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sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Elon Musk, liberdade de expressão e manipulação

 A decisão do magnata de fechar o escritório da rede social X no Brasil visa evitar cumprimento de ordens judiciais, potencializando riscos de desinformação e interferência nas eleições

Por: Maria Eduarda Bianchi Umebara


No dia 17 de agosto, a rede social X anunciou a saída de seu escritório do Brasil por meio de uma nota publicada na própria plataforma. No comunicado, a empresa afirmou que decisão foi tomada devido a ameaças do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes ,que teria advertido sobre a possível prisão de um funcionário, o representante legal da rede no país, caso não fossem cumpridas as "ordens de censura". Para proteger a segurança de sua equipe, alegou a nota, a rede social optou por encerrar suas operações no país. No entanto, a plataforma continua disponível para uso dos brasileiros.

A tensão entre o ministro e Elon Musk, dono da rede social, vem crescendo desde abril deste ano, após decisões judiciais que visavam bloquear contas populares do Brasil que disseminam fake news e atacam as instituições brasileiras. Musk acusou Moraes de censura, levando o ministro a incluir o empresário no inquérito das milícias digitais e abrir uma investigação por possíveis crimes como obstrução à Justiça. Além disso, Moraes impôs uma multa diária de 100 mil reais para cada perfil reativado em descumprimento da ordem judicial. Musk reagiu com críticas severas, chamando Moraes de "ditador brutal".

No dia 8 de agosto, o ministro havia determinado o bloqueio de 7 perfis, incluindo o do senador Marcos do Val (Podemos - ES). Entretanto, o X não cumpriu com a decisão judicial. Com isso, segundo os documentos compartilhados pela rede social, Moraes determinou, na sexta-feira (16), uma intimação dos advogados da plataforma no Brasil, buscando que tomem providências necessárias e cumpram, no prazo de 24 horas, o bloqueio das contas desses usuários.

O fechamento do escritório da empresa no Brasil pode complicar a aplicação da legislação brasileira à plataforma. No entanto, segundo o especialista em direito digital Marcelo Crespo, mesmo sem um escritório físico no país, a empresa ainda está legalmente obrigada a cumprir as leis nacionais. A dificuldade é que as ordens judiciais precisarão ser enviadas à sede internacional da empresa, o que pode atrasar ou dificultar seu cumprimento.

Crespo aponta que a decisão de Elon Musk parece ser “estratégica”, uma vez que o empresário não tem interesse em seguir a legislação brasileira.

Embora o X desempenhe um papel crucial na promoção de debates entre pessoas de diferentes regiões, a falta de mecanismos eficazes para aplicar a lei pode resultar em graves consequências para o país. Muitos perfis continuarão a disseminar fake news, especialmente durante períodos eleitorais, interferindo diretamente no processo democrático e criando um cenário em que a desinformação pode se espalhar sem controle, influenciando a percepção pública e comprometendo a integridade das eleições, com narrativas deliberadamente falseadas para moldar opiniões e decisões de voto.

Se, sim, esse um debate antigo e é válido o argumento de que falseamento de narrativas, boatos, mentiras e manipulações fazem parte da vida social e da própria democracia, é preciso não perder de vista o alcance e poder das mídias sociais - e consequentemente de seus proprietários - nesse processo. O regramento e a responsabilização portanto devem levar em conta essas características.

A decisão de Elon Musk, o magnata dono da gigante dos veículos elétricos Tesla, que já disse que buscaria fontes de lítio onde quer que fosse, mesmo que para isso fosse necessário derrubar governos democraticamente eleitos, coloca em evidência que sua preocupação pode não ser exatamente a defesa da liberdade de expressão.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Corrida para o precipício

 Por Gilson Raslan Filho


Folha de S.Paulo protagonizou, nas últimas semanas, uma das cenas que traduzem a crise por que passa o jornalismo brasileiro

O fim de tarde de 13 de agosto trazia consigo uma notícia que prometia, mais uma vez, abalar as estruturas da República e mudar completamente o quadro político brasileiro. Em parceria com o ativista e jornalista estadunidense Glenn Greenwald, a manchete do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL destacava: Alexandre de Moraes usou TSE fora do rito para investigar bolsonaristas.

A acusação era grave: o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral Alexandre de Moraes teria burlado normas implícitas do processo judicial para fornecer informações ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que conduzia os processos contra tentativa de golpe de estado e outros crimes.

