse cenário, você, jornalista, tem bases sólidas para informar considerando todo esse contexto? Ou tem, pelo menos, procurado estabelecer uma base de conhecimento para que possa se dirigir ao seu público?


Depois de formado, você fez a leitura de livros, monografias, dissertações e teses que abordam a atividade jornalística e o seu fazer, além do funcionamento da nossa sociedade? Afinal, o mundo muda a todo instante e o conhecimento é fundamental para que saibamos agir melhor frente às mudanças. Somos profissionais jornalistas que, assim como médicos, advogados, precisam se atualizar para exercer bem a nossa função.


E exercer bem a nossa função não significa simplesmente aprender as mais novas técnicas de marketing, SEO, uso de palavras-chave. É bem mais complexo. É preciso ir além da técnica e trabalhar a leitura de mundo, das desigualdades tão presentes nas notícias que damos todos os dias.


Um exemplo: o Brasil figura entre os maiores produtores de alimento do mundo, mas ainda assim os preços nos supermercados seguem cada dia mais altos, e o número de pessoas passando fome também. O que explica?


Se não soubermos o que explica, o que temos são notícias soltas sem significado que formam leitores que sabem fatos isolados, mas não compreendem o todo, de modo que todo mundo sabe que muita gente passa fome, mas por que passam fome? Como acabar com a fome?


O papel do jornalista é central para trabalhar essas e outras diversas questões. É preciso entender o mundo para noticiar o mundo. Como anda o seu conhecimento de mundo?

Compartilhe:

Jornalismo e SEO: uma combinação perigosa

 Por Ana Laura Correa, 

Há algum tempo têm se popularizado os cursos que ensinam SEO para jornalistas e tem se tornado mais notório, também, o uso desses recursos em textos jornalísticos. O SEO engloba um conjunto de práticas que buscam posicionar bem os conteúdos entre os resultados dos mecanismos de buscas, como o Google, por meio, por exemplo, do uso de palavras-chave nos textos.


Por um lado, o uso dessas ferramentas possibilita maior rentabilidade aos veículos on-line. Afinal, são fontes de mais acessos e receitas para esses veículos, já tão precarizados. No entanto, por outro lado, é preciso refletir sobre o uso dessas ferramentas no jornalismo.


Isso porque a atividade jornalística, em sua essência, tem métodos próprios, como a pirâmide invertida, ou a pirâmide "normal", assentada sobre a base, da qual fala Adelmo Genro Filho, que trazem o lead no primeiro parágrafo e o desenvolvimento dos textos segundo os princípios de clareza e simplicidade da narrativa factual.


Além disso, a escolha das pautas e o seu desenvolvimento deveria - em tese - se guiar pelo interesse público, que engloba principalmente a defesa dos direitos fundamentais. Isso é bem diferente da busca por cliques que pode nortear as pautas do jornalismo SEO.


É preciso refletir se, enquanto jornalistas, queremos reforçar um padrão de leitores que busca apenas palavras-chave em nossos textos. Ou se é possível, e em que medida, conjugar técnicas de marketing com o jornalismo, atividades tão distintas, sem que haja perdas expressivas para a descrição do mundo e da sua complexidade.

Compartilhe:

domingo, 23 de abril de 2023

A abordagem, na mídia divinopolitana, da violência nas escolas

Por Ana Laura Corrêa

Após o registro de violência em uma escola de Blumenau, muitas propostas de soluções vieram à tona: armar professores, curso de defesa pessoal em escolas, instalação de detectores de metal, polícias na porta da escola… O Pluris mesmo produziu uma reflexão sobre isso (acesse o texto aqui).


Pelas soluções apresentadas, percebe-se que elas não eliminam o mal pela raiz. Afinal, assume-se que os agressores não deixarão de existir, continuarão a tentar entrar nessas escolas. 


