quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O vício em games e a gamificação: entretenimento e dependência

Por Antônio C.M. Mesquita

O vício em games e o universo dos e-sports são fenômenos interligados, que revelam tanto o lado prazeroso e competitivo dos jogos eletrônicos quanto os riscos do uso excessivo e descontrolado. Enquanto os e-sports representam uma evolução dos jogos para o cenário competitivo e profissional, o vício em games é um transtorno comportamental que vem ganhando atenção crescente no campo da saúde mental.

Sua principal característica é uma necessidade compulsiva de jogar, levando o indivíduo a negligenciar responsabilidades pessoais e sociais. Esse transtorno pode trazer consequências físicas e mentais, como problemas musculares, aumento da ansiedade e isolamento social. O desenvolvimento dessa dependência é complexo e pode ser influenciado por fatores biológicos, como predisposição genética, e fatores psicológicos e sociais, como impulsividade, baixa autoestima e o ambiente de isolamento.

O uso de recursos eletrônicos, como redes sociais e videogames, pode ser uma ferramenta de alívio do estresse e proporcionar satisfação, especialmente para jovens que enfrentam desafios na vida real. No entanto, conforme alerta o psiquiatra Renato Silva, essa busca por satisfação digital pode se transformar em um problema quando o uso excessivo começa a substituir atividades essenciais, como manter uma rotina de sono saudável, estudar, trabalhar e socializar.

Segundo Silva, apesar dos benefícios potenciais dos jogos eletrônicos, como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, o uso exacerbado pode estar ligado a vulnerabilidades pessoais. Jovens com baixa tolerância à frustração, ansiedade social e baixa autoestima podem ser mais suscetíveis ao uso excessivo dos jogos e redes, na busca de um alívio para essas dificuldades emocionais.

Além disso, existe uma relação entre o vício em tecnologia e transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar e TDAH. Contudo, a relação de causa e efeito entre esses transtornos e o vício ainda não é totalmente clara: a ciência ainda investiga se a dependência digital pode ser um gatilho para o desenvolvimento de certos transtornos ou se, ao contrário, esses problemas de saúde mental tornam o indivíduo mais propenso ao uso excessivo.

Esse cenário ressalta a importância do equilíbrio. Embora a tecnologia possa ser uma aliada para aliviar o estresse e desenvolver habilidades, a conscientização sobre o uso excessivo e a busca por alternativas de bem-estar na vida offline são essenciais para a saúde mental e o bem-estar dos jovens. O tratamento desse transtorno pode envolver psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental, além de medicação para tratar sintomas associados, e grupos de apoio, que proporcionam suporte de pessoas com vivências semelhantes.

E-sports: A Nova Era do Esporte

Os e-sports, ou esportes eletrônicos, surgiram como competições de jogos eletrônicos disputadas por jogadores profissionais. Com uma estrutura similar à de esportes tradicionais, os e-sports possuem ligas, campeonatos e torcidas. Esse universo conquistou um público global, impulsionado por fatores como a acessibilidade dos jogos, a formação de comunidades, e a transmissão ao vivo em plataformas de streaming como Twitch e YouTube.

Para alcançar um alto desempenho, os jogadores de e-sports têm acompanhamento psicológico, treinam intensivamente, seguem uma rotina e são avaliados por equipes de gestão e recrutamento. Essa estrutura competitiva espelha as demandas físicas e mentais de esportes tradicionais, diferenciando-se apenas pelo meio virtual.

A prática dos e-sports já é reconhecida como esporte em diversos países, como Itália, Rússia, Finlândia, Malásia, Coreia do Sul e China, onde competições e eventos atraem milhões de espectadores e são economicamente relevantes. Jogos como xadrez, pôquer e Go também passaram a ser considerados esportes por possuírem estruturas competitivas, campeonatos e um desenvolvimento de habilidades complexas.

Gameficação e sociedade

Os jogos, que antes eram vistos apenas como passatempo, estão se revelando ferramentas poderosas para transformar a sociedade. Através de mecânicas que ensinam habilidades valiosas e narrativas que abordam temas sociais relevantes, os games estão ganhando um papel cada vez mais importante em nossa cultura.

A ascensão dos jogos eletrônicos como forma de entretenimento e interação social trouxe consigo uma série de desafios e oportunidades para a sociedade. É fundamental analisar ambos os lados da moeda para entendermos o impacto real dessa transformação.

Os jogos online facilitam a criação de comunidades globais, onde pessoas com interesses em comum podem se conectar e interagir, permitindo também a expressão sua criatividade de diversas maneiras, seja através da criação de conteúdo, da participação em comunidades online ou da construção de mundos virtuais. Essas comunidades podem promover a inclusão e o apoio social. Outro ponto a se considerar é o fato da indústria de jogos ser um dos setores que mais crescem no mundo, gerando empregos e movimentando a economia.

Conclusão

Os e-sports são uma expressão moderna de competição e cultura que transformam os jogos eletrônicos em um espetáculo profissional. Ao mesmo tempo, a conscientização sobre os riscos do vício em games é fundamental, para que o universo dos jogos possa ser aproveitado de forma saudável e equilibrada. A popularidade dos e-sports e a crescente preocupação com a saúde mental dos jogadores mostram que os jogos eletrônicos, quando bem geridos, podem ser uma fonte de entretenimento e realização. Ao compreendermos os desafios e oportunidades que eles apresentam, podemos trabalhar para maximizar seus benefícios e minimizar seus riscos, construindo um futuro mais justo e equitativo para todos.





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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Racismo, eurocentrismo e o lugar de Vinícius Júnior

O que revela o resultado do Bola de Ouro deste ano sobre as persistentes manifestações do imperialismo

Por Giovanna Mota

Ballon d’or, a Bola de ouro, como é conhecida, é uma das maiores premiações individuais no mundo do futebol. Criada pela revista francesa France Football, ela contempla o melhor jogador da temporada desde 1956. Neste ano de 2024, o nome mais cotado a vencer era o brasileiro Vinícius Júnior O espanhol Rodri, um aplicado, mas não brilhante, volante do clube inglês Manchester City, porém, foi indicado como o jogador do ano, deixando o segundo lugar para o brasileiro.

Seria natural que o resultado provocasse reações acaloradas, especialmente de brasileiros - mas o resultado parece revelar algo mal escondido: a tentativa de aplicar uma lição de moral no “indisciplinado” Vinícius parece esconder a arrogância típica dos colonizadores e, pior, o racismo contra o qual o jogador brasileiro se insurgiu.

