terça-feira, 15 de junho de 2021

Análise: A Montanha dos Sete Abutres

 Por Maria Clara Ribeiro




Com nomenclatura original de Ace in the Hole, A Montanha dos Sete Abutres é uma produção cinematográfica do gênero drama, dirigida por Billy Wilder e lançada em junho de 1951. A trama tem como cenário principal Albuquerque, Novo México, uma cidade interiorana estadunidense. O título faz menção à postura de Charles Tatum, interpretado por Kirk Douglas, um repórter que ultrapassa quaisquer valores morais e profissionais para garantir a continuidade de sua suposta carreira, isto é, um “abutre”. Mas só jornalistas podem sê-lo? 


A caminho de Escudero, para cobrir um episódio mediano para o jornal local onde trabalha, Tatum descobre que houve um acidente em uma mina, onde Leo Minosa, por Richard Benedict, se encontra preso. Para além do fato, o repórter convence Lorraine, por Jan Sterling, esposa de Minosa e o xerife Gus, por Ray Teal, para prolongar o processo de resgate e, com isso, abranger o alcance do desastre - para que ambos se tornassem reconhecidos e, consequentemente, ganhassem mais dinheiro. Esta atitude corroborou para atrair a atenção novos jornalistas e público curioso, atingindo níveis sensacionalistas.


Com duração de quase duas horas, a produção abrange, para além da narrativa envolvente de suspense, questões éticas acerca da prática da profissão jornalística. Com constantes conflitos morais, Tatum discute repetidas vezes com seu chefe Jacob Boot, por Porter Hall, acerca de questões humanitárias, como o respeito a quem está envolvido para além de uma personagem, mas que vivencia simultaneamente as consequências do fato e da notícia. Entretanto, chega o momento em que os embates éticos de Tatum se destinam a ele próprio, através de questionamentos sobre suas atitudes sensacionalistas e desumanas. 


Porém, essa reflexão surge no momento que o repórter percebe que pode ter ido longe demais e colocado a vida de Minosa em risco real. O preço pela fama foi muito alto? Por isso, é relevante captar as mensagens impermeadas na obra. O roteiro, produzido por Walter Newman e Billy Wilder, é articulado para trazer reflexões não apenas aos comunicadores, mas ao público que os acompanha: ao passo que os profissionais devem se comprometer com a notícia sem moldá-la em interesses pessoais, os receptores devem não espetacularizar tudo que é visto; e isto não diz respeito às diferentes perspectivas de um fato, mas sim de que não cessem a busca pela verdade.

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terça-feira, 8 de junho de 2021

Estou me guardando para quando o carnaval chegar

Por Camila Machado


Resenha | Estou me guardando para quando o carnaval chegar: faz parte dessa  solidão | SINDSEF-SP

“Quem me vê sempre parado, distante, garante que não sei sambar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar. Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, estudando. Não posso falar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar” – Chico Buarque


Com o nome inspirado nessa canção de Buarque, o documentário, lançado em 2019, roteirizado e dirigido por Marcelo Gomes, Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é quase que uma viagem no tempo que nos transporta para as velhas fábricas do século XIX.  Porém, em Toritama, no sertão pernambucano, cidade onde se passa a trama, aquele modelo toyotista-fordista não se manifesta mais da mesma forma.  Esta é uma obra que carrega críticas econômicas-sociais importantes ao mesmo tempo que transforma pequenos detalhes em poesia.

 O filme mostra como hoje o trabalho tem deixado os galpões e invadido as casas das pessoas. Não temos mais as esteiras e os fiscais de produção, mas a exaustiva repetição de movimentos e a remuneração por produção ainda se faz presente. Toritama é considerada um centro ativo do capitalismo local, mais de 20 milhões de jeans são produzidos anualmente nas fábricas caseiras da cidade. Marcelo Gomes, o diretor, não buscava por esta nova Toritama. O diretor chega esperando encontrar a calma e tranquila cidadezinha de sua juventude, mas se depara apenas com a agitação de um capitalismo improvisado e acelerado.  

Estou me guardando... se divide em duas visíveis linhas de pensamento: de um lado um artista progressista, que guarda na lembrança uma imagem romântica do agreste silencioso de sua juventude e se frustra ao ver que tudo foi engolido por um capitalismo feroz que aliena, explora e suga a vida de tudo que encontra pela frente. Do outro, pessoas com passado miserável, mas que veem na produção do jeans um salto na sua qualidade de vida. Por mais exaustiva e maçante que seja, para eles a atividade têxtil representa a melhor alternativa possível e, então, fazem de bom grado. 

