quarta-feira, 8 de novembro de 2023
Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local
terça-feira, 7 de novembro de 2023
(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla
Maria Eduarda Bianchi Umebara
Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news
domingo, 23 de abril de 2023
A abordagem, na mídia divinopolitana, da violência nas escolas
Por Ana Laura Corrêa
Após o registro de violência em uma escola de Blumenau, muitas propostas de soluções vieram à tona: armar professores, curso de defesa pessoal em escolas, instalação de detectores de metal, polícias na porta da escola… O Pluris mesmo produziu uma reflexão sobre isso (acesse o texto aqui).
Pelas soluções apresentadas, percebe-se que elas não eliminam o mal pela raiz. Afinal, assume-se que os agressores não deixarão de existir, continuarão a tentar entrar nessas escolas.
Nesse sentido, cabe refletir sobre os fatores que levam à violência como a registrada - e são muitos elementos: o crescimento de um discurso de ódio propagado pelo então presidente de 2018 a 2022, a vulnerabilidade dos jovens a discursos extremistas, a ampliação do acesso a armas de fogo. Mas onde está essa reflexão?
Se os jornais são o espelho da realidade, acessamos três veículos de comunicação de Divinópolis (Sistema MPA, Divinews e Jornal Agora), para acompanhar os desdobramentos noticiosos do fato violento.
No Divinews, foi entrevistado um coronel da Polícia Militar para falar sobre a “Operação de Proteção Escolar”. Outra matéria, do Jornal Agora, também trouxe falas do mesmo militar. O Sistema MPA, por sua vez, destacou a reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública) em que representantes da Guarda Municipal de Nova Serrana estiveram presentes para falar sobre a implantação naquele município, visando à adoção também em Divinópolis.
Conforme observamos, nada sobre a ampliação do alcance que um discurso de ódio recebeu no governo de Jair Bolsonaro, nada sobre discursos extremistas, muito menos um debate sobre o acesso a armas de fogo.
O jornalismo, se tem entre suas funções a de mostrar a realidade, tem mostrado apenas uma realidade muito militarizada, em que as soluções, paliativas, vêm tarde demais ou nem vêm. A polícia não vai nos salvar de tudo. Por outro lado, a reflexão e a consciência talvez nos ajudem a avançar. Talvez seja hora de repensar as nossas fontes - e assumir a nossa responsabilidade para os males, que adoramos apontar, de nossa realidade.
O estado laico e a responsabilidade da comunicação no Instagram da Prefeitura de Divinópolis
Por Ana Laura Corrêa
O estado brasileiro não tem uma religião oficial. Não deve privilegiar nenhuma religião. Ao contrário, faz parte da democracia que todas as correntes religiosas sejam ouvidas.
Nesse cenário, causa estranheza a publicação no Instagram feita pela Prefeitura de Divinópolis, na sexta-feira da Paixão, dia 7 de abril.
A imagem traz duas mãos em oração sobre a Bíblia, ao lado de uma vela, e o texto “Que a Paixão de Cristo abençoe você e sua família”.
Considerando-se o princípio do estado laico, há de se questionar se o mesmo perfil da Prefeitura de Divinópolis fará um post em homenagem a datas comemorativas de outras religiões, afinal, não se deve privilegiar nenhuma, uma vez que a Prefeitura tem o dever de destinar suas ações a todos os cidadãos e não a grupos específicos.
Nesse cenário, caberia questionar, também, onde está o papel do jornalista, que por vezes se reconhece como um “quarto poder” que “vigia” os demais. Faltou, nesse caso, a vigilância ao estado laico, por parte do jornalista, ou sobrou desrespeito por parte de quem tem o poder nas mãos.
segunda-feira, 10 de abril de 2023
Nos jornais, se a pauta é violência contra a mulher, é preciso falar sobre machismo
Por Ana Laura Corrêa
Uma busca rápida no Google permite identificar o teor das matérias publicadas em veículos de jornalismo em Divinópolis relativas ao dia da mulher: grande parte delas abordava a data como uma comemoração, conforme indicam os títulos a seguir:
“OAB Divinópolis comemora Dia da Mulher com ‘1º Café com Elas’” (Agora);
“Dia Internacional da Mulher tem programação especial em Divinópolis e Itaúna” (G1);
“Agência de publicidade de Divinópolis viraliza com ação de endomarketing para Dia das Mulheres”.
