terça-feira, 29 de outubro de 2024

X: o retorno

 Entenda como o falecido Twitter se tornou o “ X “ , quais as causas da sua suspensão e os interesses e impactos do bilionário Elon Musk para o país. 


Por Victória Ribeiro e Heloisa De Tofoli 


Após exatos 39 dias, a rede social X voltou ao ar em uma terça-feira, dia 8 de outubro, após o cumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), como o bloqueio de contas e o pagamento de multas, além da indicação de representante legal no Brasil - a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova foi a nomeada (veja aqui a análise do Pluris para o caso). A plataforma do bilionário Elon Musk pagou ao STF R$ 28,6 milhões para retomar suas operações no país.

Desse modo, a fim de contextualizar o que levou a plataforma X ao cenário atual, vamos abordar o falecido “Twitter”, com o intuito de compreender quando a rede social foi criada, quais eram suas funções e os interesses por trás da compra realizada por Elon Musk.

O Twitter foi fundado em março de 2006 por Jack Dorsey, Christopher Isaac Stone, Noah E. Glass, Jeremy LaTrasse e Evan Williams, com o objetivo de ampliar a comunicação entre as pessoas de forma instantânea, objetiva e virtual. Os usuários poderiam compartilhar seus pensamentos e acontecimentos em tempo real. Mas não demorou muito para que a plataforma se tornasse uma fonte de notícias e mobilizações políticas.

Foi por meio da ferramenta hashtag na plataforma, uma palavra-chave de um assunto, que, por exemplo, o termo “Black Lives Matter” — vidas pretas importam — ganhou notoriedade, tornando-se uma grande representação mundial no combate ao racismo. Isso ocorreu a partir do compartilhamento de um tweet por indivíduos que se identificaram com a causa.

Dessa maneira, a rede social também desempenha um papel fundamental na construção da opinião pública e na seleção de temas relevantes. No entanto, com a utilização de algoritmos — sequências de instruções que visam um determinado objetivo — o Twitter se tornou capaz de direcionar aos usuários os assuntos que mais os interessam, contribuindo, por consequência, para a formação de “bolhas sociais”, onde o indivíduo interage apenas com pessoas que compartilham a mesma ideologia.

Em contrapartida, essa dinâmica contribuiu para o crescimento de grupos extremistas dentro da plataforma, que se viu obrigada a desativar e banir perfis de usuários que infringem suas diretrizes ao incentivar a violência, o preconceito e a desinformação. Sob essa ótica, surgiu a ideia da compra de Elon Musk, baseada na alegação de que as medidas tomadas pelo Twitter limitam a “liberdade de expressão” dos usuários. Além disso, o bilionário estava ciente do poder de atuação das big techs - grandes empresas que exercem domínio no mercado de tecnologia e inovação - nas mais diversas áreas.

Desde a aquisição do Twitter por Musk, a plataforma passou por uma série de transformações, como a mudança de nome para “X”, a retirada do selo de verificação — importante ferramenta utilizada por jornais e celebridades para evitar contas falsas — e a limitação de recursos antes gratuitos, como a publicação de tweets, a fim de que os usuários pagassem pela sua utilização. Além disso, ele ameaçou desbloquear perfis que reafirmam ideologias extremistas. Nesse cenário, a plataforma se consolidou como a principal disseminadora de fake news e o principal local de encontro dos indivíduos da extrema direita, como Donald Trump, Jair Bolsonaro e seus aliados.

Diante de permanentes ataques a autoridades e instituições brasileiras, a rede que possui cerca de 22 milhões de usuários no Brasil, foi bloqueada no dia 31 de agosto após uma série de embates entre Elon Musk, dono da rede, e o ministro do STF Alexandre de Moraes. Os conflitos começaram quando Musk se recusou a bloquear perfis antidemocráticos e criminosos investigados pelo STF, alegando que Moraes estaria praticando censura e indo contra a liberdade de expressão. No dia 17 de agosto, Elon decidiu fechar o escritório do X no Brasil, uma vez que foi intimado a pagar uma multa de R$ 22 mil por desrespeitar ordens judiciais. A ausência de um representante legal no Brasil foi o estopim para que Moraes determinasse a suspensão da plataforma.