 As pessoas de Toritama se sentem orgulhosas de serem elas mesmas seus próprios chefes, porém é difícil esconder o cansaço que aquela rotina infinita de trabalho trás. E o filme faz questão de contrastar tal “orgulho” com as longas jornadas de trabalho e os rostos suados, sujos e cansados, chamando a atenção para questionamentos importantes. Qual é a linha que separa o trabalho dito “autônomo” da auto-escravidão? Como e até que ponto o capitalismo me induz a fazer sempre mais, em menos tempo?  


Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar – descobrindo o  desconhecido Sua casa vira fábrica. Sua família, funcionários. Um período de inatividade, um artigo de luxo. O “tempo de trabalho” não existe mais, pois o tempo em si agora é trabalho. O suor pinga dos corpos, a energia e a vida são aos poucos sugadas, o desgaste é visível. Mas, ninguém reclama, pois todos ali acreditam serem donos de seu próprio tempo.

É interessante ver como com um simples título de “empreendedor” e um pagamento por produção nos faz entregar numa bandeja de prata nossa subjetividade para ser capturada e colonizada de diferentes maneiras pelo capital.

Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é mais do que um filme de cunho sociológico e político que contrasta perspectivas sobre as manifestações diárias do capitalismo. A trama faz questão também de desvendar o aspecto humano por trás daquela rotina desgastante. É possível perceber a caça por sorrisos, piadas e instantes leves como quando os gatos pulam sobre a produção de roupas ou a criança cisma em tratar a máquina de costura como brinquedo. O diretor busca fazer mais do que uma crítica social: ele quer enxergar nos pequenos detalhes, traços da Toritama de suas lembranças. E então, em meio aquele barulho e movimentos angustiantemente repetitivos dos trabalhadores e das máquinas, poesia.

Cine Belas Artes | ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR - Cine  Belas Artes

  

 Estou me guardando para quando o Carnaval chegar se encontra disponível na Netflix. Assista! O Pluris indica.
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Alemanha anuncia segunda conferência de paz na Líbia

Por Maria Clara Ribeiro


Londres pode enviar contingente de mil soldados à Líbia - Sputnik Brasil

Foto: Sputnik 


Berlim será sede internacional da segunda Conferência sobre a Paz na Líbia, sob a égide da ONU, e pela primeira vez com a participação do governo de transição líbio, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão. O encontro será realizado no dia 23 de junho, na capital alemã, e terão como participantes especiais o presidente do Governo de Acordo Nacional líbio (GAN), Fayed Serraj, e o líder do Exército Nacional (ENL), Khalifa Haftar.

O ministro alemão de Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, convidaram todos os países e instituições implicadas no conflito. Os participantes discutirão a situação da transição política na Líbia, analisando desde a conferência de 2020 até as próximas etapas para efetivar a estabilização. 

Além disso, o comunicado oficial determina que "a atenção será colocada nos preparativos das eleições previstas para 24 de dezembro e a retirada, prevista nos termos do cessar-fogo, das tropas estrangeiras e mercenários da Líbia", assim como a possível unificação das forças de segurança nacional – com intuito de consolidar o apoio internacional. 

A última conferência, em janeiro do ano passado, conquistou avanços no caminho da pacificação, por meio do inédito acordo de cessar-fogo entre os envolvidos. Esse último encontro foi considerado um êxito diplomático, pois os 12 atores internacionais, incluindo a Rússia, a Turquia, os EUA, o Egito, França e Itália, se uniram para delinear soluções. 

Entretanto, não se deve esquecer que a Líbia foi destruída em 2011 em nome da “comunidade internacional” e do “direito internacional”, assim como visto no Iraque. Por isso, a Missão de Apoio das Nações Unidas (UNSMIL) convoca regularmente o Fórum de Diálogo Político da Líbia (LPDF). Este miniparlamento atua com 75 membros e é responsável por elaborar uma agenda com foco na segurança do povo, unificando as instituições governamentais e, posteriormente, realizando eleições. 



Entenda a guerra na Líbia

Líbia: Dezenas de milhares de crianças em risco em meio à violência e ao  caos de conflitos implacáveisGuerra, jihadismo e emigração marcam a Líbia 5 anos após Kadafi | Exame


Em 2011, a Líbia foi o terceiro país árabe a enfrentar uma onda de revolta popular e, assim como em seus vizinhos, os protestos contra o regime vigente se agravaram e acarretaram uma guerra civil. As reivindicações se iniciaram no leste do país, onde a popularidade do então líder líbio, Muammar al-Kadhafi, era mínima. As cidades de Benghazi, Tobruk e Derna, epicentro dos protestos, foram tomadas por oposicionistas e a repressão provocou milhares de mortes. 

Liderados pela postura dos EUA, vários países começaram a protestar e exigir a saída imediata de Kadhafi do poder. A ONU e organizações de direitos humanos relataram abusos das forças de segurança à população, assim como a afirmação de que manifestantes antigoverno estariam à serviço da al-Qaeda – até então sob comando de Osama bin Laden. 

