quinta-feira, 20 de maio de 2021

Israel e Palestina: fatores que motivaram o agravamento do embate

Maria Clara Ribeiro


Dando continuidade à Série de textos que tentam elucidar a escalada de violência na Palestina, nesta semana o Pluris tenta elucidar as razões por que houve um aprofundamento da crise até o ponto de estarmos vivenciando uma verdadeira calamidade humanitária.

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A não-resolução de antigos conflitos entre judeus e árabes, envolvendo regiões de Jerusalém e Faixa de Gaza, continuam exterminando vidas de ambos os grupos envolvidos, israelenses e palestinos. Especialistas caracterizam o conflito como “uma ferida aberta no coração do Oriente Médio”, pois, há mais de 100 anos, os grupos lutam para dominar as terras entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo. 

Vale ressaltar que esses locais apresentam enorme importância para cristãos, judeus e mulçumanos, mas também avançam como símbolos nacionais de poder. Apesar de uma série de amplas derrotas aos palestinos, Israel ainda não pode de declarar dominante ou “vitorioso” enquanto durar o conflito, haja visto que nenhuma das partes e sua população estarão seguras. Além disso, o conflito se desenha com cada vez mais ataques a núcleos urbanos nos últimos 15 anos e o novo estopim de ataques consiste na interrelação de cinco fatos. 


A cada bombardeio, nossa casa chacoalha", diz testemunha sobre ataques no  Oriente Médio

Foto: CNN


Dia de Jerusalém

O primeiro fator que impulsionou a nova escalada de ataques violentos foi o Dia de Jerusalém. Nessa data, marcada pela realização da Marcha da Bandeira, israelenses celebram a captura da parte oriental de Jerusalém por Israel, em 1967. É preciso destacar que o destino da Jerusalém Oriental está no centro do conflito israelense-palestino, pois ambas as partes reivindicam seu direito sobre a cidade. Além disso, o governo israelense considera a cidade inteira como sua capital, mesmo não reconhecida pela maioria da comunidade internacional, enquanto os palestinos a reivindicam como sua futura capital – como futuro Estado independente.


Possível despejo de famílias palestinas

O segundo episódio se dá pelas ameaças de despejo a famílias residentes em Sheikh Jarrah, um bairro palestino. A região se localiza na parte exterior dos muros da Cidade Velha, com vastas terras e propriedades reivindicadas por judeus israelenses. Apesar de parecer uma luta por terras, a disputa tem o objetivo de tornar Jerusalém mais judaica, ou seja, representa um esforço governamental para estabelecer uma comunidade mais hegemônica. Como estratégia, o governo alega violação ao direito internacional por meio da ocupação ilegal. A Suprema Corte de Israel realizaria uma audiência sobre o caso na última segunda-feira (10), mas a sessão foi adiada devido aos crescentes ataques.


Ramadã

O Ramadã é o nono mês do calendário islâmico e é considerado um período sagrado para os mulçumanos, muito dedicado ao jejum e cerimônias para buscar a renovação da fé. Entretanto, nas últimas semanas, houve restrições à entrada de palestinos à Cidade Velha – durante a celebração – e protestos de judeus nacionalistas, pedindo até “morte aos árabes”. A situação se agravou após a vigilância ameaçadora israelense nos centros religiosos, incluindo o uso injustificável de spray de pimenta e granadas de choque no interior da Mesquita de Al-Aqsa – um dos mais sagrados locais mulçumanos, atrás apenas de Meca e Medina. 

Antes do início dos ataques, o Hamas -movimento islamita palestino - emitiu um ultimato para que Israel retirasse suas forças do complexo das Mesquitas e cessasse os ataques aos religiosos. Após persistência dos ataques, o grupo disparou foguetes contra Jerusalém. Seguindo esta tacada, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, publicou em seu perfil que “As organizações terroristas em Gaza cruzaram a linha vermelha. Israel responderá com grande força” e, assim, iniciou-se o conflito armado direto.

A Faixa de Gaza permanece bloqueada por Israel, impedindo o acesso da população a mercadorias, água e medicamentos em geral. Segundo a sessão das Nações Unidas que atende os refugiados palestinos, as reservas de combustível podem esgotar-se a qualquer momento.


Indecisão política em Israel

A instabilidade política israelense é um fator importante na escalada do conflito. O governo permanece transitório e indefinido após a quarta eleição em dois anos. Em suma, o premiê Benjamin Netanyahu não conseguiu compor uma coalizão para assegurar a maioria no Parlamento, agora negociada por Yair Lapid, líder do Yesh Atid (partido centrista do país). Para isso, Lapid necessita apoio de Naftali Bennet, ultranacionalista do partido Yamina, que conta com sete deputados. Ambos arquitetam um Gabinete Nacional com alternância no posto de primeiro-ministro.


Disputa na Palestina

O estopim final ocorreu após a iniciação do conflito. A Palestina se preparava para realizar as primeiras eleições em 15 anos, no dia 22 de maio, quando Mahmoud Abbas, presidente da autoridade palestina, anunciou a interrupção do calendário até que toda a população dispusesse de condições para acompanhar o processo eleitoral. Entretanto, a decisão foi repudiada e tida como golpe e, consequentemente, elevou as tensões entre as duas facções políticas que dividem geograficamente os palestinos – Fatah (Cisjordânia) e Hamas (Faixa de Gaza). Abbas contatou o representante de Política Exterior da União Europeia, Josep Borrell, e com o rei da Jorndânia, Abdullah, pedindo solidariedade. 


Protestos em solidariedade à Palestina marcam sábado no Brasil | Geral

Foto: Brasil de Fato


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Pão e circo – ou, em Divinópolis, McDonald's e dancinha do TikTok

Ana Laura Corrêa


O pão


A possível instalação de um McDonald’s foi a principal notícia em Divinópolis na sexta-feira, 14 de maio. Por si só, o fato já mereceria uma análise por conta de toda a aura que o sanduíche carrega – é o que Karl Marx chama de fetichismo da mercadoria. 


O anúncio foi feito pelo prefeito da cidade, Gleidson Azevedo, em seu Instagram – é claro – e foi assunto até mesmo de release encaminhado pela assessoria de comunicação da Prefeitura. No texto, o prefeito enaltece uma suposta geração de empregos e diz que é uma ação para fazer o “divinopolitano feliz”.


“Como amante de hambúrguer, não só como prefeito, é uma satisfação imensa poder trazer essa empresa para a cidade. O McDonald’s tentou, por vários anos, se instalar na cidade e essa gestão, sem nenhuma interferência ilegal ou imoral, conseguiu fazer com que a empresa viesse para Divinópolis. É mais uma ação para fazer o divinopolitano feliz e gerar mais empregos para a cidade. Continuaremos, cada vez mais, trazendo mais empresas para a cidade e gerando mais empregos porque só assim poderemos dar dignidade para a população de Divinópolis”, disse. 


Infelizmente não encontramos, em busca no Google, quantos funcionários uma loja McDonald’s tem, a ponto de o prefeito comemorar “mais empregos para a cidade”. Encontramos, no entanto, reportagem do fantástico site O Joio e o Trigo que aponta que os empregados da franquia recebem baixos salários e têm jornadas longas (https://ojoioeotrigo.com.br/2021/04/jornadas-longas-e-salarios-baixos-a-vida-dos-funcionarios-do-mcdonalds/). Além disso, a empresa é alvo frequente de ações trabalhistas – então, seria o caso, realmente, de comemorar uma suposta geração de empregos?


