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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local

Sites e emissoras de Divinópolis cobriram a audiência que discutiu a gratuidade da passagem no transporte público para estudantes

Por Vitor Faria Silveira

No início do mês de outubro o ambiente político em Divinópolis foi bastante agitado. Estudantes do município fizeram manifestações reivindicando o passe livre no transporte público da cidade. Muitos estudantes têm dificuldades para ter acesso às escolas da rede municipal e estadual de ensino em Divinópolis. O problema também é enfrentado por discentes do ensino superior das universidades públicas e privadas da cidade.

Audiência de discussão do passe livre/ Foto: Portal MPA

No dia 2 de outubro, estudantes e professores acompanharam uma audiência na Câmara de Vereadores de Divinópolis para discutir a implementação do benefício no transporte público da cidade. A imprensa local marcou presença no local e noticiou o fato em suas mídias.

A TV Integração fez uma matéria abordando o fato. Na audiência a emissora entrevistou o estudante de Psicologia da Uemg, Vitor Severino Ribeiro, um dos organizadores do movimento na cidade, a professora da rede municipal de ensino, Sidneia Francelino , o vereador Rodyson do Zé Milton, solicitante da audiência e o assessor Jurídico da Prefeitura, Felipe Soalheiro.

O Portal MPA publicou uma notícia destacando a presença maciça dos estudantes das escolas e universidades públicas de Divinópolis. O texto enfatiza as falas do parlamentar Rodyson que, segundo ele, o transporte gratuito elimina a barreira financeira imposta aos estudantes e da docente Kellen Silva que, segundo ela, 20 mil famílias se encontram em vulnerabilidade social no município. O portal também menciona, na fala dela, os playballs que foram custeados pela gestão municipal a preço de R$10 mil reais cada um. A educadora questiona quantas gratuidades poderiam ser pagas com o valor gasto na compra dos brinquedos.

O portal Divinews, conhecido pelas polêmicas com a atual administração da Prefeitura, iniciou a matéria em seu site com acusações contra o prefeito Gleidson Azevedo e seus aliados na Câmara de boicotar a audiência. Conforme o portal, “a tropa”, se referindo aos aliados do executivo municipal, conseguiu o número de telefone do motorista da van que levaria os estudantes da Uemg para a audiência, ligou para ele e o dispensou para esvaziar a reunião. O texto diz ainda que o ato piorou a imagem do prefeito, já que os estudantes gritaram palavras de ordem contra Gleidson. A matéria traz ainda os dados de outras cidades mineiras que implementaram descontos nas passagens do transporte coletivo.

O Jornal Agora abordou as solicitações dos estudantes na audiência e trouxe também outros projetos de lei acerca de gratuidade no transporte público que estão em discussão na casa. Dentre os projetos em discussão, o apresentado pelo vereador Flávio Marra institui a volta dos cobradores no transporte público e a instalação de ar condicionado em todos os veículos operados pelo Consórcio Trans Oeste, responsável pelo transporte público em Divinópolis.

O Portal Gerais não chegou a noticiar os acontecimentos que ocorreram durante a audiência, mas divulgou a ocorrência da audiência na Câmara e o que estaria em pauta durante o ato.

Dentre as emissoras e portais de maior relevância no município, a TV Alterosa não trouxe a pauta do passe livre estudantil para sua programação ou redes sociais. A afiliada do SBT em Divinópolis é conhecida por abordar matérias factuais e “policialescas” para sua programação. Soou estranho que a emissora não tenha noticiado o movimento e a audiência nas duas edições do seu telejornal diário, visto que a emissora conta, atualmente com dois estagiários no departamento de Jornalismo da emissora e que, provavelmente, arcam com a passagem do transporte público para se deslocar para a mesma nos dias de trabalho.

É claro que, para a sociedade civil e suas lutas, ganhar visibilidade na mídia é melhor do que ser ignorado - e por “ignorado” pressupõe-se inclusive alguma forma de interesse ou insensibilidade.

A cobertura do movimento pela mídia local, todavia, põe em dúvida se ela e seus profissionais estão contribuindo para a qualificação do debate público, ao apenas noticiar, sem qualquer esforço analítico ou de contextualização. Na era da hipermidiatização, consumidores e especialmente cidadãos esperam que a mídia possa lhes oferecer mais do que um retrato do que acontece ou não acontece na realidade.
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terça-feira, 7 de novembro de 2023

(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla

Por Matheus Antônio Vieira
Natália Vitória Barbosa Costa e Silva
Maria Eduarda Bianchi Umebara

Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz  ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news