Mas onde está, nos meios de comunicação da cidade, a abordagem relativa à violência enfrentada todos os dias pelas mulheres? Afinal, a data foi instituída não como uma comemoração, mas como uma reflexão quanto à busca de direitos básicos pelas mulheres.
Encontramos dois textos. Um deles, publicado pelo G1, que traz no título “Lei prevê acolhimento às mulheres vítimas de violência e discriminação”, e outro, divulgado pelo Jornal Agora, intitulado “Março fecha com violência crescente contra as mulheres”.
No primeiro deles, a única fonte com fala na matéria é um homem, o vereador Roger Viegas. No segundo, a Polícia Militar. Será que essas fontes têm “lugar de fala” suficiente para falar sobre as mulheres? Onde estão as falas das mulheres? Mas não qualquer mulher, também. De mulheres que entendem e estudam sobre as mulheres, sobre machismo, sobre o patriarcado, sobre misoginia.
Embora tragam assuntos relevantes para as mulheres, procuramos nos textos e não encontramos, em nenhum deles, uma referência à palavra “machismo”. Porque, se vamos falar de violência contra a mulher, é necessário falar do machismo, que está na raiz dessa violência.
Conforme a filósofa italiana Silvia Federici, o machismo, ao lado do racismo, é um dos pilares sobre o qual o capitalismo se sustenta. Esse modo de produção precisa atacar as mulheres para sobreviver, de modo que elas permanecem restritas ao ambiente de casa, desempenhando um trabalho afetivo e/ou doméstico não remunerado, ou estão, em sua maioria, em postos de trabalho precarizados, que não possibilitam sua efetiva emancipação. Mas, em ambos os casos, estão sempre sob o controle dos homens.
Voltando às matérias, é preciso, então, falar sobre o machismo porque senão casos de violência registrados na cidade ficam parecendo registros isolados, cujas causas são atribuídas ao “ciúme” dos criminosos, e as soluções passam a ser, simplesmente, o pedido de “pena de morte” ou a “castração” de estupradores, por exemplo.
Mas as razões (embora injustificáveis) são muito maiores do que isso e englobam todo um sistema que violenta mulheres todos os dias, das mais variadas formas. E a solução também vai muito além de uma pena de morte ou de uma castração.
É preciso que esse debate aconteça, que se fale sobre machismo, sobre misoginia, só isso pode ajudar a trazer uma consciência crítica para homens e mulheres.
segunda-feira, 15 de agosto de 2022
O direito à preguiça
Por Gilson Raslan Filho
Mesmo se for considerada uma forma de resistência às condições cada vez mais precárias de trabalho, o jornalismo preguiçoso é uma ameaça à democracia
Em um texto anterior do Pluris (Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo), fiz uma crítica a uma prática muito comum de jornalistas e do jornalismo produzido regionalmente em portais noticiosos e TVs locais: a de não realizar de fato um trabalho de reportagem, um trabalho de abertura do contexto dos acontecimentos, essa sim uma tarefa imprescindível para a democracia.
Neste texto, quero me ater ao fenômeno que há muito me chama a atenção – e que abordei brevemente no texto anterior: o uso indiscriminado e sem sentido do stand up no jornalismo das TVs locais. Antes, porém, de voltarmos ao fenômeno para explorá-lo, olhemos para o título deste artigo.
