sexta-feira, 2 de abril de 2021

Ineditismo histórico: Papa Francisco visita Iraque

 Por Maria Clara Ribeiro                


Março marcou a história do Cristianismo e do Islamismo, as maiores religiões da atualidade



Na primeira sexta-feira do mês março, o Papa Francisco, líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana e maior autoridade política-cristã, deu início à 33ª viagem internacional de seu pontificado rumo ao Iraque, berço de muitas comunidades muçulmanas. Foram três dias de uma agenda repleta de encontros com autoridades religiosas locais, envolvendo líderes e membros de ambas as doutrinas.
O pontífice se inspirou na necessidade de se estabelecer a paz em todo território, independentemente das crenças religiosas. Para efetivar esse compromisso, o tema escolhido para a visita oficial foi o lema 'Sois Todos Irmãos'. A citação é extraída do Evangelho de Mateus. "Vou como peregrino da paz mendigando fraternidade, animado pelo desejo de rezamos juntos e caminharmos juntos", proclamou o papa em uma mensagem oficial divulgada pelo Vaticano.




Fonte: El Pais

A visita marca a trajetória de ambas as religiões. Ultrapassando os limites do contexto geopolítico do Oriente Médio, a atual pandemia deposita uma dose ainda maior de ineditismo a esse evento de panorama internacional e caráter histórico.

A pandemia da Covid-19 tornou 2020 o primeiro ano, desde 1978, sem viagens pontífices internacionais. Assim como afirmam as estatísticas diárias ao redor do mundo, por governos e órgãos oficiais de integração multinacional, ainda não há uma previsão concreta para o cessar da disseminação do coronavírus. Em contrapartida, o Vaticano considerou que o presente panorama, aliado à imunização de Francisco e aliados da delegação, já instaurou um ambiente minimamente seguro para restabelecer as viagens papais.

Nesse cenário, o Papa presidiu a primeira missa pública em território iraquiano. A celebração foi realizada na Igreja de São José, na capital do país, Bagdá. O encontro foi limitado devido às precauções contra o coronavírus, com público estimado em cem pessoas, mas o santuário registrou a presença de uma multidão – sem a divulgação de números exatos. Apesar do uso obrigatório de máscara, o distanciamento social não foi respeitado.

A visita por si já tem grande valor, mas ganha ainda maior dimensão com encontro do pontífice e aiatolá Ali Al Sistani, maior autoridade xiita iraquiana e que tem poderosa e decisiva voz política nas decisões do país. O encontro sucedeu-se em Najaf, ao sul da capital, caracterizada como a "cidade santa" do islamismo xiita e onde reside o grupo segundo maior componentes crentes islâmicos - também considerados os mais tradicionalistas, segundo Mirticeli Medeiros, vaticacionista e pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

O encontro dos líderes durou cerca de 55 minutos e teve como assunto central a segurança da população cristã do país, que é uma minoria ameaçada. Essa pequena parcela iraquiana é parte dos alvos dos conflitos na região, onde as guerras e a violência de grupos extremistas - como o Estado Islâmico (EI) - ainda assolam todos, mas principalmente as famílias mais desamparadas.

O líder Católico afirmou a importância da criação de laços entre as comunidades religiosas e as vantagens desta relação ao Iraque e ao Oriente Médio. Já o Aiatolá reforçou o papel das lideranças religiosas no combate a violência e mandou um recado às grandes potências, pedindo que abandonem o desejo à guerra, que está presente no cotidiano do país há mais de 40 anos.

Outro local visitado por Francisco durante sua viagem foi Ur, conhecido como Berço de Abraão, cuja razão reside em ser a região de nascimento do profeta em cujo sistema de crenças se baseiam as religiões monoteístas - além de cristianismo e islamismo, a originária judaísmo. Para além dessa razão, nesta mesma região, em 2014, Francisco apoiou a campanha militar internacional para intensificar as forças iraquianas e, em 2019, condenou a repressão de uma revolta popular contra o rígido poder regente.

Para a recepção do Papa, as cidades próximas a Bagdá prepararam mensagens de boas-vindas e apelos de uma boa relação com o país. Mas o destaque foram as mudanças na infraestrutura da região: estradas foram pavimentadas, pontos de segurança foram reforçados e obras de renovação foram instauradas até mesmo em locais que não estavam delimitados como centros de encontros oficiais da visita. Todas estas melhorias foram implantadas para os apenas três dias de visita do pontífice.


Religião em números
O islão é a segunda maior religião do globo em número de adeptos, com cerca de 1,5 bilhão de mulçumanos, compreendendo cerca de 24% da população mundial, estando atrás apenas do cristianismo, com 31%, correspondente a 2,3 bilhões de fiéis – dados de 2012, divulgados pela The Word Factbook, elaborados pela Central Intelligence Agency (CIA).

Fonte: The Word Factbook


A comunidade cristã iraquiana é uma das mais antigas e diversas em todo o planeta, incluindo a existência de caldeus (conhecemos como católicos), ortodoxos e protestantes. Entretanto, em meio às constantes ameaças e riscos que esses grupos enfrentam, o número destes religiosos apresentou uma queda significativa nos últimos anos.

Segundo dados da ONG Hammurabi, focada na propagação e garantia dos Direitos Humanos no país, em 2003, os cristãos compunham 6% de todos os habitantes nacionais - cerca de 1,5 milhões. Já neste ano, os números apontam para 400 mil iraquianos cristãos, aproximadamente apenas 1% da população total. Entretanto, os dados apontados pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) são ainda mais espantosos. Seus números indicam que a população cristã do país caiu de 1, 5 milhão, em 2003, para menos de 250 mil atualmente.

Ambos os números coincidem com o fim do governo ditatorial de Saddam Hussein (1937-2006), vigente até 2003, e seguido pela ascensão do grupo jihadista extremista Estado Islâmico. Além disso, atualmente os xiitas são 64% dos iraquianos, seguidos pelos sunitas, com 32%. A importância destes números reside em seu potencial histórico, pois é a primeira vez que um papa visita uma nação de maioria xiita.

Riscos reais

Ataques violentos são comuns na região central do Iraque, alvo da visita pontifícia. Apenas em 2021, ocorreram dois ataques de grande dimensão: em janeiro, um ataque terrorista deixou mais de 30 mortos em Bagdá; já no início de março, apenas cinco dias antes da visita papal, dez foguetes atingiram uma base militar norte-americana. Por esta razão, o Vaticano afirmou em reuniões de assessoria que essa seria a viagem mais arriscada do pontificado de Francisco.

Fonte: BBC Brasil

Apesar de ser seguido por seus próprios agentes do Corpo de Gendarneria em viagens internacionais, a segurança do pontífice também deve ser garantida pelo país anfitrião. Ao contrário da preferência de Francisco, o Vaticano fez o uso de um automóvel blindado para transportar o papa em detrimento dos possíveis atentados riscos sanitários.

Aos nossos olhos
Enquanto é preciso unir forças internacionais para garantir a segurança dos cristãos no Oriente Médio, pelo simples fato de serem uma minoria, no Brasil é perceptível uma posição ambígua.

