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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Racismo, eurocentrismo e o lugar de Vinícius Júnior

O que revela o resultado do Bola de Ouro deste ano sobre as persistentes manifestações do imperialismo

Por Giovanna Mota

Ballon d’or, a Bola de ouro, como é conhecida, é uma das maiores premiações individuais no mundo do futebol. Criada pela revista francesa France Football, ela contempla o melhor jogador da temporada desde 1956. Neste ano de 2024, o nome mais cotado a vencer era o brasileiro Vinícius Júnior O espanhol Rodri, um aplicado, mas não brilhante, volante do clube inglês Manchester City, porém, foi indicado como o jogador do ano, deixando o segundo lugar para o brasileiro.

Seria natural que o resultado provocasse reações acaloradas, especialmente de brasileiros - mas o resultado parece revelar algo mal escondido: a tentativa de aplicar uma lição de moral no “indisciplinado” Vinícius parece esconder a arrogância típica dos colonizadores e, pior, o racismo contra o qual o jogador brasileiro se insurgiu.

Desde que chegou ao Real Madrid, Vinícius é vítima de atos racistas, tanto nas atitudes de parte da torcida quanto em episódios de preconceito racial explícito em estádios e na mídia. A constante exposição do jogador, apesar de seu talento e conquistas, coloca em xeque a maneira como a sociedade europeia trata os atletas negros, especialmente aqueles da América Latina e da África. O destaque de Vinícius Júnior no futebol europeu, com suas vitórias e habilidades excepcionais, contrasta com a resistência que ele enfrenta devido ao racismo, o que revela um sistema que muitas vezes marginaliza e diminui a importância de figuras negras, mesmo quando elas são protagonistas.

O fato de Vinícius Júnior se posicionar contra o racismo, tanto em campo quanto fora dele, também parece ter contribuído para o fato de ele não ter conquistado a Bola de Ouro. O jogador, que constantemente denuncia os abusos racistas a que é submetido, tanto nas redes sociais quanto nas arenas, desafia uma narrativa eurocêntrica que tenta manter a ideia de que os atletas de fora da Europa devem se "encaixar" nas normas europeias, sem questionar ou se opor às injustiças que sofrem.

O eurocentrismo também se reflete nas expectativas culturais impostas aos jogadores, especialmente os de origens latinas ou africanas. No caso de Vinícius Júnior, seu comportamento espontâneo e expressivo em campo – como dançar ao marcar gols ou tirar a camisa para celebrar – é frequentemente visto com preconceito por parte da mídia e das torcidas europeias, que tendem a valorizar um estilo mais “contido e disciplinado". Esses gestos, comuns em várias culturas latino-americanas, muitas vezes são estigmatizados no futebol europeu, onde há uma tendência a não aceitar comportamentos que escapam ao "padrão europeu”, refletindo um duplo padrão que privilegia atletas de origens continentais brancas e eurocêntricas.

Com a notícia de que Vinícius não iria ganhar a bola de ouro, o Real Madrid, o time do jogador e também um dos maiores times do mundo decidiu não ir à cerimônia e nem levar nenhum representante, mesmo ganhando os prêmios de melhor time, artilheiro e melhor treinador da temporada.

Essa atitude do Real Madrid e principalmente do Vini Jr. foi repercutida pelo jornalista e ex-apresentador brasileiro Thiago Leifert: “Deveria ter ido, com o peito estufado, olhar no olho dos jornalistas que não votaram em você, receber o carinho. Se você tivesse ido, seria o campeão moral. Teria sido absurdamente legal se você tivesse ido. O Rodri não tem culpa, acabou sendo um pouco ferido pelos fatos. Não tem culpa nenhuma. Você deveria ter ido, Vini. Para você ser levado nos braços do povo. Perdeu a oportunidade de ter essa imagem”.

Leifert recebeu as devidas críticas sobre como um homem branco não deve ensinar um homem pretocomo reagir a casos de racismo. Um dos comentários foi do ator Bruno Gagliasso, ator branco, como Leifert, mas que, por se notabilizar por ter filhos pretos, tem sofrido, ainda que indiretamente, com o racismo. Sobre Vinícius Júnior, Gagliasso escreveu: “Ele venceu porque a sua ausência é mais eloquente do que qualquer presença naquele evento. Ele venceu porque fez o mundo inteiro olhar para uma brutal tentativa de apagamento.”

A ausência de Vinícius Júnior na cerimônia da Bola de Ouro 2024 não só evidencia sua resistência ao racismo, mas também provoca uma profunda reflexão sobre as injustiças enfrentadas pelos atletas negros no futebol europeu. A sua decisão de não comparecer, em protesto contra um sistema que muitas vezes marginaliza e menospreza as suas realizações, ressoa mais alto do que qualquer cerimónia de entrega de prémios. A reação dos meios de comunicação social e a defesa das suas posições por figuras públicas sublinham a urgência de um diálogo sobre o racismo e o eurocentrismo que persistem nos atos, apesar de todo esforço civilizatório apregoado pelos europeus aos bárbaros e selvagens.
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domingo, 2 de julho de 2023

Dois pesos, duas medidas: a cobertura midiática diante do submarino de bilionários e do navio de imigrantes

 Por Laís Abreu 


Por que a imprensa liga mais para a viagem de luxo de ricos do que para os refugiados no mediterrâneo? 