No dia 9 de Setembro deste ano, a motorista de aplicativo Sheilla de Almeida foi dada como desaparecida após realizar uma corrida em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais. Segundo o jornal Estado de Minas, Sheilla realizou sua última viagem pelo aplicativo 99, pela qual pegou um passageiro no bairro Campina Verde e tinha como destino um supermercado situado na rua Rio de Janeiro, localizado no bairro Ipiranga. No dia 27, a Polícia Militar encontrou o corpo da motorista. Segundo o delegado Wesley Costa, Sheilla foi agredida, estrangulada e esfaqueada. ‘

As abordagens oferecidas pela mídia local se resumiam a relatos descritivos oferecidos pela Polícia Militar, e resumos do caso em linhas temporais (estes em grande parte do G1). O Portal MPA também destacou em esclarecer os boatos que circularam na internet sobre o caso, em uma espécie de fact checking que será analisado em tópico à parte. Mesmo com a diversidade de coberturas, em todas nota-se uma ausência de perguntas e esclarecimentos.

Fotografia de Sheilla Angelis de Almeida — Foto: Facebook/Reprodução

Após a confirmação de seu assassinato, as abordagens destacavam a violência sofrida pela motorista e o planejamento do crime por Rafael Monteiro de Sena, que confessou o assassinato. Entretanto, nenhuma das matérias veiculadas sobre o assunto abordaram o assassinato como crime como violência de gênero, o feminicídio. De acordo com as declarações oficiais da polícia, Rafael premeditou o crime, escolhendo Sheilla como alvo.

É por meio dos questionamentos, ou perguntas levantadas pelo jornalismo, que podemos formular uma narrativa acerca da experiência com a vida, construindo visibilidade para os problemas vividos. Ou seja, seu papel é essencial na constituição ou na visibilização do que é a própria violência de gênero. Ao tipificar a violência sofrida pela motorista como um caso extraordinário, que ignora a possibilidade de ter sido considerado um alvo dado o seu gênero, essa e outras agressões de gênero são invisibilizadas.

“Quem mata?” “Por quê mata?” “De qual forma mata?” “Como encontrou sua vítima?” Foram perguntas realizadas nas matérias que circularam acerca de Sheilla. Mas as perguntas não se aprofundam. “Matou por ser mulher?” “Foi considerada alvo mais fácil?” Não são perguntas levantadas pela abordagem jornalística, inviabilizando a possibilidade da construção narrativa sobre uma violência que poderia ser compreendida como feminicídio. Além disso, as reportagens preferem se contentar com os relatos oferecidos pela Polícia Militar. Apesar de seu papel essencial como figura de autoridade para a história, a limitação da voz da autoridade policial acabou simplificando a ampliação do debate, a pluralidade de vozes e visões na narrativa.

Assim, a ausência de vozes, como de especialistas de gênero, ou o próprio relato de outras mulheres motoristas de aplicativo, reduz a diversidade de perspectivas da narrativa. A participação dessas vozes enriqueceria a discussão e estimularia uma compreensão mais profunda das complexidades do caso para os leitores. Sem compreender essa complexidade, a narrativa se empobrece ao simplificar-se em apenas narrar uma série de descrições da violência sofrida ou no fact checking (checagem de fatos), baseada apenas nas descrições oferecidas pela Polícia Militar.

As abordagens apresentadas não abriam espaço para a possibilidade do crime cometido cometido à Sheilla ter sido feminicídio - resultado da discriminação do gênero feminino na sociedade. No âmbito jornalístico, é crucial que a mídia reconheça o feminicídio como uma das possíveis motivações para crimes cometidos contra mulheres, uma vez que, diversas mulheres são diariamente assassinadas pela condição de seu gênero. Portanto, ao abordar casos de violência contra a mulher, a mídia desempenha papel fundamental em conscientizar a sociedade sobre as profundas raízes do problema. Quando a mídia começar a abordar esses casos como feminicídio, a conscientização pública sobre a questão irá se ampliar.

Outra invisibilização é a ausência de menções sobre a plataforma para a qual Sheilla trabalhava. Com exceção de uma matéria do Estado de Minas, as matérias veiculadas tanto na internet quanto na televisão, não mencionaram a 99, aplicativo de transporte particular que foi utilizado para solicitar as corridas. A ausência dessa informação faz parecer que ela não foi considerada como relevante, e por tal, não conseguimos saber qual foi o papel da plataforma (se sequer existiu) no caso.

As perguntas que deixam de ser feitas nessas narrativas inviabilizam o questionamento do papel dessas plataformas como responsáveis pela segurança do trabalhador. Mas a partir da própria invisibilização, podemos também questionar a própria posição dos veículos: “Por que razão os veículos deixam de publicizar essas informações? Há interesses em jogo?” As plataformas interagem (e não apenas como intermediadoras), com a vida social, e declaradamente a sua responsabilidade com os seus trabalhadores, que têm fugido das suas responsabilidades ao extirpar dos trabalhadores a força de trabalho sem oferecê-los ferramentas de segurança. Plataformas de trabalho já deixaram de ser uma “novidade”, e compõem um campo de interesse social que precisa ser abordado pela mídia.