Desde que chegou ao Real Madrid, Vinícius é vítima de atos racistas, tanto nas atitudes de parte da torcida quanto em episódios de preconceito racial explícito em estádios e na mídia. A constante exposição do jogador, apesar de seu talento e conquistas, coloca em xeque a maneira como a sociedade europeia trata os atletas negros, especialmente aqueles da América Latina e da África. O destaque de Vinícius Júnior no futebol europeu, com suas vitórias e habilidades excepcionais, contrasta com a resistência que ele enfrenta devido ao racismo, o que revela um sistema que muitas vezes marginaliza e diminui a importância de figuras negras, mesmo quando elas são protagonistas.

O fato de Vinícius Júnior se posicionar contra o racismo, tanto em campo quanto fora dele, também parece ter contribuído para o fato de ele não ter conquistado a Bola de Ouro. O jogador, que constantemente denuncia os abusos racistas a que é submetido, tanto nas redes sociais quanto nas arenas, desafia uma narrativa eurocêntrica que tenta manter a ideia de que os atletas de fora da Europa devem se "encaixar" nas normas europeias, sem questionar ou se opor às injustiças que sofrem.

O eurocentrismo também se reflete nas expectativas culturais impostas aos jogadores, especialmente os de origens latinas ou africanas. No caso de Vinícius Júnior, seu comportamento espontâneo e expressivo em campo – como dançar ao marcar gols ou tirar a camisa para celebrar – é frequentemente visto com preconceito por parte da mídia e das torcidas europeias, que tendem a valorizar um estilo mais “contido e disciplinado". Esses gestos, comuns em várias culturas latino-americanas, muitas vezes são estigmatizados no futebol europeu, onde há uma tendência a não aceitar comportamentos que escapam ao "padrão europeu”, refletindo um duplo padrão que privilegia atletas de origens continentais brancas e eurocêntricas.

Com a notícia de que Vinícius não iria ganhar a bola de ouro, o Real Madrid, o time do jogador e também um dos maiores times do mundo decidiu não ir à cerimônia e nem levar nenhum representante, mesmo ganhando os prêmios de melhor time, artilheiro e melhor treinador da temporada.

Essa atitude do Real Madrid e principalmente do Vini Jr. foi repercutida pelo jornalista e ex-apresentador brasileiro Thiago Leifert: “Deveria ter ido, com o peito estufado, olhar no olho dos jornalistas que não votaram em você, receber o carinho. Se você tivesse ido, seria o campeão moral. Teria sido absurdamente legal se você tivesse ido. O Rodri não tem culpa, acabou sendo um pouco ferido pelos fatos. Não tem culpa nenhuma. Você deveria ter ido, Vini. Para você ser levado nos braços do povo. Perdeu a oportunidade de ter essa imagem”.

Leifert recebeu as devidas críticas sobre como um homem branco não deve ensinar um homem pretocomo reagir a casos de racismo. Um dos comentários foi do ator Bruno Gagliasso, ator branco, como Leifert, mas que, por se notabilizar por ter filhos pretos, tem sofrido, ainda que indiretamente, com o racismo. Sobre Vinícius Júnior, Gagliasso escreveu: “Ele venceu porque a sua ausência é mais eloquente do que qualquer presença naquele evento. Ele venceu porque fez o mundo inteiro olhar para uma brutal tentativa de apagamento.”

A ausência de Vinícius Júnior na cerimônia da Bola de Ouro 2024 não só evidencia sua resistência ao racismo, mas também provoca uma profunda reflexão sobre as injustiças enfrentadas pelos atletas negros no futebol europeu. A sua decisão de não comparecer, em protesto contra um sistema que muitas vezes marginaliza e menospreza as suas realizações, ressoa mais alto do que qualquer cerimónia de entrega de prémios. A reação dos meios de comunicação social e a defesa das suas posições por figuras públicas sublinham a urgência de um diálogo sobre o racismo e o eurocentrismo que persistem nos atos, apesar de todo esforço civilizatório apregoado pelos europeus aos bárbaros e selvagens.
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quarta-feira, 6 de novembro de 2024

ASCENSÃO DA EXTREMA-DIREITA NO BRASIL: UMA RETROSPECTIVA

 Por Ana Paula Soares

Este é o primeiro texto  de uma série em que o Pluris tenta entender a atuação da direita no país e seus efeitos na atualidade 

O cenário político brasileiro se transformou desde que a nova direita ganhou força e influência no Brasil. O âmbito da política no país lida com figuras como Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira e Pablo Marçal, personagens que resultam de um grupo de pessoas que careciam de um líder de direita em meio a crises. Dessa forma, a extrema-direita cresce de modo acelerado modificando a direita clássica a qual a população conhecia. Porém, qual foi o estopim para o triunfo dessa ideologia?

As ideias da nova extrema-direita brasileira, em que pese uma longa tradição, que se inicia com Plínio Salgado e seu movimento integralistra ainda na década de 1920, começaram a ser difundidas por Enéas Carneiro (PRONA), candidato à presidência que teve sua primeira aparição em 1989, na primeira eleição direta após 30 anos de ditadura. O candidato, que partilhava do ideário marxista durante parte de sua vida, aderiu às teses ultranacionalistas e anticomunistas, dentre elas a valorização da pátria, reforma da educação visando uma escola tradicional, a moral e os bons costumes, ensino bíblico, contrariedade ao aborto e relacionamentos homoafetivos. Após anos como candidato à presidência sem sucesso, Enéas foi eleito à Deputado Federal em 2002, período em que estabeleceu relações com o deputado de baixo clero, Jair Bolsonaro.

Mais tarde, em junho de 2013, durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), milhares de brasileiros manifestaram seu descontentamento com o governo - não só federal, como com toda a estrutura política do país naquele momento - e tomavam as ruas como palco político. As redes sociais tornaram o alcance dessas manifestações maior, pois além de propagar as ideias pelas as quais a população lutava, também foram meios de organização e filiação de pessoas aos movimentos. Diversos grupos com diferentes crenças ideológicas ocupavam as ruas e impactavam o país e o mundo com tamanha mobilização, cada grupo com suas reinvindicações, mas o recado era o mesmo: o povo estava insatisfeito e exigia ser ouvido.

Embora o governo federal se esforçasse para contornar a situação, a aversão crescia mais a cada dia. O Partido dos Trabalhadores atingiu o nível de rejeição como nunca antes nas periferias, e a aproximação com a camada popular que havia colocado o PT no governo estava tomando o rumo contrário. Logo, o povo se encontrava em uma situação em que não havia uma figura representante. Essa lacuna de representatividade abriu espaço para que outra pessoa tomasse esse lugar, alguém que ganhava a simpatia do público devido às críticas ferrenhas à esquerda e que ocupava as ruas junto aos grupos de direita: o Jair Messias Bolsonaro. Nesse momento a extrema-direita se aproveitava das brechas que o caos do Brasil proporcionava: com discursos de um país melhor e da fé em Deus, a direita e a figura do “mito”, cresciam no imaginário popular.