Em meio a protestos e manobras diplomáticas da comunidade internacional, tropas de Kadhafi atacaram os rebeldes nas frentes de combate e recuperaram grande parte de seu terreno. Como consequência, o Conselho de Segurança da ONU exigiu cessar-fogo imediato e autorizou o uso de forças militares contra o regime líbio. 

As operações militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com participação destaque dos EUA, Reino Unido, França, Itália e Canadá, começaram apenas 48h após permissão. 

A Líbia mergulhou no caos após uma revolução apoiada pela Otan, ainda em 2011, que resultou na morte do ditador Muammar Kadafi. Desde então, o país está dividido entre governos rivais e uma série de grupos armados que disputam poder e petróleo. Em seu cerne, o conflito é baseado nas diferenças entre islâmicos e nacionalistas, isto é, rivalidades étnicas acerca das identidades regionais-locais e sua soberania sobre o acesso aos recursos nacionais. 

Em 2014, a contestação das eleições parlamentares resultou na solidificação de “apenas” dois governos rivais situados na capital ocidental, Trípoli, e outro no leste do país. A divisão se deu após um bloco islamista (apoiado por grupos armados) se recusar a encerrar o mandato transitório do Conselho Geral Nacional. 

Em 2015, a ONU mediou um acordo de compartilhamento de poder que estabeleceu um órgão conhecido como Conselho Presidencial, liderado por Fayez al-Sarraj. O governo é reconhecido internacionalmente, mas enfrenta dificuldades para controlar o país e sua rede de milícias. 

O Conselho Presidencial e o Governo Interino do Acordo Nacional deveriam cessar com diferenças políticas entre os rivais, mas, para piorar a situação, a Câmara dos Representantes não endossou o Governo do Acordo Nacional - como previsto no acordo com a ONU. 

Assim, o Parlamento apoiou o governo oriental e reconheceu o Exército Nacional Líbio de Haftar. Como resultado imediato, tem-se a formação de forças de segurança concorrentes, Leste-Oeste, e corporações petrolíferas nacionais concorrentes. 


Influência dos recursos petrolíferos

A disputa em torno dos recursos naturais do país tem sido um dos principais motores do conflito. Riquíssima em gás e petróleo, a Líbia tem a extração como sua principal fonte de receitas públicas, mas as disputas locais foram agravadas por reivindicações históricas: a população do leste argumenta ter menos recursos que o lado oposto – mesmo produzindo 80% do petróleo nacional. 

Desde 2014, as forças de Haftar assumiram medidas para retirar o controle do petróleo sob as milícias e grupos islamistas e, no início deste ano, suas forças de segurança lançaram uma ofensiva no sul do país. A ação garantiu o controle sobre postos de fronteira, segunda região mais rica da Líbia. 


Posição da comunidade internacional

A guerra civil na Líbia foi complicada por rivalidades internacionais. Preocupados com o papel da organização islâmica radical Irmandade Muçulmana em Trípoli, o Egito e os Emirados Árabes Unidos apoiaram o governo no leste e deram apoio militar ao Exército Nacional Líbio. A Rússia também apoia Haftar.

A União Europeia, os Estados Unidos e a Turquia declararam apoio ao governo de Trípoli, mas as rivalidades entre a França e o antigo colonizador local, Itália, minaram uma posição europeia comum: Governo do Acordo Nacional. Para eles, Haftar representa uma importante liderança na luta contra militantes islamistas, oferecendo até mesmo apoio militar e de inteligência.

Em contrapartida, a Itália se preocupa com a Líbia “atual”, vista como uma passagem de fácil acesso para migrantes chegarem à Europa. O país também apoiou o Governo do Acordo Nacional, mas trabalhou junto a milícias para conter fluxos migratórios para o continente.


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Quem escreve as notícias que você lê?

Ana Laura Corrêa




A resposta à pergunta do título parece óbvia. São os jornalistas.


No entanto, em alguns casos, são assessores de imprensa, que também são jornalistas, mas contratados por empresas/organizações/políticos/famosos para divulgar conteúdos na mídia.


Essa divulgação ocorre por meio de um documento chamado de release, que é enviado pelos assessores aos jornalistas e que deveria servir somente como uma sugestão de assunto a ser apurado pela imprensa. Isso porque, obviamente, esse release nem sempre se guia pelos preceitos jornalísticos, afinal, assessoria de imprensa e jornalismo são atividades distintas. A assessoria diz respeito aos interesses de uma empresa/organização/político/famoso; já o jornalismo tem (ou deveria ter) uma função social.


Embora o release devesse funcionar apenas como uma sugestão de assunto, o que se vê, normalmente, é a mera reprodução dos conteúdos na imprensa, sem apuração e às vezes até sem correções ortográficas ‒ e também sem a assinatura de um jornalista responsável pelo texto.