O direito à preguiça é uma referência direta ao manifesto homônimo, de 1880, escrito pelo líder operário de raízes francesas Paul Lafarge, genro de Karl Marx. No manifesto político-utópico, Lafarge aponta uma situação em que o maquinário, nas condições do século 19, era usado para impor um ritmo de trabalho inumano aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, ele faz um elogio a esse maquinário, desde que os trabalhadores dele se apropriem e o utilizem para viverem uma vida menos dolorosa e submetida ao trabalho incessante e indigno.
Mais tarde, o sociólogo italiano Domenico de Masi retomou as teses de Lafarge em seu não menos utópico e hoje um best seller O ócio criativo, em que defende que o ócio como necessário para a criatividade – e portanto como um incremento de produtividade.
A simples existência de manifestos que defendem a preguiça e o ócio como necessários até mesmo para o sistema de produção é um sintoma de que vivemos, desde o século 19, o avesso disso. Isto é: o arranjo produtivo capitalista vem aperfeiçoando as formas de superexploração da vida – do trabalhador, dos recursos naturais, dos sentidos e da percepção. E é exatamente esse o cenário em que se encontram os trabalhadores do jornalismo, cuja produção foi considerada, em algum momento, resultado do trabalho intelectual e criativo. Mas, pergunta-se: como ser criativo em uma situação em que se exibe como virtude a multiplicidade de funções que hoje são exercidas por um único jornalista?
A tese que defendo aqui é a seguinte: o jornalismo preguiçoso é sintoma desse contexto de super-exploração de degradação profunda das condições de trabalho do jornalista. Foquemos, antes, porém, em entender melhor o que denomino de jornalismo preguiçoso e muito especialmente no caso da generalização do stand up no jornalismo televisivo regional.
Como exposto anteriormente, o stand up, em jornalismo de TV, é a prática comum e muito útil de informar sobre um acontecimento de forma breve e rápida. A tradução da locução verbal do inglês indica duas situações: “ficar de pé” pode se referir tanto à posição do repórter em frente à câmera, quanto a “levantar-se”, estar de prontidão para dar uma notícia rápida sobre um acontecimento importante demais para ser ignorado, enquanto se prepara a reportagem.
Geralmente, no stand up, o repórter entra ao vivo. É claro que nada impede que esse boletim seja gravado e essa gravação seja utilizada para substituir a nota seca ou nota coberta realizada pelo âncora, com a mesma finalidade. Nesse caso, seria um recurso editorial, para fornecer dinâmica à edição. Seja como for, seu uso é pontual nas edições dos telejornais e nunca, jamais substitui o trabalho artesanal da reportagem.
Pois é exatamente o contrário do que acontece no telejornalismo produzido regionalmente em Divinópolis. Por aqui, as (resumidas) equipes entram diversas vezes em uma mesma edição em stand up, tantas vezes que é possível dizer que o trabalho de reportagem, aquele em que o jornalista faz movimentar sua criatividade para narrar acontecimentos, é a exceção.
O problema disso é que o espectador fica sem opção para compreender a torrente de acontecimentos do cotidiano, já que apenas a reportagem é capaz de fornecer elementos mais complexos para o recorte da realidade. Isto é: a reportagem é fundamental para o exercício consciente da cidadania e, consequentemente, para a democracia, pois é ela, não a nota rápida e seca do stand up, que permite um reconhecimento, a construção de sentido da realidade.
Ocorre que a reportagem é muito mais trabalhosa do que o stand up. Ela exigiria um trabalho artesanal de recolher informações, compreender os personagens envolvidos, montar e contar uma história. Como fazer tudo isso se as equipes foram se reduzindo diante da “necessidade” de o jornalista exercer múltiplas funções – nesse caso, de produtor, repórter, não raro cinegrafista, editor, além de fotógrafo e redator para outras plataformas? O stand up, seu uso generalizado se tornou, então, um sintoma da precarização do trabalho: os jornalistas – e são todos: dos gerentes aos repórteres – permanecem preguiçosamente no stand up diante do turbilhão de exigências e do volume de trabalho a que estão submetidos.
