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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?

 O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? 

Por Laís Abreu 

No mundo contemporâneo, a presença das redes sociais na rotina das pessoas se tornou algo tão comum que aqueles que arriscam a ausência nas plataformas digitais criam uma impressão de desatualização ou até mesmo falta de conectividade com o restante do mundo.

Os celulares facilitaram bastante isso: entre uma tarefa e outra, acontece uma checagem no Instagram, outra no WhatsApp e uma lida no Twitter, ou melhor dizendo X. Até que no dia 30 de agosto, milhões de usuários da famosa plataforma do passarinho se viram diante de seu bloqueio. Para muitos fãs da rede foi uma atitude antidemocrática, mas o que muitos precisavam enxergar é que, de fato, a vida continua sem as plataformas digitais.

Embora a rotina de todos os brasileiros estivesse sendo a mesma, as reclamações e abstinência tomaram conta das demais redes sociais e muitos garantiam que lutavam pela “liberdade de expressão”. Um estudo da Orbit analisou 500 conversas no TikTok sobre a suspensão do X no Brasil e considerando os usuários que já haviam se decidido sobre a migração para uma outra plataforma, 78% disseram que o BlueSky seria o substituto do X. Em seguida, o Threads aparecia com 14% dos comentários.

No entanto, diante de toda essa “ausência de liberdade de expressão”, os internautas ignoram a verdadeira influência e poder que tomam conta das redes sociais. Adorno foi um dos primeiros pensadores a realizar análises mais sistemáticas sobre o tema e descreveu que os meios de comunicação em larga escala moldam e direcionam as opiniões de seus receptores. É como se fosse uma pirâmide, em cuja base estão todos os usuários envolvidos em likes, retweets, compartilhamentos, publicações, trends topics e hashtags. Enquanto no topo dela, estão as grandes marcas e influencers, que ditam as tendências, impõem os padrões e moldam as narrativas.  

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.
O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.

O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

Em um cenário em que nossa última imagem antes de dormir é uma tela e a primeira ao acordar é uma tela, a reflexão que fica é: precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?
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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Elon Musk, liberdade de expressão e manipulação

 A decisão do magnata de fechar o escritório da rede social X no Brasil visa evitar cumprimento de ordens judiciais, potencializando riscos de desinformação e interferência nas eleições

Por: Maria Eduarda Bianchi Umebara


No dia 17 de agosto, a rede social X anunciou a saída de seu escritório do Brasil por meio de uma nota publicada na própria plataforma. No comunicado, a empresa afirmou que decisão foi tomada devido a ameaças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes ,que teria advertido sobre a possível prisão de um funcionário, o representante legal da rede no país, caso não fossem cumpridas as "ordens de censura". Para proteger a segurança de sua equipe, alegou a nota, a rede social optou por encerrar suas operações no país. No entanto, a plataforma continua disponível para uso dos brasileiros.

A tensão entre o ministro e Elon Musk, dono da rede social, vem crescendo desde abril deste ano, após decisões judiciais que visavam bloquear contas populares do Brasil que disseminam fake news e atacam as instituições brasileiras. Musk acusou Moraes de censura, levando o ministro a incluir o empresário no inquérito das milícias digitais e abrir uma investigação por possíveis crimes como obstrução à Justiça. Além disso, Moraes impôs uma multa diária de 100 mil reais para cada perfil reativado em descumprimento da ordem judicial. Musk reagiu com críticas severas, chamando Moraes de "ditador brutal".

No dia 8 de agosto, o ministro havia determinado o bloqueio de 7 perfis, incluindo o do senador Marcos do Val (Podemos - ES). Entretanto, o X não cumpriu com a decisão judicial. Com isso, segundo os documentos compartilhados pela rede social, Moraes determinou, na sexta-feira (16), uma intimação dos advogados da plataforma no Brasil, buscando que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas, o bloqueio das contas desses usuários.

O fechamento do escritório da empresa no Brasil pode complicar a aplicação da legislação brasileira à plataforma. No entanto, segundo o especialista em direito digital Marcelo Crespo, mesmo sem um escritório físico no país, a empresa ainda está legalmente obrigada a cumprir as leis nacionais. A dificuldade é que as ordens judiciais precisarão ser enviadas à sede internacional da empresa, o que pode atrasar ou dificultar seu cumprimento.

Crespo aponta que a decisão de Elon Musk parece ser “estratégica”, uma vez que o empresário não tem interesse em seguir a legislação brasileira.

Embora o X desempenhe um papel crucial na promoção de debates entre pessoas de diferentes regiões, a falta de mecanismos eficazes para aplicar a lei pode resultar em graves consequências para o país. Muitos perfis continuarão a disseminar fake news, especialmente durante períodos eleitorais, interferindo diretamente no processo democrático e criando um cenário em que a desinformação pode se espalhar sem controle, influenciando a percepção pública e comprometendo a integridade das eleições, com narrativas deliberadamente falseadas para moldar opiniões e decisões de voto.

Se, sim, esse um debate antigo e é válido o argumento de que falseamento de narrativas, boatos, mentiras e manipulações fazem parte da vida social e da própria democracia, é preciso não perder de vista o alcance e poder das mídias sociais - e consequentemente de seus proprietários - nesse processo. O regramento e a responsabilização portanto devem levar em conta essas características.

A decisão de Elon Musk, o magnata dono da gigante dos veículos elétricos Tesla, que já disse que buscaria fontes de lítio onde quer que fosse, mesmo que para isso fosse necessário derrubar governos democraticamente eleitos, coloca em evidência que sua preocupação pode não ser exatamente a defesa da liberdade de expressão.

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terça-feira, 7 de novembro de 2023

O apagamento das dores sociais: quando o espetáculo ofusca as necessidades reais

 Por Maria Eduarda Salgado 

Na era da informação instantânea e da torrente incessante de notícias, uma preocupação surge com mais clareza do que nunca: a influência da mídia na formação da percepção pública. Recentemente, um contraste marcante entre dois casos ilustrou como a mídia pode direcionar a atenção do público para narrativas menos significativas em detrimento de questões sociais que poderiam ser julgadas como de maior urgência.