O prefeito diz ainda que se trata de uma ação para fazer o divinopolitano feliz – isso quando o número de pessoas passando fome aumentou consideravelmente devido à pandemia e a Prefeitura não teve condições sequer de estabelecer o pagamento de um auxílio emergencial municipal e ainda pede doações de alimentos para distribuir cestas básicas. Quem poderá comprar um McDonald’s? 


O circo


Na mesma data, um vereador gravou um vídeo com o prefeito, no gabinete deste, durante o expediente, fazendo uma dancinha do TikTok, divulgado no perfil do parlamentar no Instagram. Vídeo bastante emblemático, por diversos motivos. 


Em primeiro lugar, imaginemos se, em vez de um prefeito, a cidade tivesse uma prefeita, gravando vídeo de dança no gabinete, durante o expediente, com o “figurino” que a “coreografia” exige? Certamente a prefeita seria alvo de todo tipo de crítica, teria que, no mínimo, pedir desculpas e talvez seria até alvo de uma CPI na Câmara e pedidos de impeachment. 


Em segundo lugar, há de se considerar o fato de o vídeo ter sido gravado no gabinete do prefeito, durante o expediente – em um momento no qual o comandante da cidade deveria estar dedicado a resolver os (muitos!) problemas da cidade: faltam vacinas, a Prefeitura (diz que) não tem condições de pagar um auxílio emergencial, o hospital regional segue fechado... 


Por fim, a gravação ocorreu na semana em que a própria Prefeitura alertou para um novo crescimento da ocupação hospitalar no município, com o risco da volta à onda roxa do Minas Consciente e, ainda, depois do pior mês da pandemia na cidade – abril teve mais mortes por coronavírus do que todo o ano de 2020. 


Por que será que o prefeito estava dançando? Faltou explicar. Em sua página no Instagram, nenhum pedido de desculpas, pelo menos até agora, ou justificativa sobre gravar vídeo dançando durante o expediente. Ao contrário, preferiu apenas atacar a vereadora que questionou o comportamento e, além disso, não deu esclarecimentos para a população que também ficou indignada com o vídeo. Reduziu toda a problemática a um embate contra uma mulher, classificada pelos eleitores do prefeito como “comunista” – e é claro que para eles isso foi suficiente. Nada como o privilégio de ser homem.


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Na mídia, combate à fome é caridade

Ana Laura Corrêa


O Brasil deixou o Mapa da Fome da ONU em 2014. Desde 2015, no entanto, o número de pessoas que passam fome no país vem crescendo. A situação, que exigiria políticas públicas para o enfrentamento, não tem respostas à altura ‒ Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que seria responsável por promover o direito à alimentação no país.


Na mídia, que tem papel relevante na construção percebida pela sociedade, a temática da fome geralmente é tratada sob um viés assistencialista, em vez de trazer ao debate políticas públicas que seriam mais eficazes diante do problema que afeta milhões de pessoas no país. As matérias geralmente atribuem a solução do problema a ações individuais ou de ONGs, por meio de doações.


Esta é a conclusão de uma monografia de bacharelado em Jornalismo realizada na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) em Divinópolis. O estudo analisou matérias sobre a fome publicadas pelo portal de notícias O Globo entre 2017 ‒ quando entidades da sociedade civil já alertavam sobre o risco de o Brasil voltar ao Mapa da Fome e também quanto entrou em vigor a PEC do teto de gastos ‒ e abril de 2020.


Segundo a pesquisa, no período analisado foram publicadas 94 reportagens sobre o problema da fome. No entanto, 67 destas referiam-se à fome no mundo ou em outros países, principalmente da África e da América Latina, o que reforça o estereótipo desses lugares como locais de fome ‒ ao mesmo tempo em que não foram encontradas matérias sobre a fome nos Estados Unidos ou Europa o que, no entanto, não significa de forma alguma que não há fome nesses lugares.


Das 27 matérias sobre a fome no Brasil, grande parte é relacionada a campanhas ou eventos realizados por ONGs – por outro lado, não há, por exemplo, matérias que indiquem a implementação de políticas públicas de combate à fome, logo em um período de crescimento do problema. Predomina nos textos uma visão de combate à fome associada a valores morais como solidariedade e misericórdia. 


As pessoas que passam fome geralmente aparecem nos textos apenas narrando o que têm para comer – geralmente sem questionar uma solução para a situação. Embora o problema atinja milhões de pessoas, as matérias atribuem as causas da fome a contextos individuais, como a perda de emprego ou problemas de saúde, encobrindo a verdadeira causa do problema: a desigualdade social.


Quem amplia a discussão sobre as causas e soluções da fome, nas matérias analisadas, são os especialistas da ONU, por exemplo – mas foram apenas sete em um universo de 77 pessoas entrevistadas. Além disso, as matérias, que, segundo preceitos tradicionais do jornalismo, deveriam ouvir “os dois lados”, geralmente não se preocupam em trazer o posicionamento do Estado diante dos relatos de pessoas que passam fome. 


Essas pessoas ainda às vezes preferem se esconder, utilizando nomes fictícios ou não permitindo que sejam fotografadas, o que, ao lado do uso de termos como "insegurança alimentar", "desnutrição", "subnutrição" – sem que suas definições sejam detalhadas e em vez do uso do termo “fome”, tido como mais mobilizador –, e às vezes até mesmo com a ausência de dados sobre o número de pessoas que passam fome no país contribui ainda mais para a invisibilização do problema.


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terça-feira, 18 de maio de 2021

Israel e Palestina: entenda as origens do conflito

Maria Clara Ribeiro


A partir desta edição, o Observatório Pluris trará uma série de textos analíticos sobre a questão da Palestina e do Estado de Israel.

Embora os conflitos sejam históricos, as recentes e violentas ofensivas bélicas de Israel à Faixa de Gaza, com a justificativa de defender-se de ataques do Hamas, um grupo paramilitar acusado de terrorismo, ganharam contoros de tragédia humanitária, com a morte diárias de dezenas de civis, incluindo muitas crianças.

Muita gente não compreende a complexidade do conflito Israel-Palestina.

Ao propor essa série, o Observatório Pluris entende que contribui não apenas para esclarecer e informar sobre os conflitos e, com isso, alertar para o massacre que está acontecendo. A escalada da violência naquela parte do mundo diz muito sobre os desafios que todo o Planeta enfrentará nos próximos anos.


As origens modernas

Árabes e judeus coexistiram em relativa harmonia no território correspondente a Israel até o fim do século XIX, enquanto província do Império Otomano. Também conhecido como Império Turco, consistia em um Estado muito abrangente, pois ocupava parte significativa do norte da África, do Oriente Médio e do Leste Europeu. Assim, a história do Estado israelense traça seus primeiros episódios com o declínio desse Império, no curso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ao ser derrotado pela Tríplice Entente – aliança entre Reino Unido, França e Império Russo. Simultaneamente, a Liga das Nações cedeu à Grã Bretanha a gestão da Palestina em 1920, dando início ao Mandato Britânico. 

Nesse período, estima-se que um milhão de mulçumanos habitavam o território. Este povo se mesclava entre descendentes árabes, oriundos desde o século VII, e cananeus, com origens muito anteriores aos primeiros anos cristãos. Além disso, havia cerca de 100 mil judeus que, em sua maioria, eram imigrantes que chegaram à região devido ao antissemitismo crescente na Europa Ocidental. Acredita-se que os primeiros conflitos foram uma consequência ao aumento exponencial de imigrantes judeus, estimulada pelo movimento.