Consolidada a suspensão da plataforma, Musk demonstrou convicção de que o bloqueio causaria uma grande revolta entre os brasileiros e até sugeriu o uso de VPNs (Redes Privadas Virtuais), para acessar a rede social, o que se configuraria como desobediência civil . Não deu certo - seja porque as pessoas simplesmente optaram por sair de um ambiente de clara manipulação da opinião pública, seja pela simples ignorância digital dos usuários, que ignoram a existência de VPNs. No final das contas, a conclusão a que se chega é que quem sentiu mais com o bloqueio da rede foi o próprio dono e não tanto os usuários, haja vista que ele recuou e aceitou as exigências feitas pelo STF por dois supostos motivos: econômico e de relevância.

O conflito entre Musk e Moraes acabou afetando os negócios do bilionário, como é o caso da Starlink, companhia de internet via satélite, que teve suas contas bancárias bloqueadas no Brasil para garantir o pagamento das multas impostas ao X pelos descumprimentos de ordens judiciais. A Starlink é fornecedora de importantes órgãos públicos federais, como o Exército e a Marinha, além da Petrobrás. Segundo a Anatel, em julho deste ano, a empresa assumiu a liderança no mercado de internet via satélite no Brasil, visto que sua tecnologia se mostrou acessível e eficiente, chegando a áreas consideradas remotas, como na Amazônia. Dada a relevância e a influência que a empresa possui, o fato de Musk ter arrastado seus negócios para uma briga pessoal e um tanto ideológica desagradou os acionistas.

Contudo, não foi só a esfera econômica que pesou para o bilionário. De acordo com o economista Roberto Kanter, da FGV, o X no Brasil tem mais valor do ponto de vista simbólico para os empreendimentos de Musk do que no âmbito econômico. A plataforma é muito utilizada por influenciadores e formadores de opinião; além disso, a legião de fãs brasileiros é significativa para movimentar e engajar a rede.

O advogado Ronaldo Lemos, em entrevista ao podcast Café da Manhã, também concorda que o recuo de Elon Musk foi mais pela falta de engajamento dos brasileiros do que por fins monetários. Ronaldo comenta que o objetivo do bilionário nunca foi ganhar dinheiro com a plataforma, visto que ele a comprou por um valor muito maior do que realmente valia. O que importa para Musk é a relevância. Assim, ao perceber que essa relevância estava sendo perdida no Brasil e que os usuários estavam migrando para outras redes, isso o deixou ideologicamente ferido e ele cedeu. Afinal, o bilionário não é a última bolacha do pacote e a sociedade é adepta a mudanças.

Por fim, a transformação do X e o poder que ele representa evidenciam a importância da regulamentação das big techs. visto que, sem o cumprimento das normas e leis adequadas, essas empresas possuem o poder de influenciar as decisões políticas e sociais de um país sem serem responsabilizadas e penalizadas. Além disso, a plataforma,considerada palco de disseminação de fake news por parte da extrema direita, durante a sua suspensão teve a velocidade de propagação dessas notícias reduzida possibilitando que os jornalistas interviessem antes que os conteúdos se espalhassem, afirmou a diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (Netlab), Marie Santin, em entrevista à Agência Pública, jornalismo investigativo independente. Logo, a situação revela a contribuição da rede social para a desinformação, além de refletir as dificuldades no qual os veículos de comunicação enfrentam para conter os rumores. Pensando nisso, como você percebe o impacto das redes na sociedade ?
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quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?

 O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? 

Por Laís Abreu 

No mundo contemporâneo, a presença das redes sociais na rotina das pessoas se tornou algo tão comum que aqueles que arriscam a ausência nas plataformas digitais criam uma impressão de desatualização ou até mesmo falta de conectividade com o restante do mundo.

Os celulares facilitaram bastante isso: entre uma tarefa e outra, acontece uma checagem no Instagram, outra no WhatsApp e uma lida no Twitter, ou melhor dizendo X. Até que no dia 30 de agosto, milhões de usuários da famosa plataforma do passarinho se viram diante de seu bloqueio. Para muitos fãs da rede foi uma atitude antidemocrática, mas o que muitos precisavam enxergar é que, de fato, a vida continua sem as plataformas digitais.