Abordagem por meio de rumores públicos

O Portal MPA, um portal de notícias e comunicação de Divinópolis e Região, no início das investigações do caso do desaparecimento de Sheilla, construiu uma matéria citando os rumores que circulavam sobre o motorista e o caso. Com o título de manchete: “Acusado de matar Sheilla diz que agiu a mando de um terceiro, seria um agiota.”, o texto traz um conjunto de rumores, apontando as informações que conferem ou não com o que a Polícia Militar informou. Um fact checking (checagem dos fatos) dos rumores. O que chama destaque é que a manchete ser afirmativa, faz parecer que está sendo noticiado algo concreto e confirmado, mesmo tratando-se de um rumor, tal como é esclarecido no próprio texto do Portal MPA.

No próprio texto e em momentos anteriores a família negou qualquer conhecimento desta suposição em relação a agiota, e a polícia também informou que não é possível se comprovar que o latrocínio era uma “execução de dívida”. A Polícia Militar, havia comentado sobre o suposto rumor, negando a possibilidade de ser verdadeiro. E mesmo assim, da forma a qual aparece no título da matéria, ela parece confirmar o rumor, pois não está indicado nem no título, nem na imagem que circulou no o Instagram do Portal MPA, que a matéria trata-se de uma checagem de fatos. A notícia então, incita o imaginário das pessoas acerca do fato, e assim também a curiosidade, como uma tentativa de gerar clicks para o site do veículo.

É importante distinguir entre rumores e notícias, e essa responsabilidade recai sobre a ética do veículo em não disseminar desinformação para seu proveito. A divulgação de suposições dos rumores, sem a devida apuração com fontes independentes - novamente: a autoridade policial é uma fonte necessária, mas ela não é única e talvez não tenha a devida independência, uma vez que está implicada na investigação -, é uma prática que não apenas fere a ética jornalística: ela o faz porque pode provocar uma chaga social muito profunda.

Pode-se questionar: casos como esse devem seguir o ritual de dar visibilidade e checar com diversas fontes? A resposta parece óbvia: a propagação de uma injustiça - ou da violência - não é também responsabilidade do jornalista que não se preocupa em fazer a violência circular?
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domingo, 23 de abril de 2023

A abordagem, na mídia divinopolitana, da violência nas escolas

Por Ana Laura Corrêa

Após o registro de violência em uma escola de Blumenau, muitas propostas de soluções vieram à tona: armar professores, curso de defesa pessoal em escolas, instalação de detectores de metal, polícias na porta da escola… O Pluris mesmo produziu uma reflexão sobre isso (acesse o texto aqui).


Pelas soluções apresentadas, percebe-se que elas não eliminam o mal pela raiz. Afinal, assume-se que os agressores não deixarão de existir, continuarão a tentar entrar nessas escolas. 


Nesse sentido, cabe refletir sobre os fatores que levam à violência como a registrada - e são muitos elementos: o crescimento de um discurso de ódio propagado pelo então presidente de 2018 a 2022, a vulnerabilidade dos jovens a discursos extremistas, a ampliação do acesso a armas de fogo. Mas onde está essa reflexão?


Se os jornais são o espelho da realidade, acessamos três veículos de comunicação de Divinópolis (Sistema MPA, Divinews e Jornal Agora), para acompanhar os desdobramentos noticiosos do fato violento.


No Divinews, foi entrevistado um coronel da Polícia Militar para falar sobre a “Operação de Proteção Escolar”. Outra matéria, do Jornal Agora, também trouxe falas do mesmo militar. O Sistema MPA, por sua vez, destacou a reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública) em que representantes da Guarda Municipal de Nova Serrana estiveram presentes para falar sobre a implantação naquele município, visando à adoção também em Divinópolis.


Conforme observamos, nada sobre a ampliação do alcance que um discurso de ódio recebeu no governo de Jair Bolsonaro, nada sobre discursos extremistas, muito menos um debate sobre o acesso a armas de fogo. 


O jornalismo, se tem entre suas funções a de mostrar a realidade, tem mostrado apenas uma realidade muito militarizada, em que as soluções, paliativas, vêm tarde demais ou nem vêm. A polícia não vai nos salvar de tudo. Por outro lado, a reflexão e a consciência talvez nos ajudem a avançar. Talvez seja hora de repensar as nossas fontes - e assumir a nossa responsabilidade para os males, que adoramos apontar, de nossa realidade.

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O estado laico e a responsabilidade da comunicação no Instagram da Prefeitura de Divinópolis

 Por Ana Laura Corrêa



O estado brasileiro não tem uma religião oficial. Não deve privilegiar nenhuma religião. Ao contrário, faz parte da democracia que todas as correntes religiosas sejam ouvidas.