Então, sim, o jornalismo preguiçoso é uma forma de os profissionais resistirem – ainda que não conscientemente – ao quadro de profunda e contínua degradação das condições de trabalho. Seria uma virtude não fosse o fato de o jornalismo preguiçoso ser uma séria ameaça à democracia.
terça-feira, 26 de julho de 2022
Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo
Por Gilson Raslan Filho
O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia
Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico.
Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.
O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.
Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística.
Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.
As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo.
É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.
O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.
É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.
Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.
terça-feira, 19 de julho de 2022
Divinópolis: A fome em pauta
Por meio do que aparenta ser uma série especial de reportagens, intitulada “Em busca da dignidade”, o veículo traz a situação de divinopolitanos que não têm o que comer.
A título de comparação, quando buscamos pela palavra “fome” em outros três portais de notícia da cidade - Gerais, Agora e G37 -, não há qualquer resultado pelo menos neste ano, período em que a crise alimentar no país tem se agravado.
Parece que o problema não existe por aqui. Mas existe, como mostram as reportagens do MPA ou o espantoso (e que parece crescer cada dia mais) número de pedintes nos semáforos da cidade.
Falar de fome
É preciso, sim, que se fale da fome. No entanto, só isso não basta. É preciso, também, saber como falar da fome.
Quem aponta isso é o doutor em linguística João Bosco Bezerra Bonfim, que estudou os discursos sobre a fome. Segundo ele, “aqueles que realmente buscam fazer esta discussão para superar a fome devem ter em mente uma perspectiva crítica. Em outras palavras, devem buscar abordagens que permitam ver de que “fome” é essa que estão falando. Do contrário, poderão colaborar para perpetuar esse estado de coisas”.
Assim, o autor aponta sete elementos para verificar se há uma perspectiva crítica na abordagem da fome no discurso - seja ele jornalístico, político ou mesmo as conversas do dia a dia.
Causas:
É preciso explicitar as causas da fome. Isso porque, muitas vezes, no Brasil, a fome é tida como um fenômeno “dado”, natural, e não como decorrente da falta de dinheiro para comprar alimento - que está incluída em um contexto mais amplo ligado à enorme desigualdade social, a qual às vezes torna-se ainda mais escancarada, como agora.
Responsabilidade:
Quem pode solucionar o problema da fome? É preciso dar nome aos bois. Segundo Bezerra Bonfim, “se o discurso deixa de mencionar os responsáveis (de fato ou de direito) pela existência da fome, de certo modo contribui para a generalização da responsabilidade (o que é de responsabilidade de todos não é de responsabilidade de ninguém; e aquilo que não tem responsáveis diretos não permite que se dirijam a alguém reivindicações... e assim por diante)”. Acrescentamos que, ao jornalismo, além de citá-los, cabe questioná-los, solicitar posicionamentos. Afinal, o que é feito? E por que não tem sido suficiente? O que se pretende fazer?
Quantificação e localização
É preciso dizer onde e quantas são as pessoas passando fome, para que não haja generalização ou exagero. Este, nos números, atrapalha: “Pois, se o problema é tão grave, ninguém poderá resolvê-lo”, afirma Bonfim. A generalização, por sua vez, “é algo que contribui para mitificar e não para acabar com a fome”. E há dados disponíveis sobre a fome no país que podem ser incluídos nas matérias.
Resolução do problema
Bonfim diz: “O que é mais certo é que não haverá superação da fome sem a construção da autonomia das pessoas e famílias que passam pela situação de fome. Então, se a notícia, filme, programa prevê apenas ações emergenciais, distribuição de alimentos, algo não vai bem. Não que não se possa ou não se deva fazê-lo. Se há fome, deve haver uma ação assistencial. Mas, se não são incorporadas, desde o início, ações que levem as pessoas e famílias a saírem da situação de miséria e se tornarem autônomas para gerarem a própria renda, esse discurso tem um sério problema. Ele colabora para a perpetuação da situação de fome. Então, ações, programas em torno desse tema devem, necessariamente, incorporar a conquista de autonomia por parte dos famintos”.
