Por Antônio C.M. Mesquita
Foi encerrado há alguns dias os Jogos Olímpicos de Paris, e durante a principal celebração do esporte dois assuntos polêmicos viraram destaque, trazendo a possibilidade do debate.
O primeiro deles ocorreu durante a cerimônia de abertura, realizada em 26 de julho. No segmento intitulado “Festividade”, um grupo de artistas franceses, incluindo drag queens e a DJ Bárbara Butch, surgiu atrás de uma longa mesa, numa composição que muitos, especialmente nas redes sociais, identificaram como uma paródia da célebre obra "A Última Ceia de Cristo", de Leonardo Da Vinci.
Embora a verdadeira inspiração para a cena tenha sido a pintura “Festa dos Deuses”, do pintor holandês Jan Van Bijlert, que celebra o deus grego Dionísio (ou Baco), o deus do vinho e das festividades, a semelhança visual com "A Última Ceia" desencadeou um acalorado debate entre diferentes espectros políticos.
Vários políticos de direita criticaram o que consideraram uma demonstração de "intolerância religiosa" e uma "profanação da Santa Ceia". Essas críticas surgiram não só na França, mas também em outros países, como o Brasil, onde figuras públicas condenaram a apresentação, classificando-a como desrespeitosa às tradições cristãs e aos valores religiosos. Para esses críticos, a paródia representou um exemplo de insensibilidade cultural e provocação desnecessária, evidenciando preocupações sobre a preservação de símbolos e tradições religiosas no espaço público.
Outra polêmica envolveu o surfista brasileiro João Chianca. Durante os Jogos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) exigiu que o atleta removesse a imagem do Cristo Redentor de suas pranchas. Para muitos cristãos, isso foi visto como uma afronta, especialmente em um contexto onde já se discutia a aparente desconsideração de símbolos religiosos.
Alguns argumentaram que essa decisão do COI desrespeitava o profundo sentimento religioso dos cristãos, para os quais o Cristo Redentor é um ícone sagrado, representando a comunhão com o corpo e o sangue de Jesus Cristo, além de simbolizar sua paixão e calvário.
O mestre em Ciências da Religião Jorge Miklos e a especialista em Psicologia Analítica Daniela Moura Barbosa acrescentam que "A Última Ceia" permanece como um elemento central nos rituais cristãos até os dias atuais. Eles recordam que vários artistas clássicos renomados, além de Leonardo da Vinci, pintaram suas versões do relato bíblico da Última Ceia, incluindo Andrea del Castagno (1447), Domenico Ghirlandaio (1480), Pietro Perugino (1493-1496) e Salvador Dalí (1955), que apresentou uma versão surrealista intitulada "O Sacramento da Última Ceia". Segundo os especialistas, "os símbolos circulam no imaginário cultural, carregando significados profundos que transcendem épocas e lugares. Ao longo do tempo, esses símbolos são ressignificados, ganhando novos sentidos conforme são reinterpretados por diferentes culturas e contextos históricos".
Os especialistas destacam que, assim como a pintura "A Última Ceia" foi uma ressignificação cultural em seu tempo, a performance olímpica também ressignificou a "Última Ceia", adaptando seu simbolismo a um novo contexto contemporâneo. Eles sublinham que a falta de imaginação e compreensão do significado simbólico impede uma visão mais ampla. "Esse comportamento é recorrente entre muitos religiosos que ainda interpretam os textos bíblicos de forma literal, sem reconhecer seu caráter metafórico", concluem.
Outro tema que gerou polêmica envolve a boxeadora argelina Imane Khelif derrotou a italiana Angela Carini em apenas 45 segundos, com um golpe forte no rosto da adversária, durante uma luta de boxe feminino. Após o impacto, Carini dirigiu-se ao seu corner para ajustar o capacete, mas em seguida abandonou a luta.
Segundo relatos no local, a italiana teria se sentido injustiçada pelo fato de Khelif já ter sido reprovada em um teste de gênero durante o Mundial de 2023. Apesar das controvérsias, o COI declarou que a atleta argelina estava apta a competir nos Jogos Olímpicos de Paris. Carini, por sua vez, negou que seu abandono tenha sido motivado por preconceito.
De acordo com as normas do Comitê Olímpico, atletas só podem ser excluídas das competições femininas quando fica claro que possuem uma vantagem injusta sobre as outras competidoras ou por questões de segurança. Contudo, a Associação Internacional de Boxe (IBA) não divulgou os motivos exatos pelos quais Imane Khelif e Lin Yu-ting não passaram nos testes de gênero no ano anterior, apenas informando que os níveis de testosterona das atletas, que poderiam impactar o desempenho, não foram medidos.
É importante notar que nem Khelif nem Yu-ting se identificam como transgênero. Existem diversas condições genéticas, como a síndrome de insensibilidade a andrógenos, que podem fazer com que mulheres apresentem o cromossomo Y, o que pode ter contribuído para as polêmicas em torno da elegibilidade das atletas.
Essas duas polêmicas nos Jogos Olímpicos de Paris evidenciam as complexas intersecções entre arte, religião, esporte e questões de gênero no mundo contemporâneo. A representação simbólica e a performance artística, como visto na cerimônia de abertura, continuam a desafiar interpretações tradicionais e a suscitar debates sobre o equilíbrio entre liberdade criativa e respeito cultural.
Por outro lado, as controvérsias em torno da elegibilidade de atletas no esporte, como no caso de Imane Khelif, ressaltam a necessidade de critérios claros e justos que considerem tanto a inclusão quanto a equidade competitiva. Em um cenário global cada vez mais diverso e plural, esses debates mostram a importância de promover diálogos construtivos que respeitem as diferentes perspectivas culturais, religiosas e identitárias, ao mesmo tempo em que garantem um ambiente de competição justo e seguro.
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