Em um lado dessa dicotomia, tivemos o término do relacionamento de curta duração (um mês) entre a cantora Luísa Sonza e o influenciador Chico Moedas. Embora relacionamentos pessoais sejam, sem dúvida, dignos de respeito, o circo midiático formado em cima deste episódio, em comparação com assuntos mais prementes, chama bastante a atenção. A dramatização exagerada de tal evento na mídia desviou a atenção de grande parte do público de quaisquer pautas sociais relevantes que ocorriam em paralelo.

Como um exemplo trágico, na mesma época, ocorreu a morte prematura e chocante de Maria Clara, a indígena de 15 anos, vítima de estupro e afogamento em uma área de pântano no município de Oiapoque, na região de fronteira no norte do Amapá. A vítima era do povo karipuna e vivia na aldeia do Manga. Esse evento trágico coincidiu com a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, momento crucial de mobilização para destacar a violência enfrentada pelos povos originários, principalmente as mulheres. No entanto, a mídia parecia mais interessada em abordar o drama de um relacionamento entre subcelebridades do que em ampliar a conscientização sobre a luta dos povos indígenas.

Essa disparidade na cobertura midiática demonstra como a privatização do espaço público e a busca incessante por audiência podem prejudicar e empacar a discussão e o debate acerca das questões sociais importantes e de interesse público. Quando as histórias pessoais de figuras caricatas são priorizadas em relação a eventos reais e significativos, a sociedade perde a oportunidade de porfiar pautas cruciais, como a violência de gênero e a insegurança dos povos indígenas.

O verdadeiro desafio agora é repensar o papel da mídia na sociedade e buscar maneiras de superar a priorização inadequada de narrativas menos significativas. A sociedade deve participar de um debate coletivo sobre o que merece destaque e como podemos garantir que questões importantes não sejam negligenciadas em prol do entretenimento vazio.

Embora as soluções possam não ser evidentes em um contexto marcado pelo sensacionalismo midiático embebido do capitalismo tardio, é fundamental começar esse diálogo. Somente através de uma análise crítica do estado atual da mídia e do esforço coletivo para redefinir nossas prioridades informativas, podemos esperar que assuntos relevantes não sejam mais ofuscados por entretenimento superficial.

Esta é uma chamada à reflexão sobre a influência da mídia na percepção pública e um apelo para que a sociedade reafirme seu compromisso com questões que realmente importam, especialmente em momentos cruciais, como a Marcha das Mulheres Indígenas, quando a voz das vítimas de violência deve ser ouvida, respeitada e ampliada.
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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Narciso acha feio o que não é espelho

A miséria do jornalismo brasileiro em dois atos

Por Gilson Raslan Filho

Princípio básico do código de ética, de conduta e do exercício técnico e profissional dos jornalistas, a realidade, os fatos reais, o que de fato aconteceu é imprescindível para repórteres e editores, colunistas e articulistas.

É bem verdade que os dois últimos têm, sobre os dois primeiros, o privilégio de ter sua opinião sobre os fatos como um valor de composição. Mas ainda assim, lá estão eles: os fatos! Isso quer dizer que, a despeito do que eu ache deles (e os consumidores terão a possibilidade de discordar de minhas análises e opiniões), meu ponto de vista não pode prescindir da tarefa magistral e elementar de todo e qualquer jornalista: esclarecer sobre os fatos reais.


Eis que o jornalismo brasileiro fez surgir um novo espécime: o colunista analista sem compromisso com os fatos. Pior: colunistas tão apartados da realidade, que enxergam a sua própria visão do mundo, não o próprio mundo. E mais: acreditam que essa visão é a realidade.

A bem da verdade, é preciso dizer que esse não é um fenômeno novo – mas ele tem se tornado especialmente virulento em tempos de redes sociais e aprofundamento da crise da empresa jornalística fundada no século 20. Tampouco podemos generalizar: há bons jornalistas, que cuidam para que os fatos estejam sempre no centro da cena – não a opinião que analistas, colunistas e articulistas emitem.

Dois casos, todavia, merecem destaque e apontam para uma real falência do jornalismo feito a partir da lógica empresarial burguesa, montada no século 19 e consolidada no século 20. Ambos ocorrem quase no mesmo instante, no mesmo programa, “Em Pauta”, do Canal Globo News, e envolve os jornalistas Guga Chacra, comentarista de geopolítica internacional do canal; e Jorge Pontual, velho comentarista de generalidades, radicado em Nova Iorque.

Uma imagem contendo Interface gráfica do usuário

Descrição gerada automaticamente
Ambos tratavam do mesmo fato: o discurso do Presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em seu retorno à abertura da Assembleia Geral da ONU, em 19 de setembro. Havia um clima de verdadeiro entusiasmo com o discurso que Lula acabara de pronunciar – pelas circunstâncias: o discurso marcava o fim do pesadelo de quatro anos de Bolsonaro; e pelo impacto do discurso mesmo, muito aplaudido e elogiado por inúmeros políticos, empresários e jornalistas ao redor do mundo.

Jornalistas, no entanto, precisam manter uma postura crítica, enxergar além das paixões, relativizar o consenso. Em dois atos, Chacra e Pontual, no esforço por fazer jornalismo crítico, só reforçaram que aquele jornalismo em que militam já morreu. Só eles não sabem.

Ato 1: O absoluto sou eu

Guga Chacra criticou, na fala de Lula sobre ameaças à democracia na Guatemala, a ausência de crítica a regimes “ditatoriais” da China e da Rússia. Assim, de maneira generalista. Mas o que chama a atenção mesmo é a intencionalidade da análise do jornalista: tomar a democracia europeia e estadunidense como planos acabados da experiência democrática. Se Lula tinha a obrigação de denunciar todas as ameaças à democracia, também não deveria fazer em relação aos EUA, à França, à Alemanha etc etc?
 
Assista a um corte do programa:


 
 
Eis o fato: a democracia é ameaçada continuamente – por restrições políticas ou econômicas – em todos os locais. Eis a realidade vista por Guga Chacra: democracia é o que o ocidente entende por democracia.

Ato 2: O mundo para mim

O caso da análise de Jorge Pontual é ainda mais grave de tão simplória, quase grosseira. Para o jornalista, o sucesso do discurso de Lula se dava porque foram usadas palavras-chave de fácil compreensão para... jornalistas. Em outras palavras: para Pontual, o impacto do discurso do presidente brasileiro se deu por ter sido “manchetável”.