Nos últimos dias, o mundo vivenciou o desaparecimento do submarino Titan, que carregava quatro passageiros e um piloto em uma viagem turística  em direção ao fundo do mar para observar os escombros do Titanic. No entanto, o que nos choca aqui no Pluris é que, uma semana antes, 78 imigrantes oriundos de Afeganistão e Paquistão morreram em um acidente com um pesqueiro no Mediterrâneo. Eles tentavam fugir do Talibã e do Daesh em busca de uma nova vida na Europa. Segundo investigações, foram vítimas de negligência do estado grego, que demorou para agir no resgate. 

É claro que a inusitada história do submarino fez com que o público clicasse com voracidade nas matérias: as condições eram péssimas, a viagem custou uma fortuna (US$ 250 mil ou R$ 1,2 mi por cabeça) e seus passageiros eram bilionários. Na mídia, houve até contagem regressiva em relação a quantidade de oxigênio, que se reduzia conforme os dias iam passando. Para as buscas, foram mobilizados aviões, barcos, satélites e submarinos. Após o tempo esgotado, a Guarda Costeira americana informou que foram encontrados fragmentos do submersível, depois de ocorrer uma implosão. 

É importante observar, contudo, que dias antes os mesmos meios de comunicação que correram para essa divulgação não cumpriram o seu papel de alerta e de pressão sobre o governo, quando centenas de imigrantes desesperados enviavam mensagens SMS como pedido de socorro. Embora fosse possível salvá-los do afogamento, as autoridades deixaram-nos propositalmente findar no mar.

O que nos assusta é a profundidade e relevância dada a momentos como esses, em que a comunicação tende a visibilizar atitudes insanas em detrimento de outras notícias. Desde 2016, essas cenas de refugiados se tornaram cada vez mais comuns na costa do Mediterrâneo. Porém, isso não ganha tanta atenção na imprensa dos EUA e na imprensa brasileira.

Na era dos caça-cliques, os portais de notícia preferiram dar mais informações sobre quem eram os milionários que estavam a bordo do submarino, detalhes sobre como era feita a viagem, além de uma cobertura diária dos esforços de resgate. No caso do barco dos migrantes, não foram feitos perfis dos sobreviventes ou sequer foram divulgadas as nacionalidades daquelas pessoas. 

Os questionamentos são inúmeros: como a morte de imigrantes no fundo do mar se tornou tão corriqueira para o jornalismo? Por que tudo isso merece menos atenção? A vida dos refugiados vale menos que a vida dos turistas bilionários? Essa disparidade de atenção diz muito sobre nossa imprensa e nosso público que a consome.

Não estamos aqui para dizer que não se deveria falar sobre o submarino, mas sim que a atenção aos refugiados deveria ser, no mínimo, a mesma. Como respostas, sabemos que existem diversos fatores que influenciam nessa dinâmica: o racismo, o orientalismo e o próprio discurso anti-imigração que se tornou padrão nos países do primeiro mundo. E, infelizmente, a imprensa brasileira se espelha na imprensa desses mesmos países para fazer sua cobertura. 

É preciso acabar com essa política de dois pesos, duas medidas. É preciso socorrer a todos, noticiar, promover empatia e respeito. Para os imigrantes, apenas condições forçadas. Para os bilionários, escolhas de luxo. No fim, só cabe a nós questionarmos: Quantos refugiados lançados ao mar num navio poderiam ser salvos, com bilhões também lançados ao mesmo mar dentro de um submersível?  

A desigualdade grita. A vida é injusta. O jornalismo também tem sido. E a conclusão que temos é que morrer no mar é sempre aterrorizante e frio. 


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quarta-feira, 28 de junho de 2023

Um Deus do ódio

 O uso perverso da fé cristã como ferramenta de preconceito, intolerância e incentivo à violência contra minorias

Por Paulo Henrique Lima,

“Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor é de Deus; e todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor." - 1 João 4:7-8 (Bíblia Sagrada) 

Assim como nesta passagem, é ensinado na religião cristã a presença de um forte Deus onipresente, onisciente, onipotente, bondoso e misericordioso. Entretanto, a religião se mostra rendida aos dogmas adquiridos como princípios e práticas irrefutáveis dentro da fé. Estes dogmas desempenham um papel importante na definição da identidade e coesão de uma religião ou igreja, fornecendo limites para a crença e a prática. Eles são frequentemente formulados e proclamados por autoridades religiosas com verdades inquestionáveis, destinadas a serem mantidas pelos fiéis.

Recentemente, o pastor André Valadão, líder da Lagoinha Orlando Church, fez publicações de cunho preconceituoso nas redes sociais. No dia 4 de junho, o pastor publicou um post que dizia “Deus odeia o orgulho”, a palavra orgulho em cores da bandeira LGBTQIA+. Não é por coincidência que o pastor escolheu o mês considerado do Orgulho LGBTQIA+ para fazer a publicação de duplo sentido com a palavra “orgulho”. Em um dos trechos deste culto, o pastor diz que junho seria um mês da humilhação, devido ao pecado, e pecado gera humilhação e vergonha. O mesmo diz que os fiéis, presentes no culto, não seriam dominados pelo pecado pois estariam debaixo da graça. Na pregação, é citado o versículo 1 João 1:9Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça.

Mas o que seria o pecado para eles? O que realmente agrada ou desagrada a esse Deus que odeia? Como esse discurso baseado na ira de um Deus sob a vida do que alguns julgam como abominação reflete na política do ódio polarizado na sociedade? Esses discursos vão além de uma interpretação. Essas crenças e princípios estabelecidos com base nos textos sagrados e tradicionais são rigidamente mantidos e não há espaços para questionamentos ou interpretações contextualizadas, de que surgem os preconceitos radicais. Embora a religião possa desempenhar um papel positivo na vida das pessoas, fornecendo orientação moral e espiritual, é importante reconhecer que os dogmas, quando mal interpretados ou aplicados de maneira extremista, podem ter consequências negativas.