Em janeiro de 2020, uma pesquisa instituto de pesquisa Datafolha sobre a religião dos brasileiros constatou que 50% da população é católica, um número de proporções grandiosas, seguido por 31% evangélica e 10% sem religião definida. Os menores dados são respectivos à espírita (3%), umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras (2%), ateísta (1%) e judaica (0,3%). Outras religiões não citadas no relatório ocupam, juntas, 2% de toda a população brasileira.

Em consonância com este fato, as denúncias de intolerância religiosa aumentaram 56% no país em 2019, segundo relatórios do Balanço Disque 100 – Disque Direitos Humanos. Antes de apresentar números, vale ressaltar que este é um serviço de informações sobre os direitos básicos sociais, em destaque aos grupos mais vulneráveis, e denúncias de violações. A plataforma realiza atendimentos 24h de forma gratuita e anônima, podendo ser usada por qualquer cidadão.

Fonte: cebi.org.br

Os dados apontam que, entre 2015 e 2019, houve 2.722 casos de intolerância religiosa no país, gerando uma média de 50 ataques por mês. Entretanto, este número assusta especialistas pela possibilidade de serem ainda mais expressivos, pois deve ser considerado o medo dos fiéis em efetivar sua denúncia. Esta insegurança pode se basear na constante ameaça de repetição do ato, seja de violência ou discurso de ódio, ou receio de que as autoridades não concedam o suporte necessário.

É importante destacar que nos casos identificados, os ataques a religiões de matriz africana são os mais numerosos, apesar de serem uma das minorias no país.

Mas, apesar do que afirmam os fatos, Jair Bolsonaro, em um discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em agosto de 2020, contradisse a laicidade e secularidade constitucional do país, afirmando que o Brasil é uma nação cristã. Além desse grave erro, o atual presidente realizou, ainda, um apelo internacional “pela liberdade religiosa e combate à cristofobia”.

Em uma entrevista concedida à BBC News, Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirmou: "É evidente que cristãos são perseguidos em outros países, mas isso não acontece no Brasil, onde eles são a esmagadora maioria". No mesmo encontro, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas - que auxilia cristãos sob perseguição religiosa -, apresenta sua perspectiva como cristão. “Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã", exemplifica.

Além disso, a ONG Portas Abertas produz, há 25 anos, um ranking de 50 países onde os fiéis adeptos ao cristianismo são perseguidos com mais intensidade. A lista é construída a partir de relatos de ataques e violência religiosa. Desde sua criação, o Brasil nunca apareceu na lista.
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Nova York anuncia proposta para legalizar uso da maconha

Por Maria Clara Ribeiro                

Como uma das regiões de maior influência e importância no país, a remoção das sanções penais sobre a maconha no estado de Nova York pode repercutir em novos debates. A proposta partiu de iniciativa do governador Andrew Cuomo. Em dezembro de 2018, o político afirmou que o processo estava entre suas prioridades legislativas e, assim, junto aos legisladores, chegou em comum acordo acerca do documento de legalidade.

O histórico nova-iorquino não é recente: o Estado discute a descriminalização da maconha desde 1977. Em 2014, Nova York regulamentou a planta para uso medicinal e a atual legislação, que compreende a descriminalização da erva, consiste no pagamento de multas. Pela legislação em vias de ser modificada, cidadãos flagrados com posse de menos de 20g devem pagar US$50,00. Já a posse de 28g a 56g de maconha se torna passível de multa de até US$200,00 - com condições variáveis. Vale ressaltar a alcance da alteração, haja vista que, anteriormente, o cidadão era enquadrado como contraventor Classe B.

Fonte: G1 Globo
Atualmente, mais de 30 dos 50 unidades federativas estadunidenses permitem o uso da erva para fins medicinais. Em contrapartida, segundo o grupo ativista Marijuana Policy Project e o The GrowthOp, dez estados, mais o Distrito de Columbia (DC), já optaram pela legalização.

Propostas do Projeto
O projeto visa a permissão do uso legal e recreativo da maconha para adultos com mais de 21 anos de idade, incluindo a compra de produtos derivados de varejistas licenciados. Inclui-se também o cultivo de até seis pés da planta para uso pessoal, das quais apenas três podem ser amadurecidas concomitantemente. Além disso, o projeto permite a abertura de centros comerciais dedicados ao consumo do produto. Vale ressaltar que os municípios não podem proibir estas medidas, apenas impor regulamentos.

Sobre as delimitações comerciais, as dez operadoras de maconha medicinal do estado podem funcionar com três lojas cada. Os produtos serão tributados em 13% e, destes, 9% iriam para os cofres do estado e 4% para os municípios.

Fonte: Reprodução


Caso aprovada, as vendas devem ter início apenas em dezembro de 2022 de acordo com os prazos necessários para o estabelecimento de normas do novo mercado. O Marijuana Business Daily projeta a circulação de US$2,3 bilhões anuais em até quatro anos de instauração do novo comércio. Se correto, o estado se tornará o maior mercado de maconha dos Estados Unidos, ultrapassando a Costa Leste.


Impacto Econômico
De acordo com a apuração do Money Times, NY estipula a arrecadação de mais de US$350 milhões em impostos anuais com a comercialização legal de canabis. A questão principal é quanto deste total será repassado às comunidades mais atingidas pela guerra às drogas, além de recuperar o déficit de US$15 bilhões durante a pandemia. Outra questão que entra na disputa financeira do estado é a redução de aluguel e a recuperação de pequenas empresas.

Em janeiro deste ano, Cuomo solicitou que US$100 milhões da nova receita tributária possa ser destinada ao Fundo de Equidade Social da Cannabis por um período de quatro anos e US$50 milhões nos anos seguintes. Ao perceber a delicadeza da situação, é possível inferir que, nos próximos tempos, será travada uma batalha fiscal. A negociação se baseia na Lei de Regulamentação e Tributação da Maconha, de 2013, que define o repasse de maior parcela do dinheiro às minorias.

Segundo dados da proposta oficial, 40% da receita seriam destinados a comunidades formadas por minorias, 40% para investimentos de educação pública e os demais 20% para programa de tratamento de prevenção às drogas. O texto também prevê a concessão de créditos para fomentar a criação de empregos e garantias de participação a pequenos fazendeiros, mulheres e veteranos de guerra portadores de deficiência física, assim como membros de grupos minoritários.


Racismo estrutural e sistema carcerário
Segundo o diário The New York Times, cerca de 160 mil pessoas com condenações em primeiro grau passarão por revisão de caso e terão a ficha limpa. Segundo especialistas do jornal, a decisão poderá beneficiar, principalmente, negros e hispânicos. Essas comunidades são as mais afetadas na guerra às drogas do país norte-americano, sendo também os mais impactados pelas rígidas leis contra o consumo da erva.