Nesse sentido, cabe refletir sobre os fatores que levam à violência como a registrada - e são muitos elementos: o crescimento de um discurso de ódio propagado pelo então presidente de 2018 a 2022, a vulnerabilidade dos jovens a discursos extremistas, a ampliação do acesso a armas de fogo. Mas onde está essa reflexão?


Se os jornais são o espelho da realidade, acessamos três veículos de comunicação de Divinópolis (Sistema MPA, Divinews e Jornal Agora), para acompanhar os desdobramentos noticiosos do fato violento.


No Divinews, foi entrevistado um coronel da Polícia Militar para falar sobre a “Operação de Proteção Escolar”. Outra matéria, do Jornal Agora, também trouxe falas do mesmo militar. O Sistema MPA, por sua vez, destacou a reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública) em que representantes da Guarda Municipal de Nova Serrana estiveram presentes para falar sobre a implantação naquele município, visando à adoção também em Divinópolis.


Conforme observamos, nada sobre a ampliação do alcance que um discurso de ódio recebeu no governo de Jair Bolsonaro, nada sobre discursos extremistas, muito menos um debate sobre o acesso a armas de fogo. 


O jornalismo, se tem entre suas funções a de mostrar a realidade, tem mostrado apenas uma realidade muito militarizada, em que as soluções, paliativas, vêm tarde demais ou nem vêm. A polícia não vai nos salvar de tudo. Por outro lado, a reflexão e a consciência talvez nos ajudem a avançar. Talvez seja hora de repensar as nossas fontes - e assumir a nossa responsabilidade para os males, que adoramos apontar, de nossa realidade.

Compartilhe:

O estado laico e a responsabilidade da comunicação no Instagram da Prefeitura de Divinópolis

 Por Ana Laura Corrêa



O estado brasileiro não tem uma religião oficial. Não deve privilegiar nenhuma religião. Ao contrário, faz parte da democracia que todas as correntes religiosas sejam ouvidas.


Nesse cenário, causa estranheza a publicação no Instagram feita pela Prefeitura de Divinópolis, na sexta-feira da Paixão, dia 7 de abril.


A imagem traz duas mãos em oração sobre a Bíblia, ao lado de uma vela, e o texto “Que a Paixão de Cristo abençoe você e sua família”.


Considerando-se o princípio do estado laico, há de se questionar se o mesmo perfil da Prefeitura de Divinópolis fará um post em homenagem a datas comemorativas de outras religiões, afinal, não se deve privilegiar nenhuma, uma vez que a Prefeitura tem o dever de destinar suas ações a todos os cidadãos e não a grupos específicos.


Nesse cenário, caberia questionar, também, onde está o papel do jornalista, que por vezes se reconhece como um “quarto poder” que “vigia” os demais. Faltou, nesse caso, a vigilância ao estado laico, por parte do jornalista, ou sobrou desrespeito por parte de quem tem o poder nas mãos.


Compartilhe:

MANO A MANO NO FRONT

 Por Sarah Faria Santos

Iniciativa de Mano Brown em seu podcast indica caminho para enfrentar a indústria de fake news


Fake news, ou notícias falsas em tradução literal, são informações que não representam a realidade, mas que são compartilhadas na internet como se fossem verídicas, principalmente através das redes sociais. Nos últimos tempos a propagação de notícias falsas aumentou consideravelmente, segundo dados da ‘CNN Brasil’, no Brasil, quatro em cada dez pessoas afirmam receber notícias falsas todos os dias.

Se o argumento de que o fenômeno das notícias falsas não é recente e de que sempre houve estratégias de produzir boatos a fim de atingir concorrentes ou adversários parece verdadeiro, é preciso esclarecer: as fake news se distinguem por serem produto de uma indústria gerida por governos e grandes corporações globais, produzidas e consumidas em larga escala, graças ao alcance das redes sociais. Estamos diante portanto de um exército poderoso de manipulação do espírito humano, uma real ameaça às democracias.