Em 2016, os ataques contra a presidente se intensificaram. O discurso, sempre retomado para criticar a esquerda no poder, de anticorrupção, foi instrumentalizado pela extrema-direita por meio da Operação Lava Jato - investigação de esquemas de corrupção no país. As ruas novamente eram tomadas como cenário de revolta, a nova direita ecoava o hino do Brasil e vestia novamente as blusas verdes e amarelas para lutar pela saída da presidente.

A insatisfação generalizada resultou no impeachment de Rousseff. Em agosto do mesmo ano, Dilma foi afastada de suas atividades como Presidente da República, logo foi substituída pelo vice Michel Temer da direita clássica. Durante a votação de impeachment um discurso em específico marcaria o cenário político e desencadearia mais tarde uma direita que prega abertamente ideias inconstitucionais, o Deputado Jair Bolsonaro proferia uma saudação ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais violentos torturadores da Ditadura Militar que resultou do golpe de 1964.

O nome Jair Bolsonaro ganhava destaque com o povo, entre muitos fãs e muitas pessoas que o odiavam, a figura do mito, como se intitulava, era cada vez mais conhecida. Com a popularidade e o reconhecimento que ele recebia, era dado início a uma grande campanha eleitoral que polarizava cada vez mais o cenário político brasileiro. Em 2018, Bolsonaro se tornou candidato à presidência e reuniu um grande número de eleitores que reproduziam sua ideologia. 

A campanha bolsonarista era fundamentada nos valores cristãos, família tradicional e nacionalismo, ele retomava algumas ideias que Enéas começara a disseminar em 1989. A fala agressiva, a identidade visual e a construção da propaganda política lembravam as tentativas de Enéas para presidência, porém para Bolsonaro o alcance aos eleitores era absurdamente maior.

Como opositor ao ex-militar, a esquerda tinha Haddad (PT), ex-ministro da educação de Luís Inácio Lula da Silva. A direita era cada vez mais forte e embora a esquerda resistisse, muitas pessoas ainda se recusavam a votar no Partido dos Trabalhadores após todos os acontecimentos passados. Durante as eleições de 2018 um grande fenômeno explodiu, as fake News, a direita construía sua campanha através da disseminação de notícias falsas inventadas para descredibilizar os partidos de esquerda e, infelizmente, um grande grupo de pessoas eram enganadas por essas mentiras. 

Além das ruas, as redes sociais agora eram o principal meio de mobilizar a população, a campanha digital de Jair Bolsonaro se destacou entre todos os candidatos. As falas absurdas do candidato à presidência se espalhavam com grande velocidade, tal como as fake News, entretanto as notícias verdadeiras ou a retratação desses discursos não engajavam tanto quanto o conteúdo produzido pela direita. Os próprios eleitores de esquerdas no intuito de criticar ou alertar a população compartilhavam os vídeos, porém esses acessos contribuíam para que o conteúdo digital ganhasse mais visibilidade. Essa prática ainda hoje é utilizada por figuras da extrema-direita como Nikolas Ferreira, atual Deputado Federal, e Pablo Marçal, candidato à prefeito em São Paulo.

Embora a tentativa da esquerda de resistir ao fenômeno do bolsonarismo, o candidato de direita ganhou as eleições no segundo turno com mais de 57 milhões de votos, e depois de muitos anos um presidente de direita foi eleito através da Eleição Presidencial. Os anos de governo do “mito” foram anos muito conturbados, além de muitos atos de oposição ao presidente o mundo enfrentava uma pandemia causada pelo vírus COVID-19. Jair Bolsonaro agiu com descaso com a população em meio a uma pandemia global e desastres naturais que aconteceram durante seu mandato, porém insistia em dizer que o problema do país eram a falta de moralidade e falta de Deus.

O que torna Bolsonaro uma figura memorável é a construção dele como um personagem, muitos políticos ainda utilizam dessa manobra após perceberem como ele obteve sucesso.

Nas eleições de 2022, a luta era de duas figuras de grande apelo popular: Lula foi hábil a se registrar no imaginário da população como um símbolo de esperança após quatro anos de um governo conturbado, ao passo que Bolsonaro insistia na imagem do defensor dos bons costumes.

Hoje, outubro de 2024, ocorreram as eleições municipais e foi possível perceber o reflexo de todos os eventos já mencionados durante todo o processo eleitoral, desde a campanha política aos dias de eleição, como a criação de um personagem para fixar na mente dos eleitores, a utilização das redes sociais como palco político e os vídeos e falas proferidas visando ser o assunto do momento nas redes sociais. O fenômeno do bolsonarismo alcançou todas as esferas.
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terça-feira, 29 de outubro de 2024

X: o retorno

 Entenda como o falecido Twitter se tornou o “ X “ , quais as causas da sua suspensão e os interesses e impactos do bilionário Elon Musk para o país. 


Por Victória Ribeiro e Heloisa De Tofoli 


Após exatos 39 dias, a rede social X voltou ao ar em uma terça-feira, dia 8 de outubro, após o cumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), como o bloqueio de contas e o pagamento de multas, além da indicação de representante legal no Brasil - a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova foi a nomeada (veja aqui a análise do Pluris para o caso). A plataforma do bilionário Elon Musk pagou ao STF R$ 28,6 milhões para retomar suas operações no país.

Desse modo, a fim de contextualizar o que levou a plataforma X ao cenário atual, vamos abordar o falecido “Twitter”, com o intuito de compreender quando a rede social foi criada, quais eram suas funções e os interesses por trás da compra realizada por Elon Musk.

O Twitter foi fundado em março de 2006 por Jack Dorsey, Christopher Isaac Stone, Noah E. Glass, Jeremy LaTrasse e Evan Williams, com o objetivo de ampliar a comunicação entre as pessoas de forma instantânea, objetiva e virtual. Os usuários poderiam compartilhar seus pensamentos e acontecimentos em tempo real. Mas não demorou muito para que a plataforma se tornasse uma fonte de notícias e mobilizações políticas.

Foi por meio da ferramenta hashtag na plataforma, uma palavra-chave de um assunto, que, por exemplo, o termo “Black Lives Matter” — vidas pretas importam — ganhou notoriedade, tornando-se uma grande representação mundial no combate ao racismo. Isso ocorreu a partir do compartilhamento de um tweet por indivíduos que se identificaram com a causa.

Dessa maneira, a rede social também desempenha um papel fundamental na construção da opinião pública e na seleção de temas relevantes. No entanto, com a utilização de algoritmos — sequências de instruções que visam um determinado objetivo — o Twitter se tornou capaz de direcionar aos usuários os assuntos que mais os interessam, contribuindo, por consequência, para a formação de “bolhas sociais”, onde o indivíduo interage apenas com pessoas que compartilham a mesma ideologia.