Fonte: Reprodução


Negros e latinos correspondem a 86% dos população do sistema carcerário em Nova York. Segundo dados da União de Liberdades Civis de Nova York, esse número equivale a mais de 800 mil pessoas. A taxa de prisão de negros foi cerca de 14 vezes superior ao de brancos - em casos de prisão por porte e/ou uso da maconha, entre 2000 e 2008. No mesmo período, a prisão de hispânicos correspondia a sete vezes mais. Apenas em 2018, a Big Apple prendeu mais de 17,5 mil pessoas por posse da erva.

Segundo Jeffrey Miron, professor de Harvard, os índices de assassinatos nos EUA aumentaram massivamente quando o álcool foi banido e, diretamente relacionado, caíram quando voltou a ser legalizado. Segundo o especialista, não é possível que nenhum país imponha leis de drogas a todos os cidadãos que as infringem e cita que 50% da população já agiu fora da lei. Isto é, nenhum país pode aprisionar metade de sua população.


Enquanto isso, no Brasil
O Estado usa a “guerra contra as drogas” como pretexto para reprimir parcelas da população, motivado por seus interesses político-econômicos. No Brasil, é perceptível que estes grupos se referem à população mais pobre, vitimando principalmente jovens negros de periferia. Com este pretexto, as operações invasivas e extremamente violentas se tornem aceitáveis por grande parcela da sociedade e como resultado direto desta “guerra”, acarretada pela proibição das drogas, como afirma a juíza Maria Lucia Karam, tem-se a média anual de 30 mil dos assassinatos no Brasil (2019).

Os buracos nas paredes das casas confirmam a constante ameaça a todos das comunidades, mas, ainda assim, a população brasileira apresenta posição majoritariamente contrária à legalização de drogas. Segundo uma apuração do mesmo veículo, dois a cada três brasileiros se dizem contrários à liberação recreativa da maconha, em 2018. Contudo, o governo federal tenta instituir propostas de flexibilização, como o encaminhamento do projeto de lei 399/2015 que propõe a legalização da Cannabis para uso medicinal no país.

Dentre as principais queixas contra o documento, temos a preocupação com os efeitos nocivos do uso crônico da erva e a possibilidade de um grave problema de saúde pública. Porém, estudos epidemiológicos psiquiátricos apontam rasas alterações no uso de maconha nos estados americanos nos quais houve permissão para o uso medicinal. Segundo pesquisa do Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde dos Estados Unidos (NSDUH), mesmo em estados com liberação de uso recreativo, o aumento foi mínimo.

No Brasil, é preciso encarar outro problema central: o preconceito. Há uma intensa criminalização dos usuários.

Números brasileiros da guerra às drogas
Segundo o Atlas da Violência de 2020, os negros são 75% das vítimas de homicídios no país, apesar de constituírem 56% da população brasileira. Este dado mostra que esta parcela de brasileiros apresenta 2,7 mais chances de serem assassinados. Dados da pesquisa Datafolha de 2018, mostram que o Rio de Janeiro apresentava uma taxa de 37,6 homicídios a cada 100 mil habitantes, maior que a média nacional – de 31,6. Apesar dos conflitos entre facções criminosas, que disputam entre si por controle de territórios, as forças policiais são responsáveis por 1/3 das mortes. Na capital fluminense, em 2019, a polícia matou 726 pessoas.

Mas este alto número não é cabível apenas neste estado, pois 11% das mortes violentas intencionais, em 2018, foram provocadas pelas forças policias. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dos 57.358 homicídios, 6.220 foram ocasionados por estes profissionais – sendo 99,3% homens, 77,9% entre 15-29 anos e 75,4% negros. Estes dados estão intrinsicamente relacionas à presença violenta do estado nas regiões mais carentes do país.

Fonte: Agência Brasil

Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro gastaram cerca de R$5,2 milhões para aplicação da Lei das Drogas, em 2017. Este valor equivale a 12% das despesas de segurança pública, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), divulgados nesta segunda-feira (29). Como instrumento de comparação, especialistas afirmam que os gastos seriam suficientes para comprar mais de 90 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 desenvolvidas pelo Instituto Butantan e, consequentemente, imunizar 21% da população brasileira.

Economistas estimam que, apenas em 2017, o governo federal tenha gasto R$15,4 bilhões com a “guerra às drogas”, caracterizando 5.9% no PIB nacional. Este valor é tido como extremamente alto, principalmente por equivaler a apenas 0,57% do mercado de droga no planeta – mesmo estabelecendo relações de fronteira com os três maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia).

Além disso, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do globo, com 750 mil indivíduos encarcerados, estando atrás apenas dos EUA (2,1 milhões) e China (1,7 milhões). O número pode espantar ainda mais ao estabelecer a seguinte correlação: são 350 presos para cada cem mil pessoas. Dentre as teorias dos especialistas, a explicação mais aceita é a atual Lei de Drogas, de 2006, que permite margem para enquadrar usuários como traficantes.

O tráfico de drogas é o segundo crime com maior incidência no sistema carcerário brasileiro, correspondendo uma a cada cinco prisões, mas o índice apresenta dados crescentes entre as mulheres (51%), jovens de até 29 anos (45%) e negros (67%). O mais agravante da situação é que 30% dos presos brasileiros ainda não foram a julgamento.

Com o início da pandemia da Covid-19, as operações policiais nas comunidades foram limitadas pelo Supremo Tribunal Federal, o qual exige justificativa e comunicação ao Ministério Público. O interessante é que, após essa limitação das forças policiais e sua política de repressão, houve uma redução de 20% dos números de assassinatos no mesmo período, 798 pessoas mortas entre junho-agosto contra 1.001 no mesmo período do ano anterior.
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Esvaziamento de pautas: forma como a questão racial no BBB é positiva ou negativa?

 Por Camila Machado                


O Big Brother Brasil 21 causou raiva e revolta em muitos telespectadores do reality show da Rede Globo. A rapper eliminada Karol Conká, cujas falas contra nordestinos e visões preconceituosas e desconexas sobre modos de ser das pessoas pretas geraram uma forte rejeição. Conká mostrou no pouco tempo em que esteve no programa que os ‘canceladores’ também podem ser ‘cancelados’. O termo cancelar – usado nas mídias sociais para repudiar uma atitude negativa de algum famoso – tomou uma grande proporção diante das atitudes problemáticas da rapper, a “internet” se emprenhou em tirá-la do programa e assim foi feito. Karol saiu com 99,17% de rejeição. Muitas são as perspectivas de análise desse caso, mas chamo a atenção para a questão racial que envolveu a participação e repercussão da Karol no reality.

Vários internautas, anônimos e intelectuais, foram às redes sociais manifestar sua preocupação quanto aos efeitos que as atitudes desses influenciadores estão tendo sobre a compreensão da questão racial pelo público. Vários intelectuais pensavam que a atuação de Karol Conká causaria um grande dano aos esforços do movimento negro nos últimos anos. E certamente causou, embora tal edição do programa tenha sido a que mais teve participantes negros e uma das que mais discutidas na casa é sobre questões raciais e envolvendo minorias.


