quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O vício em games e a gamificação: entretenimento e dependência

Por Antônio C.M. Mesquita

O vício em games e o universo dos e-sports são fenômenos interligados, que revelam tanto o lado prazeroso e competitivo dos jogos eletrônicos quanto os riscos do uso excessivo e descontrolado. Enquanto os e-sports representam uma evolução dos jogos para o cenário competitivo e profissional, o vício em games é um transtorno comportamental que vem ganhando atenção crescente no campo da saúde mental.

Sua principal característica é uma necessidade compulsiva de jogar, levando o indivíduo a negligenciar responsabilidades pessoais e sociais. Esse transtorno pode trazer consequências físicas e mentais, como problemas musculares, aumento da ansiedade e isolamento social. O desenvolvimento dessa dependência é complexo e pode ser influenciado por fatores biológicos, como predisposição genética, e fatores psicológicos e sociais, como impulsividade, baixa autoestima e o ambiente de isolamento.

O uso de recursos eletrônicos, como redes sociais e videogames, pode ser uma ferramenta de alívio do estresse e proporcionar satisfação, especialmente para jovens que enfrentam desafios na vida real. No entanto, conforme alerta o psiquiatra Renato Silva, essa busca por satisfação digital pode se transformar em um problema quando o uso excessivo começa a substituir atividades essenciais, como manter uma rotina de sono saudável, estudar, trabalhar e socializar.

Segundo Silva, apesar dos benefícios potenciais dos jogos eletrônicos, como o desenvolvimento de habilidades cognitivas e motoras, o uso exacerbado pode estar ligado a vulnerabilidades pessoais. Jovens com baixa tolerância à frustração, ansiedade social e baixa autoestima podem ser mais suscetíveis ao uso excessivo dos jogos e redes, na busca de um alívio para essas dificuldades emocionais.

Além disso, existe uma relação entre o vício em tecnologia e transtornos mentais, como depressão, transtorno bipolar e TDAH. Contudo, a relação de causa e efeito entre esses transtornos e o vício ainda não é totalmente clara: a ciência ainda investiga se a dependência digital pode ser um gatilho para o desenvolvimento de certos transtornos ou se, ao contrário, esses problemas de saúde mental tornam o indivíduo mais propenso ao uso excessivo.

Esse cenário ressalta a importância do equilíbrio. Embora a tecnologia possa ser uma aliada para aliviar o estresse e desenvolver habilidades, a conscientização sobre o uso excessivo e a busca por alternativas de bem-estar na vida offline são essenciais para a saúde mental e o bem-estar dos jovens. O tratamento desse transtorno pode envolver psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental, além de medicação para tratar sintomas associados, e grupos de apoio, que proporcionam suporte de pessoas com vivências semelhantes.

E-sports: A Nova Era do Esporte

Os e-sports, ou esportes eletrônicos, surgiram como competições de jogos eletrônicos disputadas por jogadores profissionais. Com uma estrutura similar à de esportes tradicionais, os e-sports possuem ligas, campeonatos e torcidas. Esse universo conquistou um público global, impulsionado por fatores como a acessibilidade dos jogos, a formação de comunidades, e a transmissão ao vivo em plataformas de streaming como Twitch e YouTube.

Para alcançar um alto desempenho, os jogadores de e-sports têm acompanhamento psicológico, treinam intensivamente, seguem uma rotina e são avaliados por equipes de gestão e recrutamento. Essa estrutura competitiva espelha as demandas físicas e mentais de esportes tradicionais, diferenciando-se apenas pelo meio virtual.

A prática dos e-sports já é reconhecida como esporte em diversos países, como Itália, Rússia, Finlândia, Malásia, Coreia do Sul e China, onde competições e eventos atraem milhões de espectadores e são economicamente relevantes. Jogos como xadrez, pôquer e Go também passaram a ser considerados esportes por possuírem estruturas competitivas, campeonatos e um desenvolvimento de habilidades complexas.

Gameficação e sociedade

Os jogos, que antes eram vistos apenas como passatempo, estão se revelando ferramentas poderosas para transformar a sociedade. Através de mecânicas que ensinam habilidades valiosas e narrativas que abordam temas sociais relevantes, os games estão ganhando um papel cada vez mais importante em nossa cultura.

A ascensão dos jogos eletrônicos como forma de entretenimento e interação social trouxe consigo uma série de desafios e oportunidades para a sociedade. É fundamental analisar ambos os lados da moeda para entendermos o impacto real dessa transformação.

Os jogos online facilitam a criação de comunidades globais, onde pessoas com interesses em comum podem se conectar e interagir, permitindo também a expressão sua criatividade de diversas maneiras, seja através da criação de conteúdo, da participação em comunidades online ou da construção de mundos virtuais. Essas comunidades podem promover a inclusão e o apoio social. Outro ponto a se considerar é o fato da indústria de jogos ser um dos setores que mais crescem no mundo, gerando empregos e movimentando a economia.

Conclusão

Os e-sports são uma expressão moderna de competição e cultura que transformam os jogos eletrônicos em um espetáculo profissional. Ao mesmo tempo, a conscientização sobre os riscos do vício em games é fundamental, para que o universo dos jogos possa ser aproveitado de forma saudável e equilibrada. A popularidade dos e-sports e a crescente preocupação com a saúde mental dos jogadores mostram que os jogos eletrônicos, quando bem geridos, podem ser uma fonte de entretenimento e realização. Ao compreendermos os desafios e oportunidades que eles apresentam, podemos trabalhar para maximizar seus benefícios e minimizar seus riscos, construindo um futuro mais justo e equitativo para todos.