Como exemplo do pastor André Valadão compartilhando frequentemente postagens homofóbicas, além de incentivar as tags “nopride” e “orgulhonao”, contribuindo para a marginalização de certos grupos sociais. São considerados como “pecadores” ou “inferiores” àqueles que não vivem da maneira estabelecida pela comunidade religiosa. Esses preconceitos baseados nas crenças e tradições contribuem ainda mais para a negação dos direitos e dignidade desses grupos na sociedade. As pregações se tornam ferramentas para a promoção de políticas de ódio. Líderes, que ainda têm a sua parcela significativa de influência na opinião pública, são capazes de moldar as políticas com base em preceitos religiosos inflexíveis para restringir a liberdade individual, promover a exclusão e fomentar divisões sociais.


Em tempos de incertezas, conflitos e desafios, a sociedade frequentemente procura respostas e orientações para encontrar um sentido maior em suas vidas. Nesse contexto, é comum que essas instituições religiosas assumam um papel de destaque, oferecendo direção espiritual e esperança para os seguidores. No entanto, essa influência se torna perigosa quando se reflete sobre a fragilidade inerente à sociedade que leva muitos a se apoiarem exclusivamente na palavra que se encontra dentro das igrejas. 

As questões sociais, econômicas e políticas têm impactos significativos no bem-estar das pessoas, gerando ansiedade, medo e desesperança. Nesse cenário, é compreensível que muitos indivíduos busquem refúgio nos templos e igrejas, esperando encontrar respostas e conforto emocional. Aí encontra-se o perigo do poder de alguns líderes. Enquanto alguns são verdadeiros guias espirituais, comprometidos com os princípios do amor, compaixão e justiça, outros podem abusar de seu poder, manipulando a fé das pessoas em benefício de suas próprias crenças.  

A adoração cega a esses líderes pode resultar em consequências negativas, como a disseminação do ódio e intolerância, em vez de promover a verdadeira paz e harmonia. Afinal, como Deus seria amor se ele odiasse? O amor é capaz de odiar? A dependência excessiva da esperança oferecida pelas igrejas pode limitar a capacidade das pessoas de enfrentarem os desafios da vida de forma independente ou construtiva.

Ao transferir toda a responsabilidade para pastores ou outros guias espirituais, corre-se o risco de negligenciar a importância da ação individual e coletiva na construção de uma sociedade mais justa e empática. Questionar a influência dos líderes dessas instituições não significa negar a importância da fé e da esperança encontradas nas igrejas. No entanto, é fundamental adotar uma abordagem crítica, buscando um equilíbrio saudável entre a confiança em verdadeiros chefes cristãos e o desenvolvimento de uma autonomia pessoal. A sociedade precisa reconhecer sua própria força e capacidade de agir para promover mudanças positivas.  

Líderes como André Valadão reconhecem o seu poder de influência sob os demais fiéis e se aproveitam do espaço público para promover mais ódio a essas classes sociais. Propagando a palavra de um Deus odioso, uma mensagem que foca em presumidos desvios, pecados e que julga os demais cidadãos que não se sustentam em uma crença baseada na ideia de “nós, cristãos, estamos debaixo da graça, santificados, contra eles, pecadores e abominados pelo nosso Deus” - uma mensagem assim não apenas propaga o ódio, não é apenas contra a vida: ela mata!

Vale lembrar que André Valadão já foi acusado outras vezes de propagar informações falsas contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E o mesmo se retratou na internet mentindo, mais uma vez, dizendo que o TSE o havia intimado a negar que Lula seja a favor do aborto e da descriminalização das drogas. Na época, a corte negou a existência da decisão. Entretanto, o pastor usou da narrativa de “perseguido”, com imagens gravadas em um fundo escuro, roupa preta, para transparecer a ideia de que estava sendo silenciado ou forçado a se retratar. O vídeo em questão acumula mais de 15 milhões de reproduções. 

É fundamental compreender que os dogmas religiosos podem e devem ser interpretados de maneira contextualizada, levando em consideração a evolução social, os avanços científicos e a compreensão cada vez mais ampla dos direitos humanos. Uma interpretação aberta, inclusiva e compassiva dos preceitos religiosos pode permitir que eles sejam fonte de inspiração e bem-estar espiritual, ao mesmo tempo em que respeitam a diversidade e promovem a coexistência pacífica. 

É importante destacar que nem todos os fiéis praticantes adotam uma visão dogmática inflexível. Muitos seguidores de diferentes religiões têm uma compreensão mais inclusiva e progressista de suas crenças, buscando conciliar sua fé com o respeito pelos direitos e a valorização da diversidade humana. Para evitar que a doutrina religiosa se transforme em preconceitos e políticas de ódio, é necessário promover o diálogo inter-religioso, a educação para a tolerância e o respeito mútuo. É fundamental encorajar a reflexão crítica, a abertura ao conhecimento e o reconhecimento dos valores fundamentais dos direitos humanos.



 


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quarta-feira, 24 de maio de 2023

Linha Direta: a volta dos que não foram

De volta à grade de programação, o Linha Direta da TV Globo joga luz sobre a responsabilidade da cobertura midiática em casos sensíveis que envolvem violência pública 

Por Vitória Martins

O Linha Direta foi ao ar pela primeira vez no dia 29 de maio de 1990, apresentado pelo jornalista e político Hélio Costa. Porém o programa deixou de ser exibido no mesmo ano, retornando, em 1999, sob comando de Marcelo Rezende e, na sequência, Domingos Meirelles, em 2000, ficando no ar até dezembro de 2007. O programa retorna agora, em 2023, sob a batuta de Pedro Bial, o primeiro apresentador do Big Brother Brasil.