Imigração da população judaica

O sionismo objetivava fundação de um Estado judeu em solo palestino. Entre 1882 e 1903, aponta-se a chegada de 20 a 30 mil imigrantes, seguidos por novos 35 mil até 1914 e mais 35 mil até 1923. Este movimento internacional era apoiado pelos britânicos, que garantiam aos sionistas a criação de uma comunidade judaica na Palestina junto à população árabe que ali habitava. Entretanto, a imigração em massa gerou conflitos crescentes entre os dois povos. 

O primeiro episódio de conflitos violentos é datado em 1921, na cidade de Jaffa. Nos anos seguintes, a região testemunhou conflitos regionais menos agressivos, mas a suposta “harmonia” não perpetuou. Em 1929, houve uma chacina do povo judeu em Hebron, quando árabes assassinaram 69 pessoas - incluindo mulheres e crianças. O grupo foi motivado por rumores, boatos de que judeus planejavam tomar o Monte do Tempo de Jerusalém, mais conhecido atualmente como Esplanada das Mesquitas. Este episódio era o primeiro testemunho da Revolução Árabe, em 1936.

A revolta se estendeu até 1939, dando início a greves e protestos contra a administração britânica. O movimento foi traçado pela elite árabe urbana, mas se disseminou com extrema violência no interior, intensificando os discursos de ódio e ampliando o desejo de rebelião – em destaque após a repressão colonial à população. Ao final do conflito, mais de 5 mil árabes foram mortos e mais de 10% dos árabes adultos, homens de 20 a 60 anos, sofreram consequências do levante – sejam mortos, feridos, presos ou exilados. 

Enquanto a Palestina era palco de revoltas populares, os britânicos recuaram em sua promessa e restrições imigratórias começaram a ser adotadas. A resposta foi imediata: a comunidade judaica se organizava rumo à imigração ilegal. Como efeito, entre 1945 e 1948, cerca de 85 mil judeus chegaram à “Terra Prometida” por vias extraoficiais, contornando todas as tentativas de bloqueios navais e patrulhas de fronteira. 

Foto em preto de branco de um navio abarrotado de gente sendo ancorado no porto. São imigrantes judeus ilegais chegando à Palestina em 1947: “Os alemães destruíram nossas famílias, não destruam nossa esperança”, diz a faixa branca colocada no lado do navio.

Foto: Keystone


Equívoco Britânico 

Em 1947, a Grã-Bretanha ordenou o retorno à Europa do navio Exodus - embarcação francesa com mais de 4,5 mil judeus, maioria sobreviventes do Holocausto. Para acirrar a situação, a Marinha britânica cercou o navio, impedindo-o de atracar na costa palestina. A atitude indignou a comunidade internacional, ainda surpreendida com os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, em destaque à realidade dos campos de concentração criados na Alemanha nazista entre 1939 e 1945. 

Em consonância, judeus se organizavam em grupos armados para atacar, como o Haganah, base da atual Forças de Defesa de Israel. Com enorme potência, sua tropa de elite (Palmach) contava com dois mil homens treinados e armados, distribuindo-se em unidades locais com o objetivo de proteger as colônias judaicas e preparados para possíveis operações. Devemos destacar a criação de grupos terroristas por dissidentes, como o Lehi ou Gangue Stern e o Irgun. O último citado foi responsável pela bomba lançada no atentado a Jerusalém, em 1946, deixando 91 mortos. Vale ressaltar que o terrorismo árabe-palestino contra Israel existe há décadas, persistindo com ataques antes e após a criação de seu Estado. 

 

“A Catástrofe”

Uma guerra civil estava instaurada no território. Entre 1947 e 1948, o êxodo palestino surpreendeu qualquer previsão de especialistas: mais de 700 mil palestinos seguiram para territórios vizinhos, formando enormes campos de refugiados. Esta é tida como uma das maiores crises humanitárias do século XX, batizada como al-Nakbah pelos árabes, traduzido como “A Catástrofe”. Além disso, enquanto a zona urbana árabe era destituída, cerca de 600 vilas rurais palestinas foram saqueadas e incendiadas por grupos extremistas judeus. 

Diante da impossibilidade de qualquer reversão do conflito, a Grã Bretanha abdicou a administração do território e entregou a situação à Organização das Nações Unidas, ainda recém criada. Assim, a ONU se tornou responsável pela elaboração de um plano de partilha da região, de forma que possibilitasse a originem de dois Estados independentes, árabe e judeu. Como resposta, em novembro de 1947, a proposta foi oficializada na Assembleia Geral. Os judeus, com população de 700 mil, deteria 53% do território e o restante seria dirigido aos árabes, com 1,4 milhão de habitantes, enquanto a cidade de Jerusalém permaneceria sob controle e gestão internacional – haja visto a importância sacra e simbólica para ambos os povos. 


Nasce o Estado de Israel 

Em 14 de maio de 1948, Israel proclama sua independência. Menos de 24 horas depois, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram o país, forçando Israel a defender a soberania que acabara de reconquistar na denominada Guerra de Independência de Israel. No conflito, as recém-formadas Forças de Defesa de Israel (IDF) expulsaram os invasores com batalhas intensas em menos de 15 meses, mas com um custo alto a se pagar - seis mil israelenses foram mortos, quase 1% da população judaica do país. 

O início de 1949 foi marcado por negociações diretas entre Israel e cada um dos países invasores (exceto Iraque), com mediação da ONU. Como resultado, através de acordos armistícios, a Planície Costeira, a Galileia e o Neguev ficaram sob a soberania israelense, enquanto a Judeia e a Samaria (Cisjordânia) ficaram sob o domínio da Jordânia. Da mesma forma, a Faixa de Gaza ficou sob a administração egípcia e Jerusalém ficou dividida, a Jordânia com controle da parte leste (incluindo a Cidade Velha) e Israel sob o lado ocidental.


Marcos da Consolidação

Acompanhe a seguinte “linha do tempo” dos principais marcos históricos durante a construção e consequente consolidação do Estado de Israel:

  • Campanha do Sinai, 1956
  • Julgamento de Eichmann, 1960
  • Guerra dos Seis Dias, 1967
  • Guerra de Iom Kipur, 1973
  • Operação Paz para a Galileia, 1982
  • 2ª Guerra do Líbano, 2000
  • Operação em Gaza, 2008
  • Guerra de Gaza, 2014


Perspectiva política interna 

Entre 1980 e 1990, Israel aceitou mais de um milhão de imigrantes, vindos principalmente da antiga União Soviética, da Europa Oriental, e da Etiópia. A intensa entrada de novos habitantes, consolidando um número significativo de consumidores e trabalhadores, dentre qualificados e não-qualificados, impulsionou a economia. Os anos seguintes foram marcados por um período surpreendente e acelerada expansão.

Com as eleições de 1984, o governo ascendente pode ser dividido claramente entre dois blocos políticos: Trabalhista e Likud, com perspectivas ideológicas mais tendenciosas à esquerda e à direita, respectivamente. Pode se dizer que, até 1995, havia certo revezamento de liderança entre estes grupos. Neste mesmo ano, o assassinato de Yitzhak Rabin, primeiro-ministro, ocasionou novas eleições em 1996, levando Binyamin Netanyahu a assumir o poder gestor do país junto à coalizão Likud.

Porém, em 1999, seu governo foi derrotado e seguido por administrações oponentes. Em 2009, Benjamin Netanyahu foi novamente eleito primeiro-ministro através de eleições antecipadas e, assim, formou um governo de base ampla. 

