quinta-feira, 1 de julho de 2021

A Farra do Circo: ressurreição e imagem

 O Circo Voador é mais que um movimento, tornou-se um símbolo do poder da arte.

Por Maria Clara Ribeiro

A Farra do Circo | Sonora Musica | Agência de música


Do calçadão do Arpoador até o México, o documentário mostra a geração que revolucionou a cena cultural brasileira: o Circo Voador. A obra cinematográfica foi lançada em 2013, sob direção de Pedro Bronz e Roberto Berliner, e está disponível gratuitamente em plataformas de streaming, como a Netflix (https://bit.ly/3dd7pZm).  A produção tem duplo impacto: tanto na narrativa que discorre sobre o movimento político-cultural de tamanha significação, quanto no formato de reprodução escolhido que contraria a monotonia das telas digitais.  

Parte verdadeiramente emblemática (e mais interessante) se dá em seu final, quando retrata-se a ida da trupe à Copa do Mundo de 1986, no México. Perfeito Fortuna, um dos idealizadores do Circo, tornou possível a empreitada em Guadalajara por meio de um acordo entre o governo brasileiro e a Coca-Cola – sob o qual a empresa garantia os investimentos necessários, como US$500 mil e o cachê dos artistas. Entretanto, o projeto não seguiu as expectativas.

A aventura começou quando metade do grupo precisou deslocar-se para o país em um avião de carga da Força Aérea Brasileira junto aos equipamentos. Apesar do pouco espaço, as imagens mostram a alegria dos membros que foram se divertindo com “sexo, drogas e rock’n’roll”, como relembra Perfeito, até o local (com direito à parada no meio da rota por falta de combustível). A viagem teve cobertura dos jornais brasileiros e “Esquadrilha da Fumaça” foi o apelido carinhoso delegado à trupe – mas a farra estava só começando. 

Como o local destinado ao projeto estava longe do centro e dos estádios, onde acontecia toda a movimentação da Copa, os artistas decidiram levar música, dança, teatro e poesia para onde, verdadeiramente, estava o povo - e se você se chocar com o fato de terem conseguido até trio elétrico para desfilar pela cidade, não vai querer ver quando se juntaram ao protesto contra o uso de energia nuclear. Assim este era o Circo: intenso e indefinível.

O problema residiu no fato de a Coca-Cola ainda não saber disso. 

Após três semanas em terras mexicanas, veio o comunicado do final do projeto. A cena é melancólica – neste ponto do documentário, já se sente enorme carinho pelo Circo e se lamenta por não ter feito parte desta era -, é impossível não sentir a decepção dos participantes em não poder efetivar sua missão artística. Quando se tornou aceitável uma empresa abandonar sua responsabilidade sob 240 indivíduos? Em justificativa à retirada do patrocínio, a Coca-Cola alegou falta de organização da equipe. Seria realmente desordem ou negação de ser formatado? 

A arte não cabe em garrafas e a vida não tem modelo de produção (ainda). 



Quebra do Olhar – Imagem

O documentário apresenta formato peculiar. Através de registros temporais criados pelos próprios membros do projeto, a produção é montada a partir de gravações analógicas em Video Home System, popularmente conhecida como VHS. Com isso, vale ressaltar que a obra representa uma quebra do olhar com os quais estamos habituados: telas brilhantes e com imagens bem delineadas. 

A quebra da expectativa do olhar pode ser incômoda, um obstáculo para acompanhar as 1h34min de documentação. Mas, em contrapartida, há de se relevar que a peculiaridade pode assumir características de unicidade, sendo de tamanha competência cinematográfica que estimula, em sua estranheza, o acompanhamento da narrativa.


Ressurreição da vitalidade urbana-cultural

Na década de 1980, extensão do movimento artístico do Circo, o Brasil se desprendida das amarras limitantes da ditadura militar - após o tempo de repressão, a liberdade ressuscita. A cultura brasileira reencontra suas primeiras marcas renascimento atrás da música, sob forte influência da disseminação do rádio, principalmente sem censura, e dispositivos móveis, como Walkman. 

Por isso, figuras como Cazuza, Caetano, Barão Vermelho, Legião Urbana, Blitz, Os Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Lobão, Débora Colker, Engenheiros do Hawaii, Intrépida Trupe e muitas outras novidades surgiram, no picadeiro do Circo, para o cenário musical. Em conjunto, artistas experientes também se valeram do palco para impulsionar a missão, como Luiz Gonzaga, Adoniran Barbosa e Cauby Peixoto. Tratava-se de uma luta, um processo de construção da redemocratização da cultura através da multiplicidade de vozes e estilos artísticos.


História do Circo Voador

A Farra do Circo - Festival do RioFilme: A Farra do Circo | Caleidoscópio

Em 1982, o Circo Voador foi inaugurado na praia do Arpoador, localizada em Ipanema. A tenda teve como principal motivador o desejo de jovens artistas em construir um lugar para criar, divulgar e ensinar suas artes. Membros de grupos teatrais da época – figuras bem conhecidas atualmente -, como Evandro Mesquita, Regina Casé e Luís Fernando Guimarães, impulsionaram os primeiros passos deste projeto. 

