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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local

Sites e emissoras de Divinópolis cobriram a audiência que discutiu a gratuidade da passagem no transporte público para estudantes

Por Vitor Faria Silveira

No início do mês de outubro o ambiente político em Divinópolis foi bastante agitado. Estudantes do município fizeram manifestações reivindicando o passe livre no transporte público da cidade. Muitos estudantes têm dificuldades para ter acesso às escolas da rede municipal e estadual de ensino em Divinópolis. O problema também é enfrentado por discentes do ensino superior das universidades públicas e privadas da cidade.

Audiência de discussão do passe livre/ Foto: Portal MPA

No dia 2 de outubro, estudantes e professores acompanharam uma audiência na Câmara de Vereadores de Divinópolis para discutir a implementação do benefício no transporte público da cidade. A imprensa local marcou presença no local e noticiou o fato em suas mídias.

A TV Integração fez uma matéria abordando o fato. Na audiência a emissora entrevistou o estudante de Psicologia da Uemg, Vitor Severino Ribeiro, um dos organizadores do movimento na cidade, a professora da rede municipal de ensino, Sidneia Francelino , o vereador Rodyson do Zé Milton, solicitante da audiência e o assessor Jurídico da Prefeitura, Felipe Soalheiro.

O Portal MPA publicou uma notícia destacando a presença maciça dos estudantes das escolas e universidades públicas de Divinópolis. O texto enfatiza as falas do parlamentar Rodyson que, segundo ele, o transporte gratuito elimina a barreira financeira imposta aos estudantes e da docente Kellen Silva que, segundo ela, 20 mil famílias se encontram em vulnerabilidade social no município. O portal também menciona, na fala dela, os playballs que foram custeados pela gestão municipal a preço de R$10 mil reais cada um. A educadora questiona quantas gratuidades poderiam ser pagas com o valor gasto na compra dos brinquedos.

O portal Divinews, conhecido pelas polêmicas com a atual administração da Prefeitura, iniciou a matéria em seu site com acusações contra o prefeito Gleidson Azevedo e seus aliados na Câmara de boicotar a audiência. Conforme o portal, “a tropa”, se referindo aos aliados do executivo municipal, conseguiu o número de telefone do motorista da van que levaria os estudantes da Uemg para a audiência, ligou para ele e o dispensou para esvaziar a reunião. O texto diz ainda que o ato piorou a imagem do prefeito, já que os estudantes gritaram palavras de ordem contra Gleidson. A matéria traz ainda os dados de outras cidades mineiras que implementaram descontos nas passagens do transporte coletivo.

O Jornal Agora abordou as solicitações dos estudantes na audiência e trouxe também outros projetos de lei acerca de gratuidade no transporte público que estão em discussão na casa. Dentre os projetos em discussão, o apresentado pelo vereador Flávio Marra institui a volta dos cobradores no transporte público e a instalação de ar condicionado em todos os veículos operados pelo Consórcio Trans Oeste, responsável pelo transporte público em Divinópolis.

O Portal Gerais não chegou a noticiar os acontecimentos que ocorreram durante a audiência, mas divulgou a ocorrência da audiência na Câmara e o que estaria em pauta durante o ato.

Dentre as emissoras e portais de maior relevância no município, a TV Alterosa não trouxe a pauta do passe livre estudantil para sua programação ou redes sociais. A afiliada do SBT em Divinópolis é conhecida por abordar matérias factuais e “policialescas” para sua programação. Soou estranho que a emissora não tenha noticiado o movimento e a audiência nas duas edições do seu telejornal diário, visto que a emissora conta, atualmente com dois estagiários no departamento de Jornalismo da emissora e que, provavelmente, arcam com a passagem do transporte público para se deslocar para a mesma nos dias de trabalho.

É claro que, para a sociedade civil e suas lutas, ganhar visibilidade na mídia é melhor do que ser ignorado - e por “ignorado” pressupõe-se inclusive alguma forma de interesse ou insensibilidade.

A cobertura do movimento pela mídia local, todavia, põe em dúvida se ela e seus profissionais estão contribuindo para a qualificação do debate público, ao apenas noticiar, sem qualquer esforço analítico ou de contextualização. Na era da hipermidiatização, consumidores e especialmente cidadãos esperam que a mídia possa lhes oferecer mais do que um retrato do que acontece ou não acontece na realidade.
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terça-feira, 7 de novembro de 2023

(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla

Por Matheus Antônio Vieira
Natália Vitória Barbosa Costa e Silva
Maria Eduarda Bianchi Umebara

Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz  ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news


No dia 9 de Setembro deste ano, a motorista de aplicativo Sheilla de Almeida foi dada como desaparecida após realizar uma corrida em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais. Segundo o jornal Estado de Minas, Sheilla realizou sua última viagem pelo aplicativo 99, pela qual pegou um passageiro no bairro Campina Verde e tinha como destino um supermercado situado na rua Rio de Janeiro, localizado no bairro Ipiranga. No dia 27, a Polícia Militar encontrou o corpo da motorista. Segundo o delegado Wesley Costa, Sheilla foi agredida, estrangulada e esfaqueada. ‘

As abordagens oferecidas pela mídia local se resumiam a relatos descritivos oferecidos pela Polícia Militar, e resumos do caso em linhas temporais (estes em grande parte do G1). O Portal MPA também destacou em esclarecer os boatos que circularam na internet sobre o caso, em uma espécie de fact checking que será analisado em tópico à parte. Mesmo com a diversidade de coberturas, em todas nota-se uma ausência de perguntas e esclarecimentos.