Embora a rotina de todos os brasileiros estivesse sendo a mesma, as reclamações e abstinência tomaram conta das demais redes sociais e muitos garantiam que lutavam pela “liberdade de expressão”. Um estudo da Orbit analisou 500 conversas no TikTok sobre a suspensão do X no Brasil e considerando os usuários que já haviam se decidido sobre a migração para uma outra plataforma, 78% disseram que o BlueSky seria o substituto do X. Em seguida, o Threads aparecia com 14% dos comentários.

No entanto, diante de toda essa “ausência de liberdade de expressão”, os internautas ignoram a verdadeira influência e poder que tomam conta das redes sociais. Adorno foi um dos primeiros pensadores a realizar análises mais sistemáticas sobre o tema e descreveu que os meios de comunicação em larga escala moldam e direcionam as opiniões de seus receptores. É como se fosse uma pirâmide, em cuja base estão todos os usuários envolvidos em likes, retweets, compartilhamentos, publicações, trends topics e hashtags. Enquanto no topo dela, estão as grandes marcas e influencers, que ditam as tendências, impõem os padrões e moldam as narrativas.  

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.
O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

É uma ilusão acreditar de que os usuários possuem relevância na relação com as plataformas digitais, mas no fundo só são propagadores daquilo que costumam receber. Enquanto tentam adaptar comportamentos para ganhar likes, os milhões de usuários na base da pirâmide mudam suas crenças e valores, enquanto o topo da pirâmide segue sendo beneficiado.

O bloqueio do X no Brasil nos faz pensar sobre a relevância das plataformas, o que ganhamos na vida online? Como reflete Muniz Sodré, em um texto para a Folha S. Paulo, “esses dispositivos são menos necessários do que se querem vender”. Nenhum usuário morreu ou adoeceu com a ausência da plataforma, que retornou na quarta-feira dia 8 de outubro, após o pagamento de muitas multas. Muito pelo contrário, o único afetado e afetado financeiramente, foi Elon Musk, de resto, todos seguiram sobrevivendo, se adaptando e redescobrindo outras formas de comunicação.

Em um cenário em que nossa última imagem antes de dormir é uma tela e a primeira ao acordar é uma tela, a reflexão que fica é: precisamos das redes sociais ou elas que precisam de nós?
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terça-feira, 15 de outubro de 2024

Jogando no tabuleiro do mercado: concessões, plataformas e o poder dos players

 Por Letícia Paolinelli

A transformação no modo de produzir conteúdo e as concessões de TV no Brasil refletem uma mudança profunda na comunicação e no trabalho de produtores de conteúdo, jornalistas e comunicadores, marcada pela digitalização e pela entrada de novos players no mercado. Desde a tradicional estrutura de concessões de canais televisivos até a ascensão das plataformas de internet, as mudanças tecnológicas e sociais configuraram um novo panorama midiático, que impacta diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

O cenário midiático se assemelha a um grande jogo, onde as regras não são claras para todos os participantes, mas quem detém o poder das plataformas controla a partida. Essas novas peças no tabuleiro mudaram o rumo da comunicação, impactando diretamente o modelo de produção e consumo de informação.

Novo jogo ou novos jogadores?

As concessões de TV no Brasil são um tema que voltou a ganhar relevância, especialmente após recentes discussões sobre a renovação de contratos, como o caso de Silvio Santos e o SBT. Tradicionalmente, as concessões de radiodifusão garantiram a grandes emissoras, como Globo, SBT e Record, o controle quase exclusivo sobre o que era transmitido aos brasileiros. A comunicação em massa seguia uma lógica hierárquica, onde poucos controlavam a produção de conteúdo, e a audiência se limitava a um papel passivo. No entanto, o cenário mudou drasticamente com a chegada da internet e de novas plataformas, empresas como: LiveMode, CazéTV, YouTube, Meta, Twitch ect. Essas empresas, que não estão sujeitas às mesmas regras das concessões de TV, surgiram com um modelo descentralizado, aparentemente mais democrático. No entanto, essa transformação não veio sem suas armadilhas: são monopólios globais, que estão associados a monopólios nacionais e em sequência regionais, os novos participantes ainda são gigantes globais que controlam as regras, a infraestrutura e as decisões estratégicas do mercado.