Mas, não podemos nos esquecer das vezes em que a identidade racial de algumas pessoas da casa foi questionada, como o economista Gilberto que sofreu piadas quando disse que se considerava negro. Acusações e julgamentos sempre acompanharam a história do reality e isso não está sendo diferente agora. A participante Lumena virou meme por “fazer militância errada" e foi acusada de ser hipócrita e incoerente diversas vezes como quando questionou a sexualidade de um participante que se assumiu bissexual, embora falasse o tempo todo sobre direitos LGBTQIA+. O problema não se encontra nas críticas feitas aos participantes, mas sim na generalização das atitudes, vistas como erradas, dos participantes como se fossem representativas do movimento negro (que é formado por muitos grupos e inúmeras entidades). É preciso ter em mente que eles estão ali representando a si mesmos e não um movimento, embora muitas vezes a linha tênue que separa esses dois campos se rompa. A problematização se encontra no fato de que as pessoas pretas, principalmente as que são figuras públicas, tendem a ter seus erros coletivizados, como se sempre estivessem agindo como ativistas, como parte de um movimento.

A forma como a questão racial é apresentada ao público também é algo a ser discutido. Tudo no reality responde a um critério de consumo fácil e efêmero. Nada precisa perdurar. As opiniões sobre desconstrução das imagens raciais são sempre diretas, superficiais e às vezes até brutais. Tudo isso acaba por banalizar temas de extrema importância e que deveriam ser tratados de forma séria e não como "polêmica". As ofensas contra nordestinos, pretos e mulheres ditas no programa são sempre apresentadas de forma suscetível a se perder com o tempo, esvaziando pautas importantes e discussões necessárias.

A pergunta que fica é se a representatividade negra e as outras múltiplas pautas “levantadas” no programa estavam melhor vistas antes do BBB21 ou  ficaram piores no imaginário nacional? Mas, uma coisa se mostrou evidente como aponta Serge Katembera, doutorando em Sociologia pela UFPB: “Seja na política ou no BBB, a falta de pudor precisa sempre estar acompanhada de um certo glamour”.
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Estatuto da Gestante: O que há de problemático nesse projeto de lei?

Por Camila Machado                

Um símbolo do retrocesso na discussão do estupro no Brasil que coloca em risco a já baixa autonomia e controle da vítima sobre seus corpos


Está em tramitação no Senado o projeto de lei 5.435/2020 para a criação do "Estatuto da Gestante". A proposta de autoria do senador cearense Eduardo Girão (Podemos) serviria, segundo o senador, para proteger integralmente as gestantes desde o momento da concepção. A ideia de Girão é que um programa de "suporte subsidiário que assegure o nascimento da criança concebida", mas a proposta apresenta pontos problemáticos. O projeto desconsidera as vítimas de estupro e parece querer, na prática, incentivar as vítimas de estupro a não abortarem mediante ao pagamento de um auxílio financeiro.


Esta PL é fruto do conservadorismo e não de uma análise social e de saúde pública, simboliza um retrocesso na discussão do estupro no Brasil. Apesar de não se tratar de um projeto que fala de forma direta sobre a interrupção da gravidez, é importante questionar objetivo por trás desta proposta que acaba por restringir a possibilidade de aborto, mesmo nos casos legais, ao incluir a proteção de direito à vida "desde a concepção".

A PL 5.435/2020 se mostra legislativamente contraditória e coloca em cheque até as três as situações em que o aborto é legalizado no Brasil. Além da gravidez que decorre do estupro, a intervenção pode ser realizada para salvar a vida da gestante ou quando o feto é anencefálico. Mas, o projeto em seu art. 8º proíbe que “particulares causem danos à criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores”, o que na prática significa que os médicos ficam proibidos de realizar o aborto. Portanto, se aprovado, o art. 8º entrará em contradição com o Código Penal, que garante o direito ao aborto em caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II). Com duas leis válidas a segurança jurídica será colocada em risco.


Outro ponto problemático diz respeito à “paternidade do estuprador” defendida no projeto. A proposta é “obrigar” o genitor a cuidar do feto e também da gestante (art. 4º, §2º), e garantir que ele, além de pagar a pensão alimentícia, tenha o direito de conviver com a criança após o nascimento (art. 10º). O problema se encontra exatamente nessa narrativa que desconsidera totalmente o fato de que quando uma gravidez é resultante de estupro, esse “genitor” é o estuprador. O estupro é um crime hediondo que viola gravemente os direitos humanos da mulher e é impensável que esteja em tramite legal um projeto de lei que dá direito à paternidade a um estuprador, um agressor. A PL desconsidera todo o sofrimento da vítima de estupro e deseja forçá-la a lidar não só com as lembranças e os danos psicológicos da violência, mas também conviver com seu abusador.



Mas, a parte que ganhou mais repercussão foi a que se refere a chamada “bolsa estupro”. A proposta defende que caso a gestante vítima de estupro não disponha de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcaria com os custos pagando um salário-mínimo até que a criança completasse 18 anos. O senador na justificativa da proposta diz que o Estado arcaria com as despesas da criança "até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento".

A PL volta a desconsiderar um fato importante: As mulheres, mesmo as que vivem em uma situação vulnerável financeiramente, não querem ter um filho fruto de um estupro devido a sua condição econômica, mas exatamente por aquele feto representar a violação que sofrera. Fora isso, se hoje as vítimas de estupro já são responsabilizadas socialmente por serem abusadas, as acusações só aumentarão com a aprovação deste projeto de lei. Não é difícil imaginar como, em pouco tempo, as vítimas de estupro teriam de lidar com comentários como: “mentiu que foi estuprada só para ficar com o dinheiro”, “saiu com essa roupa só pra ser estuprada, porque sabia que ia ganhar dinheiro depois” etc.


O assunto ganhou repercussão nas redes sociais por meio da hashtag #GravidezforçadaÉTortura e no dia 23 de março, após pressão feita pelo movimento das mulheres, a senadora Simone Tabet disse que vai excluir a "bolsa-estupro" e restrição a aborto legal do projeto de Estatuto da Gestante. No site do senado, 53.716 pessoas votaram contra a proposta até às 18h daquele dia. Entretanto, o parecer não impede a votação e a senadora apenas antecipou esta mudança. O simples fato de um projeto de lei como esse estar sendo colocado em votação reflete as dimensões da misoginia desse país. Uma proposta que obriga a vítima de um crime hediondo como o estupro a se responsabilizar por ele e carregar os traumas dessa violência para o resto da vida é no mínimo desprezível.

Envolver o Estado nessa naturalização da violência contra mulheres é retroalimentar a cultura que estimula esse crime. Tirar ainda mais a autonomia e o controle da vítima sobre seus corpos é grave, mas o Senado parece não ter consciência dessa gravidade. A própria apresentação desse projeto desconsidera o fato de que estupro é crime e, portanto, um estuprador que engravida alguém não pode jamais ser chamado de pai. Impedir o aborto em caso de estupro é permitir que estupradores continuem tendo imunidade jurídica sobre seus crimes, é dar direitos ao estuprador, é tortura.
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Acesso à tecnologia: Pré-requisito para aprovação no Enem 2020?