Fotografia de Sheilla Angelis de Almeida — Foto: Facebook/Reprodução

Após a confirmação de seu assassinato, as abordagens destacavam a violência sofrida pela motorista e o planejamento do crime por Rafael Monteiro de Sena, que confessou o assassinato. Entretanto, nenhuma das matérias veiculadas sobre o assunto abordaram o assassinato como crime como violência de gênero, o feminicídio. De acordo com as declarações oficiais da polícia, Rafael premeditou o crime, escolhendo Sheilla como alvo.

É por meio dos questionamentos, ou perguntas levantadas pelo jornalismo, que podemos formular uma narrativa acerca da experiência com a vida, construindo visibilidade para os problemas vividos. Ou seja, seu papel é essencial na constituição ou na visibilização do que é a própria violência de gênero. Ao tipificar a violência sofrida pela motorista como um caso extraordinário, que ignora a possibilidade de ter sido considerado um alvo dado o seu gênero, essa e outras agressões de gênero são invisibilizadas.

“Quem mata?” “Por quê mata?” “De qual forma mata?” “Como encontrou sua vítima?” Foram perguntas realizadas nas matérias que circularam acerca de Sheilla. Mas as perguntas não se aprofundam. “Matou por ser mulher?” “Foi considerada alvo mais fácil?” Não são perguntas levantadas pela abordagem jornalística, inviabilizando a possibilidade da construção narrativa sobre uma violência que poderia ser compreendida como feminicídio. Além disso, as reportagens preferem se contentar com os relatos oferecidos pela Polícia Militar. Apesar de seu papel essencial como figura de autoridade para a história, a limitação da voz da autoridade policial acabou simplificando a ampliação do debate, a pluralidade de vozes e visões na narrativa.

Assim, a ausência de vozes, como de especialistas de gênero, ou o próprio relato de outras mulheres motoristas de aplicativo, reduz a diversidade de perspectivas da narrativa. A participação dessas vozes enriqueceria a discussão e estimularia uma compreensão mais profunda das complexidades do caso para os leitores. Sem compreender essa complexidade, a narrativa se empobrece ao simplificar-se em apenas narrar uma série de descrições da violência sofrida ou no fact checking (checagem de fatos), baseada apenas nas descrições oferecidas pela Polícia Militar.

As abordagens apresentadas não abriam espaço para a possibilidade do crime cometido cometido à Sheilla ter sido feminicídio - resultado da discriminação do gênero feminino na sociedade. No âmbito jornalístico, é crucial que a mídia reconheça o feminicídio como uma das possíveis motivações para crimes cometidos contra mulheres, uma vez que, diversas mulheres são diariamente assassinadas pela condição de seu gênero. Portanto, ao abordar casos de violência contra a mulher, a mídia desempenha papel fundamental em conscientizar a sociedade sobre as profundas raízes do problema. Quando a mídia começar a abordar esses casos como feminicídio, a conscientização pública sobre a questão irá se ampliar.

Outra invisibilização é a ausência de menções sobre a plataforma para a qual Sheilla trabalhava. Com exceção de uma matéria do Estado de Minas, as matérias veiculadas tanto na internet quanto na televisão, não mencionaram a 99, aplicativo de transporte particular que foi utilizado para solicitar as corridas. A ausência dessa informação faz parecer que ela não foi considerada como relevante, e por tal, não conseguimos saber qual foi o papel da plataforma (se sequer existiu) no caso.

As perguntas que deixam de ser feitas nessas narrativas inviabilizam o questionamento do papel dessas plataformas como responsáveis pela segurança do trabalhador. Mas a partir da própria invisibilização, podemos também questionar a própria posição dos veículos: “Por que razão os veículos deixam de publicizar essas informações? Há interesses em jogo?” As plataformas interagem (e não apenas como intermediadoras), com a vida social, e declaradamente a sua responsabilidade com os seus trabalhadores, que têm fugido das suas responsabilidades ao extirpar dos trabalhadores a força de trabalho sem oferecê-los ferramentas de segurança. Plataformas de trabalho já deixaram de ser uma “novidade”, e compõem um campo de interesse social que precisa ser abordado pela mídia.

Abordagem por meio de rumores públicos

O Portal MPA, um portal de notícias e comunicação de Divinópolis e Região, no início das investigações do caso do desaparecimento de Sheilla, construiu uma matéria citando os rumores que circulavam sobre o motorista e o caso. Com o título de manchete: “Acusado de matar Sheilla diz que agiu a mando de um terceiro, seria um agiota.”, o texto traz um conjunto de rumores, apontando as informações que conferem ou não com o que a Polícia Militar informou. Um fact checking (checagem dos fatos) dos rumores. O que chama destaque é que a manchete ser afirmativa, faz parecer que está sendo noticiado algo concreto e confirmado, mesmo tratando-se de um rumor, tal como é esclarecido no próprio texto do Portal MPA.