Nesse cenário, causa estranheza a publicação no Instagram feita pela Prefeitura de Divinópolis, na sexta-feira da Paixão, dia 7 de abril.


A imagem traz duas mãos em oração sobre a Bíblia, ao lado de uma vela, e o texto “Que a Paixão de Cristo abençoe você e sua família”.


Considerando-se o princípio do estado laico, há de se questionar se o mesmo perfil da Prefeitura de Divinópolis fará um post em homenagem a datas comemorativas de outras religiões, afinal, não se deve privilegiar nenhuma, uma vez que a Prefeitura tem o dever de destinar suas ações a todos os cidadãos e não a grupos específicos.


Nesse cenário, caberia questionar, também, onde está o papel do jornalista, que por vezes se reconhece como um “quarto poder” que “vigia” os demais. Faltou, nesse caso, a vigilância ao estado laico, por parte do jornalista, ou sobrou desrespeito por parte de quem tem o poder nas mãos.


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segunda-feira, 10 de abril de 2023

Nos jornais, se a pauta é violência contra a mulher, é preciso falar sobre machismo

 Por Ana Laura Corrêa 



Uma busca rápida no Google permite identificar o teor das matérias publicadas em veículos de jornalismo em Divinópolis relativas ao dia da mulher: grande parte delas abordava a data como uma comemoração, conforme indicam os títulos a seguir:


“OAB Divinópolis comemora Dia da Mulher com ‘1º Café com Elas’” (Agora);


“Dia Internacional da Mulher tem programação especial em Divinópolis e Itaúna” (G1);


“Agência de publicidade de Divinópolis viraliza com ação de endomarketing para Dia das Mulheres”.


Mas onde está, nos meios de comunicação da cidade, a abordagem relativa à violência enfrentada todos os dias pelas mulheres? Afinal, a data foi instituída não como uma comemoração, mas como uma reflexão quanto à busca de direitos básicos pelas mulheres.


Encontramos dois textos. Um deles, publicado pelo G1, que traz no título “Lei prevê acolhimento às mulheres vítimas de violência e discriminação”, e outro, divulgado pelo Jornal Agora, intitulado “Março fecha com violência crescente contra as mulheres”.


No primeiro deles, a única fonte com fala na matéria é um homem, o vereador Roger Viegas. No segundo, a Polícia Militar. Será que essas fontes têm “lugar de fala” suficiente para falar sobre as mulheres? Onde estão as falas das mulheres? Mas não qualquer mulher, também. De mulheres que entendem e estudam sobre as mulheres, sobre machismo, sobre o patriarcado, sobre misoginia.


Embora tragam assuntos relevantes para as mulheres, procuramos nos textos e não encontramos, em nenhum deles, uma referência à palavra “machismo”. Porque, se vamos falar de violência contra a mulher, é necessário falar do machismo, que está na raiz dessa violência.


Conforme a filósofa italiana  Silvia Federici, o machismo, ao lado do racismo, é um dos pilares sobre o qual o capitalismo se sustenta. Esse modo de produção precisa atacar as mulheres para sobreviver, de modo que elas permanecem restritas ao ambiente de casa, desempenhando um trabalho afetivo e/ou doméstico não remunerado, ou estão, em sua maioria, em postos de trabalho precarizados, que não possibilitam sua efetiva emancipação. Mas, em ambos os casos, estão sempre sob o controle dos homens.


Voltando às matérias, é preciso, então, falar sobre o machismo porque senão casos de violência registrados na cidade ficam parecendo registros isolados, cujas causas são atribuídas ao “ciúme” dos criminosos, e as soluções passam a ser, simplesmente, o pedido de “pena de morte” ou a “castração” de estupradores, por exemplo. 


Mas as razões (embora injustificáveis) são muito maiores do que isso e englobam todo um sistema que violenta mulheres todos os dias, das mais variadas formas. E a solução também vai muito além de uma pena de morte ou de uma castração. 


É preciso que esse debate aconteça, que se fale sobre machismo, sobre misoginia, só isso pode ajudar a trazer uma consciência crítica para homens e mulheres.


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terça-feira, 26 de julho de 2022

Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo

 Por Gilson Raslan Filho

O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia




Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico. 

Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.



O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.

Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística. 

Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.

As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo. 

É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.

O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.

É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.

Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.


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terça-feira, 19 de julho de 2022

Divinópolis: A fome em pauta

Em um cenário de aumento da fome - com a alta no preço dos alimentos e dos combustíveis -, é louvável a iniciativa do Portal MPA de colocar em pauta, em Divinópolis, esse assunto.

Por Ana Laura Corrêa




Por meio do que aparenta ser uma série especial de reportagens, intitulada “Em busca da dignidade”, o veículo traz a situação de divinopolitanos que não têm o que comer.


