quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Movimento Passe Livre em Divinópolis: a abordagem da imprensa local

Sites e emissoras de Divinópolis cobriram a audiência que discutiu a gratuidade da passagem no transporte público para estudantes

Por Vitor Faria Silveira

No início do mês de outubro o ambiente político em Divinópolis foi bastante agitado. Estudantes do município fizeram manifestações reivindicando o passe livre no transporte público da cidade. Muitos estudantes têm dificuldades para ter acesso às escolas da rede municipal e estadual de ensino em Divinópolis. O problema também é enfrentado por discentes do ensino superior das universidades públicas e privadas da cidade.

Audiência de discussão do passe livre/ Foto: Portal MPA

No dia 2 de outubro, estudantes e professores acompanharam uma audiência na Câmara de Vereadores de Divinópolis para discutir a implementação do benefício no transporte público da cidade. A imprensa local marcou presença no local e noticiou o fato em suas mídias.

A TV Integração fez uma matéria abordando o fato. Na audiência a emissora entrevistou o estudante de Psicologia da Uemg, Vitor Severino Ribeiro, um dos organizadores do movimento na cidade, a professora da rede municipal de ensino, Sidneia Francelino , o vereador Rodyson do Zé Milton, solicitante da audiência e o assessor Jurídico da Prefeitura, Felipe Soalheiro.

O Portal MPA publicou uma notícia destacando a presença maciça dos estudantes das escolas e universidades públicas de Divinópolis. O texto enfatiza as falas do parlamentar Rodyson que, segundo ele, o transporte gratuito elimina a barreira financeira imposta aos estudantes e da docente Kellen Silva que, segundo ela, 20 mil famílias se encontram em vulnerabilidade social no município. O portal também menciona, na fala dela, os playballs que foram custeados pela gestão municipal a preço de R$10 mil reais cada um. A educadora questiona quantas gratuidades poderiam ser pagas com o valor gasto na compra dos brinquedos.

O portal Divinews, conhecido pelas polêmicas com a atual administração da Prefeitura, iniciou a matéria em seu site com acusações contra o prefeito Gleidson Azevedo e seus aliados na Câmara de boicotar a audiência. Conforme o portal, “a tropa”, se referindo aos aliados do executivo municipal, conseguiu o número de telefone do motorista da van que levaria os estudantes da Uemg para a audiência, ligou para ele e o dispensou para esvaziar a reunião. O texto diz ainda que o ato piorou a imagem do prefeito, já que os estudantes gritaram palavras de ordem contra Gleidson. A matéria traz ainda os dados de outras cidades mineiras que implementaram descontos nas passagens do transporte coletivo.

O Jornal Agora abordou as solicitações dos estudantes na audiência e trouxe também outros projetos de lei acerca de gratuidade no transporte público que estão em discussão na casa. Dentre os projetos em discussão, o apresentado pelo vereador Flávio Marra institui a volta dos cobradores no transporte público e a instalação de ar condicionado em todos os veículos operados pelo Consórcio Trans Oeste, responsável pelo transporte público em Divinópolis.

O Portal Gerais não chegou a noticiar os acontecimentos que ocorreram durante a audiência, mas divulgou a ocorrência da audiência na Câmara e o que estaria em pauta durante o ato.

Dentre as emissoras e portais de maior relevância no município, a TV Alterosa não trouxe a pauta do passe livre estudantil para sua programação ou redes sociais. A afiliada do SBT em Divinópolis é conhecida por abordar matérias factuais e “policialescas” para sua programação. Soou estranho que a emissora não tenha noticiado o movimento e a audiência nas duas edições do seu telejornal diário, visto que a emissora conta, atualmente com dois estagiários no departamento de Jornalismo da emissora e que, provavelmente, arcam com a passagem do transporte público para se deslocar para a mesma nos dias de trabalho.

É claro que, para a sociedade civil e suas lutas, ganhar visibilidade na mídia é melhor do que ser ignorado - e por “ignorado” pressupõe-se inclusive alguma forma de interesse ou insensibilidade.