O programa se dedicava a produção de matérias jornalísticas de cunho sensacionalista (mas travestida de investigação), se unindo em uma narrativa com reportagem, entrevista e simulações dos casos policiais ou jurídicos  mais famosos no Brasil. Entre críticas, por seu tom de criminalização, o show true crime foi muitas vezes aclamado após contribuir para solução de casos e prisão de foragidos depois de denúncias anônimas ao programa.

Na temporada 2023, a promessa é de que serão exibidos episódios todas as semanas, porém cada episódio tem propósito em relembrar os principais casos contando melhor os fatos através de entrevistas com especialistas, vítimas e sobreviventes dos casos e simulações, bem próximo à linha que seguiam no princípio.

O primeiro episódio do programa chamou atenção do público ao relembrar o caso Eloá, no qual uma adolescente de 15 anos foi sequestrada e assassinada por seu ex-namorado. A abordagem do programa foi surpreendente: Pedro Bial expõe como a interferência dos veículos de mídia atrapalhou nas ações policiais do crime e reforça que ela foi uma das milhares de vítimas de feminicídio.

O ponto positivo desse reexibição é poder trazer reflexões atuais aos telespectadores como a violência contra as mulheres, gerando impacto sobre a sociedade sob um novo olhar, tentando reconstruir a narrativa e incentivar as denúncias contra violência doméstica.

Entretanto, nem tudo são flores: o show true crime retoma os erros tanto da mídia quanto da polícia em relação ao caso, ponderando se o fim trágico poderia ter sido diferente se houvesse seriedade e responsabilidade entre ambos.

Desde o primeiro acontecimento até a morte da jovem os veículos de comunicação estavam por perto feito abutres. Isto foi inegavelmente o pior erro de todo o caso. Durante todas as horas do sequestro, eram reportados em rede nacional os passos da polícia, quais foram as negociações ao assassino, as imagens fortes de Eloá na janela pegando a comida com arma apontada para cabeça. Ao todo, foram mais de 100h de transmissão ao vivo pela TV e mais uma infinidade de programas e quadros e coberturas sobre o caso.

O Antônio Nobre Salgado, o promotor do caso, entrevistado pelo Linha Direta, vai direto ao ponto: uma conversa ao vivo de Lindemberg, o ex-namorado e assassino da adolescente, com a apresentadora Sônia Abrão, notória fofoqueira das tardes na TV brasileira,. foi decisiva para que o assassino tomasse pé do impacto que seu ato tinha na opinião pública. A paritir daí, a negociação que vinha sendo mantida pelas autoridades policiais sofre uma regressão, até o acontecimento culminante do assassinato, transmitido ao vivo.

O promotor, todavia, também não isenta a própria abordagem policial, que deveria, segundo Antônio Nobre, ter limitado o acesso de jornalistas e mídia na cena dos acontecimentos.

O fato de Linha Direta ter retornado com uma abordagem crítica à cobertura da mídia em casos do tipo são uma boa notícia. Se será fiel a essa escolha e não sucumbirá ao sensacionalismo desde sempre presente em programas diários dos concorrentes, só o tempo dirá.


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Entre fatos e afetos

 Por Paulo Lima

A exigência de objetividade no exercício do jornalismo não significa abrir mão da empatia

A presença da subjetividade em textos jornalísticos é um tema controverso. Tradicionalmente, o jornalismo tem como objetivo principal captar informações e reportá-las de forma imparcial (ou equidistante) e baseada em e exclusivamente em fatos. Essa abordagem visa a garantir a confiabilidade e reforçar a autoridade pública de que o jornalista se limitou (ou ao menos se esforçou ao máximo)  a tratar dos fatos, e não de opinião sobre eles. 

A objetividade, por isso mesmo, se torna um valor inegociável para o exercício do jornalismo, a fim de que, na tarefa de informar, os jornalistas evitem manipular a opinião pública com interesses, na maioria das vezes invisíveis nos relatos. No entanto, essa busca pela objetividade se mecaniza a tal ponto que ela é confundida com falta de compaixão, de empatia mínima, o que pode impactar a forma como certos eventos são considerados. Ainda que essa abordagem tenha suas vantagens ao evitar o sensacionalismo e fornecer informações encorajadas e fundamentadas.

É necessário reconhecer, todavia, uma obviedade, há muito revelada nos cursos de Jornalismo, mas que não deixa de atormentar estudantes, professores e, em boa medida, profissionais:  a objetividade é um ato difícil de alcançar. Os jornalistas são seres sociais, com interesses e paixões próprias, e suas experiências, valores e perspectivas pessoais influenciam seu trabalho, mesmo que de forma imperceptível a eles. Além disso, a seleção de quais histórias serão cobertas e como elas serão abordadas também envolve certo grau de subjetividade.

Quando se trata de eventos trágicos, como a morte da cantora Marília Mendonça, a cobertura jornalística geralmente se concentra em fornecer informações básicas, como a confirmação do falecimento, detalhes sobre as circunstâncias da morte e reações de fãs e colegas. Nesses casos, a subjetividade é geralmente ofuscada, pois o objetivo principal seria transmitir os fatos de maneira clara e objetiva. É importante notar que, em casos de figuras públicas, a morte pode levar a discussões mais amplas sobre seu legado, impacto cultural e contribuições para a sociedade. Nesses momentos, é natural que os jornalistas expressem suas opiniões e interpretem pessoalmente em artigos de opinião ou análises mais aprofundadas. Nesses casos, a subjetividade é esperada e pode ser valorizada pelos leitores que buscam uma reflexão mais ampla sobre o significado daquela pessoa e seu trabalho - e no pacto de leitura, o consumidor não espera um tratamento “objetivo” dos fatos e reconhece a validade da opinião, que pode ou não ser aceita como relevante.