No próprio texto e em momentos anteriores a família negou qualquer conhecimento desta suposição em relação a agiota, e a polícia também informou que não é possível se comprovar que o latrocínio era uma “execução de dívida”. A Polícia Militar, havia comentado sobre o suposto rumor, negando a possibilidade de ser verdadeiro. E mesmo assim, da forma a qual aparece no título da matéria, ela parece confirmar o rumor, pois não está indicado nem no título, nem na imagem que circulou no o Instagram do Portal MPA, que a matéria trata-se de uma checagem de fatos. A notícia então, incita o imaginário das pessoas acerca do fato, e assim também a curiosidade, como uma tentativa de gerar clicks para o site do veículo.

É importante distinguir entre rumores e notícias, e essa responsabilidade recai sobre a ética do veículo em não disseminar desinformação para seu proveito. A divulgação de suposições dos rumores, sem a devida apuração com fontes independentes - novamente: a autoridade policial é uma fonte necessária, mas ela não é única e talvez não tenha a devida independência, uma vez que está implicada na investigação -, é uma prática que não apenas fere a ética jornalística: ela o faz porque pode provocar uma chaga social muito profunda.

Pode-se questionar: casos como esse devem seguir o ritual de dar visibilidade e checar com diversas fontes? A resposta parece óbvia: a propagação de uma injustiça - ou da violência - não é também responsabilidade do jornalista que não se preocupa em fazer a violência circular?
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domingo, 23 de abril de 2023

A abordagem, na mídia divinopolitana, da violência nas escolas

Por Ana Laura Corrêa

Após o registro de violência em uma escola de Blumenau, muitas propostas de soluções vieram à tona: armar professores, curso de defesa pessoal em escolas, instalação de detectores de metal, polícias na porta da escola… O Pluris mesmo produziu uma reflexão sobre isso (acesse o texto aqui).


Pelas soluções apresentadas, percebe-se que elas não eliminam o mal pela raiz. Afinal, assume-se que os agressores não deixarão de existir, continuarão a tentar entrar nessas escolas. 


Nesse sentido, cabe refletir sobre os fatores que levam à violência como a registrada - e são muitos elementos: o crescimento de um discurso de ódio propagado pelo então presidente de 2018 a 2022, a vulnerabilidade dos jovens a discursos extremistas, a ampliação do acesso a armas de fogo. Mas onde está essa reflexão?


Se os jornais são o espelho da realidade, acessamos três veículos de comunicação de Divinópolis (Sistema MPA, Divinews e Jornal Agora), para acompanhar os desdobramentos noticiosos do fato violento.


No Divinews, foi entrevistado um coronel da Polícia Militar para falar sobre a “Operação de Proteção Escolar”. Outra matéria, do Jornal Agora, também trouxe falas do mesmo militar. O Sistema MPA, por sua vez, destacou a reunião da Acasp (Associação Comunitária para Assuntos de Segurança Pública) em que representantes da Guarda Municipal de Nova Serrana estiveram presentes para falar sobre a implantação naquele município, visando à adoção também em Divinópolis.


Conforme observamos, nada sobre a ampliação do alcance que um discurso de ódio recebeu no governo de Jair Bolsonaro, nada sobre discursos extremistas, muito menos um debate sobre o acesso a armas de fogo. 


O jornalismo, se tem entre suas funções a de mostrar a realidade, tem mostrado apenas uma realidade muito militarizada, em que as soluções, paliativas, vêm tarde demais ou nem vêm. A polícia não vai nos salvar de tudo. Por outro lado, a reflexão e a consciência talvez nos ajudem a avançar. Talvez seja hora de repensar as nossas fontes - e assumir a nossa responsabilidade para os males, que adoramos apontar, de nossa realidade.

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O estado laico e a responsabilidade da comunicação no Instagram da Prefeitura de Divinópolis

 Por Ana Laura Corrêa



O estado brasileiro não tem uma religião oficial. Não deve privilegiar nenhuma religião. Ao contrário, faz parte da democracia que todas as correntes religiosas sejam ouvidas.


Nesse cenário, causa estranheza a publicação no Instagram feita pela Prefeitura de Divinópolis, na sexta-feira da Paixão, dia 7 de abril.


A imagem traz duas mãos em oração sobre a Bíblia, ao lado de uma vela, e o texto “Que a Paixão de Cristo abençoe você e sua família”.


Considerando-se o princípio do estado laico, há de se questionar se o mesmo perfil da Prefeitura de Divinópolis fará um post em homenagem a datas comemorativas de outras religiões, afinal, não se deve privilegiar nenhuma, uma vez que a Prefeitura tem o dever de destinar suas ações a todos os cidadãos e não a grupos específicos.


Nesse cenário, caberia questionar, também, onde está o papel do jornalista, que por vezes se reconhece como um “quarto poder” que “vigia” os demais. Faltou, nesse caso, a vigilância ao estado laico, por parte do jornalista, ou sobrou desrespeito por parte de quem tem o poder nas mãos.