Verbos
É preciso prestar atenção aos verbos para não se deixar enganar. Eles falam de “erradicar” a fome, como se fosse algo bem simples? Tratam de “reduzir”? Em que medida isso ocorreria? “Estuda-se” soluções? Quanto tempo levará? E enquanto isso?
Louvável, com ressalvas
Tendo por base esses parâmetros, vemos que a reportagem “Em busca da dignidade: a fome que atinge famílias de Divinópolis” não traz informações sobre as causas ou responsabilidade. Em relação à quantificação, a matéria apresenta o dado do número de pessoas cadastradas no Cadúnico na cidade, o que já permite ter um panorama da situação. Os verbos do texto são muito voltados à descrição (no presente) da fome no país e na cidade, e da situação da família apresentada na matéria, não há, assim, o debate de perspectivas (futuro) ou das causas (passado). Por fim, a solução se dá por meio da disponibilização do telefone de contato da personagem da matéria para doações, o que não resolve, efetivamente, o problema da fome. A Prefeitura, por exemplo, não tem fala no texto sobre as ações desenvolvidas no combate ao problema.
É preciso falar da fome, mas de uma perspectiva crítica. Que ela continue sendo pauta na cidade, enquanto, infelizmente, existir.
terça-feira, 22 de junho de 2021
Onde estão as notícias do Fora Bolsonaro em Divinópolis ‒ ou sobre a importância do jornalismo independente e alternativo
Ana Laura Corrêa
Em maio, as manifestações Fora Bolsonaro foram gigantescas em diversas cidades do Brasil. À época, em nível nacional, chamou a atenção a completa falta de (ou a mínima) cobertura, pela mídia tradicional, dos atos ‒ que, mesmo em plena pandemia, levaram centenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra um verdadeiro genocídio que é cometido contra a população brasileira - seja por atos diretos do governo e do presidente da República, seja indiretamente, ao dar apoio (logísitico ou ideológico, pouco importa) à perseguição e morte de pretos e índios.
Outras manifestações gigantescas contra o presidente ocorreram neste sábado (19) em vários municípios do país e, desta vez, a cobertura dos atos parece ter minimamente ocorrido por parte da imprensa tradicional, em nível nacional. Em Divinópolis, porém, a história foi diferente: apenas em um dos portais dos maiores veículos de comunicação locais observados pelo Pluris foi encontrada uma notícia sobre o Fora Bolsonaro na cidade ‒ um vídeo do G1 Centro-Oeste, que dedicou somente 20 segundos à cobertura do protesto na cidade.
Além do G1, verificamos as matérias postadas por Divinews (que apenas noticiou, na sexta-feira, a realização do protesto), Portal Agora, Portal Gerais, Portal MPA ‒ mas a impressão que fica, para o leitor que acompanha apenas esses veículos ‒ grande parte da cidade, talvez ‒, é de que não houve qualquer movimentação Fora Bolsonaro por aqui.
Em um post da semana passada aqui no Pluris falamos sobre a crise de credibilidade e de autoridade enfrentada pela imprensa brasileira. Não seria o silêncio sobre determinados assuntos de extrema importância mais um componente que contribui para essa crise?
Uma exceção: o jornalismo independente e alternativo
A maior cobertura do Fora Bolsonaro em Divinópolis foi feita por uma página no Instagram ‒ da Mídia Ninja na região Centro-Oeste de Minas Gerais, a Mídia Ninja 037.
A página, de quase 3,5 mil seguidores, publicou no sábado (19), pelo menos nove vídeos das manifestações ‒ um deles, uma transmissão ao vivo com mais de 1h de duração ‒ e diversas fotos no feed e nos stories.