No caso da morte da cantora Marília Mendonça, a falta de subjetividade em textos jornalísticos pode se manifestar na forma como a notícia é apresentada. O foco principal seria fornecer informações precisas sobre a morte da cantora, como local, causa e possíveis repercussões, mas muitas vezes isso ocorre sem a exploração da dimensão emocional e cultural do evento.


A ausência de subjetividade pode resultar em uma cobertura jornalística que não capta completamente o impacto emocional que a morte de uma figura pública como Marília Mendonça pode ter na sociedade e na comunidade de fãs. Ao não explorar a história pessoal da cantora, suas contribuições para a música e a conexão que ela tinha com seus fãs, o texto jornalístico pode parecer frio e distante. Marília já fazia críticas ao método de trabalho insensível da imprensa.

Quando ocorreu sua morte, alguns veículos violaram a artista de diversas formas, como se levasse em consideração apenas as remunerações que aquilo poderia gerar. O ato de engajar, de cobrir e noticiar a fatalidade trouxe à tona uma onda de notícias falsas a seu respeito. Houve ausência de sensibilidade em todos os processos. Ao serem vazadas, recentemente, arquivos do IML, a família foi desrespeitada. A produção dessa objetividade compulsória cria a notícia como um fator mercadoria, isentando o respeito e sensibilidade no trabalho. Tendo em vista que isso propicia o compartilhamento em massa de conteúdos inverídicos, consequentemente, ocorre a falta de reflexão por parte do leitor.


Para encontrar uma análise mais subjetiva da morte de Marília Mendonça e sua importância, é comum acompanhar outros tipos de mídia, como reportagens especiais, documentários ou artigos de opinião. Esses formatos oferecem espaço para explorar as emoções, o legado e o impacto cultural da cantora, bem como as reações de seus fãs. Apesar de contar com o apoio de outras formas de mídia para explorar a profundidade do caso, os textos jornalísticos por vezes necessitam dessa cobertura subjetiva.

A morte de uma celebridade, como Marília Mendonça, é um evento impactante para muitas pessoas e, naturalmente, desperta emoções e sentimentos na sociedade. Nessas situações, a falta da subjetividade nos textos jornalísticos pode ser percebida como uma desconexão com a realidade das pessoas que estão emocionalmente envolvidas. Ao abordar a morte de uma personalidade, é importante que os jornalistas considerem a sensibilidade do assunto e busquem um equilíbrio entre a neutralidade e a empatia. Embora seja necessário relatar os fatos relevantes e fornecer informações precisas sobre as circunstâncias da morte, é igualmente importante reconhecer o impacto emocional que a perda pode ter na vida de fãs, amigos e familiares.

Uma abordagem jornalística mais afetiva e empática poderia incluir entrevistas com fãs, colegas de trabalho ou pessoas próximas à cantora, que podem compartilhar suas experiências pessoais e os sentimentos despertados pela perda. Isso ajuda a humanizar a notícia e a criar uma conexão mais profunda com o público. Além disso, é válido ressaltar que a falta de subjetividade em textos jornalísticos não é exclusiva em casos de morte de celebridades, mas pode se estender a outros assuntos. A objetividade é importante para evitar a transmissão de informações falsas e garantir a imparcialidade, mas os jornalistas também devem ser conscientes da necessidade de compreender o contexto social, cultural e emocional que envolve as notícias que estão relatando.

De fato, a falta da subjetividade no jornalismo pode distanciar o público do conteúdo, especialmente em casos sensíveis como a morte de uma figura pública. Os profissionais devem considerar a importância de uma abordagem sensível e humanitária, que possa reconhecer e compreender as emoções e experiências das pessoas envolvidas, sem comprometer a busca pela veracidade dos fatos.


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quinta-feira, 4 de maio de 2023

Qual é o mundo que nós, jornalistas, transmitimos para os nossos leitores?

 Por Ana Laura Correa,

Muitos jornalistas se gabam de exercer um jornalismo que é o espelho do real. Mas é preciso questionar qual é esse real que transmitimos para os nossos leitores.


Se a matéria-prima do jornalismo são os fatos cotidianos, é preciso estudar e entender sobre a complexidade do mundo para que possamos reportá-los bem para os nossos leitores.


Não trabalhamos aqui, de forma alguma, com a perspectiva de que devemos noticiar os fatos a partir de uma pretensa objetividade. Ao contrário, consideramos que devemos inserir os acontecimentos em uma grande rede de significados.


Afinal, os homicídios registrados em razão das drogas não são um mero acaso sem explicação. As cadeias lotadas também não. A falta de recursos para a saúde e a educação pública não são fatos isolados, mas estão presentes em uma rede que quer, efetivamente, que isso aconteça.


E nesse cenário, você, jornalista, tem bases sólidas para informar considerando todo esse contexto? Ou tem, pelo menos, procurado estabelecer uma base de conhecimento para que possa se dirigir ao seu público?


Depois de formado, você fez a leitura de livros, monografias, dissertações e teses que abordam a atividade jornalística e o seu fazer, além do funcionamento da nossa sociedade? Afinal, o mundo muda a todo instante e o conhecimento é fundamental para que saibamos agir melhor frente às mudanças. Somos profissionais jornalistas que, assim como médicos, advogados, precisam se atualizar para exercer bem a nossa função.