A cobertura do movimento pela mídia local, todavia, põe em dúvida se ela e seus profissionais estão contribuindo para a qualificação do debate público, ao apenas noticiar, sem qualquer esforço analítico ou de contextualização. Na era da hipermidiatização, consumidores e especialmente cidadãos esperam que a mídia possa lhes oferecer mais do que um retrato do que acontece ou não acontece na realidade.
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terça-feira, 7 de novembro de 2023

(In) Visibilidade da violência de gênero e plataformas de trabalho na mídia: o homicídio da motorista de aplicativo Sheilla

Por Matheus Antônio Vieira
Natália Vitória Barbosa Costa e Silva
Maria Eduarda Bianchi Umebara

Por meio das perguntas inseridas nas narrativas, o jornalismo faz  ver e esconde a violência de gênero, plataformas de trabalho e a circulação de fake news


No dia 9 de Setembro deste ano, a motorista de aplicativo Sheilla de Almeida foi dada como desaparecida após realizar uma corrida em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas Gerais. Segundo o jornal Estado de Minas, Sheilla realizou sua última viagem pelo aplicativo 99, pela qual pegou um passageiro no bairro Campina Verde e tinha como destino um supermercado situado na rua Rio de Janeiro, localizado no bairro Ipiranga. No dia 27, a Polícia Militar encontrou o corpo da motorista. Segundo o delegado Wesley Costa, Sheilla foi agredida, estrangulada e esfaqueada. ‘

As abordagens oferecidas pela mídia local se resumiam a relatos descritivos oferecidos pela Polícia Militar, e resumos do caso em linhas temporais (estes em grande parte do G1). O Portal MPA também destacou em esclarecer os boatos que circularam na internet sobre o caso, em uma espécie de fact checking que será analisado em tópico à parte. Mesmo com a diversidade de coberturas, em todas nota-se uma ausência de perguntas e esclarecimentos.

Fotografia de Sheilla Angelis de Almeida — Foto: Facebook/Reprodução

Após a confirmação de seu assassinato, as abordagens destacavam a violência sofrida pela motorista e o planejamento do crime por Rafael Monteiro de Sena, que confessou o assassinato. Entretanto, nenhuma das matérias veiculadas sobre o assunto abordaram o assassinato como crime como violência de gênero, o feminicídio. De acordo com as declarações oficiais da polícia, Rafael premeditou o crime, escolhendo Sheilla como alvo.

É por meio dos questionamentos, ou perguntas levantadas pelo jornalismo, que podemos formular uma narrativa acerca da experiência com a vida, construindo visibilidade para os problemas vividos. Ou seja, seu papel é essencial na constituição ou na visibilização do que é a própria violência de gênero. Ao tipificar a violência sofrida pela motorista como um caso extraordinário, que ignora a possibilidade de ter sido considerado um alvo dado o seu gênero, essa e outras agressões de gênero são invisibilizadas.

“Quem mata?” “Por quê mata?” “De qual forma mata?” “Como encontrou sua vítima?” Foram perguntas realizadas nas matérias que circularam acerca de Sheilla. Mas as perguntas não se aprofundam. “Matou por ser mulher?” “Foi considerada alvo mais fácil?” Não são perguntas levantadas pela abordagem jornalística, inviabilizando a possibilidade da construção narrativa sobre uma violência que poderia ser compreendida como feminicídio. Além disso, as reportagens preferem se contentar com os relatos oferecidos pela Polícia Militar. Apesar de seu papel essencial como figura de autoridade para a história, a limitação da voz da autoridade policial acabou simplificando a ampliação do debate, a pluralidade de vozes e visões na narrativa.

Assim, a ausência de vozes, como de especialistas de gênero, ou o próprio relato de outras mulheres motoristas de aplicativo, reduz a diversidade de perspectivas da narrativa. A participação dessas vozes enriqueceria a discussão e estimularia uma compreensão mais profunda das complexidades do caso para os leitores. Sem compreender essa complexidade, a narrativa se empobrece ao simplificar-se em apenas narrar uma série de descrições da violência sofrida ou no fact checking (checagem de fatos), baseada apenas nas descrições oferecidas pela Polícia Militar.

As abordagens apresentadas não abriam espaço para a possibilidade do crime cometido cometido à Sheilla ter sido feminicídio - resultado da discriminação do gênero feminino na sociedade. No âmbito jornalístico, é crucial que a mídia reconheça o feminicídio como uma das possíveis motivações para crimes cometidos contra mulheres, uma vez que, diversas mulheres são diariamente assassinadas pela condição de seu gênero. Portanto, ao abordar casos de violência contra a mulher, a mídia desempenha papel fundamental em conscientizar a sociedade sobre as profundas raízes do problema. Quando a mídia começar a abordar esses casos como feminicídio, a conscientização pública sobre a questão irá se ampliar.

Outra invisibilização é a ausência de menções sobre a plataforma para a qual Sheilla trabalhava. Com exceção de uma matéria do Estado de Minas, as matérias veiculadas tanto na internet quanto na televisão, não mencionaram a 99, aplicativo de transporte particular que foi utilizado para solicitar as corridas. A ausência dessa informação faz parecer que ela não foi considerada como relevante, e por tal, não conseguimos saber qual foi o papel da plataforma (se sequer existiu) no caso.