Para além do ato Fora Bolsonaro, poderíamos destacar aqui outras coberturas feitas na região pela Mídia Ninja 037 e ressaltar, portanto, a importância dos veículos de jornalismo alternativos e independentes. Ser alternativo diz respeito a cobrir pautas geralmente deixadas de lado pelas mídias tradicionais. Já independência significa não estar sujeito às pressões de anunciantes, que com frequência não permitem a cobertura de determinados assuntos.
Sobre como se dá o financiamento da Mídia Ninja 037 ainda não sabemos ‒ afinal, jornalismo exige recursos ‒, assunto que rende outro post. Mas esperamos que o veículo se fortaleça ainda mais ‒ os divinopolitanos precisam de uma mídia alternativa e independente.
terça-feira, 8 de junho de 2021
Quem escreve as notícias que você lê?
A resposta à pergunta do título parece óbvia. São os jornalistas.
No entanto, em alguns casos, são assessores de imprensa, que também são jornalistas, mas contratados por empresas/organizações/políticos/famosos para divulgar conteúdos na mídia.
Essa divulgação ocorre por meio de um documento chamado de release, que é enviado pelos assessores aos jornalistas e que deveria servir somente como uma sugestão de assunto a ser apurado pela imprensa. Isso porque, obviamente, esse release nem sempre se guia pelos preceitos jornalísticos, afinal, assessoria de imprensa e jornalismo são atividades distintas. A assessoria diz respeito aos interesses de uma empresa/organização/político/famoso; já o jornalismo tem (ou deveria ter) uma função social.
Embora o release devesse funcionar apenas como uma sugestão de assunto, o que se vê, normalmente, é a mera reprodução dos conteúdos na imprensa, sem apuração e às vezes até sem correções ortográficas ‒ e também sem a assinatura de um jornalista responsável pelo texto.
Exemplos
No dia 2 de junho, quarta-feira, a Prefeitura de Divinópolis encaminhou um release aos meios de comunicação sobre a publicação de um decreto de “liberdade econômica” no município, que estabeleceu, por exemplo, o fim da exigência de alguns alvarás para determinadas empresas.
O release, que também está disponível no site da Prefeitura, foi reproduzido (às vezes com pequenas alterações) por pelo menos quatro portais de notícias da cidade, além do site da CDL: Portal Agora, G37, Portal Gerais, Sistema MPA.
O único entrevistado no texto divulgado pela Prefeitura é o secretário de Desenvolvimento Econômico, Luiz Angelo Gonçalves. Falta, então, para irmos além da fonte institucional, a voz de um especialista, por exemplo. Afinal, quais as diferentes avaliações sobre esse decreto?
Falta apuração
Na quinta-feira, 3 de junho, a assessoria de imprensa do vereador Eduardo Azevedo encaminhou um release aos veículos de comunicação de Divinópolis. O texto enviado pela assessoria do parlamentar foi reproduzido na íntegra ou com algumas edições por pelo menos três portais de notícias da cidade: Sistema MPA, G37, Portal Gerais.
No release divulgado à imprensa, o vereador afirma, por exemplo, que “lockdown não funciona”. A frase foi simplesmente reproduzida pelos meios de comunicação. Neste ponto, a imprensa deixou passar uma oportunidade de apuração, que certamente rebateria a fala do vereador, tendo em vista os diversos estudos que comprovam a eficácia do lockdown e do isolamento social para conter a pandemia.
O buraco é mais embaixo
A discussão sobre a simples reprodução de releases na mídia envolve diversos outros debates ‒ como a suposta necessidade de rapidez da informação na internet, a busca por cliques, as hierarquias nas empresas jornalísticas, as reportagens patrocinadas e as rotinas dos jornalistas, que nem sempre permitem que se desenvolva uma apuração prolongada ‒ mas é um aspecto que vale a reflexão para jornalistas e leitores.