Assista a um corte do programa: 
 
 
 
A análise do jornalista beira o primário, porque não se dá conta que a esfera pública já não se limita à mediação do próprio jornalismo e que, por óbvio, a realidade não se realiza a partir do tecido jornalístico. Mas há um fato incontornável aí: analistas como Jorge Pontual nos dão a certeza de que não é desse tipo de analistas, comentaristas, colunistas que o mundo precisa.
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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

A vida privada como produto

Por Matheus Antônio Vieira

Caso da separação entre Luísa Sonza e Chico Moedas revela como a midiatização da vida pessoal é uma estratégia construída com auxílio de páginas de fofoca

No último dia 20, a cantora Luisa Sonza (25) anunciou o término de seu namoro com Chico Moedas, durante sua participação no programa Mais Você da Rede Globo. Ao lado de Ana Maria Braga, a cantora leu um texto que escreveu após o fim do relacionamento, destacando uma traição sofrida pelo ex-namorado.
A cantora foi convidada ao programa para falar sobre a repercussão do seu álbum “Escândalo Íntimo”, lançado no dia 29 de agosto. Durante a exibição ao vivo, a cantora decidiu expor a traição de Chico Moedas. Os fãs esperavam ver a cantora falar sobre seu mais novo álbum, “Escândalo Íntimo” , que inclui a faixa “Chico”, composta por Sonza para seu então namorado.


Luísa Sonza no programa Mais Você. Foto: Globo.

Apesar da entrevista não ter resultado no aumento audiência do programa naquele dia, marcando 7,5 pontos no Ibope, o assunto viralizou nas redes sociais, se tornando Assunto do Momento no X (Twitter), e sendo divulgado amplamente nos perfis de fofocas no Instagram, o que abordaremos mais à frente. A música “Chico”, presente no novo álbum de Sonza, subiu 5 posições na plataforma Spotify, se tornando a 4º música mais ouvida do país no dia 21 setembro, com mais de 1 milhão de ouvintes diários.

Durante a leitura da carta Ana Maria Braga chegou a chorar com as palavras da cantora:

“Como se a traição já não bastasse, nos colocam como loucas, dão risada da nossa intuição, literalmente falam que a realidade é um detalhe pra você, invalidando tudo o que a gente pensa, acredita, vê, tudo o que é real.”

A vida pessoal como estratégia para a música

A vida pessoal de Luisa Sonza sempre foi assunto midiático, desde que ela se tornou conhecida pelo público. Em 2020, Luisa Souza se separou do comediante e influencer digital Whindersson Nunes, com quem foi casada por 2 anos. A separação foi muito comentada na internet, principalmente em razão da popularidade de Nunes na época. Entre 2020 e 2021 a cantora também namorou “Vitão”, com quem havia lançado a faixa “Flores”, também em 2020.

A midiatização da vida privada da cantora tem se apresentado como muito vantajosa. Estima-se que, depois da revelação do término com Chico Moedas, a cantora teria ganhado mais meio milhão de seguidores, informa o G1, totalizando 31,5 milhões de seguidores somente no Instagram. Houve também o aumento significativo do número de ouvintes da cantora na faixa.

Nas redes sociais, alguns internautas questionaram se a atitude de Luísa Sonza era uma “estratégia de marketing”. Em resposta aos comentários, ela ironizou no Instagram: “Claro gente eu fui corna de propósito faz todo o sentido parabéns”.

Comentário feito pela cantora no Instagram, no dia 21 de setembro. Foto: Reprodução Instagram.

O que levou Sonza à declaração pode não ter sido planejado. Mas há um planejamento em como comunicar. Não se tratava apenas de um comentário em resposta à pergunta de Ana Maria Braga. A cantora pediu o espaço para ler uma carta, escrita previamente para aquele momento. Ela se posiciona estrategicamente, criando uma narrativa sobre a traição, e desta forma, aproveita da exposição para liderar como o assunto será abordado. Para lidar com tais assuntos serão abordados, Sonza conta com uma das maiores empresas de marketing digital do país, a Music2/Mynd8.

A empresa que gerencia Luiza Sonza

Por trás da cantora Luisa Sonza está a empresa Music2/Mynd8. O grupo de empresas tem como fundadora Fátima Pissara, empresária da cantora, e especialista em marketing de influência, atualmente também CEO do portal Billboard Brasil. A empresa é responsável pelo gerenciamento de um longa lista de cantores e influencers no país, entre eles Luisa Sonza. A empresa também é responsável por uma “banca digital”, uma lista de perfis de perfis com fofocas e memes de celebridades.

As páginas de fofoca são centrais para garantir a exposição necessária para Luisa Sonza, e os outros influencers gerenciados pela Music2/Mynd8. Essas páginas comumente não possuem linhas editoriais, nem compromisso com a ética jornalística, o que não permite o público estabelecer com elas uma relação de transparência com aquilo que é informado. Dessa forma, as páginas podem escolher falar sobre determinado assunto de acordo com a demanda da Music2/Mynd8, sem sequer ser informado sobre a possibilidade de conflito de interesses. Cabendo a audiência realizar o processo crítico sobre o conteúdo consumido.

Listagem de perfis gerenciados pela Music2/Mynd8. Foto: Music2/Mynd8.

São 34 (trinta e quatro) perfis gerenciados pela Music2/Mynd8, a maioria acumulam entre 1 milhão a 20 milhões de seguidores. Com exceção dos perfis “modaparameninas”, “instacinefilos”, “omusojoao”, “perregue_chique”, “sincerooficial”, “soldadoferido”, todos outros perfis gerenciados pela empresa são sobre a vida das celebridades. Sendo que 28 dos 34 perfis fizeram ao menos uma publicação sobre o término de Luísa Sonza e Chico Moedas, seja replicando as reações de usuários, os comentários na mídia e as reações de outros influencers.

As polêmicas que esses influencers se envolvem incentivam as pessoas a procurarem mais informações, inclusive em suas redes sociais. O processo de engajamento em polêmicas pode parecer contraditório, uma vez que uma polêmica poderia acarretar na difamação, ou “cancelamento”, da figura pública. Entretanto, dominando parcialmente como a informação circula, a Music2/Mynd8 pode garantir que seus agenciados sejam retratados de acordo com seus interesses.