Quando nos vemos cercados de desinformação e sensacionalismo, acabamos notando a interferência direta em nossas vidas, no nosso psicológico e até mesmo na intensificação e na propagação de preconceitos e estereótipos já enraizados na nossa sociedade. A busca por estratégias de enfrentamento aos males da desinformação global tem mobilizado inúmeros atores - alguns, como o rapper Mano Brown, líder do icônico grupo Racionais MC, em seu podcast Mano a Mano têm se mostrado uma grande aliada.

O Mano a Mano, no ar desde 2021, conquistou um grande público e relevância ao longo de suas temporadas, se tornando o segundo podcast mais ouvido do Brasil no Spotify no ano em que foi criado.  Em uma entrevista com a jornalista recém-falecida Glória Maria, Brown diz: “Comunicar é respeitar. Falar sem se importar com o que os outros vão entender é desrespeito". Para ele, o principal foco é o público jovem, que busca se informar por meio do podcast. "Se você não olhar para o jovem, você não está pensando no futuro", acredita Brown. "O legado é falar para os mais jovens sempre. Se eles não entenderem, faça-se ser entendido", complementa.

O artista traz diversos debates populares importantes para o programa, como racismo, segurança pública e descriminalização da maconha por exemplo, num esforço de conseguir fazer com que o Mano a Mano seja um agente de mudança para quem o consome. 

Diferentemente de outros criadores, Mano Brown possui em sua equipe uma consultora jornalística que atua como co-apresentadora do programa, a Semayat Oliveira. Ela tem a missão de dar ‘apoio jornalístico’ ao rapper, colaborando com pesquisas e na construção dos roteiros. Semayat ganhou destaque por suas inserções durante os debates.


Frame do podcast Mano a Mano: interação entre Mano Brown e Semayat Oliveira

A iniciativa do artista de ter o compromisso com os fatos e buscar investir em sua assessoria e em apoio jornalístico diz muito sobre o sucesso do programa. Ao mesmo tempo, abre portas para profissionais da área de comunicação e informação e também deixa uma porta aberta para que as demais organizações midiáticas e programas tenham um pouco mais de tato e muito mais compromisso com o tratamento ético de informações que se sustentam nos acontecimentos, estejam eles dentro ou fora de meu espectro ideológico.

Compartilhe:

sábado, 15 de abril de 2023

O efeito contágio e a divulgação midiática da violência em escolas

Por Lais Abreu

Grandes jornais brasileiros adotam novas políticas de coberturas de massacres



Segundo a programação do Observatório Pluris, minha pauta desta semana seria outra -  mas é preciso falar sobre a onda de massacres em escolas brasileiras e o quanto a mídia pode influenciar nisso. 


Na manhã de quarta-feira (05), um homem de 25 anos invadiu uma creche em Blumenau e deixou quatro crianças mortas. O homem foi preso, mas o que nos traz a essa pauta hoje é que o ataque ocorreu  menos de dez dias após uma escola em São Paulo ser alvo de um aluno que matou a professora com golpes de faca e deixou outras três feridas, além de um estudante.


Um lugar que era para ser um local de segurança e acolhimento tem sido sinônimo de pânico e medo no país. Desde 2011, mais de 10 escolas foram atacadas por criminosos no Brasil. Tudo isso nos leva a questionar sobre a influência da mídia nestes momentos. Como jornalistas deveríamos noticiar uma notícia tão dolorosa? Entre a dor dos pais, parentes, professores e o sensacionalismo brasileiro, nos perguntamos qual a melhor forma de fazer jornalismo diante da morte de crianças. 


De fato, com toda a tristeza da perda e do terrorismo, estudos vêm sendo feitos sobre a forma que a mídia retrata ataques como o de Blumenau. É entendido, cada vez mais, que a imprensa neste momento deve não só informar, mas como também amenizar o “efeito contágio”.  Logo após o ocorrido e a grande cobertura midiática em cima desses acontecimentos, o Estado de S Paulo emitiu uma nota sobre sua decisão de não divulgar imagem e nome do terrorista. O ato foi seguido pelo jornalismo do Grupo Globo.


