quarta-feira, 8 de novembro de 2023
Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local
terça-feira, 7 de novembro de 2023
(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla
Maria Eduarda Bianchi Umebara
Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news
domingo, 23 de abril de 2023
A abordagem, na mídia divinopolitana, da violência nas escolas
Por Ana Laura Corrêa
Após o registro de violência em uma escola de Blumenau, muitas propostas de soluções vieram à tona: armar professores, curso de defesa pessoal em escolas, instalação de detectores de metal, polícias na porta da escola… O Pluris mesmo produziu uma reflexão sobre isso (acesse o texto aqui).
Pelas soluções apresentadas, percebe-se que elas não eliminam o mal pela raiz. Afinal, assume-se que os agressores não deixarão de existir, continuarão a tentar entrar nessas escolas.
Nesse sentido, cabe refletir sobre os fatores que levam à violência como a registrada - e são muitos elementos: o crescimento de um discurso de ódio propagado pelo então presidente de 2018 a 2022, a vulnerabilidade dos jovens a discursos extremistas, a ampliação do acesso a armas de fogo. Mas onde está essa reflexão?
Se os jornais são o espelho da realidade, acessamos três veículos de comunicação de Divinópolis (Sistema MPA, Divinews e Jornal Agora), para acompanhar os desdobramentos noticiosos do fato violento.
No Divinews, foi entrevistado um coronel da Polícia Militar para falar sobre a “Operação de Proteção Escolar”. Outra matéria, do Jornal Agora, também trouxe falas do mesmo militar. O Sistema MPA, por sua vez, destacou a reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública) em que representantes da Guarda Municipal de Nova Serrana estiveram presentes para falar sobre a implantação naquele município, visando à adoção também em Divinópolis.
Conforme observamos, nada sobre a ampliação do alcance que um discurso de ódio recebeu no governo de Jair Bolsonaro, nada sobre discursos extremistas, muito menos um debate sobre o acesso a armas de fogo.
O jornalismo, se tem entre suas funções a de mostrar a realidade, tem mostrado apenas uma realidade muito militarizada, em que as soluções, paliativas, vêm tarde demais ou nem vêm. A polícia não vai nos salvar de tudo. Por outro lado, a reflexão e a consciência talvez nos ajudem a avançar. Talvez seja hora de repensar as nossas fontes - e assumir a nossa responsabilidade para os males, que adoramos apontar, de nossa realidade.
O estado laico e a responsabilidade da comunicação no Instagram da Prefeitura de Divinópolis
Por Ana Laura Corrêa
O estado brasileiro não tem uma religião oficial. Não deve privilegiar nenhuma religião. Ao contrário, faz parte da democracia que todas as correntes religiosas sejam ouvidas.
Nesse cenário, causa estranheza a publicação no Instagram feita pela Prefeitura de Divinópolis, na sexta-feira da Paixão, dia 7 de abril.
A imagem traz duas mãos em oração sobre a Bíblia, ao lado de uma vela, e o texto “Que a Paixão de Cristo abençoe você e sua família”.
Considerando-se o princípio do estado laico, há de se questionar se o mesmo perfil da Prefeitura de Divinópolis fará um post em homenagem a datas comemorativas de outras religiões, afinal, não se deve privilegiar nenhuma, uma vez que a Prefeitura tem o dever de destinar suas ações a todos os cidadãos e não a grupos específicos.
Nesse cenário, caberia questionar, também, onde está o papel do jornalista, que por vezes se reconhece como um “quarto poder” que “vigia” os demais. Faltou, nesse caso, a vigilância ao estado laico, por parte do jornalista, ou sobrou desrespeito por parte de quem tem o poder nas mãos.
segunda-feira, 10 de abril de 2023
Nos jornais, se a pauta é violência contra a mulher, é preciso falar sobre machismo
Por Ana Laura Corrêa
Uma busca rápida no Google permite identificar o teor das matérias publicadas em veículos de jornalismo em Divinópolis relativas ao dia da mulher: grande parte delas abordava a data como uma comemoração, conforme indicam os títulos a seguir:
“OAB Divinópolis comemora Dia da Mulher com ‘1º Café com Elas’” (Agora);
“Dia Internacional da Mulher tem programação especial em Divinópolis e Itaúna” (G1);
“Agência de publicidade de Divinópolis viraliza com ação de endomarketing para Dia das Mulheres”.