A ideia inicial do Circo era manter seu funcionamento por um mês, mas se estendeu por três - até desmonte do local pelas equipes de fiscalização da prefeitura. Contrariando as expectativas, o grupo não encerrou suas atividades. Liderados por Perfeito Fortuna, os artistas membros se movimentaram pela capital fluminense, em destaque ao Morro do Alemão, fazendo mutirões de reforma, instituindo creches e associações para auxiliar moradores – como a criação de uma horta para atender a comunidade local. 

Em outubro do mesmo ano, após muita luta, a prefeitura carioca destinou um terreno para instalação da sua sede. Fixada na Lapa, próximo aos Arcos, o Circo ganhou forma e seu palco popular ajudou a promover o trabalho de muitos artistas até 1996 – ano de demolição da estrutura. Por quê? César Maia, então prefeito do Rio de Janeiro, decretou fechamento do local após alegação de irregularidades. 

Em 2002, um movimento passou a lutar pelo retorno do Circo Voador e, após determinação judicial, a prefeitura reconstruiu a antiga sede. Sob comando de Maria Juçá Guimarães, nos últimos anos – até interrupção da pandemia -, o Circo voltou a ser palco de artistas, incluindo os que haviam marcado presença no início do projeto. Dando continuidade aos motivadores originais, a instituição dedica tempo-espaço para a realização de cursos e projetos sociais.  


Filme: A Farra do Circo | CaleidoscópioCirco Voador :: Circo Voador

Fotos: Festival do Rio/ Caleidoscópio/ Caleidoscópio/ Circo Voador


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terça-feira, 22 de junho de 2021

Uma Seguridade Social Fragmentada: quem sofre com esse desmonte?


O Pluris continua, nesta semana, a série sobre o desmonte das políticas públicas brasileiras e seus impactos, especialmente nas populações que mais delas necessitam


Por Camila Machado

Nosso Estado de Bem-estar Social está se desintegrando gradativamente, o Brasil, em si, encontra-se em pedaços.  Mas a crise econômica e social que abalava as estruturas do país se intensificou muito mais com a pandemia – esta que segue ceifando mais vidas do que “deveria” graças à falta de rumo - ou a uma política de deliberado desmonte do Estado para privilegiar grupos econômicos - da atual gestão. As manchetes não nos deixam esquecer as mortes e nos alertam diariamente também para os que ficam, e tentam a qualquer custo sobreviver em meio ao desamparo provocado pelo desmonte de equipamentos e políticas públicas.  O vírus parece ter afetado todos os setores brasileiros, porém um continua a todo vapor: o desmonte de nossos direitos básicos, ou melhor, da garantia deles.


O Sistema Único de Assistência Social (Suas) brasileiro tem sido a principal mira deste desmonte dramaticamente violento que nos assola e coloca sob ameaça anos de um trabalho que tentou garantir os direitos estabelecidos na Constituição de 1988 às populações vulneráveis do país.  Os ataques vêm se dando, por exemplo, pelo fechamento dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras) em todo país, na busca de se substituir o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) pelo auto cadastramento dos beneficiários via aplicativo para celular (o que excluiria milhares daqueles que precisam de assistência) e o esvaziamento do papel dos municípios no cadastramento de novos beneficiários de programas sociais (como o Bolsa Família), para centralizar esse processo na instância federal. São ações que muitas vezes não chamam a atenção, mas que têm um grande impacto.


Com uma canetada, por exemplo,  extinguiu-se o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) brasileiro, um órgão que tinha como objetivo assegurar o direito à alimentação adequada a toda a população. A extinção do Conselho, criado no governo de Itamar Franco (e reaberto no início do primeiro governo Lula), desorganizou em nível nacional a coordenação das políticas voltadas para o combate à fome.  E de canetada em canetada o Brasil se desintegra, ou pelo menos parte dele, e tudo sai como o planejado.


Uma pequena retrospectiva pelo desmonte

Em 1989, na nossa primeira eleição direta para presidente depois da redemocratização, Fernando Collor de Mello era eleito presidente do Brasil e começariam ali os primeiros momentos de um desmonte que depois foi claramente identificado com a política neoliberal. Com um Plano Nacional de Desestatização, que defendia o mito de que somente a economia aberta, com uma mínima intervenção do Estado no mercado e a privatização de estatais (lucrativas) poderiam ajudar o Brasil a alcançar um estágio de desenvolvimento ideal, Collor já nos introduzia no desmonte que temos hoje.


 No governo FHC, porém, aos poucos o mito do neoliberalismo racional foi se tornando insustentável. Bastaram três das constantes crises do capitalismo internacional para a nossa frágil economia ir para o limbo. Sem infraestrutura, o Brasil chegou a sofrer com casos de apagão e desabastecimento, a inflação estava saindo do controle e o desemprego batia recordes mundiais. Este foi o legado de oito anos de um governo que, embora tenha tido importantes iniciativas em políticas públicas, quase as anulou com a manutenção das injustiças neoliberais. Era assim, com ações que valorizavam o mercado financeiro e massacravam o trabalhador brasileiro, que o Brasil chegou em 2002, no fim do segundo mandato de FHC, para as eleições.