Para nós, jornalistas, um grande exemplo a ser seguido. Embora saibamos que alguns veículos ainda irão propagar o sensacionalismo em busca de audiência, é necessário lutarmos cada vez mais pelo apaziguamento, lutar pela dor das mães, dos pais e pela paz das crianças. Dar detalhes sobre a agressão, descrever passo a passo, mostrar nome e imagem dos autores, é dar a fama que o assassino tanto quer, criando um processo de “santificação”, tornando-o um grande espelho para aqueles que pretendem fazer o mesmo. 


Além disso, as coberturas extensas sobre os massacres, o questionamento sobre o que levou o autor a cometer o crime, a exposição da vida do mesmo, podem influenciar diretamente jovens e adolescentes também. Por isso, é importante que a mídia reconheça seu papel e siga em busca de empatia e melhorias. Diminuir o tempo de cobertura, evitar chamadas ao vivo com pessoas envolvidas, se atentar às manchetes sensacionalistas que divulgam o número de mortos. Para as mídias onlines também é preciso mudanças, é importante também restringir os comentários, para que não propague opiniões que possam afetar o próximo. 


Embora a curiosidade da população seja grande, embora venha um consolo em forma de egoísmo com o “Deus me livre disso”, embora a sociedade brasileira ainda esteja acostumada com essa ferida, é preciso mudar. Caco Barcellos disse uma vez, sobre o jornalismo: “Essa é uma profissão que combina com os poetas, por exemplo, com pessoas que gostam de outras pessoas. É fundamental ser apaixonado por gente, senão não dá certo”. Que nós jornalistas sejamos capazes de amar ao próximo, de pensar na inocência de cada criança, na sensibilidade que devemos ter por cada pai, mãe e responsáveis, ainda que nossa vontade seja gritar ao mundo e fazer justiça por essas mesmas pessoas, que saibamos agir da melhor forma por elas. 


Sem propagar o ódio, sem enaltecer o erro, sem dar visibilidade àquilo que machuca. Que saibamos ser apaixonados por gente, assim iremos noticiar com o respeito, acolher com sensibilidade e viver o luto dessas pessoas.




Compartilhe:

O machismo na mídia: uma reflexão sobre a parcialidade patriarcal nos veículos de comunicação

 Por Paulo Lima

Recentemente, no reality show mais visto do país, Big Brother Brasil 23, dois participantes foram eliminados pela direção do programa ao mesmo tempo por cometerem crime de assédio dentro da casa contra uma participante mexicana que passava alguns dias na dinâmica brasileira, Dania Mendez. O apresentador do reality, Tadeu Schmit, anunciou a eliminação de Mc Guimê e Cara de Sapato, ao vivo, na noite de quinta-feira, 16/03. 

Desde a noite do dia 15 de março, festa em que aconteceram os momentos de assédio dentro do reality, a pressão sobre os realizadores do programa aumentou. Os comentários gerados nas redes sociais, espectadores pressionando a direção do programa, familiares e parentes dos assediadores sendo pressionados por um posicionamento, e, ainda, o repúdio divulgado dos patrocinadores do reality. É importante citar a influência que a opinião pública gera sobre o BBB, tendo em vista que eles sustentariam a audiência e popularidade do programa. Não há como desconsiderar o que os espectadores apontam e cobram do produto que consomem. A emissora aguardou algumas horas até de fato anunciar uma determinada decisão a respeito do crime ocorrido dentro da casa.



  Arrisco a dizer que se não houvesse a pressão da grande massa envolvida e do patrocínio em jogo, o fato poderia ter passado despercebido, como já aconteceu em outras ocasiões. O participante Pyong Lee também foi muito criticado ao apalpar a bunda de sua concorrente dentro da casa na 20ª edição do reality, e na mesma época, Petrix também foi julgado por, segundo a audiência, “passar do ponto” ao tocar em outra participante daquela mesma edição. Ambos não foram expulsos, sendo só então eliminados pela votação do público em determinados paredões. Por se tratar de uma participante de um outro reality, em outro país, além da opinião dos seus consumidores, a direção do programa, ao eliminar os participantes, se mostra sensível aos humores - indignação ou tolerância - do público consumidor e não uma atitude civilizatória, de real repúdio a atos real ou potencialmente odiosos.