Em contrapartida, essa dinâmica contribuiu para o crescimento de grupos extremistas dentro da plataforma, que se viu obrigada a desativar e banir perfis de usuários que infringem suas diretrizes ao incentivar a violência, o preconceito e a desinformação. Sob essa ótica, surgiu a ideia da compra de Elon Musk, baseada na alegação de que as medidas tomadas pelo Twitter limitam a “liberdade de expressão” dos usuários. Além disso, o bilionário estava ciente do poder de atuação das big techs - grandes empresas que exercem domínio no mercado de tecnologia e inovação - nas mais diversas áreas.

Desde a aquisição do Twitter por Musk, a plataforma passou por uma série de transformações, como a mudança de nome para “X”, a retirada do selo de verificação — importante ferramenta utilizada por jornais e celebridades para evitar contas falsas — e a limitação de recursos antes gratuitos, como a publicação de tweets, a fim de que os usuários pagassem pela sua utilização. Além disso, ele ameaçou desbloquear perfis que reafirmam ideologias extremistas. Nesse cenário, a plataforma se consolidou como a principal disseminadora de fake news e o principal local de encontro dos indivíduos da extrema direita, como Donald Trump, Jair Bolsonaro e seus aliados.

Diante de permanentes ataques a autoridades e instituições brasileiras, a rede que possui cerca de 22 milhões de usuários no Brasil, foi bloqueada no dia 31 de agosto após uma série de embates entre Elon Musk, dono da rede, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Os conflitos começaram quando Musk se recusou a bloquear perfis antidemocráticos e criminosos investigados pelo STF, alegando que Moraes estaria praticando censura e indo contra a liberdade de expressão. No dia 17 de agosto, Elon decidiu fechar o escritório do X no Brasil, uma vez que foi intimado a pagar uma multa de R$ 22 mil por desrespeitar ordens judiciais. A ausência de um representante legal no Brasil foi o estopim para que Moraes determinasse a suspensão da plataforma.

Consolidada a suspensão da plataforma, Musk demonstrou convicção de que o bloqueio causaria uma grande revolta entre os brasileiros e até sugeriu o uso de VPNs (Redes Privadas Virtuais), para acessar a rede social, o que se configuraria como desobediência civil . Não deu certo - seja porque as pessoas simplesmente optaram por sair de um ambiente de clara manipulação da opinião pública, seja pela simples ignorância digital dos usuários, que ignoram a existência de VPNs. No final das contas, a conclusão a que se chega é que quem sentiu mais com o bloqueio da rede foi o próprio dono e não tanto os usuários, haja vista que ele recuou e aceitou as exigências feitas pelo STF por dois supostos motivos: econômico e de relevância.

O conflito entre Musk e Moraes acabou afetando os negócios do bilionário, como é o caso da Starlink, companhia de internet via satélite, que teve suas contas bancárias bloqueadas no Brasil para garantir o pagamento das multas impostas ao X pelos descumprimentos de ordens judiciais. A Starlink é fornecedora de importantes órgãos públicos federais, como o Exército e a Marinha, além da Petrobrás. Segundo a Anatel, em julho deste ano, a empresa assumiu a liderança no mercado de internet via satélite no Brasil, visto que sua tecnologia se mostrou acessível e eficiente, chegando a áreas consideradas remotas, como na Amazônia. Dada a relevância e a influência que a empresa possui, o fato de Musk ter arrastado seus negócios para uma briga pessoal e um tanto ideológica desagradou os acionistas.

Contudo, não foi só a esfera econômica que pesou para o bilionário. De acordo com o economista Roberto Kanter, da FGV, o X no Brasil tem mais valor do ponto de vista simbólico para os empreendimentos de Musk do que no âmbito econômico. A plataforma é muito utilizada por influenciadores e formadores de opinião; além disso, a legião de fãs brasileiros é significativa para movimentar e engajar a rede.

O advogado Ronaldo Lemos, em entrevista ao podcast Café da Manhã, também concorda que o recuo de Elon Musk foi mais pela falta de engajamento dos brasileiros do que por fins monetários. Ronaldo comenta que o objetivo do bilionário nunca foi ganhar dinheiro com a plataforma, visto que ele a comprou por um valor muito maior do que realmente valia. O que importa para Musk é a relevância. Assim, ao perceber que essa relevância estava sendo perdida no Brasil e que os usuários estavam migrando para outras redes, isso o deixou ideologicamente ferido e ele cedeu. Afinal, o bilionário não é a última bolacha do pacote e a sociedade é adepta a mudanças.

Por fim, a transformação do X e o poder que ele representa evidenciam a importância da regulamentação das big techs. visto que, sem o cumprimento das normas e leis adequadas, essas empresas possuem o poder de influenciar as decisões políticas e sociais de um país sem serem responsabilizadas e penalizadas. Além disso, a plataforma,considerada palco de disseminação de fake news por parte da extrema direita, durante a sua suspensão teve a velocidade de propagação dessas notícias reduzida possibilitando que os jornalistas interviessem antes que os conteúdos se espalhassem, afirmou a diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (Netlab), Marie Santin, em entrevista à Agência Pública, jornalismo investigativo independente. Logo, a situação revela a contribuição da rede social para a desinformação, além de refletir as dificuldades no qual os veículos de comunicação enfrentam para conter os rumores. Pensando nisso, como você percebe o impacto das redes na sociedade ?
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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?

 O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? 

Por Laís Abreu 

No mundo contemporâneo, a presença das redes sociais na rotina das pessoas se tornou algo tão comum que aqueles que arriscam a ausência nas plataformas digitais criam uma impressão de desatualização ou até mesmo falta de conectividade com o restante do mundo.

Os celulares facilitaram bastante isso: entre uma tarefa e outra, acontece uma checagem no Instagram, outra no WhatsApp e uma lida no Twitter, ou melhor dizendo X. Até que no dia 30 de agosto, milhões de usuários da famosa plataforma do passarinho se viram diante de seu bloqueio. Para muitos fãs da rede foi uma atitude antidemocrática, mas o que muitos precisavam enxergar é que, de fato, a vida continua sem as plataformas digitais.

Embora a rotina de todos os brasileiros estivesse sendo a mesma, as reclamações e abstinência tomaram conta das demais redes sociais e muitos garantiam que lutavam pela “liberdade de expressão”. Um estudo da Orbit analisou 500 conversas no TikTok sobre a suspensão do X no Brasil e considerando os usuários que já haviam se decidido sobre a migração para uma outra plataforma, 78% disseram que o BlueSky seria o substituto do X. Em seguida, o Threads aparecia com 14% dos comentários.