 Mas, aos poucos, o Brasil foi se reerguendo de sua crise financeira e social.  As políticas públicas implantadas nos primeiros anos do governo Lula tiveram um papel de destaque nesse processo.  Listamos algumas das que mais contribuíram para a recuperação econômica brasileira nos anos 2000:

  • Luz para Todos (2003)

  • Fome Zero (2003)

  • Bolsa Família (2004)

  • Bolsa Atleta (2005)

  • Prouni (2005)

  • PAC (2009)

  • Minha Casa, Minha Vida (2009)  

 

No combate à fome, por exemplo, o carro-chefe das políticas públicas tem sido o Bolsa Família, criado em 2003, uma política assistencialista de transferência de renda, no qual o governo oferece subsídio para famílias em condições de pobreza ou miséria acentuada. Aliado, é claro, ao programa Fome Zero que mobilizou diferentes setores da economia, desde previdência social até reforma agrária e geração de empregos, e conseguiu fazer com que em 2014 o Brasil saísse do mapa mundial da fome. Ainda que não tenha desmontado em sua totalidade a política neoliberal nem enfrentado os graves e históricos problemas estruturais, especialmente nas políticas tributárias, ao associar as políticas de bem-estar social e política econômica anticíclica - que retirou das mãos do “mercado” a decisão pelas vidas dos humanos que vivem no Brasil -, esse período é reconhecidamente um dos poucos em que se ensaiava alguma justiça social no país.

 

Um desmonte que resulta em pobreza e fome

A Seguridade Social brasileira é estruturada por um tripé que se divide em: Assistência Social, Saúde e Previdência. Juntos, atuam como um sistema único, descentralizado e participativo na luta por uma estrutura forte de Proteção Social no país. Mas vale ressaltar que a Assistência Social, enquanto política pública organizada, foi instituída apenas em 2005 e apesar de ter feito um incrível trabalho para organizar uma política de cuidados através de uma rede de proteção universalizante, vem sendo gradativamente desmontada pelo Estado.


 O Bolsa Família é um bom exemplo, pois vinha sobrevivendo aos ímpetos neoliberais do governo, mas foi atingido por um corte em sua capacidade de atendimento. O principal programa de transferência de renda que em 2012 atendia cerca de 15,9% dos domicílios brasileiros em estado de vulnerabilidade caiu para 13,7% em 2018, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A verba prevista para 2020 foi de R$ 29,5 bilhões, número muito abaixo dos R$ 32 bilhões destinados ao programa em 2019 (que já foram insuficientes). 


Há de se considerar, é claro, que em 2020 tivemos o auxílio emergencial que atendeu cerca de 67,9 milhões de brasileiros e ajudou a diminuir a desigualdade de renda e a reduzir a pobreza no Brasil nesse momento anormal que vivemos.  Esse efeito, no entanto, foi temporário. O programa acabou passando por uma redução de valor e beneficiados este ano, e o governo já deixou claro inúmeras vezes sua ânsia pelo encerramento do auxílio. Com os programas de transferência de renda em desmonte e em meio a um desemprego que atinge mais de 14 milhões de pessoas, a fome ressurge.


O aumento da pobreza tem um efeito imediato sobre a capacidade das famílias de assegurar sua alimentação adequada e saudável, segundo o Relatório da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – Fian Brasil.   Não é difícil estabelecer um ciclo entre estas esferas: se você tem um índice de desemprego altíssimo aliado a fragilização da CLT (que faz com que as pessoas trabalhem com uma renda menor), isso gera um ambiente alimentar inseguro, pois quando as pessoas precisam cortar gastos, a alimentação é a primeira a sofrer uma redução.

 

Brasil de volta ao mapa da fome



Após avanços significativos nos últimos anos no combate à fome no país, um retrocesso preocupante foi evidenciado pelo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O estudo indicou que só no último semestre de 2020 cerca de 19 milhões de pessoas passaram fome e outros 116,8 milhões de pessoas conviveram com algum grau de insegurança alimentar.  


A falta de políticas públicas eficazes que pudessem amenizar os impactos da pandemia no país levou o Brasil não só de volta para o mapa da fome, como também acentuou ainda mais a segregação e miséria de povos que antes já se encontravam em situação de vulnerabilidade. O estudo deixou claro que os índices de fome são maiores na área rural do que na urbana. A insegurança alimentar grave alcançou 12% dos domicílios na área rural, contra 8,5% em área urbana e essa proporção dobra quando não há, nas áreas rurais, um fornecimento adequado de água para a produção de alimentos, evoluindo de 21,1% para 44,2%.


A pesquisa mostrou que a fome no Brasil tem rosto e cor. A insegurança alimentar é ainda mais intensa nas famílias onde a pessoa responsável é mulher, de cor preta ou parda e de baixa escolaridade. Entre o vírus, a violência e o desemprego, temos a fome, tão grave quanto todos os outros males que assolam este país. Se ao final de 2020 tínhamos 19 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave, agora no primeiro semestre estes números são bem maiores e é possível que as condições de vida dessas pessoas estejam ainda piores.


Um estudo divulgado no dia 13 de abril, coordenado por um grupo de pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, na Alemanha, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade de Brasília, revelou que em 15% dos domicílios do país há privação de alimentos e fome. Intitulado “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, o levantamento constatou que o acesso a alimentos importantes para uma dieta regular também caiu: 44% das pessoas reduziram o consumo de carnes e 41% diminuíram o consumo de frutas.