O assunto ficou nos primeiros lugares do Twitter e em páginas de fofoca. O programa “Fofocalizando” foi um dos que participaram ativamente da repercussão do caso. Através disso, estamos acostumados a compreender e consumir uma certa parcialidade vinda de programas jornalísticos de entretenimento e variedades. Mas em certo ponto a opinião do apresentador se torna uma reprodução de algo problemático enraizado na sociedade. 

Léo Dias, apresentador do Fofocalizando, esteve comentando sobre os envolvidos durante o programa. Segundo o jornalista, Lexa, esposa do cantor Mc Guimê, um dos acusados de cometer assédio, não deveria terminar seu casamento pois, segundo ele, “uma passada de mão na bunda não é motivo para terminar um casamento”. 

A fala gerou um incômodo de outro colega apresentador do programa e a situação virou uma leve discussão. O que convém pensarmos é o peso desse discurso em um programa nacional. Sabemos e entendemos que através dos veículos de comunicação os jornalistas tem o papel de contribuir para a manutenção da nossa realidade ou também para reproduzir uma raiz problemática. Léo Dias, branco, em uma posição de privilégio de informação por ser visto por milhões de brasileiros dita a sua opinião a respeito de como uma mulher deve reagir a uma traição ou falta de respeito no casamento.



Percebemos episódios como este sendo reproduzidos frequentemente em nosso cotidiano. Homens que ditam o que mulheres devem ou não fazer, devem ou não usar, como devem ou não se comportar, se vestir homens expondo sua opinião no que diz respeito a decisão de mulheres e os perigos que elas correm de serem violentadas pelos… homens que as “aconselha”. 

Obviamente, por ser uma prática estrutural, isto é, invisível e irrefletida, de modo que não é reconhecida como violência, reflete indiretamente no meio profissional do jornalista, que, por sua vez, ter alcance público para sua voz, reforça posições consolidadas, reiniciando o ciclo de violência.

Ao minimizar uma “mão boba” do participante, Léo Dias não se coloca no ato de sensibilizar com a ideia de influência no espaço que ocupa, em qual discurso ele quer transmitir para milhões de pessoas que estão assistindo. Já percebemos outra falha de ética do mesmo jornalista ao expor erroneamente Klara Castanho em outro momento. A sina de se expor e se posicionar em determinados casos ultrapassa os limites da ética da profissão e influencia na opressão de gênero já vivenciada por muitas mulheres, onde suas decisões são desqualificadas por opiniões de perfis, na maioria, homem, cis, branco e hétero.

Desse modo, profissionais da comunicação precisam de um cuidado redobrado em suas opiniões “sem consequências” - pois elas sempre têm consequências, muitas vezes muito sérias. 

Entender como essa prática atua na audiência através de um posicionamento em um lugar de privilégio. A pressão pública importa, a sociedade sabe falar aquilo que sente. Entretanto, convém refletirmos o real interesse das grandes mídias e profissionais da comunicação em lidar com essas causas sociais, visto que muitos se utilizam de discursos feministas e de igualdade enquanto em seus atos cometem o contrário. 

Não é em vão que a emissora Rede Globo não irá tirar os prêmios dos acusados de assédio, e eles podem aparecer na cerimônia da final do reality desta edição. 




Compartilhe:

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Nos jornais, se a pauta é violência contra a mulher, é preciso falar sobre machismo

 Por Ana Laura Corrêa 



Uma busca rápida no Google permite identificar o teor das matérias publicadas em veículos de jornalismo em Divinópolis relativas ao dia da mulher: grande parte delas abordava a data como uma comemoração, conforme indicam os títulos a seguir:


“OAB Divinópolis comemora Dia da Mulher com ‘1º Café com Elas’” (Agora);


“Dia Internacional da Mulher tem programação especial em Divinópolis e Itaúna” (G1);


“Agência de publicidade de Divinópolis viraliza com ação de endomarketing para Dia das Mulheres”.