Mas onde está, nos meios de comunicação da cidade, a abordagem relativa à violência enfrentada todos os dias pelas mulheres? Afinal, a data foi instituída não como uma comemoração, mas como uma reflexão quanto à busca de direitos básicos pelas mulheres.
Encontramos dois textos. Um deles, publicado pelo G1, que traz no título “Lei prevê acolhimento às mulheres vítimas de violência e discriminação”, e outro, divulgado pelo Jornal Agora, intitulado “Março fecha com violência crescente contra as mulheres”.
No primeiro deles, a única fonte com fala na matéria é um homem, o vereador Roger Viegas. No segundo, a Polícia Militar. Será que essas fontes têm “lugar de fala” suficiente para falar sobre as mulheres? Onde estão as falas das mulheres? Mas não qualquer mulher, também. De mulheres que entendem e estudam sobre as mulheres, sobre machismo, sobre o patriarcado, sobre misoginia.
Embora tragam assuntos relevantes para as mulheres, procuramos nos textos e não encontramos, em nenhum deles, uma referência à palavra “machismo”. Porque, se vamos falar de violência contra a mulher, é necessário falar do machismo, que está na raiz dessa violência.
Conforme a filósofa italiana Silvia Federici, o machismo, ao lado do racismo, é um dos pilares sobre o qual o capitalismo se sustenta. Esse modo de produção precisa atacar as mulheres para sobreviver, de modo que elas permanecem restritas ao ambiente de casa, desempenhando um trabalho afetivo e/ou doméstico não remunerado, ou estão, em sua maioria, em postos de trabalho precarizados, que não possibilitam sua efetiva emancipação. Mas, em ambos os casos, estão sempre sob o controle dos homens.
Voltando às matérias, é preciso, então, falar sobre o machismo porque senão casos de violência registrados na cidade ficam parecendo registros isolados, cujas causas são atribuídas ao “ciúme” dos criminosos, e as soluções passam a ser, simplesmente, o pedido de “pena de morte” ou a “castração” de estupradores, por exemplo.
Mas as razões (embora injustificáveis) são muito maiores do que isso e englobam todo um sistema que violenta mulheres todos os dias, das mais variadas formas. E a solução também vai muito além de uma pena de morte ou de uma castração.
É preciso que esse debate aconteça, que se fale sobre machismo, sobre misoginia, só isso pode ajudar a trazer uma consciência crítica para homens e mulheres.
segunda-feira, 27 de março de 2023
O Observatório Pluris está de volta e com uma nova equipe!
Como jornalistas, estamos sempre em uma constante busca pela evolução!
Mais um ano acadêmico começando e, felizmente, mais um ano de Pluris! O Observatório da Mídia, da Cidadania e da Democracia é um projeto de extensão da Universidade do Estado de Minas Gerais, que atua como um espaço de análise crítica de cobertura da mídia sobre os acontecimentos cotidianos. Por meio dele, identificamos e valorizamos as melhores (e piores!) práticas jornalísticas existentes em nível local, regional e nacional, a fim de oferecer um instrumento de reflexão aos jornalistas em geral e orientar a recepção crítica de notícias pelo público.
O ano de 2022 foi um ano de muitos debates, temas essenciais e coberturas de grande importância. Por isso, na expectativa de maior alcance e melhorias em nosso Projeto, é com muita satisfação que comunicamos a todos que a nossa Equipe cresceu! Em breve nossos leitores poderão desfrutar de textos semanais e discussões atuais sobre esse mundo jornalístico!
Acompanhem aqui, no nosso site, e no nosso Instagram @pluris.observatorio! Será um prazer ter você por aqui por mais um ano!
terça-feira, 26 de julho de 2022
Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo
Por Gilson Raslan Filho
O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia
Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico.
Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.
O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.
Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística.
Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.
As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo.
É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.
O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.
É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.
Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.
terça-feira, 19 de julho de 2022
Divinópolis: A fome em pauta
Por meio do que aparenta ser uma série especial de reportagens, intitulada “Em busca da dignidade”, o veículo traz a situação de divinopolitanos que não têm o que comer.
A título de comparação, quando buscamos pela palavra “fome” em outros três portais de notícia da cidade - Gerais, Agora e G37 -, não há qualquer resultado pelo menos neste ano, período em que a crise alimentar no país tem se agravado.
Parece que o problema não existe por aqui. Mas existe, como mostram as reportagens do MPA ou o espantoso (e que parece crescer cada dia mais) número de pedintes nos semáforos da cidade.
Falar de fome
É preciso, sim, que se fale da fome. No entanto, só isso não basta. É preciso, também, saber como falar da fome.
Quem aponta isso é o doutor em linguística João Bosco Bezerra Bonfim, que estudou os discursos sobre a fome. Segundo ele, “aqueles que realmente buscam fazer esta discussão para superar a fome devem ter em mente uma perspectiva crítica. Em outras palavras, devem buscar abordagens que permitam ver de que “fome” é essa que estão falando. Do contrário, poderão colaborar para perpetuar esse estado de coisas”.
Assim, o autor aponta sete elementos para verificar se há uma perspectiva crítica na abordagem da fome no discurso - seja ele jornalístico, político ou mesmo as conversas do dia a dia.
Causas:
É preciso explicitar as causas da fome. Isso porque, muitas vezes, no Brasil, a fome é tida como um fenômeno “dado”, natural, e não como decorrente da falta de dinheiro para comprar alimento - que está incluída em um contexto mais amplo ligado à enorme desigualdade social, a qual às vezes torna-se ainda mais escancarada, como agora.
Responsabilidade:
Quem pode solucionar o problema da fome? É preciso dar nome aos bois. Segundo Bezerra Bonfim, “se o discurso deixa de mencionar os responsáveis (de fato ou de direito) pela existência da fome, de certo modo contribui para a generalização da responsabilidade (o que é de responsabilidade de todos não é de responsabilidade de ninguém; e aquilo que não tem responsáveis diretos não permite que se dirijam a alguém reivindicações... e assim por diante)”. Acrescentamos que, ao jornalismo, além de citá-los, cabe questioná-los, solicitar posicionamentos. Afinal, o que é feito? E por que não tem sido suficiente? O que se pretende fazer?
Quantificação e localização
É preciso dizer onde e quantas são as pessoas passando fome, para que não haja generalização ou exagero. Este, nos números, atrapalha: “Pois, se o problema é tão grave, ninguém poderá resolvê-lo”, afirma Bonfim. A generalização, por sua vez, “é algo que contribui para mitificar e não para acabar com a fome”. E há dados disponíveis sobre a fome no país que podem ser incluídos nas matérias.
Resolução do problema
Bonfim diz: “O que é mais certo é que não haverá superação da fome sem a construção da autonomia das pessoas e famílias que passam pela situação de fome. Então, se a notícia, filme, programa prevê apenas ações emergenciais, distribuição de alimentos, algo não vai bem. Não que não se possa ou não se deva fazê-lo. Se há fome, deve haver uma ação assistencial. Mas, se não são incorporadas, desde o início, ações que levem as pessoas e famílias a saírem da situação de miséria e se tornarem autônomas para gerarem a própria renda, esse discurso tem um sério problema. Ele colabora para a perpetuação da situação de fome. Então, ações, programas em torno desse tema devem, necessariamente, incorporar a conquista de autonomia por parte dos famintos”.
Verbos
É preciso prestar atenção aos verbos para não se deixar enganar. Eles falam de “erradicar” a fome, como se fosse algo bem simples? Tratam de “reduzir”? Em que medida isso ocorreria? “Estuda-se” soluções? Quanto tempo levará? E enquanto isso?