 Estudos como estes mostram, em números, como as instabilidades socioeconômicas no Brasil foram acentuadas pela pandemia. O quadro que já se encontrava negativo quase duplicou de tamanho. Em 2018, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já evidenciavam o retrocesso do Brasil no combate à fome - na época, cerca de 10 milhões de brasileiros enfrentavam algum grau de insegurança alimentar e em apenas dois anos esse número saltou para 19 milhões.


Se ainda temos alguma esperança de chamar o Brasil de nação, em que, por princípio, pessoas que aqui vivem mantêm entre si algum laço de solidariedade, é preciso conter essa escalada de crescimento da desintegração da dignidade o quanto antes. As desigualdades alimentares, especialmente o acesso a alimentos saudáveis de forma regular e em quantidade e qualidade suficientes, não podem ser naturalizadas e encaradas como uma simples fatalidade. Pessoas não morrem de fome ao acaso: elas são condenadas à fome pelo desamparo e descaso público de governos que fingem não ver a vulnerabilidade brasileira nessa recessão sem fim.  São condenadas à fome por governos que cortam benefícios, reduzem “auxílios” a valores estupidamente insuficientes e as abandonam à própria sorte, forçando-as a enfrentarem sozinhas a desigualdade, a pobreza e, assim, a morte.

 


👉Leia nossa primeira edição aqui


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Onde estão as notícias do Fora Bolsonaro em Divinópolis ‒ ou sobre a importância do jornalismo independente e alternativo

Ana Laura Corrêa



Em maio, as manifestações Fora Bolsonaro foram gigantescas em diversas cidades do Brasil. À época, em nível nacional, chamou a atenção a completa falta de (ou a mínima) cobertura, pela mídia tradicional, dos atos ‒ que, mesmo em plena pandemia, levaram centenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra um verdadeiro genocídio que é cometido contra a população brasileira - seja por atos diretos do governo e do presidente da República, seja indiretamente, ao dar apoio (logísitico ou ideológico, pouco importa) à perseguição e morte de pretos e índios.


Outras manifestações gigantescas contra o presidente ocorreram neste sábado (19) em vários municípios do país e, desta vez, a cobertura dos atos parece ter minimamente ocorrido por parte da imprensa tradicional, em nível nacional. Em Divinópolis, porém, a história foi diferente: apenas em um dos portais dos maiores veículos de comunicação locais observados pelo Pluris foi encontrada uma notícia sobre o Fora Bolsonaro na cidade ‒ um vídeo do G1 Centro-Oeste, que dedicou somente 20 segundos à cobertura do protesto na cidade.


Além do G1, verificamos as matérias postadas por Divinews (que apenas noticiou, na sexta-feira, a realização do protesto), Portal Agora, Portal Gerais, Portal MPA ‒ mas a impressão que fica, para o leitor que acompanha apenas esses veículos ‒ grande parte da cidade, talvez ‒, é de que não houve qualquer movimentação Fora Bolsonaro por aqui.


Em um post da semana passada aqui no Pluris falamos sobre a crise de credibilidade e de autoridade enfrentada pela imprensa brasileira. Não seria o silêncio sobre determinados assuntos de extrema importância mais um componente que contribui para essa crise?


Uma exceção: o jornalismo independente e alternativo


A maior cobertura do Fora Bolsonaro em Divinópolis foi feita por uma página no Instagram ‒ da Mídia Ninja na região Centro-Oeste de Minas Gerais, a Mídia Ninja 037


A página, de quase 3,5 mil seguidores, publicou no sábado (19), pelo menos nove vídeos das manifestações ‒ um deles, uma transmissão ao vivo com mais de 1h de duração ‒ e diversas fotos no feed e nos stories.


Para além do ato Fora Bolsonaro, poderíamos destacar aqui outras coberturas feitas na região pela Mídia Ninja 037 e ressaltar, portanto, a importância dos veículos de jornalismo alternativos e independentes. Ser alternativo diz respeito a cobrir pautas geralmente deixadas de lado pelas mídias tradicionais. Já independência significa não estar sujeito às pressões de anunciantes, que com frequência não permitem a cobertura de determinados assuntos.


Sobre como se dá o financiamento da Mídia Ninja 037 ainda não sabemos ‒ afinal, jornalismo exige recursos ‒, assunto que rende outro post. Mas esperamos que o veículo se fortaleça ainda mais ‒ os divinopolitanos precisam de uma mídia alternativa e independente. 


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quinta-feira, 17 de junho de 2021

Um Brasil em Pedaços

Por Camila Machado

Série Especial: O Desmonte do Estado - 1ª Edição


O que será da República? – CONTEE

Fonte: Contee



Um Estado de Bem-Estar Social é um modelo de gestão pública no qual o Estado intervém na economia para garantir oportunidades iguais para todos através da distribuição de renda e a prestação de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Tal intervenção na economia se dá através de regulamentos e decretos de leis que visem, por exemplo, impedir monopólios, gerar empregos e renda, construir infraestruturas de qualidade, estatização de empresas em setores estratégicos etc. 