Mas onde está, nos meios de comunicação da cidade, a abordagem relativa à violência enfrentada todos os dias pelas mulheres? Afinal, a data foi instituída não como uma comemoração, mas como uma reflexão quanto à busca de direitos básicos pelas mulheres.


Encontramos dois textos. Um deles, publicado pelo G1, que traz no título “Lei prevê acolhimento às mulheres vítimas de violência e discriminação”, e outro, divulgado pelo Jornal Agora, intitulado “Março fecha com violência crescente contra as mulheres”.


No primeiro deles, a única fonte com fala na matéria é um homem, o vereador Roger Viegas. No segundo, a Polícia Militar. Será que essas fontes têm “lugar de fala” suficiente para falar sobre as mulheres? Onde estão as falas das mulheres? Mas não qualquer mulher, também. De mulheres que entendem e estudam sobre as mulheres, sobre machismo, sobre o patriarcado, sobre misoginia.


Embora tragam assuntos relevantes para as mulheres, procuramos nos textos e não encontramos, em nenhum deles, uma referência à palavra “machismo”. Porque, se vamos falar de violência contra a mulher, é necessário falar do machismo, que está na raiz dessa violência.


Conforme a filósofa italiana  Silvia Federici, o machismo, ao lado do racismo, é um dos pilares sobre o qual o capitalismo se sustenta. Esse modo de produção precisa atacar as mulheres para sobreviver, de modo que elas permanecem restritas ao ambiente de casa, desempenhando um trabalho afetivo e/ou doméstico não remunerado, ou estão, em sua maioria, em postos de trabalho precarizados, que não possibilitam sua efetiva emancipação. Mas, em ambos os casos, estão sempre sob o controle dos homens.


Voltando às matérias, é preciso, então, falar sobre o machismo porque senão casos de violência registrados na cidade ficam parecendo registros isolados, cujas causas são atribuídas ao “ciúme” dos criminosos, e as soluções passam a ser, simplesmente, o pedido de “pena de morte” ou a “castração” de estupradores, por exemplo. 


Mas as razões (embora injustificáveis) são muito maiores do que isso e englobam todo um sistema que violenta mulheres todos os dias, das mais variadas formas. E a solução também vai muito além de uma pena de morte ou de uma castração. 


É preciso que esse debate aconteça, que se fale sobre machismo, sobre misoginia, só isso pode ajudar a trazer uma consciência crítica para homens e mulheres.


Compartilhe:

CENAS DA TRAGICOMÉDIA BRASILEIRA

Participação de Pedro Cardoso na CNN expõe a profunda crise por que passa o jornalismo no Brasil


Por Gilson Raslan Filho


Há alguns dias, circulam nas redes sociais cortes de vídeo da participação, no dia 24 de março, do ator e comediante Pedro Cardoso na filial brasileira da rede de TV fechada CNN. Cardoso, que interpretou o hilário malandro Agostinho Carrara da segunda versão da série A grande família, veiculada por 13 anos, até 2014, na Rede Globo de TV, provocou mal-estar na bancada de jornalistas, escalada para debater os assuntos do dia e que convidou o ator para participar.



As razões para a participação de Pedro Cardoso são um grande mistério – e uma mostra da forma aleatória, para sermos, neste início de reflexão, modestos, com que o jornalismo brasileiro “profissional” tem sido produzido. Esse foi, aliás, um dos muitos problemas abordados pelo ator.



A bancada do CNN Arena discutia havia alguns minutos o plano do grupo de crime organizado PCC para matar autoridades brasileiras, incluindo o ex-juiz e agora senador da República Sérgio Moro. O mediador da bancada então deu a palavra ao ator, que iniciou uma fala articulada e dura, muito dura e metadiscursiva contra o tema, os jornalistas, o canal e sua própria participação como debatedor naquele programa. 

