quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Corrida para o precipício

 Por Gilson Raslan Filho


Folha de S.Paulo protagonizou, nas últimas semanas, uma das cenas que traduzem a crise por que passa o jornalismo brasileiro

O fim de tarde de 13 de agosto trazia consigo uma notícia que prometia, mais uma vez, abalar as estruturas da República e mudar completamente o quadro político brasileiro. Em parceria com o ativista e jornalista estadunidense Glenn Greenwald, a manchete do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL destacava: Alexandre de Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas.

A acusação era grave: o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes teria burlado normas implícitas do processo judicial para fornecer informações ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que conduzia os processos contra tentativa de golpe de estado e outros crimes.

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As informações, vazadas para Greenwald, ganharam imediata correlação com a Vazajato, que expôs, por meio de vazamentos de milhões de mensagens privadas, o esquema nada republicano adotado pelo então juiz Sérgio Moro e membros do Ministério Público que cuidavam do processo da Lava-Jato. E de fato, anda no calor da divulgação, parecia que os blocos tectônicos se moviam.

Glenn Greenwald, havia meses gritava contra uma perseguição a bolsonaristas. Os bolsonaristas, presos ou em liberdade, inclusive o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, enrolado em acusações de diversas formas de irregularidades e crimes, não perderam a chance de gritarem contra uma alegada perseguição judicial liderada pelo ministro Alexandre de Moraes. O Brasil ficou em suspenso. E na noite do mesmo dia houve uma mobilização da mídia brasileira para tentar esclarecer o fato – que afinal, se verdadeiro, seria muito grave e justificaria a gritaria e a correlação com a Vazajato.

A fervura, todavia, começou a baixar já na manhã do dia seguinte. Excetuando os diretamente interessados e seus porta-vozes na mídia, começou a se formar o consenso, inclusive entre juristas, de que o ato de ofício praticado pelo Ministro Alexandre de Moraes não feriu qualquer rito jurídico.

Além disso, esclareceu-se que houve confusão, por parte da Folha de S.Paulo e de Glenn Greenwald - que, em sua grita, reivindicava a 1ª Emenda à Constituição dos EUA –, sobre o alcance, inclusive constitucional, do TSE, comandado por Moraes. O TSE é tribunal apenas no nome.

A justiça eleitoral brasileira, algo raro e merecedor de elogios ao redor do mundo, é uma agência governamental que produz, aplica, cumpre normas e governa todos os assuntos referentes ao processo eleitoral. É uma agência vinculada ao judiciário, surgida para romper com uma tradição de sistemáticas fraudes eleitorais por autoridades vinculadas ao executivo nos primeiros decênios de República oligárquica, fundada por coronéis.

O que se exigia e que fundamentou a denúncia da Folha foi a incompreensão dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros. E mesmo a reivindicação de ato fora do rito – a acusação é de que o Ministro do Supremo Alexandre de Moraes não pediu formalmente ao Presidente do TSE Alexandre de Moraes as informações, que foram ainda assim encaminhadas pelo presidente do TSE ao ministro do STF – pareceu uma exigência delirante.

Ainda assim, o jornal manteve sua denúncia no dia seguinte – e reverberou as vozes de quem se interessava pela “denúncia”: os acusados, que apenas naquele momento suspenderam o apelido que conferiam ao grupo de comunicação: “foice” de São Paulo, em alusão à foice e ao martelo que simbolizam o movimento comunista.

Essa simpatia repentina da parcela de extrema-direita pela Folha explica em parte o imenso erro cometido pelo jornal: na ânsia de se mostrar independente e alheio a ideologias, publicou uma história que reforçaria a extrema-direita da mesma maneira que havia publicado a vazajato, que reforçou a narrativa da esquerda, uma história que seria facilmente derrubada caso os jornalistas da casa fizessem o elementar: checassem as denúncias, até que verificassem sua real dimensão.O outro problema decorre do primeiro: por que os jornalistas não checaram? Essa questão tem resposta mais difícil, porque são múltiplas as razões. Todavia, nenhuma resposta é mais contundente do que os dados de pesquisas que indicam a juvenilização da redação da Folha S.Paulo, por razões estritamente mercantis: jornalistas experientes, que foram formados quando jovens por outros jornalistas experientes, são hoje dispensados porque jornalistas jovens, os focas, custam mais barato.

As seguidas barrigas da Folha e uma sensação de indigência generalizada do jornalismo brasileiro têm uma razão tristemente simples: o jornalismo é uma arte em que os velhos profissionais garantem a excelência do produto, mas a ganância dos proprietários tem excluído os mestres-jornalistas, que ensinam os jovens a como evitar erros, especialmente como evitá-los por confiar de forma desmesurada em seu próprio ímpeto.

Essa tem sido uma regra generalizada nas empresas de comunicação, e o resultado é a constatação da decadência técnica e moral do jornalismo brasileiro. A pergunta que resta: qual nação pode sobreviver a um jornalismo decadente? A sociedade brasileira terá condições de enfrentar o problema?
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