No entanto, diante de toda essa “ausência de liberdade de expressão”, os internautas ignoram a verdadeira influência e poder que tomam conta das redes sociais. Adorno foi um dos primeiros pensadores a realizar análises mais sistemáticas sobre o tema e descreveu que os meios de comunicação em larga escala moldam e direcionam as opiniões de seus receptores. É como se fosse uma pirâmide, em cuja base estão todos os usuários envolvidos em likes, retweets, compartilhamentos, publicações, trends topics e hashtags. Enquanto no topo dela, estão as grandes marcas e influencers, que ditam as tendências, impõem os padrões e moldam as narrativas.  

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.
O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.

O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

Em um cenário em que nossa última imagem antes de dormir é uma tela e a primeira ao acordar é uma tela, a reflexão que fica é: precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?
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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Elon Musk, liberdade de expressão e manipulação

 A decisão do magnata de fechar o escritório da rede social X no Brasil visa evitar cumprimento de ordens judiciais, potencializando riscos de desinformação e interferência nas eleições

Por: Maria Eduarda Bianchi Umebara


No dia 17 de agosto, a rede social X anunciou a saída de seu escritório do Brasil por meio de uma nota publicada na própria plataforma. No comunicado, a empresa afirmou que decisão foi tomada devido a ameaças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes ,que teria advertido sobre a possível prisão de um funcionário, o representante legal da rede no país, caso não fossem cumpridas as "ordens de censura". Para proteger a segurança de sua equipe, alegou a nota, a rede social optou por encerrar suas operações no país. No entanto, a plataforma continua disponível para uso dos brasileiros.

A tensão entre o ministro e Elon Musk, dono da rede social, vem crescendo desde abril deste ano, após decisões judiciais que visavam bloquear contas populares do Brasil que disseminam fake news e atacam as instituições brasileiras. Musk acusou Moraes de censura, levando o ministro a incluir o empresário no inquérito das milícias digitais e abrir uma investigação por possíveis crimes como obstrução à Justiça. Além disso, Moraes impôs uma multa diária de 100 mil reais para cada perfil reativado em descumprimento da ordem judicial. Musk reagiu com críticas severas, chamando Moraes de "ditador brutal".

No dia 8 de agosto, o ministro havia determinado o bloqueio de 7 perfis, incluindo o do senador Marcos do Val (Podemos - ES). Entretanto, o X não cumpriu com a decisão judicial. Com isso, segundo os documentos compartilhados pela rede social, Moraes determinou, na sexta-feira (16), uma intimação dos advogados da plataforma no Brasil, buscando que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas, o bloqueio das contas desses usuários.

O fechamento do escritório da empresa no Brasil pode complicar a aplicação da legislação brasileira à plataforma. No entanto, segundo o especialista em direito digital Marcelo Crespo, mesmo sem um escritório físico no país, a empresa ainda está legalmente obrigada a cumprir as leis nacionais. A dificuldade é que as ordens judiciais precisarão ser enviadas à sede internacional da empresa, o que pode atrasar ou dificultar seu cumprimento.

Crespo aponta que a decisão de Elon Musk parece ser “estratégica”, uma vez que o empresário não tem interesse em seguir a legislação brasileira.

Embora o X desempenhe um papel crucial na promoção de debates entre pessoas de diferentes regiões, a falta de mecanismos eficazes para aplicar a lei pode resultar em graves consequências para o país. Muitos perfis continuarão a disseminar fake news, especialmente durante períodos eleitorais, interferindo diretamente no processo democrático e criando um cenário em que a desinformação pode se espalhar sem controle, influenciando a percepção pública e comprometendo a integridade das eleições, com narrativas deliberadamente falseadas para moldar opiniões e decisões de voto.

Se, sim, esse um debate antigo e é válido o argumento de que falseamento de narrativas, boatos, mentiras e manipulações fazem parte da vida social e da própria democracia, é preciso não perder de vista o alcance e poder das mídias sociais - e consequentemente de seus proprietários - nesse processo. O regramento e a responsabilização portanto devem levar em conta essas características.

A decisão de Elon Musk, o magnata dono da gigante dos veículos elétricos Tesla, que já disse que buscaria fontes de lítio onde quer que fosse, mesmo que para isso fosse necessário derrubar governos democraticamente eleitos, coloca em evidência que sua preocupação pode não ser exatamente a defesa da liberdade de expressão.

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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Corrida para o precipício

 Por Gilson Raslan Filho


Folha de S.Paulo protagonizou, nas últimas semanas, uma das cenas que traduzem a crise por que passa o jornalismo brasileiro

O fim de tarde de 13 de agosto trazia consigo uma notícia que prometia, mais uma vez, abalar as estruturas da República e mudar completamente o quadro político brasileiro. Em parceria com o ativista e jornalista estadunidense Glenn Greenwald, a manchete do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL destacava: Alexandre de Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas.

A acusação era grave: o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes teria burlado normas implícitas do processo judicial para fornecer informações ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que conduzia os processos contra tentativa de golpe de estado e outros crimes.

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente




As informações, vazadas para Greenwald, ganharam imediata correlação com a Vazajato, que expôs, por meio de vazamentos de milhões de mensagens privadas, o esquema nada republicano adotado pelo então juiz Sérgio Moro e membros do Ministério Público que cuidavam do processo da Lava-Jato. E de fato, anda no calor da divulgação, parecia que os blocos tectônicos se moviam.

Glenn Greenwald, havia meses gritava contra uma perseguição a bolsonaristas. Os bolsonaristas, presos ou em liberdade, inclusive o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, enrolado em acusações de diversas formas de irregularidades e crimes, não perderam a chance de gritarem contra uma alegada perseguição judicial liderada pelo ministro Alexandre de Moraes. O Brasil ficou em suspenso. E na noite do mesmo dia houve uma mobilização da mídia brasileira para tentar esclarecer o fato – que afinal, se verdadeiro, seria muito grave e justificaria a gritaria e a correlação com a Vazajato.

A fervura, todavia, começou a baixar já na manhã do dia seguinte. Excetuando os diretamente interessados e seus porta-vozes na mídia, começou a se formar o consenso, inclusive entre juristas, de que o ato de ofício praticado pelo Ministro Alexandre de Moraes não feriu qualquer rito jurídico.

Além disso, esclareceu-se que houve confusão, por parte da Folha de S.Paulo e de Glenn Greenwald - que, em sua grita, reivindicava a 1ª Emenda à Constituição dos EUA –, sobre o alcance, inclusive constitucional, do TSE, comandado por Moraes. O TSE é tribunal apenas no nome.