Durante a produção deste texto, a BBC publicou o artigo “Luísa Sonza e Chico Moedas: como desabafos públicos de celebridades podem ser um bom negócio” no qual abordou sobre a possível estratégia de marketing. O portal entrou em contato com Fátima Pissara, empresária de Sonza, que negou os comentários reproduzidos na internet: “É tão ofensivo achar que uma menina de 25 anos vai ter uma estratégia de marketing por trás de uma traição de um namorado para o qual ela fez uma música em homenagem”, afirmou em tom de desabafo Pissara a BBC.

Apesar do artigo destrinchar o aumento da popularidade de Sonza no Instagram e o aumento dos ouvintes da faixa “Chico”, a BBC não destrinchou sobre a relação da empresa Music2/Mynd8 com os portais de fofoca no Instagram.

Sonza havia sido processada em 2020 pela advogada Isabel Macedo, após a cantora pedir um copo de água para a mulher negra, confundindo-a como garçonete, em Fernando de Noronha.

Na terça-feira o assunto voltou a circular após o UOL publicar com exclusividade sobre o arquivamento do caso devido um acordo entre as partes. Na manhã (20) antes do programa, Isabela Macedo postou no Instagram: “O que eu pensava já ter ficado para trás, visto que o processo já estava arquivado, veio à tona. E mais uma vez me trouxe as dores, as quais estou tratando ainda.” O caso de racismo perdeu espaço midiático em meio a grande cobertura que foi realizada sobre o término.

Transparência e leitura crítica das mídias

O caso da Luisa Sonza revela o uso do poder da mídia na criação de demandas e audiência sobre determinados assuntos. Destaca que as particularidades da vida privada é um elemento utilizado pelas celebridades ou influencers, para garantir o engajamento do público.

Essa estratégia tem sido chamada por profissionais da área como marketing de influência e é uma variação da teoria fundada por Iwan Setiawan e Philip Kotler, do marketing humanizado, referências no campo de tendências de consumo e marketing. As imagens abordadas pelos artistas e influencers se tornam mais humanizadas, na medida que sofrem de problemas como o nossos, criando determinada conexão com o público. E mesmo a considerável parcela que não tomará o lado da cantora, continuará engajado na tentativa de combater a sua imagem.

A humanização da imagem do artista também pode fazer com que eles pareçam transparentes, mas por trás dessa humanização há um processo de escolhas e de muito dinheiro. Contraditoriamente, apesar de muito compartilhar sobre sua vida pessoal, Sonza tem evitado falar com o público sobre o racismo.

O caso de Sonza não se trata necessariamente de forjamento (ou invenções) da sua traição. Mas o declarado aproveitamento das situações pessoais como meio de garantir a propagação de suas imagens, e tendo como fim, o aumento do alcance e o retorno financeiro. Uma estratégia que ampliou seu público das páginas de fofoca gerenciadas pela Music2/Mynd8, para a televisão aberta. Ainda, esse poder midiático, pode garantir quais e como os assuntos serão abordados, ocasionando o apagamento de outras pautas.

Por se tratar de uma indústria, neste caso, a indústria da música, para que ocorra essa midiatização do artista, é necessário investimento monetário. E os valores normalmente não são publicizados. Em maio deste ano, Sonza teria assinado com a Sony Music, gravadora multinacional, em um contrato estimado de 100 milhões de dólares, de acordo com o colunista Leo Dias no Metropolés, mas a informação não foi confirmada.

As páginas de fofoca são responsáveis por ampliar a midiatização da vida privada desses artistas, e que quando controlados por uma empresa que possui interesses conflitantes podem permitir o falseamento da relevância do assunto e do interesse público sobre aquela informação. Além de criar uma falsa sensação de diversidade de perfis, apesar de se tratarem de meios gerenciados pela mesma empresa.

Nosso engajamento com as vidas privadas dos influencers e artistas partem das estratégias bem estabelecidas. Elas reconhecem o interesse público nessas histórias que se parecem com a dramaturgia de horário nobre brasileiro, e que como estas, são um produto com uma exuberante audiência a ser monetizada.
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sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Entre ceticismo e consciência

 O caso de Giovanna Blasi e a discussão sobre saúde mental nas redes sociais

Por Lais Abreu e Maria Eduarda Salgado

Nos últimos tempos, após uma reportagem no Fantástico sobre Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), as redes sociais e a mídia foram inundadas com a história de Giovanna Blasi, uma jovem de 21 anos que ao ser entrevistada pelo programa afirmou conviver com o transtorno, uma condição psiquiátrica rara e severa. O caso de Giovanna trouxe à tona uma série de debates e controvérsias sobre a autenticidade de seu diagnóstico e a forma como ela escolheu compartilhar sua experiência com o público.

Em um mundo cada vez mais consciente da importância da saúde mental, é fundamental abordar essas questões com sensibilidade e precisão. Em primeira análise, vale ressaltar que naquele domingo, 20 de agosto, o Fantástico já esperava uma grande audiência, considerando que na edição anterior conquistou o maior índice com 22,5 pontos de pico, devido ao caso de Larissa Manoela, já citado aqui no Pluris. Sendo assim, com a segunda parte da entrevista da jovem, o programa estaria mantendo a atenção do público. Dessa forma, é importante analisar que a escolha do tema, exposto logo após a reportagem de maior audiência, foi uma escolha bem feita.

O programa conduziu a reportagem de maneira clara, iluminando a sociedade sobre a necessidade de se falar sobre o assunto. Em um trecho, a repórter Ana Carolina Raimundi chega a dizer: “A gente sabe que muita gente vai duvidar do transtorno, dizer que é tudo invenção, mas é preciso deixar claro aqui que se uma pessoa diz ter uma doença mental seja ela qual for, não cabe ao outro questionar, isso é um assunto para os profissionais de saúde que atendem essa pessoa, provavelmente ela está em sofrimento e precisa ser acolhida e não maltratada.”

Após o programa, Giovanna Blasi, entrevistada, ganhou destaque ao listar 18 identidades que alega conviver, todas com nomes distintos. No entanto, ainda que o jornalismo tenha feito sua parte na questão do alerta, sua história suscitou ceticismo, e não apenas entre leigos, mas também entre psicólogos e estudiosos da área.