Louvável, com ressalvas
Tendo por base esses parâmetros, vemos que a reportagem “Em busca da dignidade: a fome que atinge famílias de Divinópolis” não traz informações sobre as causas ou responsabilidade. Em relação à quantificação, a matéria apresenta o dado do número de pessoas cadastradas no Cadúnico na cidade, o que já permite ter um panorama da situação. Os verbos do texto são muito voltados à descrição (no presente) da fome no país e na cidade, e da situação da família apresentada na matéria, não há, assim, o debate de perspectivas (futuro) ou das causas (passado). Por fim, a solução se dá por meio da disponibilização do telefone de contato da personagem da matéria para doações, o que não resolve, efetivamente, o problema da fome. A Prefeitura, por exemplo, não tem fala no texto sobre as ações desenvolvidas no combate ao problema.
É preciso falar da fome, mas de uma perspectiva crítica. Que ela continue sendo pauta na cidade, enquanto, infelizmente, existir.
quinta-feira, 1 de julho de 2021
Do poliamor à politicalha
A “doutrina do amar” é só mais uma das facetas do jogo de poder divinopolitano.
Por Maria Clara Ribeiro e Talita Brandão
No domingo, 20 de junho, a população de Divinópolis e região acompanhou a viralização de um vídeo. A polêmica foi iniciada após divulgação no perfil do sargento Elton com o título “Atenção pais!” e alarmando sobre o que supostamente estaria sendo ensinado às crianças e adolescentes nas escolas. O ex-vereador faz uso da palavra escárnio para definir a situação – então, aqui devolvemos este termo para o vídeo.
Com discurso que exalava intolerância a cada som proferido, o padre Chrystian Shankar parte de falácias, como suposto “amor entre gerações”. Comecemos do mais simples, todavia: até este momento, o pároco não sustentou o que disse em um mínimo indício de dados concretos. Não é a primeira vez que a subcelebridade divinopolitana se envolve em polêmica sobre temas que vamos nos deter aqui como “doutrina do ‘amar’”: uma atitude insensível da igreja que visa se afirmar na politicagem municipal.
Insensível ao passo que deveria vestir a batina da instituição que prega os ensinamentos de Jesus e acolher seu povo; participar da politicagem ao passo que se insere, sem disfarce e sutileza, nas decisões governamentais da região – com destaque a figurões e grupos políticos que, de praxe, se envolveram na trama. Este texto não visa a generalização, ao contrário: a combate. Por isso, personagens que devem ser nomeados o serão, sem medo.
Sem papas, sem escrúpulos
“Vocês sabem que para certos sexólogos não existe pedofilia? Ou não sabia? Há países que querem aprovar uma lei que não existe mais pedofilia, é amor entre gerações, não é crime isso. Se um homem de 40 tem atração por um menino de 10, e o menino consente e os dois dormem juntos, que mal existe? É amor entre gerações! E tem gente que vai debater que isso tá certo. Olha onde chegou a cegueira do ser humano, estragando a obra de Deus que é a família e o casamento. Eles querem estragar só isso: a família e o casamento”.
Esta fala foi proferida pelo padre no vídeo em questão. Então, temos algumas perguntas ao sacerdote: segundo quais sexólogos? Quais países? Onde surgiu este termo “amor entre gerações”? Quem vai debater que está certo? São estas (supostas) pessoas que estão estragando a família e o casamento - ou são pessoas infelizes que adentram na individualidade dos demais?
Após pesquisa simples em sites qualificados (Aos Fatos; e-Farsas), constata-se que não há projeto de lei para legalizar a pedofilia, porém circulou conteúdo distorcido sobre a PLS 236/2012, um projeto ainda em tramitação que propõe a diminuição de 14 para 12 anos a idade para que qualquer relação sexual seja considerada estupro. Vale ressaltar que esta imagem circulou com mais força durante as últimas eleições, atribuindo autoria ao ex-candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad.