A justiça eleitoral brasileira, algo raro e merecedor de elogios ao redor do mundo, é uma agência governamental que produz, aplica, cumpre normas e governa todos os assuntos referentes ao processo eleitoral. É uma agência vinculada ao judiciário, surgida para romper com uma tradição de sistemáticas fraudes eleitorais por autoridades vinculadas ao executivo nos primeiros decênios de República oligárquica, fundada por coronéis.

O que se exigia e que fundamentou a denúncia da Folha foi a incompreensão dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros. E mesmo a reivindicação de ato fora do rito – a acusação é de que o Ministro do Supremo Alexandre de Moraes não pediu formalmente ao Presidente do TSE Alexandre de Moraes as informações, que foram ainda assim encaminhadas pelo presidente do TSE ao ministro do STF – pareceu uma exigência delirante.

Ainda assim, o jornal manteve sua denúncia no dia seguinte – e reverberou as vozes de quem se interessava pela “denúncia”: os acusados, que apenas naquele momento suspenderam o apelido que conferiam ao grupo de comunicação: “foice” de São Paulo, em alusão à foice e ao martelo que simbolizam o movimento comunista.

Essa simpatia repentina da parcela de extrema-direita pela Folha explica em parte o imenso erro cometido pelo jornal: na ânsia de se mostrar independente e alheio a ideologias, publicou uma história que reforçaria a extrema-direita da mesma maneira que havia publicado a vazajato, que reforçou a narrativa da esquerda, uma história que seria facilmente derrubada caso os jornalistas da casa fizessem o elementar: checassem as denúncias, até que verificassem sua real dimensão.O outro problema decorre do primeiro: por que os jornalistas não checaram? Essa questão tem resposta mais difícil, porque são múltiplas as razões. Todavia, nenhuma resposta é mais contundente do que os dados de pesquisas que indicam a juvenilização da redação da Folha S.Paulo, por razões estritamente mercantis: jornalistas experientes, que foram formados quando jovens por outros jornalistas experientes, são hoje dispensados porque jornalistas jovens, os focas, custam mais barato.

As seguidas barrigas da Folha e uma sensação de indigência generalizada do jornalismo brasileiro têm uma razão tristemente simples: o jornalismo é uma arte em que os velhos profissionais garantem a excelência do produto, mas a ganância dos proprietários tem excluído os mestres-jornalistas, que ensinam os jovens a como evitar erros, especialmente como evitá-los por confiar de forma desmesurada em seu próprio ímpeto.

Essa tem sido uma regra generalizada nas empresas de comunicação, e o resultado é a constatação da decadência técnica e moral do jornalismo brasileiro. A pergunta que resta: qual nação pode sobreviver a um jornalismo decadente? A sociedade brasileira terá condições de enfrentar o problema?
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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Jogos olímpicos de Paris: polêmicas e debates para a sociedade

 Por Antônio C.M. Mesquita

Foi encerrado há alguns dias os Jogos Olímpicos de Paris, e durante a principal celebração do esporte dois assuntos polêmicos viraram destaque, trazendo a possibilidade do debate.

O primeiro deles ocorreu durante a cerimônia de abertura, realizada em 26 de julho. No segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, incluindo drag queens e a DJ Bárbara Butch, surgiu atrás de uma longa mesa, numa composição que muitos, especialmente nas redes sociais, identificaram como uma paródia da célebre obra "A Última Ceia de Cristo", de Leonardo Da Vinci.

Embora a verdadeira inspiração para a cena tenha sido a pintura “Festa dos Deuses”, do pintor holandês Jan Van Bijlert, que celebra o deus grego Dionísio (ou Baco), o deus do vinho e das festividades, a semelhança visual com "A Última Ceia" desencadeou um acalorado debate entre diferentes espectros políticos.

Vários políticos de direita criticaram o que consideraram uma demonstração de "intolerância religiosa" e uma "profanação da Santa Ceia". Essas críticas surgiram não só na França, mas também em outros países, como o Brasil, onde figuras públicas condenaram a apresentação, classificando-a como desrespeitosa às tradições cristãs e aos valores religiosos. Para esses críticos, a paródia representou um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando preocupações sobre a preservação de símbolos e tradições religiosas no espaço público.

Outra polêmica envolveu o surfista brasileiro João Chianca. Durante os Jogos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) exigiu que o atleta removesse a imagem do Cristo Redentor de suas pranchas. Para muitos cristãos, isso foi visto como uma afronta, especialmente em um contexto onde já se discutia a aparente desconsideração de símbolos religiosos.

Alguns argumentaram que essa decisão do COI desrespeitava o profundo sentimento religioso dos cristãos, para os quais o Cristo Redentor é um ícone sagrado, representando a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, além de simbolizar sua paixão e calvário.

O mestre em Ciências da Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa acrescentam que "A Última Ceia" permanece como um elemento central nos rituais cristãos até os dias atuais. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados, além de Leonardo da Vinci, pintaram suas versões do relato bíblico da Última Ceia, incluindo Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista intitulada "O Sacramento da Última Ceia". Segundo os especialistas, "os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos".

Os especialistas destacam que, assim como a pintura "A Última Ceia" foi uma ressignificação cultural em seu tempo, a performance olímpica também ressignificou a "Última Ceia", adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo. Eles sublinham que a falta de imaginação e compreensão do significado simbólico impede uma visão mais ampla. "Esse comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma literal, sem reconhecer seu caráter metafórico", concluem.

Outro tema que gerou polêmica envolve a boxeadora argelina Imane Khelif derrotou a italiana Angela Carini em apenas 45 segundos, com um golpe forte no rosto da adversária, durante uma luta de boxe feminino. Após o impacto, Carini dirigiu-se ao seu corner para ajustar o capacete, mas em seguida abandonou a luta.

Segundo relatos no local, a italiana teria se sentido injustiçada pelo fato de Khelif já ter sido reprovada em um teste de gênero durante o Mundial de 2023. Apesar das controvérsias, o COI declarou que a atleta argelina estava apta a competir nos Jogos Olímpicos de Paris. Carini, por sua vez, negou que seu abandono tenha sido motivado por preconceito.

De acordo com as normas do Comitê Olímpico, atletas só podem ser excluídas das competições femininas quando fica claro que possuem uma vantagem injusta sobre as outras competidoras ou por questões de segurança. Contudo, a Associação Internacional de Boxe (IBA) não divulgou os motivos exatos pelos quais Imane Khelif e Lin Yu-ting não passaram nos testes de gênero no ano anterior, apenas informando que os níveis de testosterona das atletas, que poderiam impactar o desempenho, não foram medidos.

É importante notar que nem Khelif nem Yu-ting se identificam como transgênero. Existem diversas condições genéticas, como a síndrome de insensibilidade a andrógenos, que podem fazer com que mulheres apresentem o cromossomo Y, o que pode ter contribuído para as polêmicas em torno da elegibilidade das atletas.