O aparecimento de um Estado voltado às questões sociais pode ser associado a própria evolução do modo de produção capitalista e se deu no contexto da crise do Estado de Direito liberal-burguês. Os traços característicos do Estado de Bem-estar Social estão, direta ou indiretamente, relacionados ao processo produtivo do país, tal como relações de trabalho, previdência, saneamento, saúde, educação etc. (STRECK; MORAIS, 2006). 

O Brasil nunca chegou a estruturar um Estado de Bem-estar semelhante ao de países como Noruega e Bélgica, por exemplo, porém a intervenção estatal na economia nacional teve início na Era Vargas (1930-1945).  Com a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas, a estatização do refino de petróleo e investimentos em obras públicas, Vargas deu o primeiro passo na construção de um Estado voltado para as questões sociais. 

Após isso, durante as décadas de 70 e 80 houve mais investimentos na área social, além da promulgação da Constituição Federal de 1988 que assegurou todas as políticas assistenciais criadas.

É preciso ressaltar, porém, que mesmo nessa época os mais beneficiados com os gastos públicos em infraestrutura (nas áreas de telecomunicações, energia elétrica, autoestradas etc.) e construção de grandes empresas públicas foram, justamente, os empresários brasileiros e estrangeiros. 

A década de 90 foi um marco para a história da saúde pública no Brasil, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Inúmeras outras políticas foram adotadas nas décadas subsequentes para amenizar os impactos negativos do neoliberalismo como a criação, por exemplo, dos programas Prouni, Bolsa Família, Fome Zero, Luz para todos, Bolsa Escola e o auxílio-gás. Até pouco tempo o debate girava em torno da reforma da previdência social, que foi centro da política de desmonte (ou reestruturação, como preferem os políticos de direita) do Estado do Bem-estar Social no Brasil.

Mesmo aos trancos e barrancos o Estado assistencial brasileiro tentava garantir padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social aos cidadãos, mas hoje ele se vê ameaçado por um desmonte mascarado de reformismo. Os direitos sociais que surgiram para assegurar que as desigualdades de classe social e se institucionalizaram no âmbito Estado do Bem-estar Social estão sendo sufocados por reformas que retiram dinheiro de políticas públicas e o depositam em bolsos já privilegiados.

 O reformismo do Estado do Bem-estar tenta, com sucesso, canalizar as políticas que amenizam os conflitos de classe para privilegiados setores institucionais, políticos e sociais (de ministros à empresários).  Estão não apenas indo contra o ideal de compatibilizar capitalismo e democracia do Estado de Bem-estar Social, mas também transformando-o em justificativas para o seu desmonte em todas as esferas possíveis. 

Numa série especial o Pluris falará e analisará criticamente, a cada semana, como esse desmonte tem se manifestado em áreas importantes como: educação, previdência e trabalho, saúde, meio ambiente e políticas assistencialistas. Tentaremos mostrar não apenas como tem se dado o desmonte de tais esferas, mas também os impactos deste na vida da população, contrastando o antes e depois da implementação destas políticas. 


👉ACESSE A SEGUNDA PUBLICAÇÃO AQUI
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Tateando no escuro: em tentativa de recuperar credibilidade, Globo mostra 'intimidade' dos jornalistas

Por Ana Laura Corrêa



A Globo lançou, na última semana, a campanha “Fatos e Pessoas”, que vai exibir em intervalos da programação momentos da intimidade dos jornalistas da emissora, a fim de “humanizar” esses profissionais. 


“Você vai ouvir mensagens de áudio de celular que nós trocamos com parentes nossos, com as nossas famílias”, traz texto disponível no site do Jornal Nacional.

“O motivo dessa iniciativa é desfazer uma ideia equivocada que esses dias tão difíceis ajudaram a criar na imaginação de muita gente. Porque desde o início da pandemia, nós, jornalistas, nunca deixamos de trabalhar. Assim como outras tantas categorias profissionais, as da saúde em primeiríssimo lugar, a nossa também não poderia fazer isso. Nós tivemos que tomar todo cuidado para manter você informado sobre os fatos e protegido das fake news.”

“A partir desta quinta-feira, filmes da campanha “Fatos e Pessoas” vão mostrar que nós, jornalistas, damos as notícias que nós próprios vivenciamos. Nós somos jornalistas e estamos aqui por você. Pelo nosso país. Cada um de nós. É a nossa missão. É como a gente pode ajudar.”

Notícias falsas e queda na audiência


O lançamento da campanha pode ser considerado a partir de diferentes aspectos: além do cenário de crise de credibilidade ‒ com o aumento de notícias falsas e da violência contra jornalistas e veículos ‒, a ação ocorre após o término de mais uma edição do Big Brother Brasil, o que gerou queda na audiência do horário nobre da TV. Há de se ressaltar ainda uma possível preferência do público pela mídia on-line ‒ na qual se destacam os veículos alternativos e independentes ‒, o que pode estar deixando os meios tradicionais para trás, de modo que estes tentam incorporar, de algum modo, a lógica da internet (neste caso, com a exposição da “intimidade” dos jornalistas).