Um ponto de discussão relevante é a aparente falta de consistência nas descrições de Giovanna sobre suas identidades e como elas se manifestam. Especialistas apontaram que o TDI geralmente envolve lapsos de memória e uma incapacidade de lembrar eventos que ocorreram durante a alternância de personalidades. A capacidade de Giovanna de nomear suas identidades e descrevê-las de forma coerente suscitou dúvidas sobre a precisão do diagnóstico. Após toda repercussão nas redes sociais, foi descoberto a ausência de um laudo oficial sobre o transtorno da jovem.

A espetacularização do transtorno é outra questão debatida. A exposição pública de problemas de saúde mental é sim uma ferramenta poderosa para aumentar a conscientização e oferecer apoio àqueles que enfrentam desafios semelhantes. No entanto, a forma como Giovanna escolheu representar o TDI nas redes sociais levantou preocupações. A transformação do transtorno em personagens para vídeos pode minimizar a seriedade da condição e potencialmente prejudicar a compreensão do público sobre a realidade das pessoas que vivenciam o TDI.

Dessa forma, a irresponsabilidade da jovem com a espetacularização e a ausência de rigor técnico do programa Fantástico, refletem como a mídia e sociedade ainda precisam evoluir com a checagem de fontes. O mínimo, como forma de conscientização social para o programa, deveria ter sido feita uma retratação, informando ao público a ausência de laudo da entrevistada, e como é necessário o cuidado com um assunto tão sério.

Com isso, o caso de Giovanna Blasi com o Fantástico ilustra a complexidade das questões relacionadas à saúde mental e à representação pública. É importante abordar essas questões com empatia e cuidado, garantindo ao mesmo tempo a precisão e a responsabilidade na divulgação de informações sobre transtornos psicológicos, além da checagem dos fatos.

Independentemente das dúvidas em torno do caso de Giovanna, seu exemplo ressalta a necessidade contínua de educação e compreensão em relação à saúde mental em nossa sociedade, além da importância do jornalismo em reconhecer quando um erro é cometido, afinal, pessoas sempre serão afetadas com as informações e notícias que produzimos.
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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O que revela a cobertura do caso Larissa Manoela

 Aumento da audiência de casos que envolvem personalidades do mundo do espetáculo pode indicar um ciclo vicioso cujo resultado é a democracia ferida de morte

Por Vitor Faria Silveira

Nas duas últimas semanas de agosto o caso de desgaste entre a atriz Larissa Manoela e seus pais foi o assunto de maior audiência nos noticiários. A atriz concedeu uma entrevista exclusiva para a Jornalista Renata Capucci que foi ao ar no programa Fantástico, no dia 13 de agosto. O contexto da entrevista foi o rompimento da relação com seus pais Silvana e Gilberto Taques. Na entrevista, a artista revela que havia deixado todo seu patrimônio construído em 18 anos de carreira para os pais e que, a partir daquele momento, assumiria o controle de suas finanças.

Repercussão do caso Larissa Manoela na imprensa/Imagem: F5

A revista eletrônica dominical, apresentada por Maju Coutinho e Poliana Abritta, teve um crescimento de 12% em seu Ibope nas edições em que o caso ganhou destaque. A média anual do programa, que é de 17,9 pontos na Grande São Paulo, foi para 20 pontos nos dois últimos domingos. Cada ponto equivale a 207 mil indivíduos.

Quem também melhorou sua visibilidade abordando o assunto foi o Domingo Legal, do SBT. No dia 20 de agosto, com uma prévia de 15 minutos de entrevista feita por Chris Flores com a mãe da jovem, Silvana Taques, o programa semanal marcou 7,4 pontos de média e 9,3 pontos de pico —os maiores índices de 2023. É um número 20% maior que a média do ano, atualmente na casa dos 6 pontos. Durante a exibição dos trechos da entrevista, o programa ficou na liderança, à frente da Globo.

Com a íntegra da entrevista, o programa diário do SBT, Fofocalizando, alavancou seus números no dia 21 de agosto. Ao colocar Silvana Taques por mais de meia hora no ar, a atração marcou 3,5 pontos de média com picos de 5. Foi o maior número alcançado pelo programa às segundas, com um crescimento de 17% em relação à média que o programa acumulou nesse dia da semana em 2023.

Na Record, quem se beneficiou foi o Balanço Geral, que mostrou uma entrevista com a suposta ex-empregada da família de Larissa Manoela, que afirmou que Silvane batia na filha e em animais de estimação.

Na segunda, quando mostro a entrevista, o programa teve 7 pontos de média entre 12h e 15h30. No momento em que a reportagem foi ao ar, das 14h50 às 15h, o programa alcançou 8,4 pontos com picos de 8,6. Na terça (22), um ibope ainda maior quando foi exibida uma outra entrevista sobre o assunto: 9,3 pontos, ficando a menos de um ponto da Globo —que marcava 9,9 pontos naquele momento.

Figura 2: entrevista de Larissa Manoela para o Fantástico/Imagem: site F5

Nas opiniões sobre o assunto, houve quem se posicionasse a favor da atriz, houve quem se posicionasse a favor dos pais dela e houve quem se posicionasse contra a abordagem do caso. A apresentadora da RedeTV, Sônia Abrão, criticou a Globo por exibir a polêmica no dia 13 de agosto, data em que foi celebrado o Dia dos Pais - que já foi tema do Pluris.

Sônia argumentou que o assunto não era apropriado para ser tratado em uma data como o Dia dos Pais, o que, no posicionamento da apresentadora, transpareceu inveja da mesma, já que a revista eletrônica dominical alcançou muitos pontos de audiência enquanto exibia a entrevista.

Vale destacar a diferença de pico na pontuação entre Globo e demais emissoras na abordagem do mesmo caso. Enquanto a primeira bateu 20 pontos de ápice na entrevista com a atriz, a emissora de Sílvio Santos somente alcançou 9,3 pontos de pontuação máxima, levando em conta que o programa Domingo Legal disputa audiência com programas de menor audiência de outras emissoras no mesmo horário de domingo.

Podem-se apontar, pelo menos, três motivos causais para esse acontecimento: o primeiro que, por anGlobo ter abordado o caso primeiro, o SBT, por meio do Domingo Legal, tentou responder à grande repercussão da entrevista da atriz no Fantástico ao entrevistar a mãe de Larissa sobre o caso. As demais emissoras tentaram atrair a atenção de seu público repercutindo ambas as entrevistas.