Exemplos


No dia 2 de junho, quarta-feira, a Prefeitura de Divinópolis encaminhou um release aos meios de comunicação sobre a publicação de um decreto de “liberdade econômica” no município, que estabeleceu, por exemplo, o fim da exigência de alguns alvarás para determinadas empresas.


O release, que também está disponível no site da Prefeitura, foi reproduzido (às vezes com pequenas alterações) por pelo menos quatro portais de notícias da cidade, além do site da CDL: Portal Agora, G37, Portal Gerais, Sistema MPA.


O único entrevistado no texto divulgado pela Prefeitura é o secretário de Desenvolvimento Econômico, Luiz Angelo Gonçalves. Falta, então, para irmos além da fonte institucional, a voz de um especialista, por exemplo. Afinal, quais as diferentes avaliações sobre esse decreto? 


Falta apuração


Na quinta-feira, 3 de junho, a assessoria de imprensa do vereador Eduardo Azevedo encaminhou um release aos veículos de comunicação de Divinópolis. O texto enviado pela assessoria do parlamentar foi reproduzido na íntegra ou com algumas edições por pelo menos três portais de notícias da cidade: Sistema MPA, G37, Portal Gerais.


No release divulgado à imprensa, o vereador afirma, por exemplo, que “lockdown não funciona”. A frase foi simplesmente reproduzida pelos meios de comunicação. Neste ponto, a imprensa deixou passar uma oportunidade de apuração, que certamente rebateria a fala do vereador, tendo em vista os diversos estudos que comprovam a eficácia do lockdown e do isolamento social para conter a pandemia. 


O buraco é mais embaixo


A discussão sobre a simples reprodução de releases na mídia envolve diversos outros debates ‒ como a suposta necessidade de rapidez da informação na internet, a busca por cliques, as hierarquias nas empresas jornalísticas, as reportagens patrocinadas e as rotinas dos jornalistas, que nem sempre permitem que se desenvolva uma apuração prolongada ‒ mas é um aspecto que vale a reflexão para jornalistas e leitores. 


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terça-feira, 1 de junho de 2021

Se é uma questão de saúde pública, onde está o Estado?

QUEM ABSORVE ESSE SANGUE?

Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos:  mulheres sangram, é preciso falar disso!

Camila Machado


Pobreza menstrual – Hoje Macau

A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, em 2014, o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Porém, não se trata apenas da falta de dinheiro para comprar absorventes, mas também de direitos básicos, como produtos de higiene, educação sexual, água limpa e um banheiro com privacidade.  A pobreza menstrual nasce de uma realidade muito mais ampla e preocupante que é a falta de políticas públicas eficientes e acessíveis a todos.

Na pandemia, com a ineficiência do Estado até mesmo na manutenção das políticas já existentes, nos deparamos para além do vírus não apenas com a grave e sistematicamente negligenciada pobreza menstrual, mas também com a fome e o desemprego.  Acompanhamos as situações extremas em que muitos brasileiros estão vivendo, nas quais é preciso escolher entre comprar um pacote de absorventes e comer. Isso destrói nossa dignidade humana e vai contra nossos direitos básicos garantidos pela nossa Constituição.

 Porém, a questão da pobreza menstrual vem sendo mobilizada, mesmo que lentamente, na esfera legislativa. A deputada federal Tábata Amaral apresentou, em 2020, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que busca garantir a distribuição gratuita de absorventes femininos em lugares públicos para mulheres de baixa renda e detentas. Na justificativa do PL 428/2020, a parlamentar afirmou que cabe à Casa apontar rumos para solucionar a pobreza menstrual no País, marcada pela dificuldade de acesso a absorventes higiênicos a todos. “Não se trata só de absorvente, mas da dignidade e da saúde da mulher'', disse a primeira-secretária da Câmara, Soraya Santos (PL-RJ) na ocasião. 

Tabata Amaral acusa ministro Weintraub de divulgar seu telefoneTábata estima um custo aproximado de R$ 119 milhões ao ano. A proposta deixa a cargo do governo os custos para manutenção do programa e, portanto, também os critérios de quantidade, tipo de absorventes e locais de distribuição.


Porém, a proposta também gerou posicionamentos contrários, inclusive por membros do governo.  Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub insultou não apenas a proposta de distribuição gratuita de absorventes, mas todas as brasileiras em situação de vulnerabilidade menstrual - e o mais irônico: às vésperas do Dia Internacional da Mulher. Exalando misoginia, ele escreveu em sua conta no Twitter:


“A nova esquerda (colar de pérolas e nanciada por monopolistas) quer gastar R$ 5 bilhões (elevando impostos) para fornecer ‘gratuitamente’ absorventes femininos. Como será o nome da nova estatal? CHICOBRÁS? MenstruaBR?”.