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segunda-feira, 10 de abril de 2023

Nos jornais, se a pauta é violência contra a mulher, é preciso falar sobre machismo

 Por Ana Laura Corrêa 



Uma busca rápida no Google permite identificar o teor das matérias publicadas em veículos de jornalismo em Divinópolis relativas ao dia da mulher: grande parte delas abordava a data como uma comemoração, conforme indicam os títulos a seguir:


“OAB Divinópolis comemora Dia da Mulher com ‘1º Café com Elas’” (Agora);


“Dia Internacional da Mulher tem programação especial em Divinópolis e Itaúna” (G1);


“Agência de publicidade de Divinópolis viraliza com ação de endomarketing para Dia das Mulheres”.


Mas onde está, nos meios de comunicação da cidade, a abordagem relativa à violência enfrentada todos os dias pelas mulheres? Afinal, a data foi instituída não como uma comemoração, mas como uma reflexão quanto à busca de direitos básicos pelas mulheres.


Encontramos dois textos. Um deles, publicado pelo G1, que traz no título “Lei prevê acolhimento às mulheres vítimas de violência e discriminação”, e outro, divulgado pelo Jornal Agora, intitulado “Março fecha com violência crescente contra as mulheres”.


No primeiro deles, a única fonte com fala na matéria é um homem, o vereador Roger Viegas. No segundo, a Polícia Militar. Será que essas fontes têm “lugar de fala” suficiente para falar sobre as mulheres? Onde estão as falas das mulheres? Mas não qualquer mulher, também. De mulheres que entendem e estudam sobre as mulheres, sobre machismo, sobre o patriarcado, sobre misoginia.


Embora tragam assuntos relevantes para as mulheres, procuramos nos textos e não encontramos, em nenhum deles, uma referência à palavra “machismo”. Porque, se vamos falar de violência contra a mulher, é necessário falar do machismo, que está na raiz dessa violência.


Conforme a filósofa italiana  Silvia Federici, o machismo, ao lado do racismo, é um dos pilares sobre o qual o capitalismo se sustenta. Esse modo de produção precisa atacar as mulheres para sobreviver, de modo que elas permanecem restritas ao ambiente de casa, desempenhando um trabalho afetivo e/ou doméstico não remunerado, ou estão, em sua maioria, em postos de trabalho precarizados, que não possibilitam sua efetiva emancipação. Mas, em ambos os casos, estão sempre sob o controle dos homens.


Voltando às matérias, é preciso, então, falar sobre o machismo porque senão casos de violência registrados na cidade ficam parecendo registros isolados, cujas causas são atribuídas ao “ciúme” dos criminosos, e as soluções passam a ser, simplesmente, o pedido de “pena de morte” ou a “castração” de estupradores, por exemplo. 


Mas as razões (embora injustificáveis) são muito maiores do que isso e englobam todo um sistema que violenta mulheres todos os dias, das mais variadas formas. E a solução também vai muito além de uma pena de morte ou de uma castração. 


É preciso que esse debate aconteça, que se fale sobre machismo, sobre misoginia, só isso pode ajudar a trazer uma consciência crítica para homens e mulheres.


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segunda-feira, 27 de março de 2023

O Observatório Pluris está de volta e com uma nova equipe!

Como jornalistas, estamos sempre em uma constante busca pela evolução! 

 

Mais um ano acadêmico começando e, felizmente, mais um ano de Pluris! O Observatório da Mídia, da Cidadania e da Democracia é um projeto de extensão da Universidade do Estado de Minas Gerais, que atua como um espaço de análise crítica de cobertura da mídia sobre os acontecimentos cotidianos. Por meio dele, identificamos e valorizamos as melhores (e piores!) práticas jornalísticas existentes em nível local, regional e nacional, a fim de oferecer um instrumento de reflexão aos jornalistas em geral e orientar a recepção crítica de notícias pelo público. 


O ano de 2022 foi um ano de muitos debates, temas essenciais e coberturas de grande importância. Por isso, na expectativa de maior alcance e melhorias em nosso Projeto, é com muita satisfação que comunicamos a todos que a nossa Equipe cresceu! Em breve nossos leitores poderão desfrutar de textos semanais e discussões atuais sobre esse mundo jornalístico!  


Acompanhem aqui, no nosso site, e no nosso Instagram @pluris.observatorio! Será um prazer ter você por aqui por mais um ano! 


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terça-feira, 26 de julho de 2022

Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo

 Por Gilson Raslan Filho

O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia




Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico. 

Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.



O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.

Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística. 

Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.

As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo. 

É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.

O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.

É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.

Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.


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terça-feira, 19 de julho de 2022

Divinópolis: A fome em pauta

Em um cenário de aumento da fome - com a alta no preço dos alimentos e dos combustíveis -, é louvável a iniciativa do Portal MPA de colocar em pauta, em Divinópolis, esse assunto.

Por Ana Laura Corrêa




Por meio do que aparenta ser uma série especial de reportagens, intitulada “Em busca da dignidade”, o veículo traz a situação de divinopolitanos que não têm o que comer.