Tateando no escuro


Sob o viés da credibilidade, na “guerra” contra as notícias falsas, os jornalistas parecem ainda estar tateando no escuro, à procura de uma maneira de contornar a situação. O linguista Patrick Charaudeau diz que as mídias "estão em confronto permanente com um problema de credibilidade, porque baseiam sua legitimidade no "fazer crer que o que é dito é verdadeiro". Desse modo, elas estão engajadas num jogo da verdade”, e tratar da verdade não é uma tarefa simples.


Há veículos que apostam na transparência. De acordo com o Projeto Credibilidade, por exemplo ‒ do qual alguns veículos jornalísticos brasileiros fazem parte ‒, indicadores podem auxiliar na avaliação da qualidade e da credibilidade do jornalismo. Parte desses indicadores são: quem financia o veículo, quem são os proprietários, patrocinadores, quem são os jornalistas e quais outras matérias já fizeram, informações sobre os métodos de apuração utilizados e existência de diversidade de vozes nas matérias.


O Intercept, por sua vez, à época da publicação das mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, divulgou um editorial explicando o porquê da veiculação do material e como se deu a apuração.


A estratégia da campanha da Globo é uma iniciativa que se centra nas pessoas enunciadoras para construir a credibilidade, até mesmo com toques de um romantismo ligado à profissão de jornalista, afirmando que se trata de uma “missão” pelo país, pelo telespectador. Além disso, expõe a intimidade dos jornalistas ‒ obviamente, uma exposição autorizada, talvez até encenada ‒ e ainda representa a incorporação da lógica de exposição das redes sociais à prática profissional do jornalista. Vai dar certo?


Por aqui, também seguimos tateando no escuro à procura de uma resposta de como reconstruir a credibilidade ‒ também a jornalística, mas não só: vivemos uma profunda crise de autoridade. Por ora, sobre a campanha da Globo, ficamos com o posicionamento do cientista político Luís Felipe Miguel (disponível em sua página do Facebook ‒ há comentários na publicação que, aliás, também são interessantes):


“Pode ser uma boa jogada de marketing, na tentativa de reerguer uma credibilidade comprometida? Pode. Mas eu não consigo deixar de ver mais um passo na degradação do jornalismo. É o abandono da deontologia profissional e a capitulação diante da lógica das redes, nas quais o valor de verdade de alguma informação está associado à relação pessoal que se tem com o emissor. Vai dar errado, é óbvio. Não importa quantos áudios da Andréia Sadi ou do Heraldo Pereira falando com os respectivos primos sejam divulgados, eles ainda estarão bem mais distantes do que o tiozão do zap”.


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terça-feira, 15 de junho de 2021

Análise: A Montanha dos Sete Abutres

 Por Maria Clara Ribeiro




Com nomenclatura original de Ace in the Hole, A Montanha dos Sete Abutres é uma produção cinematográfica do gênero drama, dirigida por Billy Wilder e lançada em junho de 1951. A trama tem como cenário principal Albuquerque, Novo México, uma cidade interiorana estadunidense. O título faz menção à postura de Charles Tatum, interpretado por Kirk Douglas, um repórter que ultrapassa quaisquer valores morais e profissionais para garantir a continuidade de sua suposta carreira, isto é, um “abutre”. Mas só jornalistas podem sê-lo? 


A caminho de Escudero, para cobrir um episódio mediano para o jornal local onde trabalha, Tatum descobre que houve um acidente em uma mina, onde Leo Minosa, por Richard Benedict, se encontra preso. Para além do fato, o repórter convence Lorraine, por Jan Sterling, esposa de Minosa e o xerife Gus, por Ray Teal, para prolongar o processo de resgate e, com isso, abranger o alcance do desastre - para que ambos se tornassem reconhecidos e, consequentemente, ganhassem mais dinheiro. Esta atitude corroborou para atrair a atenção novos jornalistas e público curioso, atingindo níveis sensacionalistas.


Com duração de quase duas horas, a produção abrange, para além da narrativa envolvente de suspense, questões éticas acerca da prática da profissão jornalística. Com constantes conflitos morais, Tatum discute repetidas vezes com seu chefe Jacob Boot, por Porter Hall, acerca de questões humanitárias, como o respeito a quem está envolvido para além de uma personagem, mas que vivencia simultaneamente as consequências do fato e da notícia. Entretanto, chega o momento em que os embates éticos de Tatum se destinam a ele próprio, através de questionamentos sobre suas atitudes sensacionalistas e desumanas. 


Porém, essa reflexão surge no momento que o repórter percebe que pode ter ido longe demais e colocado a vida de Minosa em risco real. O preço pela fama foi muito alto? Por isso, é relevante captar as mensagens impermeadas na obra. O roteiro, produzido por Walter Newman e Billy Wilder, é articulado para trazer reflexões não apenas aos comunicadores, mas ao público que os acompanha: ao passo que os profissionais devem se comprometer com a notícia sem moldá-la em interesses pessoais, os receptores devem não espetacularizar tudo que é visto; e isto não diz respeito às diferentes perspectivas de um fato, mas sim de que não cessem a busca pela verdade.