 O número exorbitante de R$ 5 bilhões citado pelo ex-ministro foi apontado como sem fundamento por muitos economistas e foi contra a estimativa feita pela própria parlamentar. Tábata baseada no cenário de acesso aos itens para mulheres de 10 a 50 anos, com renda de até um salário mínimo afirmou que aproximadamente R$ 119,06 milhões seriam gastos por ano para implementação do projeto, jogando por terra o comentário do ex-ministro. Para Tábata, a reação negativa é fruto do preconceito contra a agenda feminina. "Pautas femininas são invisíveis e ainda um grande tabu na sociedade", escreveu a parlamentar  em suas redes.

Outro projeto ainda em tramitação na Câmara dos Deputados sobre o tema é o PL 61/2021, da deputada Rejane Dias (PT-PI), que visa incluir entre as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) o direito de acesso a absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social e em estado de pobreza extrema. A distribuição gratuita deverá abarcar “mulheres sem moradia convencional regular e que utilizem os logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, bem como aquelas que utilizam unidades de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória”, segundo a Agência Câmara de Notícias. 

Enquanto o Estado não age e busca implementar projetos de combate a desinformação e que visem dar suporte a estas mulheres para que possam cuidar da sua saúde íntima de maneira decente, milhares sangram.  E a pergunta que fica é: Quem absorve essa miséria?

Leia mais: QUEM ABORVE ESSE SANGUE



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Quem absorve esse sangue?

Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos:  mulheres sangram, é preciso falar disso!

Camila Machado


Pobreza menstrual – Hoje Macau


A menstruação, apesar de ser uma questão de saúde pública, ainda é tida por muitos como um tabu e a desinformação está entre as principais causas desse problema. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, a antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que cerca de uma em cada quatro jovens já faltou à aula por não poder comprar o absorvente e não falam que foi por isso. “Elas têm vergonha, tentam esconder. A falta de absorvente provoca uma sensação de insegurança. É algo que elas sofrem sozinhas, como se fosse um fracasso, uma vergonha, isso é o que mais me chocou”, afirma. Essa fala de Mirian exemplifica, ainda que em linhas superficiais, a dimensão da pobreza menstrual no Brasil. 

Pobreza menstrual: um sofrimento invisível - Jornalismo JúniorNana Queiroz, autora do livro 'Presos que Menstruam', contou ao Fantástico parte da dura realidade das mulheres encarceradas de nosso país quando o tema é menstruação.  Muitas mulheres presas usam miolo de pão, resto de jornal, papel higiênico e até pedaços de plástico quando menstruam, por não terem acesso a kits de higiene adequados. As poucas penitenciárias que disponibilizam absorventes providenciam cerca de 8 unidades em 30 dias para cada detenta. Em seu livro, Queiroz explicita como a falta de políticas públicas para mulheres presas é gritante no Brasil. 


 A pobreza menstrual, porém, ultrapassa as grades do cárcere e atinge meninas e mulheres do país todo.  Colocando algodão, miolo de pão ou qualquer coisa que estanque o sangramento, essas mulheres passam pelo período menstrual trancadas em casa.  Na falta de absorventes o que resta é recorrer ao que se tem em casa, mesmo que sua saúde íntima fique exposta a infecções no trato urinário, nos rins e nos órgãos reprodutores que podem ou não ter um impacto momentâneo. Se duradouro, ginecologistas alertam que resíduos desse tipo de materiais podem afetar a fertilidade dessas mulheres. 

A desinformação sobre o ciclo menstrual e tudo que ele envolve também é um fator que contribui fortemente para a pobreza menstrual que, embora seja um termo que trate da falta de acesso, por questões econômicas, a absorventes e remédios contra cólicas, também é uma pobreza de informação. Esta é uma questão que, se inserida num contexto ainda mais amplo e preocupante, revela-se também um problema de saúde pública, uma vez que muitas dessas mulheres vivem em habitações nas quais falta até mesmo o saneamento básico.


UMA POBREZA EM NÚMEROS: 

Cerca de 21,8 bilhões de mulheres menstruam no planeta e 30 milhões destas são mulheres brasileiras pelo que aponta um relatório da ONG Girl UP lançado em março deste ano. A ONU estima que uma em cada 10 meninas deixe de comparecer às aulas durante a menstruação; no Brasil, esse número é de uma em cada quatro meninas.  Estudos mostram que políticas públicas ineficientes agravam ainda mais o problema e o Brasil tem se mostrado um exemplo disso.