De início, o ator questionou a razão de uma “figura irrelevante” e “desprezível” como Sérgio Moro, alguém que “como juiz, combinou com o acusador” formas de prender uma pessoa – nesse caso o Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Disse ainda que aquele programa, uma “arena de debates”, era uma fraude, pois produzia monólogos autocentrados, nunca debates e, por consequência, “imobilidade do pensamento”.

Os jornalistas, atônitos, chegaram a argumentar que aquela seria apenas uma posição do ator; que, da mesma forma como ele não gostava de Moro ou do ex-presidente Jair Bolsonaro, havia quem não gostasse de Lula. Pedro Cardoso voltou a carga: os fatos não permitem que haja a menor possibilidade de colocar em um mesmo patamar moral e discursivo quem provocou tanto mal à democracia brasileira e quem, mesmo errando, a defende.

Em seguida, questionou a própria participação naquele programa: por que um ator comediante seria convidado para debater temas do cotidiano político brasileiro? Quais seriam as “edições invisíveis” aos telespectadores que construíam discursos da CNN, de seus jornalistas, seus editores e seu proprietário, o bilionário empresário mineiro, notório apoiador de Jair Bolsonaro, Rubens Menin?

Os jornalistas tentaram manter a placidez, mas a analistas mais atentos o estrago já havia sido feito: aquele esforço por igualar o inigualável; aquela luta por estabelecer uma simetria quando os fatos não o permitem só demonstram que o jornalismo autointitulado profissional brasileiro vive uma crise sem precedentes, entre uma falsa deontologia do “dois-ladismos”, a espetacularização e o excesso de opinião, sem necessariamente se basear em fatos, circulante nas redes sociais.

Os fatos, aliás, nos dias que se sucederam, parecem ter dado razão a Pedro Cardoso. 

No dia 24 mesmo, uma das jornalistas mais visadas pelo fascismo então no poder, Vera Magalhães, disse, em sua coluna de O Globo, que Lula se iguala ao pior do bolsonarismo. 

No dia 25, sexta-feira, Sérgio Moro, em sua conta no Twitter, alimentou a suspeita de que o presidente Lula talvez tenha razão quando diz que o tal plano para assassiná-lo cheira a armação, em uma mensagem grosseiramente politiqueira, mas que reitera seu modus operandi

Na segunda-feira, dia 27, o advogado Rodrigo Tecla Duran, que há anos pedia para ser ouvido e naquele dia teve seu depoimento colhido pelo juiz Eduardo Appio, disse ter provas de que Sérgio Moro cobrou propina para não implicar investigados nos processos da Lava-Jato. A mídia “profissional”, que nunca teve a curiosidade de perguntar o que o advogado tinha a dizer, deu apenas notas pouco destacadas para o fato e obviamente não escalou equipes para apurar sobre as denúncias.



No dia 30, véspera do aniversário do golpe militar de 1964, editorial da versão impressa da Folha de S.Paulo afirmou que o bolsonarismo poderia ser uma oposição saudável ao “petismo” se deixasse de ser... bolsonarismo. Mas que isso “infelizmente” não aconteceria. O editorialista correu para mudar o texto na versão online – e retirou o “infelizmente”. 

No meso dia 30, a CNN cobria de forma ostensiva e como fato relevante a chegada ao Brasil e a frustrante recepção – para os planos do ex-presidente fascista que enfrenta um sem número de acusações, desde genocídio a vários esquemas de corrupção – de Jair Bolsonaro depois de sua suspeitíssima fuga para os EUA. 

Os fatos, todavia, não têm interessado ao jornalismo profissional.