 Por Camila Machado                

As provas do Exame Nacional do Ensino Médio que aconteceriam em novembro de 2020, foram adiadas para os dias 17 e 24 de janeiro deste ano. O Enem 2020 teve o  maior número abstenção desde 2009: dos 5,7 milhões inscritos, 51,5% dos estudantes não compareceram. O aumento no número de casos de Coronavírus e o agravamento das desigualdades socioeconômicas pelo isolamento social podem justificar tais números. Foram dez meses sem aula presencial, com milhares de estudantes de escolas públicas dentro de casa e muitas vezes em estado de vulnerabilidade social. Com as escolas fechadas, alunos de baixa renda tiveram dificuldades no acesso à internet para estudar. Um preocupante aumento da desigualdade educacional se desenhou novamente no horizonte brasileiro.


Um levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostra que a maior parte dos estudantes das universidades federais tem renda mensal per capita de até um salário e meio (70,2%) e é negra (51,2%). Em 2010, apenas 37,5% dos estudantes das instituições federais de ensino superior haviam cursado todo o ensino médio em escolas públicas. Em 2018, esse percentual subiu para 60,4%. Mas, existe agora uma preocupação com o impacto que a pandemia trazer nesses números, já que boa parte dos alunos da rede pública não tiveram condições de estudar à distância e o Enem é a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil.

A pandemia agravou a precariedade das condições socioeconômicas de muitos candidatos e tudo indica que criou ainda mais obstáculos para aqueles que já enfrentavam a desigualdade educacional brasileira.  Não terá o Enem 2020 contribuído para restringir as vagas ao ensino superior aos estudantes que têm acesso a internet? Uma pesquisa Juventude e Pandemia do Coronavírus, divulgada em junho de 2020 pelo Conselho Nacional da Juventude, mostrou que 49% dos jovens entrevistados já tinham pensado em desistir do Enem. Daqueles que pretendiam fazer o exame, 56% estavam muito preocupados com seu desempenho na prova e 67% não estavam conseguindo estudar desde que as aulas foram suspensas. Não podemos nos esquecer de que uma coisa é utilizar o smartphone para trocar mensagens, postar fotos nas redes sociais, que demanda um pacote mínimo de dados de internet. Outra coisa é usar o aparelho para estudar em plataformas pesadas que necessitam de um tráfego maior.

O Enem ajudou, em conjunto com uma série de outras políticas, a democratizar o acesso ao ensino superior. Na edição de 2019, foram ofertadas 237.128 vagas em 128 instituições de ensino superior públicas de todo o país, segundo dados do Inep.  Mas, a preocupação é que essa democratização tenha sido colocada em risco com a prova de 2020. É inegável que a pandemia contribui para este quadro, mas o Inep tinha a opção de cancelar ou adiar o exame. O ministério da Educação, como um todo, realmente fez tudo o que podia para diminuir os impactos negativos que a pandemia trouxe para os alunos de baixa renda? O Inep considerou os obstáculos impostos a estes alunos devido à falta das aulas e como isso impactaria no rendimento destes na prova? E ainda, será que realmente podemos falar de democratização do acesso ao ensino superior? Ou tudo que temos são cortinas de fumaça que tentam mascarar a desigualdade educacional existente no país?

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Em quem acreditar diante das diferentes narrativas em torno da vacina?

 



Por Camila Machado                


    As vacinas são responsáveis por evitar até três milhões de mortes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas, no Brasil, todas as vacinas destinadas a crianças menores de dois anos de idade têm apresentado queda na cobertura desde 2011, segundo o Ministério da Saúde. Dados de 2018 indicam que a cobertura vacinal contra a poliomielite, por exemplo, foi reduzida para 86,3%. O país, que já foi considerado livre do sarampo, perdeu o certificado de erradicação da doença em 2019. Narrativas falsas, sem nenhuma comprovação científica, sobre as vacinas vêm se disseminando pelas redes e dando sustentação ao discurso do movimento anti-vacina. Em meio a uma pandemia, as
fake news em saúde se tornam um problema extremamente grave e prestam um desserviço à população.

Manifestações contra a imunização obrigatória e a vacina chinesa em novembro de 2020 - São Paulo. Foto: REUTERS/Amanda Perobelli

Estudos apontam que o problema das fakes news se intensificou com a pandemia da Covid-19 e esse tipo de conteúdo nas redes sociais passou a ser usado para reverberar vozes de movimentos antivacina.  É possível perceber que informações advindas de, por exemplo, páginas de ministérios, agências reguladoras, secretarias municipais e estaduais de saúde e entidades de fomento à pesquisa são links pouco curtidos e compartilhados se comparados com os de notícias falsas. Há, ainda, evidências fortes de que o movimento antivacina atua, prioritariamente, em grupos fechados no Facebook e no Whatsapp e não em espaços públicos do Twitter e do Facebook, como apresentado no artigo de  Luiza Massarini publicado nos Cadernos de Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública.

A luta contra as fake News e a desinformação acerca da vacinação fica ainda mais difícil quando o presidente do país se mostra favorável à não vacinação. Bolsonaro inúmeras vezes questionou o uso da vacina contra Covid-19 e disse, por exemplo, que não obrigaria ninguém a tomá-la. Nesse episódio, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, criticou o discurso anti-vacina.  “As pessoas não devem ser confundidas por movimentos anti-vacina, mas ver como o mundo usou vacinas para combater a mortalidade infantil e para erradicar doenças. Olhe os relatórios das vacinas, olhem vocês mesmos, especialmente os pais, como as vacinas mudaram o mundo”, disse.

Diante de uma doença tão contagiosa como o Covid-19, que apresenta agora dezenas de variantes que tornam o vírus ainda mais transmissível, uma vacinação em massa torna-se necessária. Mas, além de lutar contra o tempo e o vírus, as autoridades de saúde têm agora de lutar contra discursos anti-vacinas que parecem se espalhar cada vez mais, gerando medo e pavor na população. Inúmeras teorias da conspiração surgiram desde o anúncio de que as primeiras vacinas estariam prontas. Hoje o Brasil tem, de um lado, as autoridades internacionais de saúde, os laboratórios e a imprensa lutando em defesa da vacinação e apresentando, constantemente, informações sobre sua eficácia e importância para o fim da pandemia. E de outro temos uma grande disseminação de notícias falsas e um governo que já deixou evidente ter certa resistência à vacinação (embora tenha mudado seu discurso recentemente).

     Um acontecimento recente deixou muitos brasileiros ainda mais “perdidos” na desinformação em torno da vacina e do próprio Covid. O Twitter chegou a colocar um aviso de que “informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à Covid-19” estariam presentes em um post feito pelo perfil oficial do Ministério da Saúde. Surge daí uma questão: se até o ministério anda propagando conteúdos “duvidosos”, em quem devemos confiar? São tantas narrativas diferentes que o povo brasileiro se vê perdido, sem saber mais em quem acreditar.  