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente




As informações, vazadas para Greenwald, ganharam imediata correlação com a Vazajato, que expôs, por meio de vazamentos de milhões de mensagens privadas, o esquema nada republicano adotado pelo então juiz Sérgio Moro e membros do Ministério Público que cuidavam do processo da Lava-Jato. E de fato, anda no calor da divulgação, parecia que os blocos tectônicos se moviam.

Glenn Greenwald, havia meses gritava contra uma perseguição a bolsonaristas. Os bolsonaristas, presos ou em liberdade, inclusive o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, enrolado em acusações de diversas formas de irregularidades e crimes, não perderam a chance de gritarem contra uma alegada perseguição judicial liderada pelo ministro Alexandre de Moraes. O Brasil ficou em suspenso. E na noite do mesmo dia houve uma mobilização da mídia brasileira para tentar esclarecer o fato – que afinal, se verdadeiro, seria muito grave e justificaria a gritaria e a correlação com a Vazajato.

A fervura, todavia, começou a baixar já na manhã do dia seguinte. Excetuando os diretamente interessados e seus porta-vozes na mídia, começou a se formar o consenso, inclusive entre juristas, de que o ato de ofício praticado pelo Ministro Alexandre de Moraes não feriu qualquer rito jurídico.

Além disso, esclareceu-se que houve confusão, por parte da Folha de S.Paulo e de Glenn Greenwald - que, em sua grita, reivindicava a 1ª Emenda à Constituição dos EUA –, sobre o alcance, inclusive constitucional, do TSE, comandado por Moraes. O TSE é tribunal apenas no nome.

A justiça eleitoral brasileira, algo raro e merecedor de elogios ao redor do mundo, é uma agência governamental que produz, aplica, cumpre normas e governa todos os assuntos referentes ao processo eleitoral. É uma agência vinculada ao judiciário, surgida para romper com uma tradição de sistemáticas fraudes eleitorais por autoridades vinculadas ao executivo nos primeiros decênios de República oligárquica, fundada por coronéis.

O que se exigia e que fundamentou a denúncia da Folha foi a incompreensão dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros. E mesmo a reivindicação de ato fora do rito – a acusação é de que o Ministro do Supremo Alexandre de Moraes não pediu formalmente ao Presidente do TSE Alexandre de Moraes as informações, que foram ainda assim encaminhadas pelo presidente do TSE ao ministro do STF – pareceu uma exigência delirante.

Ainda assim, o jornal manteve sua denúncia no dia seguinte – e reverberou as vozes de quem se interessava pela “denúncia”: os acusados, que apenas naquele momento suspenderam o apelido que conferiam ao grupo de comunicação: “foice” de São Paulo, em alusão à foice e ao martelo que simbolizam o movimento comunista.

Essa simpatia repentina da parcela de extrema-direita pela Folha explica em parte o imenso erro cometido pelo jornal: na ânsia de se mostrar independente e alheio a ideologias, publicou uma história que reforçaria a extrema-direita da mesma maneira que havia publicado a vazajato, que reforçou a narrativa da esquerda, uma história que seria facilmente derrubada caso os jornalistas da casa fizessem o elementar: checassem as denúncias, até que verificassem sua real dimensão.O outro problema decorre do primeiro: por que os jornalistas não checaram? Essa questão tem resposta mais difícil, porque são múltiplas as razões. Todavia, nenhuma resposta é mais contundente do que os dados de pesquisas que indicam a juvenilização da redação da Folha S.Paulo, por razões estritamente mercantis: jornalistas experientes, que foram formados quando jovens por outros jornalistas experientes, são hoje dispensados porque jornalistas jovens, os focas, custam mais barato.

As seguidas barrigas da Folha e uma sensação de indigência generalizada do jornalismo brasileiro têm uma razão tristemente simples: o jornalismo é uma arte em que os velhos profissionais garantem a excelência do produto, mas a ganância dos proprietários tem excluído os mestres-jornalistas, que ensinam os jovens a como evitar erros, especialmente como evitá-los por confiar de forma desmesurada em seu próprio ímpeto.

Essa tem sido uma regra generalizada nas empresas de comunicação, e o resultado é a constatação da decadência técnica e moral do jornalismo brasileiro. A pergunta que resta: qual nação pode sobreviver a um jornalismo decadente? A sociedade brasileira terá condições de enfrentar o problema?