Sim, é uma proposta polêmica e, por isso, seguiu em discussão por mais de cinco anos até ser suspensa em 2017. Apesar de ter sido redigida com aval do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO) realizou um abaixo-assinado para que a proposta fosse rejeitada no Senado. Assim, atualmente, a lei vigente no Código Penal Brasileiro define que adolescentes de 14 a 18 anos podem ter relações sexuais quando consentido (217-A).
Além desta falsa circulação, houve propagação de notícias falsas associando pedófilos à comunidade LGBTQIA+. Este fato ganhou força nos EUA e provocou movimentação nas redes sociais, pois os textos afirmam que os abusadores se autodenominam MAP (Minor-Attracked Person, em tradução: pessoa atraída por menores) para serem aceitos. Entretanto, este termo foi criado por unidades de tratamento estadunidenses para classificar os pacientes de forma mais amena e evitar ataques àqueles pacientes em recuperação. Essa associação é equivocada e preconceituosa, usada sem constrangimentos na campanha eleitoral de 2018.
Na ausência de respostas, devemos perguntar: Está faltando assunto para as homilias? Faltam palavras para o que realmente envergonha a criação divina e coloca milhões de suas criaturas em uma posição tão humilhante, tão desesperadora? Haja vista que, para além do pároco, muitos se interessam sobre o posicionamento sacro, registramos aqui uma dica: quebrem o silêncio sobre abuso de menores na Igreja ou, em outras palavras, os incontáveis casos de pedofilia que assombram a instituição. Aliás, a Igreja Católica da América Latina é a protagonista da chamada “terceira onda” de casos de abuso – primeira nos Estados Unidos e segunda na Europa (cerca de 10 mil casos apenas na França, segundo comissão investigadora).
A ONG responsável pelo relatório é a britânica Child Rights International Network (CRIN) e engloba 18 países de origem hispânica e o Brasil - cujos documentos internos ainda não foram investigados. Ressaltamos, então, um relatório do próprio Vaticano, de 2005, que estimou que um em cada dez padres brasileiros estaria ligado a casos de abuso, convertendo para números tem-se possíveis 1,7 mil sacerdotes envolvidos.
“Daqui a pouco vai cair um meteoro como era no tempo dos dinossauros”
Em todo seu discurso, o Pe. Chrystian Shankar demoniza os tempos atuais e expõe o tema como algo que surgiu há pouco tempo. Além de todas as falácias do vídeo e o discurso de ódio contra professores e psicólogos, se destaca durante a mensagem o quanto o Padre desconsiderou a própria bíblia na sua fala.
O líder religioso afirma que nunca ouviu falar de relacionamentos não monogâmicos. Quantos livros da bíblia o padre precisaria ter ignorado para considerar tão absurda e nova essa forma de amor?
Com certeza Reis não fez parte de sua leitura, para ele desconhecer Salomão e suas setecentas esposas e trezentas concubinas, até mesmo Gênese fica de fora dos seus estudos, como pensar na Constituição de Israel eliminando os relacionamentos de Isaque?
A não-monogamia esteve presente em toda história do cristianismo, ela não é novidade, porém nos textos bíblicos estes relacionamentos são firmados na submissão feminina e no patriarcado. Já o conceito atual de poliamor é baseado em uma relação amorosa que envolve mais de duas pessoas com o consenso de todas, o respeito e a igualdade.
Neste ponto é impossível não associar a demonização do poliamor à reprovação da liberdade de escolha conquistada pelas mulheres nas últimas décadas. No discurso fica claro o ódio de Pe. Chrystian Shankar pela suposta psicóloga e pela colega de classe enquanto o menino é tratado como uma vítima a ser corrompida.
Sem provas?
Na última quinta-feira (24), o padre se dirigiu à delegacia para prestar queixa contra o professor Juvenal Bernardes, que declarou sua opinião sobre as declarações do pároco. Entretanto, apesar de inúmeros pronunciados pelo professorado divinopolitano, se estendendo desde escolas fundamental-médio a universidades - públicas e particulares -, este foi o único processo aberto.