Porém, é preciso ter em mente que os movimentos antivacina podem até criar narrativas para lutar contra a vacina, mas os números nos contam a sua própria história. “Temos que colocar em perspectiva as vacinas e o que elas fizeram para a humanidade. Não há dúvida que houve uma aceleração nas pesquisas de vacinas para a covid-19 e isso se deve ao avanço da tecnologia. E nenhuma vacina será entregue massivamente antes de serem avaliadas”, esclareceu Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, ainda em setembro de 2020. É necessário educar mais o público sobre as vacinas e lutar contra o desserviço das notícias falsas. Não adianta ter vacina se a população não confiar nela e não compreender a importância da adesão de todos à vacinação.


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A Imprensa se tornou “inimiga da nação” no governo Bolsonaro

 

Por Camila Machado                

O Presidente Jair Bolsonaro foi responsável por mais de 200 ataques a imprensa só no primeiro semestre de 2020. Imagem: Bancários Bhaia

Ataques à imprensa se tornaram uma “marca” do governo atual. Antes mesmo de ser eleito, Bolsonaro já atacava a imprensa em suas redes sociais, chegando a promover, por exemplo, o linchamento virtual de jornalistas da Folha de São Paulo, em outubro de 2018, depois de o jornal publicar uma reportagem mostrando a relação de empresários, que apoiavam sua campanha, com a da propagação de informações falsas sobre o PT pelo Whatsapp. Três jornalistas da Folha foram virtualmente atacados e a autora da reportagem chegou a ser confrontada por apoiadores de Bolsonaro, ainda no mesmo ano. Mas as coisas pioraram depois da posse. Bolsonaro fez da imprensa não só sua “inimiga”, mas também da nação.

Um monitoramento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), divulgado em julho de 2020,  mostra que 245 ataques contra o jornalismo por parte do Presidente Jair Bolsonaro foram registrados só no primeiro semestre daquele ano. Desses, 211 foram categorizadas como descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e dois ataques contra a própria FENAJ. Foram quase dez ataques ao trabalho jornalístico por semana em 2020, segundo a Federação. Esses ataques são feitos em declarações públicas do presidente em suas lives para o YouTube,  em sua conta pessoal no Twitter, em vídeos de entrevistas coletivas em frente ao Palácio do Alvorada, discursos e também em entrevistas disponibilizadas no portal do Planalto.

Qualquer que seja a notícia sobre as ações do governo ou a postura negativa do presidente fazem com que a imprensa e os jornalistas sejam colocados como “inimigos do país”.  Bolsonaro se refere ao trabalho da imprensa, por diversas vezes, como mentirosa, omissa, sem credibilidade ou confiabilidade, e já chegou a afirmar que a imprensa atrapalha, é uma vergonha, deturpa, esculhamba e tripudia de assuntos sérios.  Para o presidente, faltam notícias verdadeiras,  chamando de fake news todas as que, segundo ele, “destroem reputações”. O jornalismo profissional também sofre com ataques misóginos e homofóbicos por parte do presidente e com os gestos ofensivos feitos por ele aos jornalistas que atuam na cobertura em frente ao Palácio do Alvorada, em Brasília. Todos devem se lembrar da cena patética de contratar um humorista para distribuir bananas aos profissionais da imprensa, em fevereiro de 2020.

A agressiva relação do presidente com a imprensa piorou ainda mais com a pandemia. Em março, Bolsonaro fez pronunciamento para TV e rádio afirmando que meios de comunicação “espalharam exatamente a sensação de pavor” e pela primeira vez associou a atuação da imprensa no contexto da pandemia como causadora de “histeria”. Esse discurso foi mantido por meses até que em junho uma mudança de postura do presidente foi adotada. Bolsonaro passa a se referir com ironia à imprensa em suas redes sociais e discursos. Sobre as agressões físicas a jornalistas no exercício profissional, por parte de seus apoiadores, Bolsonaro se manifestou dizendo apenas: “se são agredidos, saiam dali, pô! Vocês não são obrigados a ficar ali”.

 Mas não só o presidente Jair Bolsonaro ataca a imprensa. Em setembro de 2020, a entidade internacional Artigo 19 apresentou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório que mostrava  que o presidente, seus filhos, ministros e assessores realizaram um total de 449 ataques contra jornalistas desde o início de seu mandato até setembro de 2020. Os filhos de Jair Bolsonaro foram autores de quase metade (220) dos ataques, segundo o documento, e do total de violações registradas, Eduardo Bolsonaro é autor de 24%, Carlos Bolsonaro de 19%, e Flávio Bolsonaro, 6%. Os ministros indicados pelo presidente, ainda que tenham sido exonerados e indicados de forma frequente, figuraram em 27% dos ataques (119).

Claramente os números são muito maiores hoje, uma vez que o governo enfrenta agora uma queda de popularidade devido aos vários “escândalos” referentes à má eficácia do governo no combate à pandemia. A falta de seringas, o mau planejamento da compra de vacinas, a falta de oxigênio em Manaus e as incontáveis mudanças de discurso do presidente estão abalando negativamente o governo e a “única saída” nessas horas é atacar a imprensa.

O ministro da saúde, Eduardo Pazuello, vem fazendo inúmeros comentários acusando a imprensa de ser tendenciosa. No dia 07 de janeiro, por exemplo, o ministro disse: “Quero assistir a notícia e ver o fato que aconteceu, deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada um de nós”, questionando um dos principais papéis do jornalismo que é traduzir a realidade, o que implica, é claro, a interpretação dos dados e eventos.  Mas, o próprio ministro veio a se contradizer minutos depois: “Se cada um interpretar como quer, a desinformação é completa. Numa pandemia, a desinformação e a interpretação equivocada ou tendenciosa leva a consequências trágicas [...]”.

O ministro só esqueceu-se de dizer que a desinformação começa quando o trabalho jornalístico é ameaçado e a credibilidade da produção de notícias é questionada. “Se uma pessoa diz que está chovendo e outra diz que não está, a obrigação do jornalista não é citar os dois lados, mas olhar pela janela e descobrir a verdade”, já dizia o escritor Jonathan Foster. É preocupante que no Brasil não somente o vírus esteja deixando um rastro de incertezas e luto, pois hoje a maior ameaça aos jornalistas brasileiros e à liberdade de imprensa tem sido o próprio Presidente da República.


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Trumpismo e Bolsonarismo: as semelhanças não são coincidências

 


Por Camila Machado                              

Um dos muitos apertos de mão entre Trump e Bolsonaro e suas alianças. Foto da reunião do G20, em Osaka - via Agência Brasil

Depois do ataque ao Capitólio, no dia 06 de janeiro, pesquisadores que sempre chamaram a atenção para o efeito nocivo das redes de Donald Trump para a sociedade norte-americana disseram que tal uso contribuiu não só para a invasão do Capitólio, mas para a eleição de muitos outros políticos com base na propagação de notícias falsas. Este efeito foi tamanho que o Twitter baniu, definitivamente, a conta com mais de 88 milhões de seguidores do presidente a fim de evitar a contínua incitação à violência. O Facebook e o Instagram também bloquearam os perfis de Trump por tempo indeterminado. 