A título de comparação, quando buscamos pela palavra “fome” em outros três portais de notícia da cidade - Gerais, Agora e G37 -, não há qualquer resultado pelo menos neste ano, período em que a crise alimentar no país tem se agravado.


Parece que o problema não existe por aqui. Mas existe, como mostram as reportagens do MPA ou o espantoso (e que parece crescer cada dia mais) número de pedintes nos semáforos da cidade.


Falar de fome

                                                       

É preciso, sim, que se fale da fome. No entanto, só isso não basta. É preciso, também, saber como falar da fome.


Quem aponta isso é o doutor em linguística João Bosco Bezerra Bonfim, que estudou os discursos sobre a fome. Segundo ele, “aqueles que realmente buscam fazer esta discussão para superar a fome devem ter em mente uma perspectiva crítica. Em outras palavras, devem buscar abordagens que permitam ver de que “fome” é essa que estão falando. Do contrário, poderão colaborar para perpetuar esse estado de coisas”.


Assim, o autor aponta sete elementos para verificar se há uma perspectiva crítica na abordagem da fome no discurso - seja ele jornalístico, político ou mesmo as conversas do dia a dia.


  1. Causas:

É preciso explicitar as causas da fome. Isso porque, muitas vezes, no Brasil, a fome é tida como um fenômeno “dado”, natural, e não como decorrente da falta de dinheiro para comprar alimento - que está incluída em um contexto mais amplo ligado à enorme desigualdade social, a qual às vezes torna-se ainda mais escancarada, como agora.


  1. Responsabilidade:

Quem pode solucionar o problema da fome? É preciso dar nome aos bois. Segundo Bezerra Bonfim, “se o discurso deixa de mencionar os responsáveis (de fato ou de direito) pela existência da fome, de certo modo contribui para a generalização da responsabilidade (o que é de responsabilidade de todos não é de responsabilidade de ninguém; e aquilo que não tem responsáveis diretos não permite que se dirijam a alguém reivindicações... e assim por diante)”. Acrescentamos que, ao jornalismo, além de citá-los, cabe questioná-los, solicitar posicionamentos. Afinal, o que é feito? E por que não tem sido suficiente? O que se pretende fazer?

  1. Quantificação e localização

É preciso dizer onde e quantas são as pessoas passando fome, para que não haja generalização ou exagero. Este, nos números, atrapalha: “Pois, se o problema é tão grave, ninguém poderá resolvê-lo”, afirma Bonfim. A generalização, por sua vez,  “é algo que contribui para mitificar e não para acabar com a fome”. E há dados disponíveis sobre a fome no país que podem ser incluídos nas matérias.


  1. Resolução do problema

Bonfim diz: “O que é mais certo é que não haverá superação da fome sem a construção da autonomia das pessoas e famílias que passam pela situação de fome. Então, se a notícia, filme, programa prevê apenas ações emergenciais, distribuição de alimentos, algo não vai bem. Não que não se possa ou não se deva fazê-lo. Se há fome, deve haver uma ação assistencial. Mas, se não são incorporadas, desde o início, ações que levem as pessoas e famílias a saírem da situação de miséria e se tornarem autônomas para gerarem a própria renda, esse discurso tem um sério problema. Ele colabora para a perpetuação da situação de fome. Então, ações, programas em torno desse tema devem, necessariamente, incorporar a conquista de autonomia por parte dos famintos”.


  1. Verbos

  É preciso prestar atenção aos verbos para não se deixar enganar. Eles falam de “erradicar” a fome, como se fosse algo bem simples? Tratam de “reduzir”? Em que medida isso ocorreria? “Estuda-se” soluções? Quanto tempo levará? E enquanto isso?


Louvável, com ressalvas


Tendo por base esses parâmetros, vemos que a reportagem “Em busca da dignidade: a fome que atinge famílias de Divinópolis” não traz informações sobre as causas ou responsabilidade. Em relação à quantificação, a matéria apresenta o dado do número de pessoas cadastradas no Cadúnico na cidade, o que já permite ter um panorama da situação. Os verbos do texto são muito voltados à descrição (no presente) da fome no país e na cidade, e  da situação da família apresentada na matéria, não há, assim, o debate de perspectivas (futuro) ou das causas (passado). Por fim, a solução se dá por meio da disponibilização do telefone de contato da personagem da matéria para doações, o que não resolve, efetivamente, o problema da fome. A Prefeitura, por exemplo, não tem fala no texto sobre as ações desenvolvidas no combate ao problema.


É preciso falar da fome, mas de uma perspectiva crítica. Que ela continue sendo pauta na cidade, enquanto, infelizmente, existir.


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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Do poliamor à politicalha

A “doutrina do amar” é só mais uma das facetas do jogo de poder divinopolitano.


Por Maria Clara Ribeiro e Talita Brandão




No domingo, 20 de junho, a população de Divinópolis e região acompanhou a viralização de um vídeo. A polêmica foi iniciada após divulgação no perfil do sargento Elton com o título “Atenção pais!” e alarmando sobre o que supostamente estaria sendo ensinado às crianças e adolescentes nas escolas. O ex-vereador faz uso da palavra escárnio para definir a situação –  então, aqui devolvemos este termo para o vídeo.