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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Racismo, eurocentrismo e o lugar de Vinícius Júnior

O que revela o resultado do Bola de Ouro deste ano sobre as persistentes manifestações do imperialismo

Por Giovanna Mota

Ballon d’or, a Bola de ouro, como é conhecida, é uma das maiores premiações individuais no mundo do futebol. Criada pela revista francesa France Football, ela contempla o melhor jogador da temporada desde 1956. Neste ano de 2024, o nome mais cotado a vencer era o brasileiro Vinícius Júnior O espanhol Rodri, um aplicado, mas não brilhante, volante do clube inglês Manchester City, porém, foi indicado como o jogador do ano, deixando o segundo lugar para o brasileiro.

Seria natural que o resultado provocasse reações acaloradas, especialmente de brasileiros - mas o resultado parece revelar algo mal escondido: a tentativa de aplicar uma lição de moral no “indisciplinado” Vinícius parece esconder a arrogância típica dos colonizadores e, pior, o racismo contra o qual o jogador brasileiro se insurgiu.

Desde que chegou ao Real Madrid, Vinícius é vítima de atos racistas, tanto nas atitudes de parte da torcida quanto em episódios de preconceito racial explícito em estádios e na mídia. A constante exposição do jogador, apesar de seu talento e conquistas, coloca em xeque a maneira como a sociedade europeia trata os atletas negros, especialmente aqueles da América Latina e da África. O destaque de Vinícius Júnior no futebol europeu, com suas vitórias e habilidades excepcionais, contrasta com a resistência que ele enfrenta devido ao racismo, o que revela um sistema que muitas vezes marginaliza e diminui a importância de figuras negras, mesmo quando elas são protagonistas.

O fato de Vinícius Júnior se posicionar contra o racismo, tanto em campo quanto fora dele, também parece ter contribuído para o fato de ele não ter conquistado a Bola de Ouro. O jogador, que constantemente denuncia os abusos racistas a que é submetido, tanto nas redes sociais quanto nas arenas, desafia uma narrativa eurocêntrica que tenta manter a ideia de que os atletas de fora da Europa devem se "encaixar" nas normas europeias, sem questionar ou se opor às injustiças que sofrem.

O eurocentrismo também se reflete nas expectativas culturais impostas aos jogadores, especialmente os de origens latinas ou africanas. No caso de Vinícius Júnior, seu comportamento espontâneo e expressivo em campo – como dançar ao marcar gols ou tirar a camisa para celebrar – é frequentemente visto com preconceito por parte da mídia e das torcidas europeias, que tendem a valorizar um estilo mais “contido e disciplinado". Esses gestos, comuns em várias culturas latino-americanas, muitas vezes são estigmatizados no futebol europeu, onde há uma tendência a não aceitar comportamentos que escapam ao "padrão europeu”, refletindo um duplo padrão que privilegia atletas de origens continentais brancas e eurocêntricas.

Com a notícia de que Vinícius não iria ganhar a bola de ouro, o Real Madrid, o time do jogador e também um dos maiores times do mundo decidiu não ir à cerimônia e nem levar nenhum representante, mesmo ganhando os prêmios de melhor time, artilheiro e melhor treinador da temporada.

Essa atitude do Real Madrid e principalmente do Vini Jr. foi repercutida pelo jornalista e ex-apresentador brasileiro Thiago Leifert: “Deveria ter ido, com o peito estufado, olhar no olho dos jornalistas que não votaram em você, receber o carinho. Se você tivesse ido, seria o campeão moral. Teria sido absurdamente legal se você tivesse ido. O Rodri não tem culpa, acabou sendo um pouco ferido pelos fatos. Não tem culpa nenhuma. Você deveria ter ido, Vini. Para você ser levado nos braços do povo. Perdeu a oportunidade de ter essa imagem”.

Leifert recebeu as devidas críticas sobre como um homem branco não deve ensinar um homem pretocomo reagir a casos de racismo. Um dos comentários foi do ator Bruno Gagliasso, ator branco, como Leifert, mas que, por se notabilizar por ter filhos pretos, tem sofrido, ainda que indiretamente, com o racismo. Sobre Vinícius Júnior, Gagliasso escreveu: “Ele venceu porque a sua ausência é mais eloquente do que qualquer presença naquele evento. Ele venceu porque fez o mundo inteiro olhar para uma brutal tentativa de apagamento.”

A ausência de Vinícius Júnior na cerimônia da Bola de Ouro 2024 não só evidencia sua resistência ao racismo, mas também provoca uma profunda reflexão sobre as injustiças enfrentadas pelos atletas negros no futebol europeu. A sua decisão de não comparecer, em protesto contra um sistema que muitas vezes marginaliza e menospreza as suas realizações, ressoa mais alto do que qualquer cerimónia de entrega de prémios. A reação dos meios de comunicação social e a defesa das suas posições por figuras públicas sublinham a urgência de um diálogo sobre o racismo e o eurocentrismo que persistem nos atos, apesar de todo esforço civilizatório apregoado pelos europeus aos bárbaros e selvagens.
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