O mesmo efeito nocivo é notado facilmente também no governo de Jair Bolsonaro que se elegeu por meio das redes sociais e desde o início do governo faz delas seu principal canal de comunicação. O Twitter já suspendeu inúmeros de seus posts por apresentarem notícias falsas, principalmente nesta pandemia. A incitação à violência também está presente em suas redes e influenciaram, de certa forma, as preocupantes manifestações contra o STF, em julho de 2020. Inúmeros são os casos em que Bolsonaro e Trump prestaram um desserviço brasileiros e estadunidenses - para nos limitarmos aos públicos nacionais - e tal desserviço se tornou ainda mais intenso nesta pandemia. A qual Bolsonaro insiste em minimizar a gravidade, mesmo o país tendo hoje mais de 220 mil mortes por Covid-19.

É inegável as semelhanças entre o Trumpismo e o Bolsonarismo, semelhanças estas que claramente não são meras coincidências. Nos dois casos, temos políticos de extrema direita que usam e abusam das expectativas de milhões de pessoas, que apresentam certa vulnerabilidade social e/ou econômica, e se apresentam como os “salvadores da pátria”. Ambas as candidaturas de extrema direita souberam explorar os espaços abertos pelo crescimento da desigualdade e os erros cometidos por partidos tradicionais. Tanto no Trumpismo, quanto no Bolsonarismo temos uma intensa nostalgia pelo passado que baseia suas campanhas e governos.  Trump adotou com o seu lema o ‘Make America Great Again’, desconsiderando detalhes da história norte-americana como o genocídio de povos indígenas, a escravidão e os longos períodos de discriminação contra mulheres, negros, e migrantes. Enquanto Bolsonaro nem ao menos tenta disfarçar sua nostalgia pelos anos de chumbo e pelas práticas de tortura que marcaram a ditadura militar do Brasil.

O principal pilar do Trumpismo e do Bolsonarismo tem sido o incentivo ao medo, à raiva e ao ódio, com apologias à violência. Indivíduos e grupos minoritários são transformados em inimigos e culpados por todo mal que aflige a sociedade. Para o Trumpismo o alvo tem sido as populações de novos migrantes, os negros e apoiadores do partido democrata, enquanto aqui Bolsonaro fez dos povos indígenas, do movimento LGBT, dos ambientalistas, dos petistas, de supostos ‘comunistas’ e de ativistas em geral inimigos da nação. Comportamentos sexistas que propagam o desrespeito e a violência contra mulheres também são marcas registradas no Trumpismo e no Bolsonarismo que estão sempre seguindo uma lógica de ganhos com suas bases eleitorais.

É possível perceber como o governo brasileiro está constantemente “copiando” o discurso e as ações de Trump. O exemplo mais recente disso foi quando Trump perdeu as eleições de 2020 e passou a dizer que havia tido fraude nas eleições e o presidente Jair Bolsonaro não só concordou e apoiou a infundada acusação de Trump, como adotou o mesmo discurso ao falar das eleições de 2018. Bolsonaro, desde então, vem questionando a segurança das urnas eletrônicas e falando que nas eleições de 2020 o voto não poderá ser eletrônico e isso preocupa.

É preciso pensar que no Brasil um desafio bolsonarista a um possível resultado negativo nas eleições poderá ter dimensões muito mais graves do que as de Trump nos EUA (que resultou no ataque ao Capitólio).  Bolsonaro tem apoio em setores importantes das Forças Armadas, das Polícias Militares, do empresariado e do Judiciário, o que torna nossas instituições democráticas muito mais frágeis. Sem contar o apoio cego de parte da população a Bolsonaro, a proliferação de armas no país e o sério desequilíbrio que acompanha a personalidade do presidente.

Uma crise política e institucional poderá vir a ser enfrentada daqui a algum tempo e as forças populares devem estar dispostas a defender o pouco de democracia que existe no país para que evitemos assim um golpe fascista. Trump já caiu e receio que não podemos, simplesmente, esperar Bolsonaro seguir os mesmos passos de seu companheiro extremista, temos que agir.  


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A cobertura problemática do ataque ao Capitólio e um dos seus prováveis efeitos colaterais


Por Camila Machado                

Ataque ao Congresso dos EUA por apoiadores de Donald Trump. Foto: VaticanNews


A invasão ao Capitólio, no dia 06 de janeiro, foi notícia no mundo todo e considerada, por muitos especialistas, como um ataque à democracia moderna. Uma mancha que será difícil de apagar da história da democracia norte-americana e que rendeu  milhares de críticas a Donald Trump. Ele foi acusado de estimular seus apoiadores a invadirem o Capitólio na tentativa de impedir a diplomação do presidente Joe Biden. Há meses Trump vinha incitando sua base de apoiadores a se mobilizar contra uma suposta fraude eleitoral e a invasão ao Capitólio foi o ápice das ações problemáticas que o presidente vem tomando desde que assumiu a presidência.

     Um fato importante que chamou a atenção em meio ao caos que a invasão trouxe para a vida dos estadunidenses foi em relação a cobertura feita pela mídia do acontecimento. Muitos veículos referiram-se aos invasores do Capitólio como “manifestantes”, e incluir grupos nacionalistas, fascistas e supremacistas de extrema direita na mesma categoria de ativistas do Black Lives Matter, por exemplo, e de outros movimentos que lutam pelos direitos das comunidades marginalizadas dos EUA é algo extremamente problemático e perigoso.  

Ativistas já temem que o que aconteceu no dia 06 de janeiro seja usado como referência para justificar a repressão e a violência contra os movimentos sociais tanto na mídia, quanto nos processos legais. Especialistas dizem que é provável que o ataque ao Capitólio traga consequências desagradáveis para os movimentos sociais, como o aumento da violência contra estes grupos populares. Violência esta que não foi, nem de perto, usada na mesma intensidade contra os invasores do Capitólio e que mostrou para o mundo que a polícia estadunidense já escolheu o seu lado e esse lado tem cor. Basta olhar para as dezenas de organizadores dos protestos anti racistas nos EUA que foram presos e perseguidos ao longo de 2020. O que aconteceu no Capitólio foi uma demonstração do que é a supremacia branca norte-americana e do apoio que estes têm do Estado e, de certa forma, da mídia que ao não medir palavras acaba corraborando para esse “terrorismo doméstico”.

Um último ponto a ser levantado, ainda dentro dessa temática dos movimentos sociais, é de que assim como a Lei Antiterrorismo brasileira torna-se, de certa forma,  uma ameaça para o movimento social como um todo o mesmo pode acontecer nos EUA. A definição de terrorismo pode ser ampliada para incluir, de alguma forma, grupos que protestam contra certas políticas, mesmo que pacificamente, e a mídia pode novamente corraborar para isso.