E exercer bem a nossa função não significa simplesmente aprender as mais novas técnicas de marketing, SEO, uso de palavras-chave. É bem mais complexo. É preciso ir além da técnica e trabalhar a leitura de mundo, das desigualdades tão presentes nas notícias que damos todos os dias.


Um exemplo: o Brasil figura entre os maiores produtores de alimento do mundo, mas ainda assim os preços nos supermercados seguem cada dia mais altos, e o número de pessoas passando fome também. O que explica?


Se não soubermos o que explica, o que temos são notícias soltas sem significado que formam leitores que sabem fatos isolados, mas não compreendem o todo, de modo que todo mundo sabe que muita gente passa fome, mas por que passam fome? Como acabar com a fome?


O papel do jornalista é central para trabalhar essas e outras diversas questões. É preciso entender o mundo para noticiar o mundo. Como anda o seu conhecimento de mundo?

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Jornalismo e SEO: uma combinação perigosa

 Por Ana Laura Correa, 

Há algum tempo têm se popularizado os cursos que ensinam SEO para jornalistas e tem se tornado mais notório, também, o uso desses recursos em textos jornalísticos. O SEO engloba um conjunto de práticas que buscam posicionar bem os conteúdos entre os resultados dos mecanismos de buscas, como o Google, por meio, por exemplo, do uso de palavras-chave nos textos.


Por um lado, o uso dessas ferramentas possibilita maior rentabilidade aos veículos on-line. Afinal, são fontes de mais acessos e receitas para esses veículos, já tão precarizados. No entanto, por outro lado, é preciso refletir sobre o uso dessas ferramentas no jornalismo.


Isso porque a atividade jornalística, em sua essência, tem métodos próprios, como a pirâmide invertida, ou a pirâmide "normal", assentada sobre a base, da qual fala Adelmo Genro Filho, que trazem o lead no primeiro parágrafo e o desenvolvimento dos textos segundo os princípios de clareza e simplicidade da narrativa factual.


Além disso, a escolha das pautas e o seu desenvolvimento deveria - em tese - se guiar pelo interesse público, que engloba principalmente a defesa dos direitos fundamentais. Isso é bem diferente da busca por cliques que pode nortear as pautas do jornalismo SEO.


É preciso refletir se, enquanto jornalistas, queremos reforçar um padrão de leitores que busca apenas palavras-chave em nossos textos. Ou se é possível, e em que medida, conjugar técnicas de marketing com o jornalismo, atividades tão distintas, sem que haja perdas expressivas para a descrição do mundo e da sua complexidade.

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sábado, 15 de abril de 2023

O efeito contágio e a divulgação midiática da violência em escolas

Por Lais Abreu

Grandes jornais brasileiros adotam novas políticas de coberturas de massacres



Segundo a programação do Observatório Pluris, minha pauta desta semana seria outra -  mas é preciso falar sobre a onda de massacres em escolas brasileiras e o quanto a mídia pode influenciar nisso. 


Na manhã de quarta-feira (05), um homem de 25 anos invadiu uma creche em Blumenau e deixou quatro crianças mortas. O homem foi preso, mas o que nos traz a essa pauta hoje é que o ataque ocorreu  menos de dez dias após uma escola em São Paulo ser alvo de um aluno que matou a professora com golpes de faca e deixou outras três feridas, além de um estudante.


Um lugar que era para ser um local de segurança e acolhimento tem sido sinônimo de pânico e medo no país. Desde 2011, mais de 10 escolas foram atacadas por criminosos no Brasil. Tudo isso nos leva a questionar sobre a influência da mídia nestes momentos. Como jornalistas deveríamos noticiar uma notícia tão dolorosa? Entre a dor dos pais, parentes, professores e o sensacionalismo brasileiro, nos perguntamos qual a melhor forma de fazer jornalismo diante da morte de crianças. 


De fato, com toda a tristeza da perda e do terrorismo, estudos vêm sendo feitos sobre a forma que a mídia retrata ataques como o de Blumenau. É entendido, cada vez mais, que a imprensa neste momento deve não só informar, mas como também amenizar o “efeito contágio”.  Logo após o ocorrido e a grande cobertura midiática em cima desses acontecimentos, o Estado de S Paulo emitiu uma nota sobre sua decisão de não divulgar imagem e nome do terrorista. O ato foi seguido pelo jornalismo do Grupo Globo.


Para nós, jornalistas, um grande exemplo a ser seguido. Embora saibamos que alguns veículos ainda irão propagar o sensacionalismo em busca de audiência, é necessário lutarmos cada vez mais pelo apaziguamento, lutar pela dor das mães, dos pais e pela paz das crianças. Dar detalhes sobre a agressão, descrever passo a passo, mostrar nome e imagem dos autores, é dar a fama que o assassino tanto quer, criando um processo de “santificação”, tornando-o um grande espelho para aqueles que pretendem fazer o mesmo. 


Além disso, as coberturas extensas sobre os massacres, o questionamento sobre o que levou o autor a cometer o crime, a exposição da vida do mesmo, podem influenciar diretamente jovens e adolescentes também. Por isso, é importante que a mídia reconheça seu papel e siga em busca de empatia e melhorias. Diminuir o tempo de cobertura, evitar chamadas ao vivo com pessoas envolvidas, se atentar às manchetes sensacionalistas que divulgam o número de mortos. Para as mídias onlines também é preciso mudanças, é importante também restringir os comentários, para que não propague opiniões que possam afetar o próximo. 