O segundo motivo seria a comoção do público com a situação da atriz, que apresentou elementos que comprovam as queixas da atriz contra seus pais, enquanto a progenitora de Larissa foi entrevistada por Chris Flores sem apresentar elementos que a pudessem defendê-la contra as acusações da artista e somente utilizou de um questionável sentimentalismo para convencimento do público quando a mesma se emociona durante a entrevista e diz querer se reaproximar da filha.

O terceiro possível motivo do maior alcance de público por parte da emissora global pode ser a tradicional e mais que conhecida grande audiência que a Globo, historicamente, possui contra as demais emissoras de TV Aberta do país.

Embora em números absolutos a TV Globo tenha consolidado sua liderança, relativamente o crescimento alcançado pelo SBT foi maior: 12% a 20%. Os números, todavia, vistos isoladamente revelam pouco sobre o fenômeno.

O espaço dado pelas emissoras de TV aberta brasileiras ao caso revela algo óbvio, mas que também é preocupante. O óbvio: os produtores de mídia profissionais têm se pautado - e pautado a agenda de cobertura midiática - de olho no burburinho das redes sociais e seus algoritmos. O que gera engajamento vira pauta.

De um lado, a mídia “tradicional” se alimenta das mídias digitais - e de outro as mídias digitais ganham com o aumento do alcance do engajamento alimentado pela mídia “tradional”.

Se isso não é novo, não deixa de ser preocupante, dado o alcance invisível e impenetrável dos algoritmos das chamadas big techs, as grandes e poderosas empresas de comunicação digital. Pautar a agenda de cobertura a partir da repercussão agenciada e muitas vezes deliberadamente planejada e incentivada pelos algoritmos pensados para manter a atenção do máximo de usuários possíveis pode significar um ciclo infinito de empobrecimento do debate público.

O que se perde nesse processo não é apenas a ilusão do papel da mídia no esclarecimento e qualificação do debate público - o que se perde é a própria consistência do tecido democrático.
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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Por uma pedagogia das mídias

 Por Laís Abreu


Caso Larissa Manoela e seus desdobramentos deixam, mais uma vez, clara a necessidade e a urgência de uma educação para a mídia nas escolas


No domingo 13 de agosto, foi ao ar no programa Fantástico da Rede Globo a entrevista de Larissa Manoela, a atriz que acusa os pais, Silvana e Gilberto, de controlarem de forma abusiva suas finanças e carreira, decidiu falar publicamente pela primeira vez.

Na era das redes sociais, a internet potencializou a entrevista, os pequenos cortes que foram soltos antes de começar o programa fizeram um alvoroço no Twitter e Instagram, não obstante, parece inegável o quanto uma entrevista exclusiva em uma mídia “tradicional”, como a TV aberta, ainda são fundamentais para o jornalismo e para o debate público.

O programa, naquele domingo, conquistou o maior índice de audiência, desde 8 de janeiro, quando houve uma edição estendida que mostrava o atentado à democracia naquele dia. O Fantástico também bateu 22,5 pontos de pico, cada ponto de Ibope equivale a 76.953 domicílios na região paulista, portanto, obteve um público estimado em mais 1,5 milhão de casas.

Várias são as análises feitas diante desse jornalismo, a primeira delas é que as redes sociais conferem às pessoas famosas uma sensação de intimidade com seus seguidores, e isso fez com que grande parte dos 49 milhões de usuários que seguiam a famosa, se interessassem pela entrevista em TV aberta. O suspense, a espera durante todo o programa, foi o que fez a diferença neste dia.

Essas são questões importantes, não há dúvida - talvez merecedoras de um texto exclusivo. Mas o que nos traz aqui no Pluris hoje é a análise feita pela apresentadora da RedeTV!, Sônia Abrão, que, na esteira da repercussão pública da entrevista, deu depoimentos algo ambíguos - para não perdermos a elegância -, reivindicando uma sacralidade do dia dos pais, se consideramos sua notória conduta anti-ética.

“Gente, o que é isso? Onde é que essa história vai parar? Quando vai parar? E ainda por cima é Dia dos Pais! Se toca, Fantástico! A data é comemorativa, pra celebrar o amor entre pais e filhos, não cabe reportagem sobre uma relação em fase destrutiva como essa da Larissa Manoela”, criticou Sônia. 


“Por que não levar ao ar a história linda de Tatá Werneck com os pais, que tanto emocionou no decorrer da semana, quando a atriz completou 40 anos? Sim, a história de Larissa é polêmica, mas não perderia a atualidade se fosse exibida no próximo domingo, mesmo porque, infelizmente, não se sabe quando vai terminar e nem parece que terá um final feliz”.

Por fim a apresentadora completou: “Colocar conflito acima do amor foi um critério muito duvidoso na escolha da matéria! Triste isso” 


Em primeira análise, vale abordar que o programa dividiu a grande audiência da jovem em dois episódios, mas que o público não sabia ainda, como sugeriu Sonia em sua crítica. Mas o fato é que tudo isso nos traz reflexões sobre os juízes do jornalismo: quem de fato pode julgar as reportagens e entrevistas?

Sônia, conhecida fofoqueira das tardes na TV brasileira, foi, em 2008 e apenas para ficarmos em um momentos trágicos que a costumeira atitude da Abrão provoca, uma das personagens decisivas no caso de Eloá. Na ocasião, Abraão teve uma conversa ao vivo com Lindemberg, o ex-namorado e assassino da adolescente. A partir daí, a negociação que estava sendo feita pelas autoridades policiais acabou sofrendo uma regressão e culminou ao assassinato, transmitido ao vivo.

Para nós, jornalistas, é triste ter que expor um caso tão doloroso como o de Sônia e Eloá, para dizer: quem é a apresentadora para julgar e corrigir o Fantástico? Será que, de fato, ela pode dizer sobre ética jornalística? Como a sociedade brasileira lida com essas críticas? Não cabe a nós concordarmos ou discordamos de Sônia, o que trazemos aqui é sobre o alcance que ela tem e o poder de influenciar a opinião da sociedade.