Essas duas polêmicas nos Jogos Olímpicos de Paris evidenciam as complexas intersecções entre arte, religião, esporte e questões de gênero no mundo contemporâneo. A representação simbólica e a performance artística, como visto na cerimônia de abertura, continuam a desafiar interpretações tradicionais e a suscitar debates sobre o equilíbrio entre liberdade criativa e respeito cultural.

Por outro lado, as controvérsias em torno da elegibilidade de atletas no esporte, como no caso de Imane Khelif, ressaltam a necessidade de critérios claros e justos que considerem tanto a inclusão quanto a equidade competitiva. Em um cenário global cada vez mais diverso e plural, esses debates mostram a importância de promover diálogos construtivos que respeitem as diferentes perspectivas culturais, religiosas e identitárias, ao mesmo tempo em que garantem um ambiente de competição justo e seguro.
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quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A profissão jornalística e os impactos das ferramentas digitais

 Como a adoção de IA nas diretrizes do Grupo Globo é reflexo dos novos rumos do jornalismo

Por Heloisa De Tofoli e Victoria Ribeiro


Segundo o código de ética do jornalismo previsto no ano de 1987, o jornalista tem por objetivo garantir o acesso à informação à população, por meio de uma apuração cautelosa. Dessa forma, o profissional em exercício precisa se manter atualizado, a fim de assegurar o seu compromisso com a verdade. Porém, tal ação requer tempo e cuidado, logo algumas redações passaram a buscar estratégias, a fim de otimizar todo o processo e consideraram o uso da inteligência artificial como recurso.

Todas as vezes que surge alguma máquina que interfira no mundo da produção - não só do jornalismo - duas reações são comuns: um temor generalizado em relação ao novo; e a promessa de revoluções produtivas, quase sempre a partir do elogio do incremento da produtividade e, em algumas vezes, de diminuição da quantidade de trabalho humano.

Se podemos considerar as primeiras reações como exageradas, uma vez que há, com a emergência de novas técnicas e máquinas, não apenas a desaparição de atividades e profissões, mas o surgimento de outras, por outro lado, quase nunca essa emergência significa diminuição da quantidade de trabalho humano. Ao contrário. No caso do jornalismo, por exemplo, o surgimento das inteligências artificiais têm significado não apenas sobrecarga do jornalista como um profissional ‘multitarefas’ - significa aprofundamento da precarização do trabalho do jornalismo, com impactos profundos na qualidade do material informativo que circula socialmente.

Para pensar sobre isso, este texto realiza uma análise sobre as diretrizes do Grupo Globo que decidiram adotar a IA nos seus princípios editoriais no dia 27 de janeiro deste ano.

O Grupo Globo adicionou uma terceira seção aos seus princípios editoriais chamada: “O uso de inteligência artificial no jornalismo”, a qual possui 3 subseções:

1) Transparência e supervisão humana
    2) Apuração, produção e distribuição de jornalismo com auxílio de IA
    3) Direitos autorais e governança


Na primeira subseção, o princípio editorial diz que a inteligência artificial adotada tem como objetivo produzir informação de qualidade: “isenta, correta e prestada com rapidez."

O documento destaca a “facilitação” da imparcialidade com a utilização desse novo recurso, tendo em vista que essa ferramenta garante não adotar uma posição, porém como podemos afirmar que o conteúdo produzido por IA será isento de opinião se o que treina essas máquinas é o conjunto de dados produzidos pelos humanos em interação social? Houvesse “neutralidade”, não haveria uma série de denúncias sobre sexismo, racismo e eurocentrismo algorítmico. AIA usa tudo o que é publicado na internet como banco de dados, o qual está repleto de subjetividade e enviesamento.

Ademais, para refletirmos sobre a veracidade dos conteúdos indicados pela IA como fonte de informação, decidimos perguntar ao Chat Generative Pre-trained Transformer (ChatGPT), chatbot desenvolvido pela OpenAI que interage por meio de chat e tem a capacidade de responder diversas questões em uma conversa mais “humanizada”, quando foi realizada a sua última atualização do banco de dados e obtivemos como resposta o ano de 2022 sem previsão para o carregamento de novos dados. Portanto, concluímos que tal fator poderá comprometer a credibilidade dos conteúdos produzidos pelos jornalistas, visto que as informações se encontram desatualizadas, logo a circulação de fake news cresceu.

Nesse contexto, o uso dessa ferramenta no campo jornalístico contribuiu para o aumento da responsabilidade sobre o jornalista, visto que o profissional será responsabilizado pela verificação dos fatos e penalizado caso o conteúdo produzido pela inteligência artificial apresente irregularidades.

“A responsabilidade final pelo conteúdo veiculado,

entretanto, será sempre dos profissionais envolvidos, e

os jornalistas vão adotar estratégias para que eventuais

 erros e enviesamentos produzidos pela inteligência-e, 

de resto, por qualquer tecnologia usada- não resultem em erros

 ou enviesamentos na cobertura jornalística.”


Outra questão que devemos refletir diz respeito a diminuição de jornalistas contratados nas redações. De acordo com a Conta do Passaralhos presente no Volt Data Lab, consultoria orientada por dados que atua no setor de jornalismo e comunicação, houve 2.327 demissões de jornalistas em redações desde 2012 e 7.817 demissões totais em empresas de mídia e esses números só tendem a aumentar, uma vez que o uso da inteligência artificial causa a falsa ideia de que ela otimiza o trabalho jornalístico. Porém, o que está acontecendo é uma sobrecarga na profissão, na qual o único jornalista da empresa é responsável por apurar, escrever e publicar a informação e checar se a IA não está cometendo erros.

Por fim, a seção III do Grupo Globo encerra citando brevemente sobre os “Direitos autorais e governanças”

  1. “A utilização de ferramentas de Inteligência Artificial

pelo Grupo Globo deve sempre observar e respeitar

rigorosamente os direitos autorais e a propriedade 

intelectual, tanto em relação ao conteúdo de terceiros 

quanto aos materiais próprios.” 


Todavia, como garantir que os direitos autorais serão preservados, uma vez que a IA utiliza toda e qualquer informação contida na rede?

Essa é uma questão que pode se relacionar com a repetição de dados e a tendência do algoritmo, visto que os próprios jornalistas utilizam materiais de diferentes jornais como fonte para tratar de um único tema e o mesmo ocorrerá com as ferramentas digitais. Porém, para garantir o crédito ao site ou profissional, será necessário também que o jornalista faça uma verificação.