 

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Ameaça contra Duda Salabert

Por Camila Machado                

Discursos de ódio retroalimentados no Brasil e os trolls de extrema-direita


Duda Salabert é ameaçada de morte e vem recebendo mensagens de ódio desde que ganhou as eleições. Fonte: via Instagram



    No dia 04 de dezembro, a primeira vereadora  trans e a mais votada da capital mineira Duda Salabert  nas eleições de 2020 fez a seguinte publicação em suas redes sociais: “Estou sofrendo ameaças de morte. Desde que ganhei a eleição venho recebendo mensagens não apenas de ódio, mas também de ameaças. Ontem recebi esse e-mail. E pior: o grupo odioso enviou esse mesmo e-mail para a escola em que trabalho e para os donos e para a direção da escola. É uma estratégia não só para me intimidar, como também para forçar que a escola me demita”.  Na mensagem de ameaça, a pessoa dizia que iria comprar uma pistola e invadir o colégio Bernoulli, onde Duda dá aula há 12 anos, para matar “todos os negros”, “vadias” e por último a vereadora.

            Imagens da ameaça recebida publicada no perfil do Instagram  da vereadora.

    Segundo Duda, o e-mail é assinado por Ricardo Wagner Arouoxa. O nome do autor seria um pseudônimo usado por um grupo de extrema direita no Brasil. A revista Época informou que o nome dele vinha sendo utilizado por uma quadrilha de crimes de ódio na internet inspiradas no Dogolachan, fórum criado por Marcelo Valle Silveira Mello, um dos primeiros condenados por racismo na internet no país. Trata-se de uma nova onda de ataques que seguem a mesma linha das ações do Dogolachan e é extremamente influente na cena troll brasileira.

    Mas, não foi a primeira vez que Duda é atacada e recebe ameaças assim. Em 2018, quando ela se candidatou ao Senado Federal, Salabert relatou estar sofrendo vários atentados virtuais e que muitos deles motivados por políticos da família Bolsonaro. “Alguns dos apoiadores e candidatos do Bolsonaro fizeram publicações contra a minha figura, o que desencadeou em literalmente milhares de mensagens de ódio contra mim”, disse Salabert  em entrevista a Ponte. Na ocasião, Duda contou que algumas pessoas chegaram a ligar para a escola onde ela trabalha e exigir que a demitisse.

    Na mesma época, Duda disse que “os partidos são espelho da sociedade e por isso são ainda muito machistas, misóginos e transfóbicos”, e isso se faz cada dia mais presente desde 2018. Discursos deste tipo são compartilhados e retroalimentados diariamente no Brasil, inclusive, pelo atual presidente que se tornou um “digital influencer” do discurso de ódio. Resguardado em seu cargo de chefia e escondido atrás da “liberdade de expressão” que tanto prega, Bolsonaro não se cansa de fazer comentários homofóbicos e misóginos e de compartilhá-los com seus milhares de seguidores. 

    Rodrigo Nunes, professor de Filosofia Moderna da PUC-Rio, em entrevista à BBC, disse que o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno adotam  a estratégia de comunicação dos trolls, os provocadores da internet, para ganhar visibilidade. “Ele está sempre introduzindo temas que são 'polêmicos' — que na verdade são comentários racistas, homofóbicos ou machistas etc. —, e a reação [de indignação] provocada atrai atenção para ele, lhe dá visibilidade”.  A figura do troll é exatamente esta figura que fala o que todo mundo está pensando e ao mesmo tempo está só brincando. A que está sempre nesse jogo dúbio, entre o que é brincadeira e o que é sério. A questão é que a cada dia mais pessoas estão disseminando esses discursos e daí surgem os grupos de ódio na internet. Grupos como os que ameaçaram Duda Salabert e outras mulheres recém-eleitas no Brasil, os trolls de extrema direita que seguem cegamente o seu messias.


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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Por que os jornais estampam rostos apenas em casos de espetacularização?

Por Camila Machado        


Protesto contra violência policial em São Paulo em 2020.  Foto:. Amanda Perobelli / REUTERS


            No dia 14 de dezembro, a Folha de São Paulo publicou uma matéria que mostra que mais de 2 mil crianças e jovens foram mortos por policiais militares nos últimos três anos. Todos os dias, ao menos uma criança ou adolescente são mortos pela polícia no Brasil. A notícia escancara a vulnerabilidade das crianças e adolescentes em nosso país, principalmente daqueles que são pobres e pretas, uma vez que os agentes do Estado, que deveriam protegê-los, os matam.  Que a violência policial era fato todos nós já sabíamos, mas saber que ao menos 2.215 pessoas, entre 0 e 19 anos, foram mortas e tratadas como meros números só nos últimos três anos gerou grandes discussões nas redes sociais e abriu caminho para muitos questionamentos.

Uma fala de Sofia Reinach, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, chama a atenção na matéria. “Não são apenas números, são pessoas e suas famílias que passam a vida tendo que conviver com essas marcas. Os jornais, que estampam rostos quando um caso chama a atenção, poderiam dedicar páginas completas diariamente com fotos das vítimas. É uma rotina que foi normalizada no Brasil e vai muito além de alguns casos emblemáticos”, diz Reinach. Questões importantes em referentes ao “fazer jornalístico'' surgem desse ponto levantado pela Sofia. 

A primeira diz respeito a naturalização e automatização de eventos  que não deveriam ser naturalizados. O jornalismo não pode se dar o direito de se “acomodar” ou ser superficial ao tratar da violência policial crescente ou qualquer outro tempo de interesse público. A imprensa, como um todo, deve instigar discussões e não contribuir para a naturalização de eventos que ferem qualquer aspecto do campo social (pelo menos é o que se espera).  

A segunda questão é: O que faz com que muitas coberturas foquem no “raso” e fiquem apenas no factual do acontecimento, dando destaque para certos eventos e ignorando outros? (mesmo que estes sejam sobre um mesmo assunto, como os assassinatos de crianças e jovens por policiais,  apresentados pela Folha). O que tem movido e definido a escolha dos casos que são suficientemente “relevantes” para a construção das matérias nas redações brasileiras? O interesse público ou aquilo que dará mais “clique” e terá mais repercussão? Por que, como questionado por Sofia, os jornais apresentam apenas números e não os rostos desses jovens mortos pelos PMs? Por que muitos casos são silenciados? E o que a imprensa ganha ao ignorar certos eventos e ajudando a reforçar a naturalização de temas socialmente relevantes?

Chamo-os a pensar criticamente as questões levantadas aqui. O que falta nessa narrativa? Qual lado de um fato não está sendo mostrado nas reportagens e matérias construídas hoje em dia? É necessário questionar e chamar a atenção para  os “detalhes”, as pequenas escolhas feitas ao elaborar uma matéria, seja em grandes conglomerados midiáticos ou veículos independentes, e que alteram a percepção da realidade a ser mediada pela comunicação. É preciso desautomatizar e quebrar padrões para que o jornalismo se sensibilize novamente, apresentando rostos e histórias - é preciso “desnumeralizar” a vida.


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