Escócia se torna primeiro país do mundo a oferecer absorventes e tampões de  graça - BBC News Brasil

De quantos absorventes uma pessoa que menstrua precisa por ano? Considerando um ciclo de quatro dias com a troca do item a cada quatro horas, conforme recomendam especialistas, são cerca de 240 absorventes por pessoa. Dos 12 aos 50 anos, são eliminados 33,6 litros de sangue e para absorver o fluxo, são usadas mais de 8.880 unidades ao longo da vida.

Estima-se que 23% das meninas de 15 a 17 anos não tenham condições financeiras de adquirir produtos seguros para usar durante a menstruação, de acordo com uma pesquisa de 2018 da marca de absorventes Sempre Livre (que entrevistou 1.500 mulheres, de 14 a 24 anos de idade).  A mesma pesquisa revelou que em média cada mulher gasta de R$ 3 mil a R$ 9 mil com absorvente ao longo da vida. Em meio ao desemprego e à recessão que assolam o país, os absorventes, infelizmente, se tornaram um artigo de luxo e não ocupam mais a lista de prioridades das compras do mês. 

A marca de absorventes Always realizou uma pesquisa, em parceria com a Toluna1, e os dados mostram como a falta de dignidade na menstruação é um reflexo da desigualdade de gênero e é agravado pelo tabu em torno da menstruação.

 Segundo a pesquisa, uma entre cada quatro jovens não se sente confortável nem mesmo em falar sobre menstruação, e mais da metade (57%) das mulheres afirmaram que a primeira menstruação as deixou menos confiantes. A busca por informação na primeira menstruação vem quase que totalmente da mãe (79%). É comum o uso de eufemismos para evitar falar em menstruação. Cerca de 67% das brasileiras buscam palavras alternativas à “menstruação”, de acordo com a pesquisa da Sempre Livre.

Pelas entrevistas, é possível notar que o absorvente é considerado um produto de primeira necessidade e como, para estas, a falta de absorvente afeta a confiança feminina. Porém, mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas. 

Três em cada quatro afirmaram que o período menstrual tem um impacto muito negativo na sua confiança pessoal. Para meninas que não tem acesso à absorventes, o impacto na confiança é ainda pior (a falta do absorvente abalou a confiança de 51% das mulheres, trazendo vergonha a 37%). 

Ter acesso a itens de higiene durante a menstruação é mais do que uma questão de necessidade básica. Absorventes trazem dignidade e previnem doenças. Cuidar da sua saúde intima não deveria ser um tabu, porém muita gente ainda abomina o tema.


LEIA MAIS: Se é um problema de saúde pública, onde está o Estado?


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Só os pobres aglomeram em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa  



É nítido e notório que, infelizmente, no Brasil, só preto e pobre vai preso ‒ ou para parafrasearmos a canção de Caetano Veloso: preto de tão pobres, pobres de tão pretos.


A pandemia, pois, piorou essa realidade: no país, também só pretos e pobres se aglomeram ‒ rico se diverte, realiza evento social, dá uma espairecida. Pelo menos é essa a impressão que se tem quando se observa as notícias sobre aglomerações nos portais de notícias de Divinópolis.


O Pluris fez uma busca pela palavra “aglomeração” em um site de notícias da cidade ‒ o Divinews ‒, mas que poderia ter sido feita em qualquer outro portal. Vamos restringir nossa abordagem aqui às notícias que tratam sobre aglomerações em Divinópolis, já que há matérias sobre outros municípios.



Quem aglomera e onde


Uma das notícias encontradas se refere a uma aglomeração na rua Rio Grande do Sul esquina com Minas Gerais. Na foto que acompanha a matéria, um policial militar revista jovens, que estão encostados na parede e com as mãos na cabeça. A reportagem está neste link, observe o perfil dos jovens abordados https://divinews.com/2021/05/24/divinopolis-policia-militar-e-vigilancia-sanitaria-abordam-torcedores-do-atletico-por-causarem-aglomeracao/.



Em outra matéria, a aglomeração noticiada é de adolescentes em um parque de diversões em frente a shoppings da cidade. O texto está disponível neste link, junto a um vídeo, no qual é possível ver também o perfil de quem se aglomera https://divinews.com/2021/05/16/shopping-patio-divinopolis-e-boate-mandalla-emitem-nota-de-esclarecimento-sobre-video-lhes-atribuindo-responsabilidade-de-aglomeracao/.