Embora a curiosidade da população seja grande, embora venha um consolo em forma de egoísmo com o “Deus me livre disso”, embora a sociedade brasileira ainda esteja acostumada com essa ferida, é preciso mudar. Caco Barcellos disse uma vez, sobre o jornalismo: “Essa é uma profissão que combina com os poetas, por exemplo, com pessoas que gostam de outras pessoas. É fundamental ser apaixonado por gente, senão não dá certo”. Que nós jornalistas sejamos capazes de amar ao próximo, de pensar na inocência de cada criança, na sensibilidade que devemos ter por cada pai, mãe e responsáveis, ainda que nossa vontade seja gritar ao mundo e fazer justiça por essas mesmas pessoas, que saibamos agir da melhor forma por elas. 


Sem propagar o ódio, sem enaltecer o erro, sem dar visibilidade àquilo que machuca. Que saibamos ser apaixonados por gente, assim iremos noticiar com o respeito, acolher com sensibilidade e viver o luto dessas pessoas.




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O machismo na mídia: uma reflexão sobre a parcialidade patriarcal nos veículos de comunicação

 Por Paulo Lima

Recentemente, no reality show mais visto do país, Big Brother Brasil 23, dois participantes foram eliminados pela direção do programa ao mesmo tempo por cometerem crime de assédio dentro da casa contra uma participante mexicana que passava alguns dias na dinâmica brasileira, Dania Mendez. O apresentador do reality, Tadeu Schmit, anunciou a eliminação de Mc Guimê e Cara de Sapato, ao vivo, na noite de quinta-feira, 16/03. 

Desde a noite do dia 15 de março, festa em que aconteceram os momentos de assédio dentro do reality, a pressão sobre os realizadores do programa aumentou. Os comentários gerados nas redes sociais, espectadores pressionando a direção do programa, familiares e parentes dos assediadores sendo pressionados por um posicionamento, e, ainda, o repúdio divulgado dos patrocinadores do reality. É importante citar a influência que a opinião pública gera sobre o BBB, tendo em vista que eles sustentariam a audiência e popularidade do programa. Não há como desconsiderar o que os espectadores apontam e cobram do produto que consomem. A emissora aguardou algumas horas até de fato anunciar uma determinada decisão a respeito do crime ocorrido dentro da casa.



  Arrisco a dizer que se não houvesse a pressão da grande massa envolvida e do patrocínio em jogo, o fato poderia ter passado despercebido, como já aconteceu em outras ocasiões. O participante Pyong Lee também foi muito criticado ao apalpar a bunda de sua concorrente dentro da casa na 20ª edição do reality, e na mesma época, Petrix também foi julgado por, segundo a audiência, “passar do ponto” ao tocar em outra participante daquela mesma edição. Ambos não foram expulsos, sendo só então eliminados pela votação do público em determinados paredões. Por se tratar de uma participante de um outro reality, em outro país, além da opinião dos seus consumidores, a direção do programa, ao eliminar os participantes, se mostra sensível aos humores - indignação ou tolerância - do público consumidor e não uma atitude civilizatória, de real repúdio a atos real ou potencialmente odiosos.


O assunto ficou nos primeiros lugares do Twitter e em páginas de fofoca. O programa “Fofocalizando” foi um dos que participaram ativamente da repercussão do caso. Através disso, estamos acostumados a compreender e consumir uma certa parcialidade vinda de programas jornalísticos de entretenimento e variedades. Mas em certo ponto a opinião do apresentador se torna uma reprodução de algo problemático enraizado na sociedade. 

Léo Dias, apresentador do Fofocalizando, esteve comentando sobre os envolvidos durante o programa. Segundo o jornalista, Lexa, esposa do cantor Mc Guimê, um dos acusados de cometer assédio, não deveria terminar seu casamento pois, segundo ele, “uma passada de mão na bunda não é motivo para terminar um casamento”. 

A fala gerou um incômodo de outro colega apresentador do programa e a situação virou uma leve discussão. O que convém pensarmos é o peso desse discurso em um programa nacional. Sabemos e entendemos que através dos veículos de comunicação os jornalistas tem o papel de contribuir para a manutenção da nossa realidade ou também para reproduzir uma raiz problemática. Léo Dias, branco, em uma posição de privilégio de informação por ser visto por milhões de brasileiros dita a sua opinião a respeito de como uma mulher deve reagir a uma traição ou falta de respeito no casamento.



Percebemos episódios como este sendo reproduzidos frequentemente em nosso cotidiano. Homens que ditam o que mulheres devem ou não fazer, devem ou não usar, como devem ou não se comportar, se vestir homens expondo sua opinião no que diz respeito a decisão de mulheres e os perigos que elas correm de serem violentadas pelos… homens que as “aconselha”. 

Obviamente, por ser uma prática estrutural, isto é, invisível e irrefletida, de modo que não é reconhecida como violência, reflete indiretamente no meio profissional do jornalista, que, por sua vez, ter alcance público para sua voz, reforça posições consolidadas, reiniciando o ciclo de violência.

Ao minimizar uma “mão boba” do participante, Léo Dias não se coloca no ato de sensibilizar com a ideia de influência no espaço que ocupa, em qual discurso ele quer transmitir para milhões de pessoas que estão assistindo. Já percebemos outra falha de ética do mesmo jornalista ao expor erroneamente Klara Castanho em outro momento. A sina de se expor e se posicionar em determinados casos ultrapassa os limites da ética da profissão e influencia na opressão de gênero já vivenciada por muitas mulheres, onde suas decisões são desqualificadas por opiniões de perfis, na maioria, homem, cis, branco e hétero.

Desse modo, profissionais da comunicação precisam de um cuidado redobrado em suas opiniões “sem consequências” - pois elas sempre têm consequências, muitas vezes muito sérias. 