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terça-feira, 8 de junho de 2021

Estou me guardando para quando o carnaval chegar

Por Camila Machado


Resenha | Estou me guardando para quando o carnaval chegar: faz parte dessa  solidão | SINDSEF-SP

“Quem me vê sempre parado, distante, garante que não sei sambar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar. Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, estudando. Não posso falar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar” – Chico Buarque


Com o nome inspirado nessa canção de Buarque, o documentário, lançado em 2019, roteirizado e dirigido por Marcelo Gomes, Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é quase que uma viagem no tempo que nos transporta para as velhas fábricas do século XIX.  Porém, em Toritama, no sertão pernambucano, cidade onde se passa a trama, aquele modelo toyotista-fordista não se manifesta mais da mesma forma.  Esta é uma obra que carrega críticas econômicas-sociais importantes ao mesmo tempo que transforma pequenos detalhes em poesia.

 O filme mostra como hoje o trabalho tem deixado os galpões e invadido as casas das pessoas. Não temos mais as esteiras e os fiscais de produção, mas a exaustiva repetição de movimentos e a remuneração por produção ainda se faz presente. Toritama é considerada um centro ativo do capitalismo local, mais de 20 milhões de jeans são produzidos anualmente nas fábricas caseiras da cidade. Marcelo Gomes, o diretor, não buscava por esta nova Toritama. O diretor chega esperando encontrar a calma e tranquila cidadezinha de sua juventude, mas se depara apenas com a agitação de um capitalismo improvisado e acelerado.  

Estou me guardando... se divide em duas visíveis linhas de pensamento: de um lado um artista progressista, que guarda na lembrança uma imagem romântica do agreste silencioso de sua juventude e se frustra ao ver que tudo foi engolido por um capitalismo feroz que aliena, explora e suga a vida de tudo que encontra pela frente. Do outro, pessoas com passado miserável, mas que veem na produção do jeans um salto na sua qualidade de vida. Por mais exaustiva e maçante que seja, para eles a atividade têxtil representa a melhor alternativa possível e, então, fazem de bom grado. 

 As pessoas de Toritama se sentem orgulhosas de serem elas mesmas seus próprios chefes, porém é difícil esconder o cansaço que aquela rotina infinita de trabalho trás. E o filme faz questão de contrastar tal “orgulho” com as longas jornadas de trabalho e os rostos suados, sujos e cansados, chamando a atenção para questionamentos importantes. Qual é a linha que separa o trabalho dito “autônomo” da auto-escravidão? Como e até que ponto o capitalismo me induz a fazer sempre mais, em menos tempo?  


Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar – descobrindo o  desconhecido Sua casa vira fábrica. Sua família, funcionários. Um período de inatividade, um artigo de luxo. O “tempo de trabalho” não existe mais, pois o tempo em si agora é trabalho. O suor pinga dos corpos, a energia e a vida são aos poucos sugadas, o desgaste é visível. Mas, ninguém reclama, pois todos ali acreditam serem donos de seu próprio tempo.

É interessante ver como com um simples título de “empreendedor” e um pagamento por produção nos faz entregar numa bandeja de prata nossa subjetividade para ser capturada e colonizada de diferentes maneiras pelo capital.

Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é mais do que um filme de cunho sociológico e político que contrasta perspectivas sobre as manifestações diárias do capitalismo. A trama faz questão também de desvendar o aspecto humano por trás daquela rotina desgastante. É possível perceber a caça por sorrisos, piadas e instantes leves como quando os gatos pulam sobre a produção de roupas ou a criança cisma em tratar a máquina de costura como brinquedo. O diretor busca fazer mais do que uma crítica social: ele quer enxergar nos pequenos detalhes, traços da Toritama de suas lembranças. E então, em meio aquele barulho e movimentos angustiantemente repetitivos dos trabalhadores e das máquinas, poesia.

Cine Belas Artes | ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR - Cine  Belas Artes

  

 Estou me guardando para quando o Carnaval chegar se encontra disponível na Netflix. Assista! O Pluris indica.
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Alemanha anuncia segunda conferência de paz na Líbia

Por Maria Clara Ribeiro


Londres pode enviar contingente de mil soldados à Líbia - Sputnik Brasil

Foto: Sputnik 


Berlim será sede internacional da segunda Conferência sobre a Paz na Líbia, sob a égide da ONU, e pela primeira vez com a participação do governo de transição líbio, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão. O encontro será realizado no dia 23 de junho, na capital alemã, e terão como participantes especiais o presidente do Governo de Acordo Nacional líbio (GAN), Fayed Serraj, e o líder do Exército Nacional (ENL), Khalifa Haftar.

O ministro alemão de Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, convidaram todos os países e instituições implicadas no conflito. Os participantes discutirão a situação da transição política na Líbia, analisando desde a conferência de 2020 até as próximas etapas para efetivar a estabilização. 

Além disso, o comunicado oficial determina que "a atenção será colocada nos preparativos das eleições previstas para 24 de dezembro e a retirada, prevista nos termos do cessar-fogo, das tropas estrangeiras e mercenários da Líbia", assim como a possível unificação das forças de segurança nacional – com intuito de consolidar o apoio internacional. 

A última conferência, em janeiro do ano passado, conquistou avanços no caminho da pacificação, por meio do inédito acordo de cessar-fogo entre os envolvidos. Esse último encontro foi considerado um êxito diplomático, pois os 12 atores internacionais, incluindo a Rússia, a Turquia, os EUA, o Egito, França e Itália, se uniram para delinear soluções. 