Mas o fato que se destaca é a falta de provas. Até o momento, o padre não foi capaz de citar o nome dos supostos envolvidos neste caso citado pelo mesmo, o que é extremamente intrigante: se é algo tão horrendo e perturbador, porque vossa eminência não faz discurso completo e aponta os responsáveis de tal atrocidade? Não dispomos ainda do nome do colégio, da professora e o material didático (que fez questão de sacudir com todos os ânimos).
SINTRAM em defesa do professorado
Como em Divinópolis tudo cai ao deleite de alguns vereadores e sua missão salvadora, o irmão do deputado Cleitinho e do prefeito Gleidson, Eduardo Azevedo, atacou com ânimos aflorados os professores da cidade através das suas redes sociais. Com direito a colocações como “aberração”, “canalhas”, “não iremos aceitar calados” e todo o show bem conhecido, o Sindicato Trabalhista Municipal de Divinópolis e Região Centro-oeste (SINTRAM) precisou intervir na situação.
Em nota oficial, o órgão prestou apoio e defesa aos professores e afirmou que a generalização é uma atitude de desrespeito. As falsas acusações e ataques são uma forma de colocar a população contra a classe de trabalhadores – que, em destaque, exercem papel fundamental na sociedade. A educação de crianças e adolescentes, panorama em questão, é um exercício árduo e necessita uma troca valorosa em sala de aula.
É banal que em meio a uma pandemia, que já acumula mais de 500 mil mortes e quase dois anos sem ensino presencial, órgãos de competência educacional precisem dar o ar da graça para se defender de acusações destemperadas e descabidas. Se as celebridades políticas da região estão com extrema preocupação com o que se passa nas escolas, por que não são vistas medidas de incentivo às instituições em questão?
Em defesa da livre educação
Em nota a Diocese de Divinópolis aborda sobre o “direito institucional, constitucional e democrático de trazer a público e anunciar a verdade acerca desta matéria na ótica da fé cristã”. Nela a assessoria de comunicação da Diocese ainda afirma que a fé se propõe, não se impõe.
Porém as falas do Pe. Chrystian Shankar não foram baseadas no anúncio da fé cristã e sim no ataque aos profissionais da educação e em acusações falsas. Juvenal Bernardes, professor divinopolitano há 30 anos, declara em vídeo: “Quando este Padre fala que em uma escola os pais estão preocupados por que os professores estão (deturpando a cabeça das crianças) ele atinge a todas. Isso é um desrespeito aos professores.”.
Um ponto tocado por professores de Divinópolis sobre o caso que não pode ignorado é do papel da escola na educação crítica dos alunos. De acordo com educador Richardson Pontone, outro a se manifestar publicamente, “O que a gente (professores) faz em sala de aula, além da informação, da formação e da verdade, é compartilhar uma série de conceitos.”
Sobre o tema, Juvenal Bernardes completa: “Nas escolas os professores estão trabalhando sério para educar essas crianças e esses jovens, para torná-los críticos. Estão ensinando a esses jovens e essas crianças que tem que ter respeito pelas pessoas.”
Para o professor José Heleno, que também se manifestou, o discurso de Shankar não é um fato isolado. “Trata-se de um projeto muito bem articulado pelos setores mais conservadores, pelos setores da direita política em Divinópolis e em todo país para combater uma educação emancipadora.”
Mas onde estão as escolas para defenderem sua própria liberdade? Além de muitos profissionais da educação terem assumido posição de afirmar seu papel em sala de aula, algumas instituições de ensino também o fizeram. Entretanto, a maioria apenas se defendeu das “acusações”, afirmando não ser a escola em questão, mas sem buscar sua liberdade de tratar os assuntos cotidianos trazidos pelos jovens.