Desse modo, podemos concluir que a utilização da inteligência artificial pode trazer benefícios e malefícios dentro da profissão, porém é evidente que a ferramenta marca os novos rumos do jornalismo e que o seu uso deve ser debatido de forma cautelosa, assim como a regulamentação do profissional jornalista.
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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

A intersecção: mídia, futebol e política

 Por Letícia Paolinelli


Eleições francesas mostram  que explosão da sociedade do espetáculo tem potencial para provocar profundas mudanças nas instituições


As eleições legislativas de 2024 na França não foram apenas uma luta pelo poder político, mas também um palco onde as interações entre mídia, política e futebol foram expostas de forma intensa. O triunfo da Nova Frente Popular sobre a extrema-direita de Marine Le Pen trouxe à tona a complexa relação entre esses três domínios, destacando como cada um influencia e é influenciado pelo outro. A atuação da mídia e o papel dos jogadores de futebol no campo político francês oferecem uma perspectiva crítica sobre como essas interações moldam a percepção pública e as narrativas sociais.

Mídia: a acústica do estádio

As eleições legislativas de 2024 na França não foram apenas uma demonstração de democracia, mas também um palco onde a política, o futebol e a mídia se entrelaçaram de maneira inextricável. Com a vitória da Nova Frente Popular, uma coligação de esquerda, contra a extrema-direita de Marine Le Pen, teve resultado que transcendeu as fronteiras políticas tradicionais, reverberando fortemente no mundo do futebol e na mídia.

A relação entre futebol e política não é novidade. Na verdade, o futebol tem sido historicamente um palco para manifestações políticas e sociais. No Brasil, a ditadura militar fez uso ostensivo - e nem um pouco discreto - da seleção tricampeã de 1970. E quando a ditadura estava respirando por aparelhos, o movimento "Democracia Corinthiana", liderado por Sócrates nos anos 80, foi crucial para a luta pela redemocratização. Da mesma forma, na Argentina, o futebol desempenhou um papel significativo no avanço da Lei de Medios, uma legislação que visava democratizar os meios de comunicação.

Na França de 2024, os jogadores da seleção nacional se posicionaram firmemente contra a ascensão da extrema-direita. Nomes como Kylian Mbappé, Aurélien Tchouaméni e Marcus Thuram usaram suas plataformas nas redes sociais para incentivar a participação eleitoral e expressar seu alívio com a derrota de Le Pen. Este engajamento dos atletas não apenas refletiu suas crenças pessoais, mas também influenciou seus milhões de seguidores, sublinhando a poderosa interseção entre esporte e política.

A mídia, por sua vez, amplificou essas vozes. A cobertura das eleições pela imprensa esportiva não se limitou aos resultados das urnas, mas também destacou as reações dos jogadores. Através das redes sociais, essas mensagens ganharam um alcance ainda maior, demonstrando como a mídia contemporânea, impulsionada pela conectividade digital, pode moldar a opinião pública e mobilizar a ação política.

A mídia e o futebol têm sido aliados na luta por justiça e democracia, muitas vezes confrontando estruturas de poder estabelecidas. No Brasil, o movimento "Jogo 10 da Noite, Não!" ilustrou essa dinâmica ao desafiar a Rede Globo e seu controle sobre o horário dos jogos, uma prática que prejudicava os torcedores mais humildes. Similarmente, na França, a mobilização dos jogadores contra a extrema-direita destacou o papel do esporte como uma arena para a contestação política e a defesa de valores democráticos.

Para o jogo virar, alguns precisam jogar melhor fora de campo


Um aspecto crítico que emerge da análise da cobertura midiática das eleições francesas é a discrepância na forma como a mídia trata as manifestações políticas dos jogadores dependendo de sua origem étnica. Jogadores negros e imigrantes, como os franceses Mbappé e Thuram, enfrentam uma pressão desproporcional para se posicionar sobre questões políticas e sociais. A mídia frequentemente exige que atletas como eles utilizem suas plataformas para comentar sobre política e questões de inclusão social, ignorando muitas vezes a mesma exigência para jogadores brancos. O zagueiro da moralidade costuma marcar mais uns do que outros.

Este fenômeno não é exclusivo da França. Na Argentina, por exemplo, a popularidade de Lionel Messi foi acompanhada de uma pressão menor para que ele se envolvesse ativamente nas questões políticas do país, apesar de sua visibilidade e influência. No crivo da mídia, quando o assunto é manifestação política e moral, parece que o juiz é mais duro e pesa mais os cartões para jogadores específicos, não à toa e tão pouco sem critérios. A disparidade na cobrança demonstra como o discurso midiático pode reforçar estereótipos e desigualdades, além de reforçar que não existe imparcialidade na mídia, parafraseando Paulo Freire, a questão é se sua base ideológica é inclusiva ou excludente?

Pautas titulares e pautas de banco


No Brasil, a dinâmica entre mídia e futebol apresenta um contraste notável em comparação com a França. A mídia brasileira frequentemente foca em polêmicas e aspectos pessoais da vida dos jogadores, relegando questões sociais e políticas a um segundo plano. O caso de Neymar e a polêmica envolvendo suas atividades pessoais nas praias é um exemplo claro dessa tendência. A cobertura tendenciosa em torno das fofocas e da vida pessoal dos atletas muitas vezes eclipsa discussões mais substanciais sobre temas como legislações e políticas que também afetam esses jogadores e suas famílias, são essas as respectivas pautas titulares e as que estão no banco de reservas das redações de veículos de mídia.

Em contraste, quando se trata de jogadores estrangeiros e questões como as eleições na França, a mídia brasileira tende a investir mais no conteúdo social e político. A cobertura das manifestações dos jogadores franceses nas eleições foi mais detalhada e incisiva, refletindo uma preocupação com a forma como esses eventos influenciam a política e a sociedade. Essa diferença no tratamento revela como a mídia pode moldar a percepção pública ao decidir quais temas são valorizados e quais são minimizados.

A forma como a mídia aborda questões políticas e sociais relacionadas ao futebol tem um impacto profundo na construção do imaginário social. No Brasil, a concentração em fofocas e aspectos pessoais dos jogadores contribui para uma visão distorcida da realidade, que desvia a atenção das questões sociais e políticas relevantes. Na peneira de pautas, parece que os portais e canais brasileiros tendem a dar mais valor notícia para as fofocas e a vida pessoal dos jogadores, do que de fato para o esporte e as questões sociais e políticas relacionadas a ele.

A intersecção entre mídia, futebol e política não é meramente circunstancial, mas estrutural e significativa. O esporte, como fenômeno cultural de massa, tem o poder de mobilizar e inspirar, e quando aliado a uma mídia comprometida com a verdade e a justiça, pode promover mudanças sociais substanciais. As eleições francesas de 2024 são um lembrete poderoso de que a relação entre esses campos é complexa e multifacetada, e a vigilância crítica sobre como essas interações se desenrolam é essencial para garantir que o futebol continue a ser um espaço de luta por justiça e igualdade.

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