A Palestina apagada do mapa – Blog da Boitempo

Foto: Boitempo


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sexta-feira, 2 de abril de 2021

“Que as vacinas cheguem logo”, a esperança em meio à corrupção

 Por Camila Machado     

Abusos, privilégios e listas de denúncias sobre desvios de vacinas de Covid-19 marca o início da vacinação no Brasil


No mês de fevereiro completamos um ano do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Foram doze meses em que vimos hospitais lotados, túmulos e mais túmulos sendo abertos e a negligência do Estado aumentando a cada triste marco do avanço da pandemia no país. O sentimento é de como se estivéssemos voltando no tempo, salvo o detalhe de que de fevereiro para cá a situação piorou bastante.

Fonte: EBC

Na semana que escrevo este texto tivemos o maior número de mortes registradas em um dia durante toda a pandemia (1.910 pessoas morreram no dia 03 de março). Quando a publicamos, esse número se aproxima de 4000. No total o número de óbitos, desde o início da pandemia, está em 325 mil - e com curva de alta. Histórias que não foram contadas, sonhos que não puderam ser realizados, vozes que foram sufocadas pelo vírus, mas também pela irresponsabilidade e negligência estatal.

A única coisa que permanece igual desde o início disso tudo é a esperança na vacina, que vem se concretizando em muitos países do mundo, mas que no Brasil segue a passos lentos. A falta de preparo e planejamento atrasou o início da vacinação por aqui e fez com que fosse suspensa em muitos estados por falta de doses. Seguimos na corrida para a compra dos imunizantes e o que nos resta, de novo, é apenas a esperança de que as vacinas cheguem logo.

Mas, em muitos momentos essa esperança se enfraquece, principalmente em relação à nossa própria população. Mesmo em meio da maior crise sanitária do mundo, de um número de casos e mortes que não para de crescer a corrupção se faz presente no país. O pequeno, mas importante, número de doses que primeiro foi (ou deveria ter sido) distribuído para nossos profissionais de saúde se perdeu pelo caminho em muitas regiões.

Até o dia 26 de janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) havia recebido 24 denúncias sobre desvios de vacinas de Covid-19, que estariam sendo usadas para imunizar pessoas fora da lista de prioridades, numa prática que segundo a instituição se configura em crime. De acordo com o balanço, João Pessoa lidera o número de denúncias (com dez). Também estão na lista dos municípios onde pode ter havido irregularidades. De acordo com o MPF, furar a fila da vacina pode ocasionar em crime de improbidade administrativa contra o agente público responsável pela distribuição das doses, porque configura-se em desvio de bem público que tem destinação pré-definida.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro também apura algumas denúncias apresentadas pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ) referentes ao desrespeito da prioridade por profissionais da categoria na vacinação contra a covid-19 no estado. “No dia 20, fomos surpreendidos no Conselho Regional de Enfermagem por inúmeras denúncias, que começaram logo após a deflagração da campanha nacional de imunização, que, em sua maioria, eram de não priorização da equipe de enfermagem na vacinação”, disse Lilian Behring, em entrevista à Agência Brasil. Apenas 24 horas após o início da vacinação, o Conselho recebeu denúncias em quase metade dos municípios do estado, o que o levou a montar uma força-tarefa para apurar as ocorrências. O Coren-RJ pede também a colaboração dos responsáveis técnicos das instituições para ter dados sobre abusos e privilégios.

O Ministério Público do Amazonas também trabalha com a hipótese de peculato – subtração ou desvio de dinheiro público – nas investigações sobre desvios de vacinas contra a Covid-19 em Manaus. A cidade, que, em janeiro, sofreu um colapso no sistema público de saúde por falta de oxigênio, também é suspeita de privilegiar pessoas fora do grupo prioritário na imunização que se iniciou na semana passada.

Na última semana de janeiro, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara da Justiça Federal do estado, chegou a suspender a entrega de vacinas a Manaus por falta de transparência e determinou que quem furou fila da vacina não terá direito à segunda dose. Há diversas denúncias e a polícia coleta provas para a devida análise. O promotor Armando Gurgel Maia, um dos responsáveis pela investigação do MP-AM, indica que há “omissão dolosa” por parte das autoridades públicas.

No dia 25 de janeiro, o MP pediu a prisão do prefeito de Manaus, David Almeida, investigado por fraudar a fila de vacinados na cidade e usá-las para interesses particulares. Segundo as investigações, dezenas de pessoas que têm ligações com o prefeito e com o alto escalão da Prefeitura de Manaus, e que não faziam parte dos grupos prioritários para vacinação receberam os imunizantes. O esquema envolveria a Prefeitura e outras secretarias de Manaus.

São Paulo também está na lista de irregularidades na vacinação. Em Santa Isabel doses da vacina contra a Covid-19, que deveriam ser aplicadas em moradores da cidade, foram desviadas. De acordo com a Prefeitura, uma funcionária suspeita de participar do esquema chegou a ser afastada. O Ministério Público abriu um inquérito para apurar a venda do imunizante na cidade. A denúncia aponta que a funcionária da rede municipal de saúde vacinou, pelo menos, quatro pessoas que estavam fora da fila determinada no plano de imunização.

Casos assim se repetiram em inúmeras regiões e não sabemos se isso reflete o desespero da população diante desta grave situação que nos abala a um ano ou se o que temos é, pelo contrário, uma falta de consciência da gravidade desta pandemia e da necessidade de se agir estrategicamente. Estamos em uma guerra e não se ganha uma guerra se cada um resolveu seguir seus próprios interesses. Apenas estratégias e planejamentos coletivos podem nos ajudar a ser vitoriosos, mas isso não acontecerá se a população não compreender bem isso. Estamos no mesmo barco e, se você ainda não percebeu, estamos afundando. Seremos lentamente asfixiados pelo vírus e pode ser que não tenhamos uma tábua para nos apoiar como aquele no romance do navio. A realidade tende a ser mais trágica do que poética.
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A saúde como mercadoria

  Por Ana Laura Corrêa            


Com a piora da pandemia de coronavírus, reapareceram, especialmente nas redes sociais, os defensores do uso de cloroquina, azitromicina, ivermectina ‒ remédios que já demonstraram ser ineficazes no tratamento contra covid.

Brasil DeFato

Apenas este fato ‒ aliado à existência de vacinas, que são comprovadamente eficazes contra casos graves e mortes por coronavírus ‒ deveria ser o suficiente para acabar de vez com qualquer possibilidade de se falar dessa tríade ineficaz contra a doença.

No entanto, por alguma razão ainda desconhecida, o assunto voltou.

Um problema de denominação

Fonte: Poder 360

A própria mídia, mesmo diante das comprovações científicas de que os medicamentos são inúteis para casos de coronavírus, continua a denominar a tríade de “tratamento precoce” ‒ às vezes até utiliza aspas, com o intuito de tentar indicar certa discordância em relação à expressão. Não seria o caso, no entanto, de deixar de utilizar os termos, para evitar a confusão? Por que continuar chamando algo por aquilo que, efetivamente, não é?


Livre mercado

Em um grupo de WhatsApp de Divinópolis, cuja descrição é “Pessoas unidas para salvar vidas destinado à saúde e pandemias”, intitulado “Combate ao COVID19 MG/DIV”, as conversas sobre o tema voltaram a ser recorrentes, com defensores da medicação ineficaz e também pessoas contrárias.


Entre os defensores, algumas falas chamaram atenção. Destacamos duas.
  1. “Quem não acredita não use! Apenas não impeçam quem quer usar! Simples assim... O médico tem que ter liberdade de prescrever o que achar melhor, explicando ao paciente os riscos e opções e o paciente tem que ter a liberdade de se tratar como julgar melhor, sempre de acordo com a prescrição de um médico.
  2. Mesmo com os resultados científicos, uma suposta liberdade individual se sobrepõe a tudo isso. O discurso utilizado pelos defensores lembra o liberalismo (neste caso, aplicado à saúde), em que prevalece a iniciativa individual, em que as empresas (neste caso, os médicos?) são livres para agir, sem regulamentação por parte do Estado (que seria a ciência?). Nesse sentido, os defensores dos medicamentos ineficazes são como clientes/consumidores: querem um produto, uma solução imediata, e não podem ser impedidos, afinal, “estão pagando”.