A título de comparação, quando buscamos pela palavra “fome” em outros três portais de notícia da cidade - Gerais, Agora e G37 -, não há qualquer resultado pelo menos neste ano, período em que a crise alimentar no país tem se agravado.


Parece que o problema não existe por aqui. Mas existe, como mostram as reportagens do MPA ou o espantoso (e que parece crescer cada dia mais) número de pedintes nos semáforos da cidade.


Falar de fome

                                                       

É preciso, sim, que se fale da fome. No entanto, só isso não basta. É preciso, também, saber como falar da fome.


Quem aponta isso é o doutor em linguística João Bosco Bezerra Bonfim, que estudou os discursos sobre a fome. Segundo ele, “aqueles que realmente buscam fazer esta discussão para superar a fome devem ter em mente uma perspectiva crítica. Em outras palavras, devem buscar abordagens que permitam ver de que “fome” é essa que estão falando. Do contrário, poderão colaborar para perpetuar esse estado de coisas”.


Assim, o autor aponta sete elementos para verificar se há uma perspectiva crítica na abordagem da fome no discurso - seja ele jornalístico, político ou mesmo as conversas do dia a dia.


  1. Causas:

É preciso explicitar as causas da fome. Isso porque, muitas vezes, no Brasil, a fome é tida como um fenômeno “dado”, natural, e não como decorrente da falta de dinheiro para comprar alimento - que está incluída em um contexto mais amplo ligado à enorme desigualdade social, a qual às vezes torna-se ainda mais escancarada, como agora.


  1. Responsabilidade:

Quem pode solucionar o problema da fome? É preciso dar nome aos bois. Segundo Bezerra Bonfim, “se o discurso deixa de mencionar os responsáveis (de fato ou de direito) pela existência da fome, de certo modo contribui para a generalização da responsabilidade (o que é de responsabilidade de todos não é de responsabilidade de ninguém; e aquilo que não tem responsáveis diretos não permite que se dirijam a alguém reivindicações... e assim por diante)”. Acrescentamos que, ao jornalismo, além de citá-los, cabe questioná-los, solicitar posicionamentos. Afinal, o que é feito? E por que não tem sido suficiente? O que se pretende fazer?

  1. Quantificação e localização

É preciso dizer onde e quantas são as pessoas passando fome, para que não haja generalização ou exagero. Este, nos números, atrapalha: “Pois, se o problema é tão grave, ninguém poderá resolvê-lo”, afirma Bonfim. A generalização, por sua vez,  “é algo que contribui para mitificar e não para acabar com a fome”. E há dados disponíveis sobre a fome no país que podem ser incluídos nas matérias.


  1. Resolução do problema

Bonfim diz: “O que é mais certo é que não haverá superação da fome sem a construção da autonomia das pessoas e famílias que passam pela situação de fome. Então, se a notícia, filme, programa prevê apenas ações emergenciais, distribuição de alimentos, algo não vai bem. Não que não se possa ou não se deva fazê-lo. Se há fome, deve haver uma ação assistencial. Mas, se não são incorporadas, desde o início, ações que levem as pessoas e famílias a saírem da situação de miséria e se tornarem autônomas para gerarem a própria renda, esse discurso tem um sério problema. Ele colabora para a perpetuação da situação de fome. Então, ações, programas em torno desse tema devem, necessariamente, incorporar a conquista de autonomia por parte dos famintos”.


  1. Verbos

  É preciso prestar atenção aos verbos para não se deixar enganar. Eles falam de “erradicar” a fome, como se fosse algo bem simples? Tratam de “reduzir”? Em que medida isso ocorreria? “Estuda-se” soluções? Quanto tempo levará? E enquanto isso?


Louvável, com ressalvas


Tendo por base esses parâmetros, vemos que a reportagem “Em busca da dignidade: a fome que atinge famílias de Divinópolis” não traz informações sobre as causas ou responsabilidade. Em relação à quantificação, a matéria apresenta o dado do número de pessoas cadastradas no Cadúnico na cidade, o que já permite ter um panorama da situação. Os verbos do texto são muito voltados à descrição (no presente) da fome no país e na cidade, e  da situação da família apresentada na matéria, não há, assim, o debate de perspectivas (futuro) ou das causas (passado). Por fim, a solução se dá por meio da disponibilização do telefone de contato da personagem da matéria para doações, o que não resolve, efetivamente, o problema da fome. A Prefeitura, por exemplo, não tem fala no texto sobre as ações desenvolvidas no combate ao problema.


É preciso falar da fome, mas de uma perspectiva crítica. Que ela continue sendo pauta na cidade, enquanto, infelizmente, existir.