Diante de falas como essas de Sônia, nós, do Pluris, enxergamos cada vez mais a necessidade de uma pedagogia para a mídia, um programa de educação midiática, de leitura crítica da mídia nas escolas. É notório o quanto compreender as práticas do jornalismo desde cedo se faz necessário. Os jovens, que estão diariamente nas redes sociais e que, no dia da entrevista de Larissa Manoela para o Fantástico, foram “transferidos” para a TV aberta precisam saber de um desenvolvimento mais sistematizado sobre o discurso midiático - afinal, se a educação é a preparação para a vida, como não ler de forma crítica a mídia, se ela é a principal fabricante da realidade?

Com a internet, estamos cada dia mais atropelados pelas notícias e acontecimentos, em questão de segundos uma publicação viraliza, uma reportagem se torna velha demais ou desinteressante. Na era em que cada vez mais se leem apenas as manchetes, é preciso que seja introduzido nas escolas uma forma de estudar, ler criticamente, saber interpretar enfim desenvolver competência para filtrar e apurar uma informação - o que, ao menos teoricamente, é feito no jornalismo, seja ele digital, impresso, televisivo ou radiofônico.

Seja como for, apenas a sociedade devidamente equipada com capacidade crítica poderá exigir que um jornalismo que respeite a inteligência do público e não o manipule em nome de audiência fácil. Somente com jovens com competência para desmontar as armadilhas de maus jornalistas e fofoqueiras em geral.

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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Jornalismo sitiado

 Por Vitor Faria Silveira

Fenômeno da financeirização de grupos midiáticos, como o caso da Folha de S.Paulo, pode explicar a qualidade cada vez mais deletéria do jornalismo na atualidade


Não é de hoje que o jornalismo brasileiro está em um processo de decadência. A financeirização do capital, a principal face do neoliberalismo, que veio como uma “onda” arrasadora sobre a economia brasileira nos anos 1980 e que perdura até hoje devido ao próprio neoliberalismo, é um fenômeno que pode explicar como o jornalismo praticado no Brasil deixou de ser uma atividade feita em boa qualidade, com privilégio do interesse público para se tornar uma atividade voltada para a geração de lucro.

Para alcançar esse objetivo, a Folha de S.Paulo recorre a sua transformação em “panfleto” do mercado financeiro, pregação do pessimismo e espraiamento do identitarismo. Jornalistas experientes e qualificados saíram de cena do jornal para dar lugar a profissionais medíocres que produzem matérias e colunas deploráveis para o veículo.

Figura 1: texto da coluna do filósofo Luiz Felipe Pondé/Folha de São Paulo


Jornalistas qualificados e experientes, com longos anos de trabalho dedicado a um dos maiores e por muitos anos o mais importante veículo de mídia do Brasil, foram demitidos ou deixaram o jornal devido à decadência - moral e técnica - da Folha. Os últimos bons profissionais, sejam eles jornalistas ou não, que ainda permanecem no jornal, ficam “escondidos” no seu caderno diário. Boas matérias e outros conteúdos que realmente valem a pena serem consumidos ficam ofuscados pelo conteúdo de quem realmente possui maior espaço dentro do jornal – os produtores de conteúdo para o público que vive na bolha da Folha de S.Paulo.


Figura 2: Matéria sobre Lula no Dia dos Pais/Instagram Folha de SP

Há dois meses atrás, o jornal fez uma publicidade em que dizia: “Assine a Folha e saia da bolha”. Foi um ledo engano. Quando o leitor lê o jornal se depara com identitarismo, neoliberalismo, pessimismo e erros. Um conteúdo feito para um nicho específico – identitários, mercado financeiro, classe média que não tem esperança em nada e um monte de “profissionais” que cometem equívocos e conteúdos pífios, com o único objetivo de vender conteúdo para esse nicho.

O jornal também protagonizou episódios de grande desrespeito - e igual constrangimento - com figuras que acabaram de falecer, em 2023, Palmirinha e Rita Lee. Em ambas as oportunidades, o veículo publicou sobre momentos traumáticos sobre ambas, desrespeitando o passado das artistas e expondo o identitarismo do jornal e os problemas pessoais delas, mesmo após seus falecimentos.


Figura 3: Folha de São Paulo noticia passado com drogas da cantora Rita Lee/Poder 360


Figura 4: Folha de São Paulo noticia passado de agressões da apresentadora Palmirinha



O identitarismo, a financeirização e o neoliberalismo são produtos da plataformização do jornalismo, caracterizado pela produção massiva de conteúdo para determinado tipo de público para obter o número necessário de acessos para aumentar o capital do veículo para remunerar seus acionistas. Esse processo não demanda que o veículo produza um material de boa qualidade para alcançar a quantidade de acessos.

Para “salvar” o público que consome esse tipo de conteúdo jornalístico, faz-se necessário municiá-lo de instrumentos que permita-o fazer uma análise crítica para que esse consumo diminua e interrompa esse ciclo vicioso, cujo resultado - e talvez única finalidade - e a indecente acumulação de capital por meio do que agora se convencionou chamar de plataformização - mas que não passa da última fronteira, despida de qualquer ilusão de moralidade ou espírito público, da religião do dinheiro.
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segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O crescente e contínuo ataque à liberdade de imprensa: o portal Vocativo e o autoritarismo por meio de ações judiciais

 Por: Sarah Faria Santos

O portal Vocativo , criado em 2008 com a finalidade de publicar notícias e reportagens sobre a conjuntura política e ciência com base de atuação em Manaus, no Amazonas, e comandado pelo jornalista Fred Santana, está sendo alvo de uma ação judicial movida pela deputada estadual Joana Darc dos Santos Cordeiro, do partido União Brasil.

Joana Darc, cumpre seu segundo mandato como deputada estadual do Amazonas. Nas eleições de 2022, Joana foi reeleita como a mulher mais votada na história do Estado. Seguindo seus princípios e pilares, o portal publicou notícias sobre a parlamentar as quais eram de interesse público e relataram o apoio da deputada Joana Darc ao influenciador Agenor Tupinambá o qual estava atrelado a uma série de polêmicas e crimes ambientais cometidos pelo seu avô.

A deputada entrou em contato com o jornalista pedindo que sua imagem não fosse veiculada em uma reportagem e foi atendida. Mesmo com a alteração da imagem e sua retirada de todas as redes sociais, a deputada decidiu processar o jornalista e o veículo, pedindo a exclusão da reportagem, uma indenização por danos morais e a proibição de novas publicações.