Em vez de buscarmos a palavra “aglomeração”, poderíamos ter procurado pelo termo “batidão” ‒ que parece ser um evento privilegiado pela PM para fiscalização e divulgação à mídia. Outro texto encontrado no Divinews, por exemplo, diz respeito a jovens baleados em uma aglomeração em um “batidão clandestino”, termo que nem mesmo deveria ser usado por carregar todo um estereótipo sobre os frequentadores. Notícia aqui https://divinews.com/2021/05/10/divinopolis-aglomeracao-jovens-sao-baleados-em-batidao-clandestino-na-comunidade-rural-do-inhame/


Já uma reportagem do último fim de semana mostra a abordagem a jovens aglomerados na Praça do Santuário, no Centro de Divinópolis. Mais uma vez com as mãos na cabeça, revistados por policiais. https://divinews.com/2021/05/29/divinopolis-123-pessoas-aglomeradas-na-praca-do-santuario-sao-abordadas-e-notificadas-por-fiscais-da-vs-com-apoio-da-pm/


Não é necessário fazer um amplo estudo sociológico para identificar qual a classe social e a cor dos jovens alvos das notícias acima: mais uma vez, apenas pretos e pobres são penalizados, responsabilizados pelas aglomerações na cidade ‒ pelo menos essa é a sensação se olhamos para a cobertura midiática local. 



A classe média branca não aglomera? 


Um único registro, por fim. Há no Divinews também a notícia de uma festa de lançamento de um DVD, que reuniu mais de 500 pessoas segundo a matéria. Para verificar o perfil das pessoas presentes, basta ver as fotos da matéria, que trazem também uma imagem do estacionamento do evento, com carros que valem alguns milhares de reais. https://divinews.com/2021/02/21/covid-19-show-de-lancamento-de-dvd-autorizado-pela-prefeitura-de-divinopolis-causa-aglomeracao/





Aparentemente, trata-se de um público muito maior do que qualquer outro das reportagens citadas acima. Mas, desta vez, a Polícia Militar apenas “estaria” no local: ou seja, sua presença nem mesmo foi confirmada. Muito menos, desta vez, há fotos dos inconscientes que se aglomeram em plena pandemia. Menos ainda, é óbvio, com as mãos na cabeça encostados na parede. 


Diante disso, é possível, no mínimo, questionar a Polícia Militar sobre os critérios de fotos de quem se aglomera ‒ por que nem todo mundo é fotografado com as mãos na cabeça? ‒ ou das ocorrências que são divulgadas à imprensa ‒ por que nem todas são divulgadas? ‒ e até mesmo de quais ocorrências a PM prefere atender ‒ afinal, a Praça do Santuário e a Rio Grande do Sul parecem ser lugares privilegiados. 


O Pluris está aberto às respostas ‒ e também atento à necessidade da autorreflexão: de nossa parte e dos outros agentes políticos.


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Retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão

Maria Clara Ribeiro


Com a aproximação dos 20 anos da “Guerra ao Terror”, os EUA parecem cumprir a promessa de apartar suas tropas do país. Entretanto, o preço foi alto - não de dólares, vidas. 


A promessa 

Neste ano, as forças estadunidenses estão deixando o Afeganistão. Neste mês, o presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou que os cerca de 3 mil soldados restantes devem partir até o prazo de 11 de setembro. A data marca os vinte anos do ataque terrorista às Torres Gêmeas: liderados pela Al-Qaeda afegã, os ataques foram seguidos por uma longa campanha de guerra no Oriente Médio - retirando o Talibã do poder e expulsando o grupo da região. 

Vale ressaltar que essa decisão, que partiu do próprio presidente, rejeita a pressão do Pentágono e dos conselheiros da cúpula militar norte-americana. Estes afirmam que a retirada das forças de segurança do solo afegão pode resultar no ressurgimento das ações terroristas, defendidas como tão combatidas nas últimas duas décadas. 


Foto: Hypess


A retirada 

O campo de aviação Kandahar foi fechado discretamente, sem publicidade ou destaque midiático. Este local era uma das maiores bases estadunidenses no país, mas não foi o único a ser evacuado. A próxima ação será voltada aos caças.

As tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) também estão se retirando gradativamente e estima-se que seguirão os mesmos prazos dos EUA. Porém, as autoridades ainda precisam delinear as garantias de segurança do Aeroporto Internacional de Cabul, um detalhe que pode determinar se outras nações irão estabelecer presença diplomática no Afeganistão. 

A Otan planeja continuar treinando as Forças de Operações Especiais Afegãs, uma das mais importantes do país, ao passo que os oficiais militares estadunidenses discutem a possibilidade de manter tropas em países vizinhos para garantir segurança contra possíveis ameaças. Fontes da agência de espionagem norte-americanas afirmam que estão “avaliando” líderes regionais que podem auxiliar sob ameaças terroristas após a retirada. 


Por que as forças ocidentais invadiram o Afeganistão?

A Guerra do Afeganistão é um conflito complexo: a primeira campanha se deu em 1979, durante a Guerra Fria. A batalha foi travada entre a União Soviética e o governo afegão vigente contra as forças mujahidin - opositoras da influência estrangeira, com apoio e financiamento dos EUA. 