A ascensão da internet como um meio predominante de comunicação criou a ilusão de que a produção de conteúdo foi democratizada. De fato, a internet facilitou o acesso ao mercado de criação, permitindo que qualquer pessoa com um celular pudesse produzir e compartilhar vídeos, textos e imagens para uma audiência global. No entanto, a realidade é bem mais complexa. Por trás da promessa de democratização, estão grandes corporações que controlam a infraestrutura e ditam as regras do jogo.

Isso não só afeta os criadores de conteúdo, mas também jornalistas e comunicadores que migram para plataformas digitais, sem a segurança trabalhista das tradicionais redações. As plataformas digitais, ao contrário das emissoras de TV, operam de forma quase totalmente desregulamentada, o que torna essencial a criação de leis específicas para garantir os direitos desses trabalhadores, o que, em geral, é impedido pelo forte lobby das big tech.

Neste sentido, as propostas legislativas como o PL 2630/2020 e o PL 2370/2019 se tornam urgentes e fundamentais. O Projeto de Lei 2630, conhecido como "PL das Fake News", visa a regulamentar as plataformas digitais, buscando responsabilizá-las pela disseminação de informações falsas e proteger o ambiente de comunicação online. Já o PL 2370 aborda diretamente a questão dos direitos trabalhistas dos criadores de conteúdo, propondo medidas que regularizem as condições de trabalho para esses profissionais que operam em plataformas como YouTube, Twitch, e redes sociais. Esses projetos de lei não são apenas passos na direção da proteção da democracia e da integridade da informação, mas também na defesa dos direitos dos profissionais que constroem a nova face da comunicação digital. É preciso sentar à mesa e discutir com os grandes players desse jogo.

Os espectadores também são players


Entretanto, o impacto dessas plataformas não se restringe apenas ao campo econômico ou trabalhista. A internet alterou profundamente a maneira como a audiência interage com o conteúdo. Se antes a televisão impunha uma programação fixa e inalterável, agora o espectador escolhe o que quer assistir e, muitas vezes, se transforma em produtor de conteúdo. Essa mudança de paradigma parece, à primeira vista, empoderadora. Mas o que estamos realmente testemunhando é a intensificação de um modelo de produção contínua, onde a audiência se torna uma métrica algorítmica, e os criadores são forçados a produzir incessantemente para manter a relevância. Seria esse um Tempos Modernos de Charles Chaplin dos tempos que vivemos?

A promessa de que a internet traria uma produção de conteúdo mais democrática e inclusiva é, em grande parte, uma falácia. O controle da informação está cada vez mais concentrado nas mãos de grandes corporações globais, que ditam as regras de monetização, visibilidade e conteúdo permitido. Mesmo a representatividade, um dos aspectos mais exaltados da internet, é limitada por algoritmos que favorecem o que é comercialmente viável, e não necessariamente o que é relevante socialmente.

De qual lado do tabuleiro está cada jogador?


A televisão continua a ser um espaço de poder considerável. A Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo, é um exemplo claro de como a televisão se adaptou às novas demandas do público. No entanto, mesmo com a expansão digital, o grupo ainda mantém uma forte presença na radiodifusão tradicional, o que demonstra como as antigas e novas formas de comunicação coexistem e, muitas vezes, reforçam os mesmos monopólios de poder.

A questão central é: quem realmente se beneficia dessas mudanças? Apesar de uma maior pluralidade de vozes ter encontrado espaço na internet, a comunicação de massa ainda segue dominada por gigantes globais e nacionais. O acesso ao público, a monetização e o controle da narrativa continuam concentrados. Como apontado por Muniz Sodré, em sua coluna na Folha de S.Paulo de 29/09, plataformas como o Twitter/X e YouTube são, no fundo, mecanismos comerciais que se disfarçam de espaços de livre expressão. Elas não promovem, de fato, um debate democrático, pelo contrário, fragmentam a sociedade em bolhas de informação desconexa, reforçando polarizações e dificultando um diálogo real.

Portanto, enquanto seguimos usando esses espaços digitais para tentar ampliar a representatividade e a discussão de temas antes marginalizados, é essencial manter uma postura crítica. A produção de conteúdo na internet, ao contrário do que muitos acreditam, não é uma forma de liberdade plena, mas sim um reflexo das condições econômicas e sociais impostas. A comunicação mudou, e nós fazemos parte dessa mudança - mas é preciso garantir que essa transformação caminhe rumo a um modelo mais justo e democrático, tanto no ambiente digital quanto na mídia tradicional.



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