Entender como essa prática atua na audiência através de um posicionamento em um lugar de privilégio. A pressão pública importa, a sociedade sabe falar aquilo que sente. Entretanto, convém refletirmos o real interesse das grandes mídias e profissionais da comunicação em lidar com essas causas sociais, visto que muitos se utilizam de discursos feministas e de igualdade enquanto em seus atos cometem o contrário. 

Não é em vão que a emissora Rede Globo não irá tirar os prêmios dos acusados de assédio, e eles podem aparecer na cerimônia da final do reality desta edição. 




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segunda-feira, 10 de abril de 2023

CENAS DA TRAGICOMÉDIA BRASILEIRA

Participação de Pedro Cardoso na CNN expõe a profunda crise por que passa o jornalismo no Brasil


Por Gilson Raslan Filho


Há alguns dias, circulam nas redes sociais cortes de vídeo da participação, no dia 24 de março, do ator e comediante Pedro Cardoso na filial brasileira da rede de TV fechada CNN. Cardoso, que interpretou o hilário malandro Agostinho Carrara da segunda versão da série A grande família, veiculada por 13 anos, até 2014, na Rede Globo de TV, provocou mal-estar na bancada de jornalistas, escalada para debater os assuntos do dia e que convidou o ator para participar.



As razões para a participação de Pedro Cardoso são um grande mistério – e uma mostra da forma aleatória, para sermos, neste início de reflexão, modestos, com que o jornalismo brasileiro “profissional” tem sido produzido. Esse foi, aliás, um dos muitos problemas abordados pelo ator.



A bancada do CNN Arena discutia havia alguns minutos o plano do grupo de crime organizado PCC para matar autoridades brasileiras, incluindo o ex-juiz e agora senador da República Sérgio Moro. O mediador da bancada então deu a palavra ao ator, que iniciou uma fala articulada e dura, muito dura e metadiscursiva contra o tema, os jornalistas, o canal e sua própria participação como debatedor naquele programa. 

De início, o ator questionou a razão de uma “figura irrelevante” e “desprezível” como Sérgio Moro, alguém que “como juiz, combinou com o acusador” formas de prender uma pessoa – nesse caso o Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Disse ainda que aquele programa, uma “arena de debates”, era uma fraude, pois produzia monólogos autocentrados, nunca debates e, por consequência, “imobilidade do pensamento”.

Os jornalistas, atônitos, chegaram a argumentar que aquela seria apenas uma posição do ator; que, da mesma forma como ele não gostava de Moro ou do ex-presidente Jair Bolsonaro, havia quem não gostasse de Lula. Pedro Cardoso voltou a carga: os fatos não permitem que haja a menor possibilidade de colocar em um mesmo patamar moral e discursivo quem provocou tanto mal à democracia brasileira e quem, mesmo errando, a defende.

Em seguida, questionou a própria participação naquele programa: por que um ator comediante seria convidado para debater temas do cotidiano político brasileiro? Quais seriam as “edições invisíveis” aos telespectadores que construíam discursos da CNN, de seus jornalistas, seus editores e seu proprietário, o bilionário empresário mineiro, notório apoiador de Jair Bolsonaro, Rubens Menin?

Os jornalistas tentaram manter a placidez, mas a analistas mais atentos o estrago já havia sido feito: aquele esforço por igualar o inigualável; aquela luta por estabelecer uma simetria quando os fatos não o permitem só demonstram que o jornalismo autointitulado profissional brasileiro vive uma crise sem precedentes, entre uma falsa deontologia do “dois-ladismos”, a espetacularização e o excesso de opinião, sem necessariamente se basear em fatos, circulante nas redes sociais.

Os fatos, aliás, nos dias que se sucederam, parecem ter dado razão a Pedro Cardoso. 

No dia 24 mesmo, uma das jornalistas mais visadas pelo fascismo então no poder, Vera Magalhães, disse, em sua coluna de O Globo, que Lula se iguala ao pior do bolsonarismo. 

No dia 25, sexta-feira, Sérgio Moro, em sua conta no Twitter, alimentou a suspeita de que o presidente Lula talvez tenha razão quando diz que o tal plano para assassiná-lo cheira a armação, em uma mensagem grosseiramente politiqueira, mas que reitera seu modus operandi

Na segunda-feira, dia 27, o advogado Rodrigo Tecla Duran, que há anos pedia para ser ouvido e naquele dia teve seu depoimento colhido pelo juiz Eduardo Appio, disse ter provas de que Sérgio Moro cobrou propina para não implicar investigados nos processos da Lava-Jato. A mídia “profissional”, que nunca teve a curiosidade de perguntar o que o advogado tinha a dizer, deu apenas notas pouco destacadas para o fato e obviamente não escalou equipes para apurar sobre as denúncias.



No dia 30, véspera do aniversário do golpe militar de 1964, editorial da versão impressa da Folha de S.Paulo afirmou que o bolsonarismo poderia ser uma oposição saudável ao “petismo” se deixasse de ser... bolsonarismo. Mas que isso “infelizmente” não aconteceria. O editorialista correu para mudar o texto na versão online – e retirou o “infelizmente”. 

No meso dia 30, a CNN cobria de forma ostensiva e como fato relevante a chegada ao Brasil e a frustrante recepção – para os planos do ex-presidente fascista que enfrenta um sem número de acusações, desde genocídio a vários esquemas de corrupção – de Jair Bolsonaro depois de sua suspeitíssima fuga para os EUA. 

Os fatos, todavia, não têm interessado ao jornalismo profissional.

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