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terça-feira, 22 de junho de 2021

Onde estão as notícias do Fora Bolsonaro em Divinópolis ‒ ou sobre a importância do jornalismo independente e alternativo

Ana Laura Corrêa



Em maio, as manifestações Fora Bolsonaro foram gigantescas em diversas cidades do Brasil. À época, em nível nacional, chamou a atenção a completa falta de (ou a mínima) cobertura, pela mídia tradicional, dos atos ‒ que, mesmo em plena pandemia, levaram centenas de milhares de pessoas às ruas para protestar contra um verdadeiro genocídio que é cometido contra a população brasileira - seja por atos diretos do governo e do presidente da República, seja indiretamente, ao dar apoio (logísitico ou ideológico, pouco importa) à perseguição e morte de pretos e índios.


Outras manifestações gigantescas contra o presidente ocorreram neste sábado (19) em vários municípios do país e, desta vez, a cobertura dos atos parece ter minimamente ocorrido por parte da imprensa tradicional, em nível nacional. Em Divinópolis, porém, a história foi diferente: apenas em um dos portais dos maiores veículos de comunicação locais observados pelo Pluris foi encontrada uma notícia sobre o Fora Bolsonaro na cidade ‒ um vídeo do G1 Centro-Oeste, que dedicou somente 20 segundos à cobertura do protesto na cidade.


Além do G1, verificamos as matérias postadas por Divinews (que apenas noticiou, na sexta-feira, a realização do protesto), Portal Agora, Portal Gerais, Portal MPA ‒ mas a impressão que fica, para o leitor que acompanha apenas esses veículos ‒ grande parte da cidade, talvez ‒, é de que não houve qualquer movimentação Fora Bolsonaro por aqui.


Em um post da semana passada aqui no Pluris falamos sobre a crise de credibilidade e de autoridade enfrentada pela imprensa brasileira. Não seria o silêncio sobre determinados assuntos de extrema importância mais um componente que contribui para essa crise?


Uma exceção: o jornalismo independente e alternativo


A maior cobertura do Fora Bolsonaro em Divinópolis foi feita por uma página no Instagram ‒ da Mídia Ninja na região Centro-Oeste de Minas Gerais, a Mídia Ninja 037


A página, de quase 3,5 mil seguidores, publicou no sábado (19), pelo menos nove vídeos das manifestações ‒ um deles, uma transmissão ao vivo com mais de 1h de duração ‒ e diversas fotos no feed e nos stories.


Para além do ato Fora Bolsonaro, poderíamos destacar aqui outras coberturas feitas na região pela Mídia Ninja 037 e ressaltar, portanto, a importância dos veículos de jornalismo alternativos e independentes. Ser alternativo diz respeito a cobrir pautas geralmente deixadas de lado pelas mídias tradicionais. Já independência significa não estar sujeito às pressões de anunciantes, que com frequência não permitem a cobertura de determinados assuntos.


Sobre como se dá o financiamento da Mídia Ninja 037 ainda não sabemos ‒ afinal, jornalismo exige recursos ‒, assunto que rende outro post. Mas esperamos que o veículo se fortaleça ainda mais ‒ os divinopolitanos precisam de uma mídia alternativa e independente. 


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terça-feira, 8 de junho de 2021

Quem escreve as notícias que você lê?

Ana Laura Corrêa




A resposta à pergunta do título parece óbvia. São os jornalistas.


No entanto, em alguns casos, são assessores de imprensa, que também são jornalistas, mas contratados por empresas/organizações/políticos/famosos para divulgar conteúdos na mídia.


Essa divulgação ocorre por meio de um documento chamado de release, que é enviado pelos assessores aos jornalistas e que deveria servir somente como uma sugestão de assunto a ser apurado pela imprensa. Isso porque, obviamente, esse release nem sempre se guia pelos preceitos jornalísticos, afinal, assessoria de imprensa e jornalismo são atividades distintas. A assessoria diz respeito aos interesses de uma empresa/organização/político/famoso; já o jornalismo tem (ou deveria ter) uma função social.


Embora o release devesse funcionar apenas como uma sugestão de assunto, o que se vê, normalmente, é a mera reprodução dos conteúdos na imprensa, sem apuração e às vezes até sem correções ortográficas ‒ e também sem a assinatura de um jornalista responsável pelo texto.


Exemplos


No dia 2 de junho, quarta-feira, a Prefeitura de Divinópolis encaminhou um release aos meios de comunicação sobre a publicação de um decreto de “liberdade econômica” no município, que estabeleceu, por exemplo, o fim da exigência de alguns alvarás para determinadas empresas.


O release, que também está disponível no site da Prefeitura, foi reproduzido (às vezes com pequenas alterações) por pelo menos quatro portais de notícias da cidade, além do site da CDL: Portal Agora, G37, Portal Gerais, Sistema MPA.


O único entrevistado no texto divulgado pela Prefeitura é o secretário de Desenvolvimento Econômico, Luiz Angelo Gonçalves. Falta, então, para irmos além da fonte institucional, a voz de um especialista, por exemplo. Afinal, quais as diferentes avaliações sobre esse decreto? 