Com discurso que exalava intolerância a cada som proferido, o padre Chrystian Shankar parte de falácias, como suposto “amor entre gerações”. Comecemos do mais simples, todavia: até este momento,  o pároco não sustentou o que disse em um mínimo indício de dados concretos. Não é a primeira vez que a subcelebridade divinopolitana se envolve em polêmica sobre temas que vamos nos deter aqui como “doutrina do ‘amar’”: uma atitude insensível da igreja que visa se afirmar na politicagem municipal.

Insensível ao passo que deveria vestir a batina da instituição que prega os ensinamentos de Jesus e acolher seu povo; participar da politicagem ao passo que se insere, sem disfarce e sutileza, nas decisões governamentais da região – com destaque a figurões e grupos políticos que, de praxe, se envolveram na trama.  Este texto não visa a generalização, ao contrário: a combate. Por isso, personagens que devem ser nomeados o serão, sem medo. 


Sem papas, sem escrúpulos 

“Vocês sabem que para certos sexólogos não existe pedofilia? Ou não sabia? Há países que querem aprovar uma lei que não existe mais pedofilia, é amor entre gerações, não é crime isso. Se um homem de 40 tem atração por um menino de 10, e o menino consente e os dois dormem juntos, que mal existe? É amor entre gerações! E tem gente que vai debater que isso tá certo. Olha onde chegou a cegueira do ser humano, estragando a obra de Deus que é a família e o casamento. Eles querem estragar só isso: a família e o casamento”. 

Esta fala foi proferida pelo padre no vídeo em questão. Então, temos algumas perguntas ao sacerdote: segundo quais sexólogos? Quais países? Onde surgiu este termo “amor entre gerações”? Quem vai debater que está certo? São estas (supostas) pessoas que estão estragando a família e o casamento - ou são pessoas infelizes que adentram na individualidade dos demais? 

Após pesquisa simples em sites qualificados (Aos Fatos; e-Farsas), constata-se que não há projeto de lei para legalizar a pedofilia, porém circulou conteúdo distorcido sobre a PLS 236/2012, um projeto ainda em tramitação que propõe a diminuição de 14 para 12 anos a idade para que qualquer relação sexual seja considerada estupro. Vale ressaltar que esta imagem circulou com mais força durante as últimas eleições, atribuindo autoria ao ex-candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad. 

Sim, é uma proposta polêmica e, por isso, seguiu em discussão por mais de cinco anos até ser suspensa em 2017. Apesar de ter sido redigida com aval do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO) realizou um abaixo-assinado para que a proposta fosse rejeitada no Senado. Assim, atualmente, a lei vigente no Código Penal Brasileiro define que adolescentes de 14 a 18 anos podem ter relações sexuais quando consentido (217-A). 

Além desta falsa circulação, houve propagação de notícias falsas associando pedófilos à comunidade LGBTQIA+. Este fato ganhou força nos EUA e provocou movimentação nas redes sociais, pois os textos afirmam que os abusadores se autodenominam MAP (Minor-Attracked Person, em tradução: pessoa atraída por menores) para serem aceitos. Entretanto, este termo foi criado por unidades de tratamento estadunidenses para classificar os pacientes de forma mais amena e evitar ataques àqueles pacientes em recuperação. Essa associação é equivocada e preconceituosa, usada sem constrangimentos na campanha eleitoral de 2018. 

Na ausência de respostas, devemos perguntar: Está faltando assunto para as homilias? Faltam palavras para o que realmente envergonha a criação divina e coloca milhões de suas criaturas em uma posição tão humilhante, tão desesperadora? Haja vista que, para além do pároco, muitos se interessam sobre o posicionamento sacro, registramos aqui uma dica: quebrem o silêncio sobre abuso de menores na Igreja ou, em outras palavras, os incontáveis casos de pedofilia que assombram a instituição. Aliás, a Igreja Católica da América Latina é a protagonista da chamada “terceira onda” de casos de abuso – primeira nos Estados Unidos e segunda na Europa (cerca de 10 mil casos apenas na França, segundo comissão investigadora). 

A ONG responsável pelo relatório é a britânica Child Rights International Network (CRIN) e engloba 18 países de origem hispânica e o Brasil - cujos documentos internos ainda não foram investigados. Ressaltamos, então, um relatório do próprio Vaticano, de 2005, que estimou que um em cada dez padres brasileiros estaria ligado a casos de abuso, convertendo para números tem-se possíveis 1,7 mil sacerdotes envolvidos. 


“Daqui a pouco vai cair um meteoro como era no tempo dos dinossauros”

Em todo seu discurso, o Pe. Chrystian Shankar demoniza os tempos atuais e expõe o tema como algo que surgiu há pouco tempo. Além de todas as falácias do vídeo e o discurso de ódio contra professores e psicólogos, se destaca durante a mensagem o quanto o Padre desconsiderou a própria bíblia na sua fala.

O líder religioso afirma que nunca ouviu falar de relacionamentos não monogâmicos. Quantos livros da bíblia o padre precisaria ter ignorado para considerar tão absurda e nova essa forma de amor?