O problema é que o assunto, neste caso, não é economia (mesmo se fosse...), mas a saúde de muitas pessoas, que podem estar sendo enganadas com essa balela e expostas aos riscos que a medicação traz.

Saúde pública não é uma questão individual, de “liberdades”. Há estudos, comprovações, pesquisadores… A suposta “liberdade” de um médico não pode se sobrepor à ciência.
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AmarElo – é tudo pra ontem

Por Camila Machado                

O documentário “AmarElo – é tudo pra ontem” , lançado em 2020 pela Netflix, é uma viagem que te faz imergir na história, ou melhor dizendo, em muitas histórias. A trama gira em torno do novo álbum do rapper brasileiro Emicida, ou apenas Leandro para os íntimos. Enquanto apresenta as histórias por trás das músicas e a composição delas, o próprio Emicida faz uma contextualização que nos faz adentrar na história do rap, do samba e nos mostra como a história do Brasil é por natureza uma história negra.


A narrativa é construída de forma a mostrar, na prática, o significado do ditado preferido do rapper: “Exu matou um pássaro ontem com a pedra que só jogou hoje”. Chegamos ao final entendendo não só como as heranças negras estão intrinsecamente conectadas a nossa cultura, mas também como as nossas chances de consertar os desencontros e desacertos do passado moram no agora.

É um documentário que fala de raça, mas sobretudo de luta, respeito, união, e necessidade de igualdade. Uma trama que dá voz e forma aos que por tempo demais foram apagados e sufocados nas narrativas da História, da música, do cinema, das artes. É um olhar para a grandiosidade e a força do povo que formou esse país. É ver a marca do povo negro na nossa arquitetura, na arte, na música, na culinária e em tudo que somos e construímos. É uma crítica ao racismo estrutural, a segregação de corpos negros de espaços específicos da cidade. É uma dose de realidade em relação a nossa sociedade brasileira. Uma narrativa que a mostra como ela é: racista. Uma sociedade que tem cor e que humilha e segrega “pessoas de cor”.

A coletividade é a base de AmarElo, não apenas do documentário, mas também do álbum que conta com colaborações preciosas que vão de Zeca Pagodinho à Fernanda Montenegro. O documentário nos permite conhecer as pessoas e histórias que deram origem a cada faixa do álbum lançado em 2019. Os trechos arrepiantes do show no Teatro Municipal de São Paulo em conjunto com a narração do próprio rapper ao explicar o porquê de realizar seu show no Municipal, simboliza a ocupação da comunidade negra aos lugares que sempre lhes foram negados e nos mostra como os espaços artísticos sempre excluíram a população negra. O estar em um teatro para a maioria daquelas pessoas era, e continua sendo para muitas outras, algo inimaginável.

AmaElo fala de amor e do elo que sempre manteve viva a esperança e a luta da comunidade negra. Do elo que une suas culturas, sua música, suas vidas e a nossa história. O filme cria uma narrativa que nos permite visualizar a linha - ou melhor o elo- que perpassa e une arte, política minorias e movimentos coletivos. Como o próprio Emicida afirma, o documentário foi pensando com base no triângulo “AmarElo + Samba + Modernismo”, construindo com muita sensibilidade e excelência uma história que une o passado, o presente e o futuro. Temos uma história de luta e esperança dando um novo contorno para a História.

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“Quando um cidadão é calado no exercício do seu legítimo direito de expressão, a voz da democracia se enfraquece”

Por Camila Machado                

Problematizações acerca do caso do Felipe Neto: Intimidação, tentativa de silenciamento, confusão entre liberdade de expressão e discurso de ódio marcaram o caso

 

O Youtuber Felipe Neto surpreendeu a todos ao compartilhar nas suas redes sociais imagens da intimação que havia acabado de receber em sua casa pela Polícia Civil do Rio de Janeiro no dia 15 de janeiro. Felipe estava sendo intimado a depor por um suposto crime de calúnia previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN), depois de chamar o presidente Jair Bolsonaro de "genocida", diante das ações pouco eficazes do Governo Federal no controle da pandemia do Coronavírus. “Minha atribuição do termo "genocida" ao Presidente se dá pela sua nítida ausência de política de saúde pública no meio da pandemia, o que contribuiu diretamente para milhares de mortes de brasileiros. Uma crítica política não pode ser silenciada jamais!”, disse o youtuber em suas redes sociais.

Ainda no dia em que foi intimado Felipe Neto postou um vídeo dizendo que o objetivo da família Bolsonaro e todas as pessoas que moveram processos contra ele e seus posicionamentos políticos era amedrontar as pessoas. “Querem que você tenha medo, não apenas eu, você. Porque eles sabem que eu tenho como me defender, que tenho recursos para isso. Eles sabem que não vai dar em nada essa acusação completamente descabida e ilegal. Mas, eles querem propagar o medo e o povo não deve jamais temer o seu governo! O governo é que deve ter medo do seu povo”, afirmou o youtuber. O caso do Felipe é um exemplo entre muitas outras tentativas de silenciamento da liberdade de expressão crítica ao governo atual. E chama a atenção para problematizações necessárias.


Uma herança da ditadura?

A Lei de Segurança Nacional é um instrumento legal remanescente do período da Ditadura Militar (1964-1985) que voltou a ser utilizado nos últimos anos. O instrumento foi aprovado durante os anos de João Figueiredo na ditadura militar e só nesse mês de março a lei já foi usada três vezes. O caso do Felipe Neto, claro, trouxe mais visibilidade e problematizações sobre o tema, mas a LSN também chegou a ser usada na ordem de prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O deputado, que atualmente encontra-se em prisão domiciliar, teve sua prisão decretada em flagrante durante o carnaval, após ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e invocar o AI-5. Muitos internautas começaram a comparar os dois casos e isso traz à tona a frágil compreensão da sociedade civil dos limites da liberdade de expressão.

Há uma grande diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Pessoas que protestam politicamente contra o atual governo, de forma virtual ou não, não podem ser perseguidas e igualadas a aquelas que fomentam a agressão, desqualificando ou agredindo violentamente alguém. As manifestações que chamam o presidente de "genocida" refletem as ações do presidente Jair Bolsonaro que caminham cada dia mais para essa conclusão. A perseguição destes casos não pode ser vista sob o mesmo enquadramento do deputado Daniel Silveira na legislação.

As tentativas de silenciamento pela intimidação do pensamento crítico se mostram cada vez mais crescentes por parte da família Bolsonaro e aliados. Além do caso do Felipe Neto e de Daniel Silveira, o Ministério da Justiça também abriu inquérito, com base na LSN, contra Hélio Schwartsman, colunista da Folha, depois dele publicar um texto intitulado “porque quero que Bolsonaro morra”. Dias depois do caso do Felipe, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) prendeu cinco pessoas que faziam uma manifestação contra o presidente da República no dia 18 de março. O ato foi realizado na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto e os manifestantes chamaram Jair Bolsonaro novamente de genocida. Segundo a denúncia, os manifestantes infringiram a Lei de Segurança Nacional, pois "expõem a perigo de lesão" a integridade e a soberania nacional.