Falta apuração


Na quinta-feira, 3 de junho, a assessoria de imprensa do vereador Eduardo Azevedo encaminhou um release aos veículos de comunicação de Divinópolis. O texto enviado pela assessoria do parlamentar foi reproduzido na íntegra ou com algumas edições por pelo menos três portais de notícias da cidade: Sistema MPA, G37, Portal Gerais.


No release divulgado à imprensa, o vereador afirma, por exemplo, que “lockdown não funciona”. A frase foi simplesmente reproduzida pelos meios de comunicação. Neste ponto, a imprensa deixou passar uma oportunidade de apuração, que certamente rebateria a fala do vereador, tendo em vista os diversos estudos que comprovam a eficácia do lockdown e do isolamento social para conter a pandemia. 


O buraco é mais embaixo


A discussão sobre a simples reprodução de releases na mídia envolve diversos outros debates ‒ como a suposta necessidade de rapidez da informação na internet, a busca por cliques, as hierarquias nas empresas jornalísticas, as reportagens patrocinadas e as rotinas dos jornalistas, que nem sempre permitem que se desenvolva uma apuração prolongada ‒ mas é um aspecto que vale a reflexão para jornalistas e leitores. 


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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

A imprensa e o novo prefeito de Divinópolis: jornalismo ou assessoria?

Ana Laura Corrêa        

Gleidson Azevedo assumiu a Prefeitura de Divinópolis em 1º de janeiro. Assim como o irmão, o deputado estadual Cleitinho Azevedo, Gleidson vem se tornando conhecido pelos vídeos publicados em suas redes sociais. Até o dia 16 de janeiro, por exemplo, 19 publicações já haviam sido feitas pelo prefeito em sua página no Instagram.

A quantidade de postagens nas redes sociais corre o risco de transformar a cobertura jornalística das ações da Prefeitura, feita pelos veículos de comunicação da cidade, em uma simples cobertura das publicações do Instagram, com matérias do tipo “Em vídeo, Gleidson diz que…”.

Assim, o que se tem é uma cobertura sobre os vídeos do prefeito, e não sobre os fatos em si. Tal como fez o Estado de Minas - em notícia republicada do Portal Gerais, de Divinópolis - que, em vez de destacar a problemática em torno dos elevadores e veículos exclusivos para o prefeito, fez uma descrição detalhada do vídeo publicado pelo chefe do Executivo, veja na matéria "Prefeito de Divinópolis revela elevador privativo e 'mordomias'; veja vídeo".

Vídeo do prefeito virou matéria no Estado de Minas (Foto: Reprodução)

Ou, ainda, o Sistema MPA que, como veículo jornalístico, reproduziu uma crítica do prefeito direcionada à própria mídia, feita, é claro, em um vídeo, na matéria "Prefeito Gleidson questiona mídia e aproveita para fazer balanço da primeira semana". As regras dos textos jornalísticos dizem que os temas mais importantes devem vir no primeiro parágrafo das matérias. No caso da notícia do Sistema MPA, o texto já se inicia com “O prefeito Gleidson Azevedo divulgou um vídeo…”. Será esse o fato mais importante? Será o conteúdo do vídeo um conteúdo importante ao ponto de merecer uma matéria?

Também o Jornal Agora destacou na matéria "Prefeito de Divinópolis remove radar na avenida JK" o vídeo em que o prefeito retira “com as próprias mãos” um radar na avenida JK. A matéria feita não traz o posicionamento da Secretaria de Trânsito, principal fonte sobre o assunto - afinal, por que aquele radar foi colocado ali? - mas se detém à descrição do vídeo.

Todos os três textos trazem pelo menos trechos dos vídeos publicados por Gleidson Azevedo que motivam as matérias.

Mas somos jornalistas ou assessores do prefeito? Parece haver uma confusão quanto à função do jornalismo.

Repórteres e jornalistas muitas vezes se orgulham em dizer que são o “quarto poder”, que são “fiscalizadores da política”. No entanto, matérias desse tipo parecem apenas uma assessoria de comunicação das ações do prefeito, que, vale ressaltar, tem funcionários e assessores remunerados (aliás: esses assessores, como servidores públicos, são assessores do governo ou da Prefeitura, da máquina político-administrativa, com a finalidade de cuidar da coisa pública? Mas esse é um tema para outro texto...)  à sua disposição, enquanto jornalistas dos veículos de comunicação da cidade geralmente enfrentam trabalhos precários.

Com certeza há temas mais importantes para o jornalismo do que divulgar populismos, polêmicas propositais ou que tais - ou, então, que se traga pelo menos uma perspectiva crítica em matérias desse tipo. Que deixemos o restante para as páginas pessoais dele nas redes sociais.