Com certeza Reis não fez parte de sua leitura, para ele desconhecer Salomão e suas setecentas esposas e trezentas concubinas, até mesmo Gênese fica de fora dos seus estudos, como pensar na Constituição de Israel eliminando os relacionamentos de Isaque?

A não-monogamia esteve presente em toda história do cristianismo, ela não é novidade, porém nos textos bíblicos estes relacionamentos são firmados na submissão feminina e no patriarcado. Já o conceito atual de poliamor é baseado em uma relação amorosa que envolve mais de duas pessoas com o consenso de todas, o respeito e a igualdade.

Neste ponto é impossível não associar a demonização do poliamor à reprovação da liberdade de escolha conquistada pelas mulheres nas últimas décadas. No discurso fica claro o ódio de Pe. Chrystian Shankar pela suposta psicóloga e pela colega de classe enquanto o menino é tratado como uma vítima a ser corrompida.


Sem provas? 

Na última quinta-feira (24), o padre se dirigiu à delegacia para prestar queixa contra o professor Juvenal Bernardes, que declarou sua opinião sobre as declarações do pároco. Entretanto, apesar de inúmeros pronunciados pelo professorado divinopolitano, se estendendo desde escolas fundamental-médio a universidades - públicas e particulares -, este foi o único processo aberto.

Mas o fato que se destaca é a falta de provas. Até o momento, o padre não foi capaz de citar o nome dos supostos envolvidos neste caso citado pelo mesmo, o que é extremamente intrigante: se é algo tão horrendo e perturbador, porque vossa eminência não faz discurso completo e aponta os responsáveis de tal atrocidade? Não dispomos ainda do nome do colégio, da professora e o material didático (que fez questão de sacudir com todos os ânimos). 


SINTRAM em defesa do professorado

Como em Divinópolis tudo cai ao deleite de alguns vereadores e sua missão salvadora, o irmão do deputado Cleitinho e do prefeito Gleidson, Eduardo Azevedo, atacou com ânimos aflorados os professores da cidade através das suas redes sociais. Com direito a colocações como “aberração”, “canalhas”, “não iremos aceitar calados” e todo o show bem conhecido, o Sindicato Trabalhista Municipal de Divinópolis e Região Centro-oeste (SINTRAM) precisou intervir na situação.

Em nota oficial, o órgão prestou apoio e defesa aos professores e afirmou que a generalização é uma atitude de desrespeito. As falsas acusações e ataques são uma forma de colocar a população contra a classe de trabalhadores – que, em destaque, exercem papel fundamental na sociedade. A educação de crianças e adolescentes, panorama em questão, é um exercício árduo e necessita uma troca valorosa em sala de aula.

É banal que em meio a uma pandemia, que já acumula mais de 500 mil mortes e quase dois anos sem ensino presencial, órgãos de competência educacional precisem dar o ar da graça para se defender de acusações destemperadas e descabidas. Se as celebridades políticas da região estão com extrema preocupação com o que se passa nas escolas, por que não são vistas medidas de incentivo às instituições em questão? 


Em defesa da livre educação

Em nota a Diocese de Divinópolis aborda sobre o “direito institucional, constitucional e democrático de trazer a público e anunciar a verdade acerca desta matéria na ótica da fé cristã”. Nela a assessoria de comunicação da Diocese ainda afirma que a fé se propõe, não se impõe.

Porém as falas do Pe. Chrystian Shankar não foram baseadas no anúncio da fé cristã e sim no ataque aos profissionais da educação e em acusações falsas. Juvenal Bernardes, professor divinopolitano há 30 anos, declara em vídeo: “Quando este Padre fala que em uma escola os pais estão preocupados por que os professores estão (deturpando a cabeça das crianças) ele atinge a todas. Isso é um desrespeito aos professores.”.

Um ponto tocado por professores de Divinópolis sobre o caso que não pode ignorado é do papel da escola na educação crítica dos alunos. De acordo com educador Richardson Pontone, outro a se manifestar publicamente, “O que a gente (professores) faz em sala de aula, além da informação, da formação e da verdade, é compartilhar uma série de conceitos.”

Sobre o tema, Juvenal Bernardes completa: “Nas escolas os professores estão trabalhando sério para educar essas crianças e esses jovens, para torná-los críticos. Estão ensinando a esses jovens e essas crianças que tem que ter respeito pelas pessoas.”

Para o professor José Heleno, que também se manifestou, o discurso de Shankar não é um fato isolado. “Trata-se de um projeto muito bem articulado pelos setores mais conservadores, pelos setores da direita política em Divinópolis e em todo país para combater uma educação emancipadora.”

Mas onde estão as escolas para defenderem sua própria liberdade? Além de muitos profissionais da educação terem assumido posição de afirmar seu papel em sala de aula, algumas instituições de ensino também o fizeram. Entretanto, a maioria apenas se defendeu das “acusações”, afirmando não ser a escola em questão, mas sem buscar sua liberdade de tratar os assuntos cotidianos trazidos pelos jovens. 