Os colégios, além de meras organizações didáticas, são centro relevante do desenvolvimento de indivíduos – e como o nome sugere, cada um com suas individualidades. Mais do que se livrar do ataque de pais, de políticos ou religiosos da cidade, em um movimento retrógrado articulado, as escolas bem poderiam acolher as muitas e cada vez mais complexas demandas - emocionais, éticas, sociais - de seus alunos em um mundo que parece enfeitiçado por algum algum espírito torpe.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
Ameaça contra Duda Salabert
Por Camila Machado
Discursos de ódio retroalimentados no Brasil e os trolls de extrema-direita
Duda Salabert é ameaçada de morte e vem recebendo mensagens de ódio desde que ganhou as eleições. Fonte: via Instagram |
No dia 04 de dezembro, a primeira vereadora trans e a mais votada da capital mineira Duda Salabert nas eleições de 2020 fez a seguinte publicação em suas redes sociais: “Estou sofrendo ameaças de morte. Desde que ganhei a eleição venho recebendo mensagens não apenas de ódio, mas também de ameaças. Ontem recebi esse e-mail. E pior: o grupo odioso enviou esse mesmo e-mail para a escola em que trabalho e para os donos e para a direção da escola. É uma estratégia não só para me intimidar, como também para forçar que a escola me demita”. Na mensagem de ameaça, a pessoa dizia que iria comprar uma pistola e invadir o colégio Bernoulli, onde Duda dá aula há 12 anos, para matar “todos os negros”, “vadias” e por último a vereadora.
Segundo Duda, o e-mail é assinado por Ricardo Wagner Arouoxa. O nome do autor seria um pseudônimo usado por um grupo de extrema direita no Brasil. A revista Época informou que o nome dele vinha sendo utilizado por uma quadrilha de crimes de ódio na internet inspiradas no Dogolachan, fórum criado por Marcelo Valle Silveira Mello, um dos primeiros condenados por racismo na internet no país. Trata-se de uma nova onda de ataques que seguem a mesma linha das ações do Dogolachan e é extremamente influente na cena troll brasileira.
Mas, não foi a primeira vez que Duda é atacada e recebe ameaças assim. Em 2018, quando ela se candidatou ao Senado Federal, Salabert relatou estar sofrendo vários atentados virtuais e que muitos deles motivados por políticos da família Bolsonaro. “Alguns dos apoiadores e candidatos do Bolsonaro fizeram publicações contra a minha figura, o que desencadeou em literalmente milhares de mensagens de ódio contra mim”, disse Salabert em entrevista a Ponte. Na ocasião, Duda contou que algumas pessoas chegaram a ligar para a escola onde ela trabalha e exigir que a demitisse.
Na mesma época, Duda disse que “os partidos são espelho da sociedade e por isso são ainda muito machistas, misóginos e transfóbicos”, e isso se faz cada dia mais presente desde 2018. Discursos deste tipo são compartilhados e retroalimentados diariamente no Brasil, inclusive, pelo atual presidente que se tornou um “digital influencer” do discurso de ódio. Resguardado em seu cargo de chefia e escondido atrás da “liberdade de expressão” que tanto prega, Bolsonaro não se cansa de fazer comentários homofóbicos e misóginos e de compartilhá-los com seus milhares de seguidores.
Rodrigo Nunes, professor de Filosofia Moderna da PUC-Rio, em entrevista à BBC, disse que o presidente Jair Bolsonaro e seu entorno adotam a estratégia de comunicação dos trolls, os provocadores da internet, para ganhar visibilidade. “Ele está sempre introduzindo temas que são 'polêmicos' — que na verdade são comentários racistas, homofóbicos ou machistas etc. —, e a reação [de indignação] provocada atrai atenção para ele, lhe dá visibilidade”. A figura do troll é exatamente esta figura que fala o que todo mundo está pensando e ao mesmo tempo está só brincando. A que está sempre nesse jogo dúbio, entre o que é brincadeira e o que é sério. A questão é que a cada dia mais pessoas estão disseminando esses discursos e daí surgem os grupos de ódio na internet. Grupos como os que ameaçaram Duda Salabert e outras mulheres recém-eleitas no Brasil, os trolls de extrema direita que seguem cegamente o seu messias.