Foto reprodução twitter


Outro caso polêmico é o do sociólogo Tiago Costa Rodrigues e do microempresário Roberval Ferreira de Jesus. O ministro da Justiça André Mendonça pediu que Polícia Federal que os investigue, depois que ambos espalharam outdoors afirmando que o presidente Jair Bolsonaro vale menos que um "pequi roído" (algo sem valor ou importância) pelas avenidas de Palmas/ TO. As mensagens foram espalhadas em agosto do ano passado, e o inquérito contra Tiago e Roberval foi aberto no dia 6 de janeiro pela Diretoria de Inteligência Policial (DIP) da direção-geral da Polícia Federal de Brasília.

Tiago Rodrigues afirmou em entrevista para o Jornal do Tocantins que a intenção dos outdoors era fazer um contraponto a placas de apoio ao presidente espalhadas por bolsonaristas pela cidade e criticar as ações "ineficazes" do governo durante a pandemia. O sociólogo fez uma vaquinha virtual para arrecadar o valor necessário e colocou duas placas que ficaram 30 dias em exposição pelas ruas da cidade. Uma dizia "cabra à toa, não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment" e a outra "Aí, mente! Vaza Bolsonaro Tocantins quer paz".

Foto reprodução twitter



Desdobramentos do caso Neto

Apenas dois dias após caso do Felipe Neto ganhar visibilidade o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, classificou o evento como “flagrantemente ilegal”. “Ele pediu uma audiência com o chefe da Polícia Civil para discutir o meu caso. Não deixem que ninguém espalhe por aí que o meu caso é igual ao caso de criminosos condenados, como Daniel Silveira, Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. Chamar um genocida de genocida não é comparável com propagar desinformação intencionalmente, ameaçar ministros, incitar a violência e propagar mensagens pedindo um golpe de Estado. Tudo que a família Bolsonaro quer é que você acredite que o nosso lado comete os mesmos crimes q eles. É mentira. Não caia nessa falácia”, afirmou Felipe Neto em seu perfil o Instagram no dia 17 de março.

No dia seguinte a juíza Gisele Guida, da 38ª Vara Criminal do Rio, suspendeu a investigação feita a pedido de Carlos Bolsonaro contra Felipe. A magistrada reconheceu a ilegalidade da instauração do procedimento criminal e determinou a imediata suspensão da investigação. Em decisão, a juíza fala em 'flagrante ilegalidade' e disse que o caso é de competência da Justiça Federal, por se referir a suposto crime contra a segurança nacional e o depoimento do youtuber, previsto para a tarde do dia 18 foi suspenso.

Muitas pessoas influentes demostraram apoio ao youtuber e uma delas foi a advogada criminalista e comentarista política Gabriela Prioli. Em suas redes Prioli disse: “Polícia e judiciário gastando tempo com uma investigação flagrantemente ilegal como se ninguém tivesse nada mais importante pra fazer. Inacreditável e absurdo o que fizeram com você [Felipe]. Inacreditável e absurdo que nós precisemos desperdiçar o tempo do judiciário com absurdos enquanto tem tanto crime precisando de solução. Quem deseja um país mais seguro deveria desprezar uma família que instrumentaliza a polícia para atender aos seus interesses em detrimento dos interesses do povo brasileiro”.


Cala Boca já morreu!


Foto: reprodução website do projeto


A investigação considerada ilegal e suspensa pela Justiça inspirou o youtuber a criar o movimento "Cala-Boca já Morreu", uma forma de assistência jurídica a qualquer investigado ou processado por criticar autoridades. O movimento se propõe a lutar contra o autoritarismo e, segundo o youtuber, será movido pelo “princípio de que quando um cidadão é calado no exercício do seu legítimo direito de expressão, a voz da democracia se enfraquece”.

“A liberdade de expressão está sob ataque de uns poucos, porém violentos inimigos da democracia brasileira querem calar aqueles que criticam autoridades públicas, eleitas pelo povo, e em cujo nome exercem o poder que têm. E para isso, se armam da Lei de Segurança Nacional, herança insepulta da Ditadura. O autoritarismo é como um vírus, que vai se espraiando pelo corpo, matando-o aos poucos. A democracia, todavia, conhece várias vacinas. Uma delas é o controle pelo Judiciário dos avanços ilegais; um outra é a solidariedade. Aquele sentimento humano profundo, que faz sentir a dor do outro como sua. Se você está sendo investigado criminal ou administrativamente por ter expressado uma ideia ou criticado uma autoridade pública, e não encontrou meios, públicos ou privados, para se defender, o Cala Boca Já Morreu vai ajudar na sua defesa e, se o caso, provocar o Ministério Público competente para apurar eventual abuso por agente público”, afirma o youtuber na carta aberta exposta no website do movimento.

Em entrevista ao jornal O Tempo, Felipe disse que a ideia do movimento surgiu na madrugada após ser intimado. “Eu sabia que a ação contra mim daria em nada, justamente pela minha rede de apoio e defesa, mas entendi que o problema era muito mais profundo. Eles queriam colocar medo na população, nos jornalistas, nos professores. Então decidi procurar os melhores advogados que conheço e perguntar se eles topariam utilizar seus escritórios para defender todo mundo que sofresse essa tentativa de silenciamento absurda que eu sofri. Eles toparam na hora”, disse.

Felipe ainda chamou a atenção para as mais de vinte pessoas que foram intimadas pela Polícia Federal em Uberlândia por postagens contra o governo e outros casos de repressão. “Quatro rapazes foram presos em Brasília por estenderem uma faixa criticando Bolsonaro. Um homem está sendo perseguido judicialmente por ter colocado um outdoor comparando o presidente a um pequi roído. Casos não param de surgir por todo o País. Não adianta esperar sentado que as coisas serão cuidadas pelos próprios poderes públicos. É imprescindível que a sociedade civil aja para enfrentar o autoritarismo”, afirma. Ainda nessa entrevista o youtuber disse estar trabalhando em um denúncia internacional contra o presidente acerca da sua “política genocida” durante a pandemia.


A prática de intimidação judicial já levou à prisão algumas pessoas e muitas outras seguem sendo intimadas por postagens em redes sociais ou interação com algum post crítico ao presidente. Felipe Neto e o ex-governador Ciro Gomes (PDT-CE) são os casos famosos, mas não podemos nos esquecer das pessoas anônimas que também são intimidadas.

E todos esses casos deflagram um outro problema: O acesso desigual à Justiça no Brasil. As defensorias públicas fazem um trabalho excepcional, mas não dão conta da demanda. Assim, quem não pode arcar com uma defesa privada fica à mercê do autoritarismo. A iniciativa “Cala Boca Já Morreu” vem na tentativa de auxiliar exatamente essas pessoas, para que não sejam silenciadas e intimidadas. Formada por especialistas de escritórios de advogados reconhecidos como André Perecmanis, Augusto de Arruda Botelho, Davi Tangerino e Beto Vasconcelos a iniciativa oferecerá defesa gratuita não só para aqueles que criticarem o presidente como também qualquer autoridade pública.
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Por uma mídia do povo

 Por Ana Laura Corrêa                


Grande parte dos veículos de comunicação que conhecemos são empresas privadas. E, assim sendo, estão submetidas à lógica do mercado: precisam de lucro, de anunciantes que depositem dinheiro e mantenham a coisa funcionando. Às vezes esses anunciantes exigem algo em troca: certos assuntos se tornam proibidos, algumas palavras não podem ser ditas, ou precisam ser ditas de outra forma ‒ o que é certamente problemático.