Durante cinco anos, de 1996 a 2001, um grupo jihadista internacional chamado Al-Qaeda conseguiu se estabelecer no Afeganistão, liderado por Osama Bin Laden - aliado americano no combate aos soviéticos durante o século passado.  A organização montou campos para treinamento de soldados extremistas e testes com produtos químicos, recrutando e treinando cerca de 20 mil voluntários – não apenas da região, mas de todo o globo. 

O grupo começou a preocupar as lideranças quando assumiu os ataques às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia em 1998, matando 224 civis africanos. A Al-Qaeda conseguiu operar no Afeganistão sob proteção do governo: o Talibã, que assumiu o controle do país em 1996, após saída do Exército Vermelho soviético, dando início à guerra civil.

Os Estados Unidos, por meio de seus aliados sauditas, tentaram persuadir o Talibã a expulsar a Al-Qaeda, mas eles se recusaram. Após os ataques de 11 de setembro, a comunidade internacional pediu à nação que entregasse os responsáveis, mas também foi negado. 

No mês seguinte, a força anti-Talibã Aliança do Norte entrou em Cabul com apoio americano-britânico. A ação resultou na retirada dos mesmos do poder e na fuga da Al-Qaeda pela fronteira com o Paquistão. Assim, oficiais de segurança dizem que, desde então, não houve novos ataques terroristas internacionais bem-sucedidos – planejados no Afeganistão. Assim, avaliando apenas a iniciativa “contraterrorismo”, afirmam que cumpriram seu objetivo.


Foto: Reprodução


Presidentes e a “Guerra ao Terror”

A campanha militar teve início com George W. Bush, mas, o que era para ser uma ação de interferência rápida e destinada apenas à capital Cabul, levou mais de 775 mil soldados norte-americanos para todo o território afegão. 

 No governo seguinte, Obama sucedeu o ritmo e aumentou o número de combatentes ativos no Afeganistão entre 2009 e 2011, seguindo o planejamento tático de enfraquecer o Talibã e reconstruir as forças oficiais afegãs – caminho contrário ao seu discurso de eleição. Ainda em 2011, anunciou medidas para retirar as tropas nacionais, com expectativas de manter 5,5 mil soldados na região até 2016, mas 8,4 mil permaneceram. 

Em 2017, Donald Trump também garantiu em sua candidatura o retorno dos militares. A guerra, descrita por ele como um “desperdício”, recebeu um conjunto adicional de 3 mil soldados estadunidenses ainda no primeiro ano de seu mandato, mas continuou afirmando que todos os combatentes rumariam para os Estados Unidos. 


Dados e previsões

É simplista ignorar os enormes impactos que a ocupação causou e ainda causa aos afegãos, principalmente civis, já que se dão vinte anos de conflito e o país ainda não está em paz. De acordo com o grupo de pesquisa Action on Armed Violence (Ação Contra a Violência Armada), em 2020, mais pessoas foram mortas por artefatos explosivos no Afeganistão do que em qualquer outra nação do mundo.

Há ainda outra preocupação: a Al-Qaeda, o Estado Islâmico (EI) e outros grupos extremistas não desapareceram, eles estão ressurgindo encorajados pela partida iminente das forças ocidentais remanescentes. Por isso, com as negociações de paz em Doha e as seguidas “vitórias” militares, o Talibã deve desempenhar um papel decisivo no futuro do país.

No entanto, o general Nick Carter, chefe do Estado-Maior de Defesa da Grã-Bretanha, afirma que a comunidade internacional construiu uma sociedade civil que dificultou a legitimidade popular do Talibã. Já o pesquisador da fundação Asia Pacific, Sajjan Gohel, é mais pessimista e diz que, sim, há uma preocupação real de que o Afeganistão volte a ser um terreno fértil para o extremismo. Segundo especialistas, dois fatores são decisivos para definir os próximos episódios: se um Talibã triunfante vai permitir as atividades da Al-Qaeda e do EI ou do quanto a comunidade internacional estará preparada (e interessada) para enfrentá-los após retorno integral das forças estadunidenses. 

A Guerra do Afeganistão já contabiliza 3.576 soldados mortos na coalizão, sendo 2.312 apenas estadunidenses. O número de civis afegãos mortos devido ao conflito ultrapassa os 35 mil, segundo a ONU. Segundo estudo publicado pelo Instituto Watson, da Universidade Brown (EUA), cerca de 150 mil pessoas morreram em consequência do conflito até 2018.  

Portanto, o futuro da segurança afegã não é claro. Com ou sem os Estados Unidos, a nação está longe de ser pacífica e garantir tranquilidade à população. O longo período de conflitos na região resultou em graves índices humanitários e, embora esteja em ascendência desde 1990, o Índice de Desenvolvimento Humano do país é o 20º pior entre as 189 nações classificadas pela ONU (0,496). Para efeito de comparação, o Brasil apresenta um indicador de 0,761. 



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