Após exatos 39 dias, a rede social X voltou ao ar em uma terça-feira, dia 8 de outubro, após o cumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), como o bloqueio de contas e o pagamento de multas, além da indicação de representante legal no Brasil - a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova foi a nomeada (
veja aqui a análise do Pluris para o caso). A plataforma do bilionário Elon Musk pagou ao STF R$ 28,6 milhões para retomar suas operações no país.
Desse modo, a fim de contextualizar o que levou a plataforma X ao cenário atual, vamos abordar o falecido “Twitter”, com o intuito de compreender quando a rede social foi criada, quais eram suas funções e os interesses por trás da compra realizada por Elon Musk.
O Twitter foi fundado em março de 2006 por Jack Dorsey, Christopher Isaac Stone, Noah E. Glass, Jeremy LaTrasse e Evan Williams, com o objetivo de ampliar a comunicação entre as pessoas de forma instantânea, objetiva e virtual. Os usuários poderiam compartilhar seus pensamentos e acontecimentos em tempo real. Mas não demorou muito para que a plataforma se tornasse uma fonte de notícias e mobilizações políticas.
Foi por meio da ferramenta hashtag na plataforma, uma palavra-chave de um assunto, que, por exemplo, o termo “Black Lives Matter” — vidas pretas importam — ganhou notoriedade, tornando-se uma grande representação mundial no combate ao racismo. Isso ocorreu a partir do compartilhamento de um tweet por indivíduos que se identificaram com a causa.
Dessa maneira, a rede social também desempenha um papel fundamental na construção da opinião pública e na seleção de temas relevantes. No entanto, com a utilização de algoritmos — sequências de instruções que visam um determinado objetivo — o Twitter se tornou capaz de direcionar aos usuários os assuntos que mais os interessam, contribuindo, por consequência, para a formação de “bolhas sociais”, onde o indivíduo interage apenas com pessoas que compartilham a mesma ideologia.
Em contrapartida, essa dinâmica contribuiu para o crescimento de grupos extremistas dentro da plataforma, que se viu obrigada a desativar e banir perfis de usuários que infringem suas diretrizes ao incentivar a violência, o preconceito e a desinformação. Sob essa ótica, surgiu a ideia da compra de Elon Musk, baseada na alegação de que as medidas tomadas pelo Twitter limitam a “liberdade de expressão” dos usuários. Além disso, o bilionário estava ciente do poder de atuação das big techs - grandes empresas que exercem domínio no mercado de tecnologia e inovação - nas mais diversas áreas.
Desde a aquisição do Twitter por Musk, a plataforma passou por uma série de transformações, como a mudança de nome para “X”, a retirada do selo de verificação — importante ferramenta utilizada por jornais e celebridades para evitar contas falsas — e a limitação de recursos antes gratuitos, como a publicação de tweets, a fim de que os usuários pagassem pela sua utilização. Além disso, ele ameaçou desbloquear perfis que reafirmam ideologias extremistas. Nesse cenário, a plataforma se consolidou como a principal disseminadora de fake news e o principal local de encontro dos indivíduos da extrema direita, como Donald Trump, Jair Bolsonaro e seus aliados.
Diante de permanentes ataques a autoridades e instituições brasileiras, a rede que possui cerca de 22 milhões de usuários no Brasil, foi bloqueada no dia 31 de agosto após uma série de embates entre Elon Musk, dono da rede, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Os conflitos começaram quando Musk se recusou a bloquear perfis antidemocráticos e criminosos investigados pelo STF, alegando que Moraes estaria praticando censura e indo contra a liberdade de expressão. No dia 17 de agosto, Elon decidiu fechar o escritório do X no Brasil, uma vez que foi intimado a pagar uma multa de R$ 22 mil por desrespeitar ordens judiciais. A ausência de um representante legal no Brasil foi o estopim para que Moraes determinasse a suspensão da plataforma.
Consolidada a suspensão da plataforma, Musk demonstrou convicção de que o bloqueio causaria uma grande revolta entre os brasileiros e até sugeriu o uso de VPNs (Redes Privadas Virtuais), para acessar a rede social, o que se configuraria como desobediência civil . Não deu certo - seja porque as pessoas simplesmente optaram por sair de um ambiente de clara manipulação da opinião pública, seja pela simples ignorância digital dos usuários, que ignoram a existência de VPNs. No final das contas, a conclusão a que se chega é que quem sentiu mais com o bloqueio da rede foi o próprio dono e não tanto os usuários, haja vista que ele recuou e aceitou as exigências feitas pelo STF por dois supostos motivos: econômico e de relevância.
O conflito entre Musk e Moraes acabou afetando os negócios do bilionário, como é o caso da Starlink, companhia de internet via satélite, que teve suas contas bancárias bloqueadas no Brasil para garantir o pagamento das multas impostas ao X pelos descumprimentos de ordens judiciais. A Starlink é fornecedora de importantes órgãos públicos federais, como o Exército e a Marinha, além da Petrobrás. Segundo a Anatel, em julho deste ano, a empresa assumiu a liderança no mercado de internet via satélite no Brasil, visto que sua tecnologia se mostrou acessível e eficiente, chegando a áreas consideradas remotas, como na Amazônia. Dada a relevância e a influência que a empresa possui, o fato de Musk ter arrastado seus negócios para uma briga pessoal e um tanto ideológica desagradou os acionistas.
Contudo, não foi só a esfera econômica que pesou para o bilionário. De acordo com o economista Roberto Kanter, da FGV, o X no Brasil tem mais valor do ponto de vista simbólico para os empreendimentos de Musk do que no âmbito econômico. A plataforma é muito utilizada por influenciadores e formadores de opinião; além disso, a legião de fãs brasileiros é significativa para movimentar e engajar a rede.
O advogado Ronaldo Lemos, em entrevista ao podcast Café da Manhã, também concorda que o recuo de Elon Musk foi mais pela falta de engajamento dos brasileiros do que por fins monetários. Ronaldo comenta que o objetivo do bilionário nunca foi ganhar dinheiro com a plataforma, visto que ele a comprou por um valor muito maior do que realmente valia. O que importa para Musk é a relevância. Assim, ao perceber que essa relevância estava sendo perdida no Brasil e que os usuários estavam migrando para outras redes, isso o deixou ideologicamente ferido e ele cedeu. Afinal, o bilionário não é a última bolacha do pacote e a sociedade é adepta a mudanças.
Por fim, a transformação do X e o poder que ele representa evidenciam a importância da regulamentação das big techs. visto que, sem o cumprimento das normas e leis adequadas, essas empresas possuem o poder de influenciar as decisões políticas e sociais de um país sem serem responsabilizadas e penalizadas. Além disso, a plataforma,considerada palco de disseminação de fake news por parte da extrema direita, durante a sua suspensão teve a velocidade de propagação dessas notícias reduzida possibilitando que os jornalistas interviessem antes que os conteúdos se espalhassem, afirmou a diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (Netlab), Marie Santin, em entrevista à Agência Pública, jornalismo investigativo independente. Logo, a situação revela a contribuição da rede social para a desinformação, além de refletir as dificuldades no qual os veículos de comunicação enfrentam para conter os rumores. Pensando nisso, como você percebe o impacto das redes na sociedade ?