Soma-se a isso, ainda, o fato de que grande parte da mídia brasileira é comandada por poucas famílias. De acordo com a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia, financiada pelo governo da Alemanha e realizada em conjunto pela ONG brasileira Intervozes e a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), cinco famílias controlam metade dos 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil ‒ família Saad - Bandeirantes; família Frias - Grupo Folha; família Marinho - Grupo Globo; família Sirotsky - Grupo RBS; família Macedo - Record ‒ o que torna o cenário da mídia no país ainda mais problemático.

Assim, nos meios de comunicação brasileiros, pouca gente fala e pouca gente determina o que pode ser falado. Tudo isso ocorre em um cenário em que a Constituição, em seu Capítulo V (da Comunicação Social), proíbe que os meios de comunicação sejam objeto de monopólio ou oligopólio. Além disso, em relação às televisões e rádios, a Constituição determina a coexistência de meios públicos, privados e estatais.


Diante da legislação que não é cumprida, entidades (http://fndc.org.br/) propõem uma nova regulação que acabe com a concentração ‒ tais iniciativas, porém, sempre são taxadas por alguns (especialmente os donos dos grandes veículos de comunicação) de “censura”, sem trazer ao debate público a urgente necessidade de uma mídia plural no Brasil. Mas isso rende assunto para outro post.

Comunicação pública
Nesse cenário de famílias mandando nas empresas de comunicação, de anunciantes determinando o que deve ou não ser dito, o que se verifica são notícias guiadas pelos interesses de uns poucos ‒ a não ser pelas iniciativas de jornalismo alternativo ou independente, que, no entanto, geralmente não têm o mesmo alcance dos grandes veículos.

Diante disso, onde fica a coisa pública - a res-publica?

Como vimos, a Constituição determina a complementaridade entre público, privado e estatal. Em relação à comunicação pública, do povo, temos como principal representante, no país, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) ‒ veja livro sobre as iniciativas públicas de outros países no link https://www.intervozes.org.br/arquivos/interliv004spcmepb.pdf.

A EBC foi criada há pouco mais de dez anos, em 10 de outubro de 2007, tem veículos on-line, de rádio e TV, e “contribui para o objetivo de ampliar o debate público sobre temas nacionais e internacionais, de fomentar a construção da cidadania, com uma programação educativa, inclusiva, artística, cultural, informativa, científica e de interesse público, com foco no cidadão”.

Além da programação de caráter educativo, especialmente na televisão ‒ o que também é determinado pela Constituição (mas quantas empresas privadas cumprem?) ‒, a EBC é responsável por ser (ou pelo menos deveria ser, considerando o atual governo) uma fonte confiável de informação a outros empreendimentos de comunicação, que republicam seus conteúdos, gratuitamente ‒ o que pode ser visto aqui mesmo em Divinópolis.

Porém…
Mesmo jovem, a EBC já vem sofrendo com o desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro. Inicialmente, funcionários denunciaram interferência do governo no conteúdo publicado pela emissora (https://emdefesadaebc.wordpress.com/2020/09/22/dossie-aponta-138-denuncias-de-censura-e-governismo-na-ebc-sob-bolsonaro/), como já mostramos aqui no Pluris.

Na última semana, no entanto, a EBC foi incluída no Programa Nacional de Desestatização. A empresa de comunicação do povo pode até mesmo ser extinta, “caso não haja "ativos" e como "agregar valor"”. Trata-se de um risco ao já frágil cenário da comunicação no país, marcado pela concentração de mídia.

Mobilização
Em 17 de março, funcionários concursados da EBC entregaram ao ministro das Comunicações ‒ e genro de Silvio Santos ‒, Fábio Faria, a "Carta à Sociedade: por que a EBC não deve ser privatizada". A empresa pública também tem realizado mobilizações nas redes sociais. Acompanhe no Twitter (https://twitter.com/ficaebc), Facebook (https://www.facebook.com/ficaEBC e https://www.facebook.com/emdefesadaEBC) e blog (https://emdefesadaebc.wordpress.com/). É urgente defender um patrimônio público de comunicação do desmonte.

#FicaEBC
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Guerra da Síria completa dez anos e população realiza manifestações pró-democracia

Por Maria Clara Ribeiro                 


Uma revolta pacífica contra o presidente da Síria, Bashar al-Assad, ganhou novos significados e eclodiu em uma guerra civil. O conflito já deixou mais de 380 mil mortes, devastou e esvaziou cidades do país.


Manifestações na Síria ocorreram no dia 15 de março deste ano, no marco de dez anos da guerra civil que assola o país, em uma das maiores crises humanitárias da história moderna. A comunidade internacional viu a movimentação de pessoas nas ruas de Idlib como um apelo ao encerramento do conflito, que já devastou e esvaziou as cidades do país.


Fonte: Estadão-Internacional

Sob o governo do presidente Bashar al-Assad, empossado em 2000, os altos níveis de desemprego, corrupção e restrição à liberdade política tornaram-se insuportáveis e a população se uniu para garantir seus direitos básicos. Em março de 2011, as primeiras manifestações a favor da democracia foram organizadas. Esses levantes foram fortemente influenciados pelos movimentos da Primavera Árabe, no qual países da região lutavam contra os regimes opressivos.

O governo sírio coibiu com violência os protestos, ato que intensificou as proporções da manifestação e a população ocupou as ruas do país exigindo a renúncia do presidente. Entretanto, a repressão se intensificou e a oposição começou a se armar. Vale destacar que o processo de armamento começou com a necessidade de autodefesa, mas evoluiu ao interesse de alguns grupos em eliminar as forças de segurança nacional.

A partir de então, a violência dos ataques aumentou em níveis perigosos, marcando o início da guerra civil no território. Porém, mais que um conflito entre sírios - a favor ou contra o governo -, se instaurou uma batalha entre rebeldes e potências estrangeiras, fato que proporcionou aplicação de capital no conflito e, consequentemente, o aumento de armamento e combatentes.

O caos se estabeleceu por completo quando organizações extremistas, cada qual com seus interesses próprios, se envolveram no conflito. A participação de grupos como o Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda aumentou a preocupação internacional sobre o acontecimento. Além destes, os curdos da Síria, grupo étnico que almeja o direito de autonomia, trouxeram ainda outra dimensão ao conflito - principalmente em detrimento do seu poderio quantitativo, com cerca de 25 a 35 milhões de indivíduos pelo globo.

Envolvidos no conflito
É perceptível a participação de inúmeros grupos e países neste conflito. As principais nações apoiadoras do governo são a Rússia e o Irã. A Rússia, que já possuía base militar no país antes da guerra, lançou campanha aérea a favor de Assad, em 2015, e este fato foi crucial para levar a balança do conflito em benefício do governo. Por sua vez, o Irã mobilizou centenas de soldados e movimentou bilhões de dólares para ajudar Assad, incluindo a contratação e envio de milicianos armados para lutar no exército sírio.

A Turquia, junto a países do Golfo, é grande apoiadora da oposição, mas sua principal ação foi mobilizar facções rebeldes para conter a milícia curda - sob acusação de serem a extensão de um grupo rebelde banido do país turco. Suas tropas tomaram trechos ao longo da fronteira norte da Síria e interviram para impedir um ataque das forças do governo na última barricada da oposição. Com um contexto similar, a Arábia Saudita, com intuito de inibir a influência iraniana, armou e financiou rebeldes no início da guerra. Enquanto isso, Israel tem realizado ataques aéreos com frequência crescente para limitar o poderio militar e de armas do Irã.

Entretanto, há uma grande influência dos países de cultura ocidental desde o início do conflito, cada qual com seu interesse econômico e geopolítico singular. Os EUA, Reino Unido e França, em primeiro instante, ofereceram apoio aos grupos rebeldes "moderados", mas priorizaram o apoio não bélico. Entretanto, com o avançar da guerra, uma coalizão internacional liderada pelos norte-americanos organizou ataques aéreos e enviou forças especiais ao país para dar suporte às alianças das Forças Democráticas Sírias (FDS). Estes grupos estavam em territórios dominados pelo Estado Islâmico e eram alvos por defender um governo democrático-federalista.