No centro do debate sobre os limites da liberdade de expressão, o uso do poder judiciário para reprimi-la está cada vez maior Entretanto, essa repressão está respingando na liberdade de imprensa e seus direitos constitucionais, fazendo com que os jornalistas tenham crescentemente nos últimos anos seus espaços silenciados e atacados.

Todo jornalista tem deveres a cumprir para com a sociedade assim como direitos respaldados juridicamente, segundo o código de ética dos jornalistas: no capítulo 1, artigo 2, o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse. Isso se dá pela razão da informação precisa e correta, a qual é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica - se pública, estatal ou privada - e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.

Já no capítulo 2, artigo 6, é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; divulgar os fatos e as informações de interesse público; defender o livre exercício da profissão; combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a informação. A ação movida pela parlamentar é muito mais do que um simples processo, é uma tentativa de infringir a liberdade de imprensa, de impor autoritarismo e controlar a informação.

Mesmo que o profissional e o veículo de imprensa estejam cumprindo com os deveres de cuidado do jornalismo e se retratando quando necessário, pessoas influentes utilizam de processos judiciais buscando a censura e a intimidação. Como uma deputada, uma servidora pública, é de interesse social saber sobre seu mandato. O que ela está se propondo a fazer e como está gastando o seu tempo, seu nome/espaço dado e o dinheiro público. O jornalista não extrapolou o limite legal, não a assediou moralmente ou a amputou a falsas notícias. Ele estava em seu espaço propagando notícias precisas e de importante precedência para a população e é nosso dever como jornalistas lutar não só pela voz do povo como pela nossa própria voz e pelo nosso próprio espaço.

Em nome do interesse público, o jornalista quase sempre contraria interesses privados de poderosos. Se o poder judiciário não encontrar um termo justo para aplicação da lei e continuar a censurar inclusive notícias apuradas, não é apenas o jornalismo que está a perigo: é a própria democracia.
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quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Humor, liberdade de expressão e o apagamento histórico no Brasil: Léo Lins e a banalização do preconceito

 Por Maria Eduarda Salgado 


No centro do debate sobre os limites do humor e a liberdade de expressão no Brasil, o humorista Léo Lins foi alvo de críticas após ser obrigado por uma juíza a deletar do seu canal um show em que fazia piadas de teor controverso e ofensivo. No entanto, mais do que a atenção voltada para o comediante, é o comportamento de uma plateia conivente que ressalta o problema mais profundo.


O show em questão continha piadas abusivas sobre temas sensíveis como escravidão, perseguição religiosa, minorias, pessoas idosas e com deficiências. A plateia, em sua maioria branca, riu diante de conteúdos que não deveriam ser encarados com humor, revelando, no mínimo, ignorância e insensibilidade diante das graves questões sociais que o país enfrenta. Em uma das falas que mais geraram revolta, Lins tira sarro de “pretos que reclamam por não conseguirem emprego, mas que acham ruim os tempos de escravidão onde eles já nasciam empregados.”


É preocupante que, em pleno século XXI, temas como o desemprego entre a população negra ainda sejam tratados como piada. Em vez de abrir espaço para debates necessários, o conteúdo do show de Léo Lins apenas reforça o apagamento histórico que ocorre no Brasil, permitindo que feridas profundas não sejam devidamente discutidas e superadas.


Ao olharmos para outras nações, como a Alemanha, que enfrentou os seus traumas históricos e fantasmas, e busca ativamente combater, por exemplo, os efeitos do Holocausto, percebemos a diferença gritante. Enquanto lá existe uma lembrança crítica sobre o passado, no Brasil, o genocídio indígena e a escravidão negra ainda são minimizados e tratados como se não fossem causas de injustiças históricas.


A ausência de políticas públicas efetivas e a impunidade dos envolvidos em ditaduras militares também são retratos de um país que falha em reconhecer e enfrentar o seu passado. O apagamento histórico se estende à história preta e nativa do Brasil, onde a população negra e indígena ainda luta por reconhecimento, respeito e indenizações que se fazem necessárias para combater as desigualdades construídas ao longo da história. Mas aqui, na terra do genocídio indígena, a demarcação de terra ainda é visto por muitos como privilégio. Ainda em 2023, as escolas ensinam sobre a catequização dos indígenas como uma interação positiva entre culturas distintas.


Enquanto a Argentina e o Chile, ao longo dos anos fizeram julgamentos históricos e condenaram diversos militares envolvidos nas ditaduras de seus países, e o Uruguai chegou a fazer um ex ditador morrer de velhice na cadeia, a lei que anistia os militares brasileiros fez com que ninguém fosse condenado por nada, que esses processos não só servem para amenizar para o lado de quem deveria pagar, mas também têm como objetivo reescrever a história e, se possível, apagá la. Se na Alemanha negar o Holocausto é um crime que leva a cadeia, por aqui nada acontece com quem homenageia abertamente torturadores. Por vezes, quem o faz é até alçado à presidência.


Discutir indenizações, de fato faz sentido quando se vive em um país onde a sua fortuna foi construída sobre mãos escravizadas durante 2/3 de sua história, seja o trabalho escravo ou o condicionamento de subemprego da população preta de hoje em dia, ambos têm a ver com a geração de riquezas. Portanto, é justo o debate econômico quando até tirar sarro da pobreza preta faz o humorista rico.


Não se trata, portanto, de censurar o humor ou a liberdade de expressão, mas sim de questionar o tipo de humor que perpetua o preconceito e reforça estereótipos, ignorando a realidade de tantas pessoas que ainda sofrem com as consequências de um passado marcado por violência e opressão.


O debate sobre os problemas históricos do Brasil deve ser constante, incômodo e insistente. Quando evitamos enfrentar essas questões, permitimos que elas se perpetuem e, pior ainda, que sejam tratadas com graça. Léo Lins é apenas um exemplo do sintoma de um problema maior que necessita de reflexão e ação da sociedade como um todo.


Portanto, cabe a todos nós, cidadãos e mídia, a responsabilidade de discutir e confrontar os problemas do nosso passado e presente. A liberdade de expressão é importante, mas deve caminhar lado a lado com a responsabilidade social e o respeito pelas vítimas da nossa história.


Neste sentido, é fundamental que a sociedade brasileira se questione sobre como pode contribuir para mudar esse cenário, ampliar a conscientização e construir um país mais justo e igualitário para todos os seus cidadãos.

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