Os colégios, além de meras organizações didáticas, são centro relevante do desenvolvimento de indivíduos – e como o nome sugere, cada um com suas individualidades. Mais do que se livrar do ataque de pais, de políticos ou religiosos da cidade, em um movimento retrógrado articulado, as escolas bem poderiam acolher as muitas e cada vez mais complexas demandas - emocionais, éticas, sociais - de seus alunos em um mundo que parece enfeitiçado por algum algum espírito torpe.


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terça-feira, 1 de junho de 2021

Só os pobres aglomeram em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa  



É nítido e notório que, infelizmente, no Brasil, só preto e pobre vai preso ‒ ou para parafrasearmos a canção de Caetano Veloso: preto de tão pobres, pobres de tão pretos.


A pandemia, pois, piorou essa realidade: no país, também só pretos e pobres se aglomeram ‒ rico se diverte, realiza evento social, dá uma espairecida. Pelo menos é essa a impressão que se tem quando se observa as notícias sobre aglomerações nos portais de notícias de Divinópolis.


O Pluris fez uma busca pela palavra “aglomeração” em um site de notícias da cidade ‒ o Divinews ‒, mas que poderia ter sido feita em qualquer outro portal. Vamos restringir nossa abordagem aqui às notícias que tratam sobre aglomerações em Divinópolis, já que há matérias sobre outros municípios.



Quem aglomera e onde


Uma das notícias encontradas se refere a uma aglomeração na rua Rio Grande do Sul esquina com Minas Gerais. Na foto que acompanha a matéria, um policial militar revista jovens, que estão encostados na parede e com as mãos na cabeça. A reportagem está neste link, observe o perfil dos jovens abordados https://divinews.com/2021/05/24/divinopolis-policia-militar-e-vigilancia-sanitaria-abordam-torcedores-do-atletico-por-causarem-aglomeracao/.



Em outra matéria, a aglomeração noticiada é de adolescentes em um parque de diversões em frente a shoppings da cidade. O texto está disponível neste link, junto a um vídeo, no qual é possível ver também o perfil de quem se aglomera https://divinews.com/2021/05/16/shopping-patio-divinopolis-e-boate-mandalla-emitem-nota-de-esclarecimento-sobre-video-lhes-atribuindo-responsabilidade-de-aglomeracao/.


Em vez de buscarmos a palavra “aglomeração”, poderíamos ter procurado pelo termo “batidão” ‒ que parece ser um evento privilegiado pela PM para fiscalização e divulgação à mídia. Outro texto encontrado no Divinews, por exemplo, diz respeito a jovens baleados em uma aglomeração em um “batidão clandestino”, termo que nem mesmo deveria ser usado por carregar todo um estereótipo sobre os frequentadores. Notícia aqui https://divinews.com/2021/05/10/divinopolis-aglomeracao-jovens-sao-baleados-em-batidao-clandestino-na-comunidade-rural-do-inhame/


Já uma reportagem do último fim de semana mostra a abordagem a jovens aglomerados na Praça do Santuário, no Centro de Divinópolis. Mais uma vez com as mãos na cabeça, revistados por policiais. https://divinews.com/2021/05/29/divinopolis-123-pessoas-aglomeradas-na-praca-do-santuario-sao-abordadas-e-notificadas-por-fiscais-da-vs-com-apoio-da-pm/


Não é necessário fazer um amplo estudo sociológico para identificar qual a classe social e a cor dos jovens alvos das notícias acima: mais uma vez, apenas pretos e pobres são penalizados, responsabilizados pelas aglomerações na cidade ‒ pelo menos essa é a sensação se olhamos para a cobertura midiática local. 



A classe média branca não aglomera? 


Um único registro, por fim. Há no Divinews também a notícia de uma festa de lançamento de um DVD, que reuniu mais de 500 pessoas segundo a matéria. Para verificar o perfil das pessoas presentes, basta ver as fotos da matéria, que trazem também uma imagem do estacionamento do evento, com carros que valem alguns milhares de reais. https://divinews.com/2021/02/21/covid-19-show-de-lancamento-de-dvd-autorizado-pela-prefeitura-de-divinopolis-causa-aglomeracao/





Aparentemente, trata-se de um público muito maior do que qualquer outro das reportagens citadas acima. Mas, desta vez, a Polícia Militar apenas “estaria” no local: ou seja, sua presença nem mesmo foi confirmada. Muito menos, desta vez, há fotos dos inconscientes que se aglomeram em plena pandemia. Menos ainda, é óbvio, com as mãos na cabeça encostados na parede. 


Diante disso, é possível, no mínimo, questionar a Polícia Militar sobre os critérios de fotos de quem se aglomera ‒ por que nem todo mundo é fotografado com as mãos na cabeça? ‒ ou das ocorrências que são divulgadas à imprensa ‒ por que nem todas são divulgadas? ‒ e até mesmo de quais ocorrências a PM prefere atender ‒ afinal, a Praça do Santuário e a Rio Grande do Sul parecem ser lugares privilegiados. 


O Pluris está aberto às respostas ‒ e também atento à necessidade da autorreflexão: de nossa parte e dos outros agentes políticos.


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