Consequências trágicas
Além do extenso número de mortes, a Guerra da Síria deixou mais de 2,1 milhões de civis feridos ou incapacitados, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos. Mas, o fator destaque desta situação é o grande fluxo de imigrantes. Antes da eclosão da guerra, o país tinha uma população de 22 milhões de pessoas. Metade destes cidadãos já saíram ou foram obrigados a deixar suas casas no território, outros 6,7 milhões estão desabrigados no território e, muitos, vivendo em campos temporários.

Além disso, 5,6 milhões de pessoas já se encontram com registro de refugiadas no exterior. A maior parte destes, 93%, estão alocados em países vizinhos, como Líbano, Jordânia e Turquia. As nações que recebem estes imigrantes encontram problemas para lidar com a situação, haja visto que este é um dos maiores êxodos de refugiados da contemporaneidade. Um exemplo deste desafio é o nascimento de um milhão de crianças em exílio - apenas das famílias sírias.

De acordo com a ONU, em janeiro de 2022, 13,4 milhões de sírios necessitavam de alguma assistência humanitária, incluindo seis milhões em situação de extrema carência. Foi relatado que mais de 12 milhões tinham dificuldades em se alimentar diariamente e que 500 mil crianças sofriam de desnutrição crônica. Em grande parte, esta situação foi agravada em 2020, com a desaceleração econômica, levando à queda drástica da moeda síria e ao aumento exorbitante dos preços, inclusive dos alimentos.

A estrutura vital da nação, assim como bairros inteiros, está destruída. Uma análise da ONU via satélite sugere que mais de 35 mil estruturas foram danificadas ou completamente em ruínas apenas em uma cidade, Aleppo - antes da nova invasão pelo governo em 2016. Os danos culturais também são extensos e incalculáveis. A herança síria está significativamente abalada, principalmente após a destruição dos seis Patrimônios Mundiais da Unesco localizados no país e os ataques à Palmira – antiga cidade semita.

Guerra em números

Fonte: ICRC ORG

Um grupo de monitoramento do Reino Unido com redes de fonte na Síria, denominado Observatório Sírio dos Direitos Humanos, registrou o número de mortes pelo conflito. Até dezembro de 2020, foram 387.118 mortes e, destas, 116.911 de civis. Entretanto, esses dados não fazem referência às 205.300 pessoas desaparecidas no país, incluindo 88 mil que, presumivelmente, teriam morrido em centros de tortura e prisões do governo.

Em contraste, o Centro de Documentação de Violações, grupo de monitoramento de informações de ativistas sírios, registrou 226.374 mortes, incluindo a de 135.634 civis - também até dezembro de 2020. Além disso, o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) apontou números espantosos. Cerca de 12 mil crianças foram mortas ou feridas, mas os índices mais graves indicam até 22 mil.

O Centro de Documentação de Violações divulgou, nesta mesma data, um índice com as mortes registradas de civis e combatentes por grupo responsável: Governo da Síria, 156.329; grupos de oposição, 34.606; Estado Islâmico, 13.996; forças russas, 7.290; outros, 7.271; coalizão liderada pelos EUA, 3.330; Exército da Turquia, 1.662; Forças Democráticas da Síria, 1.364; e outros grupos jihadistas, 528.

Em relação aos refugiados sírios, a Eurostat, Serviço de Estatística da União Europeia, fez uma análise sobre a questão. Sobre os dez países europeus com mais pedidos de asilo, tem-se: Alemanha, 674.655; Suécia, 127.935; Grécia, 80.395; Hungria, 78.285; Áustria, 58.285; Países Baixos, 47.505; Bélgica, 28.450; França, 27.505; Bulgária, 22.960; e Dinamarca, 21.980. Outra questão apontada no relatório foi a quantidade de imigrantes sírios registrados em países vizinhos até o final de fevereiro de 2021. A Turquia encontra-se destacadamente em primeiro lugar, com 3.655.067 refugiados, seguida por Líbano (865.531), Jordânia (664.603), Iraque (243.121) e Egito (130.577).

Situação atual
A última barricada da oposição está localizada em Idlib e partes das províncias de Hama e Aleppo. O território é dominado por alianças extremistas e facções rebeldes. Porém, na região vivem cerca de 2,7 milhões de civis desabrigados, incluindo um milhão de crianças. Neste contexto, em março de 2020, Rússia e Turquia interromperam uma ofensiva na região para que o governo pudesse recuperar a área. Desde este episódio, o conflito conta com baixa atividade militar - apesar de que esta relativa pausa pode cessar a qualquer momento.

O governo de Assad recuperou o controle das maiores cidades da Síria, mas a maior parte do país ainda está sob controle de rebeldes e grupos opositores. Assim, não há como prever o fim do conflito. A Rússia, o Irã e a Turquia fizeram um acordo, em 2017, e formaram um comitê para criar uma nova constituição supervisionada pela ONU. Entretanto, em janeiro deste ano, a organização lamentou que não havia sido iniciado qualquer segmento do documento. Outra observação foi que, com cinco exércitos estrangeiros ativos no país, a comunidade internacional não pode responsabilizar apenas os sírios pela persistência do conflito.

Pandemia em meio à guerra
Fonte: Monitor do Oriente
Instalações médicas também foram alvos de ataques por toda a Síria. Cerca de 350 hospitais sofreram 595 ataques até março do ano passado, levando à morte de 923 médicos e, consequentemente, ao funcionamento de apenas metade dos hospitais do país - segundo análise dos Médicos pelos Direitos Humanos. Para agravar ainda mais a situação, desde março do ano passado, a crise humanitária foi agravada com a pandemia da Covid-19, pois o sistema de saúde do país está completamente fragilizado. Segundo os dados compartilhados pela Covid-19 Data Repository by the Center of Systems Science and Engineering at Johns Hopkins University (CSSE), atualizado em 24 de março, o país compreende 17.743 casos da doença, 11.794 pacientes já recuperados e 1.183 mortes. A média de novos casos por semana chega a 155 por dia.

A ONG Médicos Sem Fronteiras divulgou um relatório, em novembro de 2020, indicando a criticidade na região de Abu Dali – região de campos de refugiados. No local, há cerca de 16 residentes e, dentre estes, 7.059 casos de coronavírus, com o auge de 524 novos casos em um único dia. A fácil propagação do vírus diz respeito às condições precárias em que vivem tais famílias, divididas em barracas lotadas, algumas com apenas seis metros quadrados, e apenas três blocos de banheiros.

Fonte: Agência Brasil

Ainda segundo a MSF, a Síria conta com apenas nove hospitais de combate à Covid-19 para atender 4 milhões de habitantes. Além disso, o país dispõe de apenas 36 centros de isolamento e tratamento para oferecer o cuidado básico, isto é, voltado apenas aos pacientes com sintomas leves. Para ajudar no combate à escassez de estrutura e condições básicas de saúde, a MSF fornece kits de higiene para tentar amenizar a situação. Neste kit, a instituição consegue fornecer sabonete, detergente e balde.

Para tentar diminuir o crescimento potencial dos casos, foi instituído no país o “Bloqueio Planejado”, no qual a maior parte dos possíveis centros de aglomeração estão fechados, como mercados públicos, universidades e escolas. Contudo, pequenos comércios, farmácias e clínicas locais seguem com funcionamento habitual.
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