Compartilhe:

segunda-feira, 3 de abril de 2023

GRAVE: Quando o objetivo de engajar ultrapassa o compromisso com a informação

 Por Ariane Stefanie,

Na era da informação, quando a tecnologia se faz cada vez mais presente nas interações sociais, com a velocidade da rede e com a hiperconectividade, o imediatismo é cada vez mais requisitado. Com isso, o jornalismo precisa se adaptar às novas formas do fazer jornalístico e se reinventar,de modo que a mensagem consiga alcançar um público de maneira eficaz, isto é, que fure “bolhas”, gere engajamento orgânico e seja, o conteúdo mesmo, um acontecimento. Porém, a facilidade obtida por meio das tecnologias também carrega um desafio: como fazer isso sem cair no sensacionalismo, desinformação e sem utilizar as infiéis estratégias de clickbait? 

O fenômeno Choquei é algo interessante de se observar para a compreensão do fenômeno. Com 4,5 milhões de seguidores no Twitter e 19,2 milhões no Instagram, o portal, que se autodenomina como “sua principal fonte de notícias, com tudo sobre os acontecimentos mais recentes do Brasil e do mundo”, possui um alcance gigantesco nas plataformas digitais. Com linguagem de fácil entendimento, “GRAVE” e “URGENTE”, com emojis de sirene antes de quase todas as publicações, pouco texto e mais recursos visuais, a Choquei consegue chamar a atenção dos usuários e obter o que muitos portais jornalísticos não conseguem: Engajamento. Então, qual o problema?

A polêmica que permeia Choquei está justamente no que foi dito inicialmente, que, embora recursos de aderência do consumidor utilizados desde sempre, quando banalizados ou têm seu uso indiscriminado, são prejudiciais ao jornalismo: sensacionalismo, desinformação e estratégias infiéis de clickbait, conteúdos produzidos apenas para gerar “cliques”  consequente monetização. 

Em um dos vários exemplos que podem ser citados, a página fez um tweet em que dizia que "dezenas de milhares de corpos" estavam nas ruas de Kiev, capital ucraniana, no início da Guerra entre Rússia e Ucrânia. Cerca de 12 horas depois, o post foi desmentido pela Lupa, mas já acumulava mais de oito mil retweets e cerca de 37 mil curtidas, apenas no Twitter. 


Postagem feita pela Choquei, no Twitter  (Reprodução/Redes Sociais)

O conteúdo apresentado pela página, na maioria das vezes, segue esse mesmo padrão. As informações dadas pela Choquei não possuem fontes, nem mesmo é feito um trabalho de apuração ou então, no pior dos casos, são tiradas de contexto ou exageradas, para gerar movimentação nas redes. Ou seja, o objetivo do portal, nunca foi o de informar, e sim, de engajar, visto que não há, em seus conteúdos, um trabalho jornalístico, nem mesmo um compromisso com a verdade dos fatos.  

A publicação foi feita há cerca de um ano. O que significa que a equipe da Choquei poderia, de alguma forma, ter compreendido o quão prejudicial é o tipo de conteúdo que promove, certo? Bom, isso não parece ser uma realidade tão próxima. Ainda nesse mês de março, a página veiculou um vídeo do TikTok, em que tratava sobre as diferenças de detergentes pelas cores. No vídeo compartilhado, a pessoa fala que o detergente verde, usado para tirar cheiros fortes de louças, pisos, vidros e estofados, seria para lavar o rosto. 


(Reprodução/Redes Sociais)


A publicação, que conta com mais de sete milhões de visualizações, continua na plataforma, mesmo após diversos comentários os acusando de distribuir fake news e não possuir responsabilidade com seu público. Apesar de a Choquei trazer uma reflexão importante sobre os formatos adotados pelos veículos “tradicionais” para a veiculação de informações e os desafios de se engajar nas redes digitais com conteúdo jornalístico, a página é um desserviço e não possui responsabilidade com seus milhões de usuários que a acompanham.  Para finalizar, digo: Não use detergente no rosto e principalmente, não faça da Choquei a “sua principal fonte de informações”. Nenhuma das duas decisões te trarão benefícios no final.




Compartilhe:

Sobre o Observatório