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

O que é o desenvolvimento econômico em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa            

Os vereadores eleitos em Divinópolis participarão, em fevereiro, de um workshop promovido pelo Sebrae, Fiemg e Grupo Gestor ‒ entidades ligadas aos empresários da cidade.

A Câmara e a Fiemg noticiaram em seus sites e distribuíram releases à imprensa sobre o evento, que, segundo os textos publicados, terá foco no “desenvolvimento econômico”.

Quando se fala em “desenvolvimento econômico”, a população é levada a crer que se trata de uma capacitação certamente benéfica, que trará crescimento para o município.

Mas é preciso questionar: o que se entende, neste caso, por desenvolvimento econômico, levando-se em conta a perspectiva dos responsáveis pelo evento?

Reunião dos representantes da Fiemg e Sebrae com o presidente da Câmara (Foto: Divulgação/Fiemg)

‘Empreendedorismo’

Vejamos, por exemplo, um dos temas a ser abordado no workshop, segundo a notícia divulgada no site da Câmara e da Fiemg: a “educação empreendedora”.  

É sabido que “empreendedorismo” tem sido um termo utilizado com recorrência para apagar a precarização do trabalho. O “empreendedorismo” aumenta o número de empregados, sim, mas de trabalhadores informais, que não têm nenhuma garantia de direitos. Desta forma, vale questionar, em que medida isso corresponde realmente ao desenvolvimento - que deveria se pautar além do econômico, mas vá lá - para a cidade.

Legislações

Na notícia publicada no site da Câmara consta que “serão debatidas as aplicações de diversas legislações como o Código de Posturas, Ambiental Municipal, Plano Diretor e Código Tributário”.

Serão debatidas mesmo, com espaço para diferentes pontos de vista? Ou serão atacadas, com propostas de alterações a bel-prazer dos empresários? Afinal, é um evento promovido por eles, que geralmente, na lógica do estado mínimo, querem mudar o que estabelece o Código Tributário, Plano Diretor, Plano Ambiental...

Qual o papel do vereador?

O texto divulgado pela Fiemg diz que “o objetivo principal do treinamento é capacitar os vereadores para que possam entender seu papel e assim fazer proposições e criar projetos de leis que poderão impulsionar o desenvolvimento de Divinópolis”. E que “vários temas serão tratados, como consórcio público, uso e ocupação do solo, educação empreendedora, entre outros”.

Obviamente, cada grupo social - incluindo os de empresários -  tem seus interesses particulares e age de acordo com eles. Ainda assim, quando a questão avança ao debate público, para tratar da coisa pública e envolvendo instituições públicas, cabe questionar qual viés será dado a essa “capacitação”. Afinal, de qual ponto de vista os vereadores vão “entender seu papel e assim fazer proposições”? Apenas dos empresários? Mas os vereadores não são representantes do povo?

O presidente da Fiemg afirmou na matéria que se trata de uma oportunidade de os vereadores “conhecerem mais sobre o poder público e os reeleitos poderem se reciclar”. Ressalta-se, neste ponto, o fato de a federação das indústrias privadas querer apresentar o poder público para os edis eleitos. Qual propriedade sobre o assunto eles têm?

Engajamento de vereadores?

A notícia publicada pela Câmara e pela Fiemg ainda traz que o objetivo do evento é engajar os vereadores “nas temáticas relacionadas ao desenvolvimento econômico do município, à importância dos pequenos negócios e à construção de políticas públicas que gerarão mais e melhores empregos, elevarão a renda das pessoas e aumentarão o recolhimento de Divinópolis”.

Mais uma vez, é preciso questionar: quais temáticas são essas? Quem estabeleceu essas temáticas? Quais propostas de políticas públicas são essas - que, pelo visto, têm o efeito mágico de salvar a economia da cidade? Por que “engajar” os vereadores nesse workshop?

A quem interessa que eles se “engajem” em políticas que tratam da precarização do trabalho? Eles não eram representantes do povo? Poderiam também os movimentos sociais se reunir com os edis para propor um “engajamento” nesses movimentos, também com “imersão integral, palestras, dinâmicas, debates e oficinas”? Será que os vereadores topariam com tanta prontidão? Será que os movimentos não seriam vistos como “doutrinadores”?

“O presidente da Câmara, Eduardo Print Jr., considerou esta “uma excelente iniciativa que pode estimular o legislador a elaborar leis que geram um efeito prático mais imediato e com potencial de transformar para melhor a vida dos trabalhadores.”

Faltou o vereador explicar como entende que tais medidas poderão transformar para melhor a vida dos trabalhadores. Aguardemos.

Casa do Povo?

É preocupante que a “Casa do Povo” reproduza o discurso enviesado de “desenvolvimento econômico” sem questionamentos. Ou de que povo é essa Casa?
 

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