Entretanto, não se deve esquecer que a Líbia foi destruída em 2011 em nome da “comunidade internacional” e do “direito internacional”, assim como visto no Iraque. Por isso, a Missão de Apoio das Nações Unidas (UNSMIL) convoca regularmente o Fórum de Diálogo Político da Líbia (LPDF). Este miniparlamento atua com 75 membros e é responsável por elaborar uma agenda com foco na segurança do povo, unificando as instituições governamentais e, posteriormente, realizando eleições. 



Entenda a guerra na Líbia

Líbia: Dezenas de milhares de crianças em risco em meio à violência e ao  caos de conflitos implacáveisGuerra, jihadismo e emigração marcam a Líbia 5 anos após Kadafi | Exame


Em 2011, a Líbia foi o terceiro país árabe a enfrentar uma onda de revolta popular e, assim como em seus vizinhos, os protestos contra o regime vigente se agravaram e acarretaram uma guerra civil. As reivindicações se iniciaram no leste do país, onde a popularidade do então líder líbio, Muammar al-Kadhafi, era mínima. As cidades de Benghazi, Tobruk e Derna, epicentro dos protestos, foram tomadas por oposicionistas e a repressão provocou milhares de mortes. 

Liderados pela postura dos EUA, vários países começaram a protestar e exigir a saída imediata de Kadhafi do poder. A ONU e organizações de direitos humanos relataram abusos das forças de segurança à população, assim como a afirmação de que manifestantes antigoverno estariam à serviço da al-Qaeda – até então sob comando de Osama bin Laden. 

Em meio a protestos e manobras diplomáticas da comunidade internacional, tropas de Kadhafi atacaram os rebeldes nas frentes de combate e recuperaram grande parte de seu terreno. Como consequência, o Conselho de Segurança da ONU exigiu cessar-fogo imediato e autorizou o uso de forças militares contra o regime líbio. 

As operações militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com participação destaque dos EUA, Reino Unido, França, Itália e Canadá, começaram apenas 48h após permissão. 

A Líbia mergulhou no caos após uma revolução apoiada pela Otan, ainda em 2011, que resultou na morte do ditador Muammar Kadafi. Desde então, o país está dividido entre governos rivais e uma série de grupos armados que disputam poder e petróleo. Em seu cerne, o conflito é baseado nas diferenças entre islâmicos e nacionalistas, isto é, rivalidades étnicas acerca das identidades regionais-locais e sua soberania sobre o acesso aos recursos nacionais. 

Em 2014, a contestação das eleições parlamentares resultou na solidificação de “apenas” dois governos rivais situados na capital ocidental, Trípoli, e outro no leste do país. A divisão se deu após um bloco islamista (apoiado por grupos armados) se recusar a encerrar o mandato transitório do Conselho Geral Nacional. 

Em 2015, a ONU mediou um acordo de compartilhamento de poder que estabeleceu um órgão conhecido como Conselho Presidencial, liderado por Fayez al-Sarraj. O governo é reconhecido internacionalmente, mas enfrenta dificuldades para controlar o país e sua rede de milícias. 

O Conselho Presidencial e o Governo Interino do Acordo Nacional deveriam cessar com diferenças políticas entre os rivais, mas, para piorar a situação, a Câmara dos Representantes não endossou o Governo do Acordo Nacional - como previsto no acordo com a ONU. 

Assim, o Parlamento apoiou o governo oriental e reconheceu o Exército Nacional Líbio de Haftar. Como resultado imediato, tem-se a formação de forças de segurança concorrentes, Leste-Oeste, e corporações petrolíferas nacionais concorrentes. 


Influência dos recursos petrolíferos

A disputa em torno dos recursos naturais do país tem sido um dos principais motores do conflito. Riquíssima em gás e petróleo, a Líbia tem a extração como sua principal fonte de receitas públicas, mas as disputas locais foram agravadas por reivindicações históricas: a população do leste argumenta ter menos recursos que o lado oposto – mesmo produzindo 80% do petróleo nacional. 

Desde 2014, as forças de Haftar assumiram medidas para retirar o controle do petróleo sob as milícias e grupos islamistas e, no início deste ano, suas forças de segurança lançaram uma ofensiva no sul do país. A ação garantiu o controle sobre postos de fronteira, segunda região mais rica da Líbia. 


Posição da comunidade internacional

A guerra civil na Líbia foi complicada por rivalidades internacionais. Preocupados com o papel da organização islâmica radical Irmandade Muçulmana em Trípoli, o Egito e os Emirados Árabes Unidos apoiaram o governo no leste e deram apoio militar ao Exército Nacional Líbio. A Rússia também apoia Haftar.

A União Europeia, os Estados Unidos e a Turquia declararam apoio ao governo de Trípoli, mas as rivalidades entre a França e o antigo colonizador local, Itália, minaram uma posição europeia comum: Governo do Acordo Nacional. Para eles, Haftar representa uma importante liderança na luta contra militantes islamistas, oferecendo até mesmo apoio militar e de inteligência.

Em contrapartida, a Itália se preocupa com a Líbia “atual”, vista como uma passagem de fácil acesso para migrantes chegarem à Europa. O país também apoiou o Governo do Acordo Nacional, mas trabalhou junto a milícias para conter fluxos migratórios para o continente.


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