As perguntas que deixam de ser feitas nessas narrativas inviabilizam o questionamento do papel dessas plataformas como responsáveis pela segurança do trabalhador. Mas a partir da própria invisibilização, podemos também questionar a própria posição dos veículos: “Por que razão os veículos deixam de publicizar essas informações? Há interesses em jogo?” As plataformas interagem (e não apenas como intermediadoras), com a vida social, e declaradamente a sua responsabilidade com os seus trabalhadores, que têm fugido das suas responsabilidades ao extirpar dos trabalhadores a força de trabalho sem oferecê-los ferramentas de segurança. Plataformas de trabalho já deixaram de ser uma “novidade”, e compõem um campo de interesse social que precisa ser abordado pela mídia.

Abordagem por meio de rumores públicos

O Portal MPA, um portal de notícias e comunicação de Divinópolis e Região, no início das investigações do caso do desaparecimento de Sheilla, construiu uma matéria citando os rumores que circulavam sobre o motorista e o caso. Com o título de manchete: “Acusado de matar Sheilla diz que agiu a mando de um terceiro, seria um agiota.”, o texto traz um conjunto de rumores, apontando as informações que conferem ou não com o que a Polícia Militar informou. Um fact checking (checagem dos fatos) dos rumores. O que chama destaque é que a manchete ser afirmativa, faz parecer que está sendo noticiado algo concreto e confirmado, mesmo tratando-se de um rumor, tal como é esclarecido no próprio texto do Portal MPA.

No próprio texto e em momentos anteriores a família negou qualquer conhecimento desta suposição em relação a agiota, e a polícia também informou que não é possível se comprovar que o latrocínio era uma “execução de dívida”. A Polícia Militar, havia comentado sobre o suposto rumor, negando a possibilidade de ser verdadeiro. E mesmo assim, da forma a qual aparece no título da matéria, ela parece confirmar o rumor, pois não está indicado nem no título, nem na imagem que circulou no o Instagram do Portal MPA, que a matéria trata-se de uma checagem de fatos. A notícia então, incita o imaginário das pessoas acerca do fato, e assim também a curiosidade, como uma tentativa de gerar clicks para o site do veículo.

É importante distinguir entre rumores e notícias, e essa responsabilidade recai sobre a ética do veículo em não disseminar desinformação para seu proveito. A divulgação de suposições dos rumores, sem a devida apuração com fontes independentes - novamente: a autoridade policial é uma fonte necessária, mas ela não é única e talvez não tenha a devida independência, uma vez que está implicada na investigação -, é uma prática que não apenas fere a ética jornalística: ela o faz porque pode provocar uma chaga social muito profunda.

Pode-se questionar: casos como esse devem seguir o ritual de dar visibilidade e checar com diversas fontes? A resposta parece óbvia: a propagação de uma injustiça - ou da violência - não é também responsabilidade do jornalista que não se preocupa em fazer a violência circular?
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O apagamento das dores sociais: quando o espetáculo ofusca as necessidades reais

 Por Maria Eduarda Salgado 

Na era da informação instantânea e da torrente incessante de notícias, uma preocupação surge com mais clareza do que nunca: a influência da mídia na formação da percepção pública. Recentemente, um contraste marcante entre dois casos ilustrou como a mídia pode direcionar a atenção do público para narrativas menos significativas em detrimento de questões sociais que poderiam ser julgadas como de maior urgência.

Em um lado dessa dicotomia, tivemos o término do relacionamento de curta duração (um mês) entre a cantora Luísa Sonza e o influenciador Chico Moedas. Embora relacionamentos pessoais sejam, sem dúvida, dignos de respeito, o circo midiático formado em cima deste episódio, em comparação com assuntos mais prementes, chama bastante a atenção. A dramatização exagerada de tal evento na mídia desviou a atenção de grande parte do público de quaisquer pautas sociais relevantes que ocorriam em paralelo.

Como um exemplo trágico, na mesma época, ocorreu a morte prematura e chocante de Maria Clara, a indígena de 15 anos, vítima de estupro e afogamento em uma área de pântano no município de Oiapoque, na região de fronteira no norte do Amapá. A vítima era do povo karipuna e vivia na aldeia do Manga. Esse evento trágico coincidiu com a 3ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, momento crucial de mobilização para destacar a violência enfrentada pelos povos originários, principalmente as mulheres. No entanto, a mídia parecia mais interessada em abordar o drama de um relacionamento entre subcelebridades do que em ampliar a conscientização sobre a luta dos povos indígenas.

Essa disparidade na cobertura midiática demonstra como a privatização do espaço público e a busca incessante por audiência podem prejudicar e empacar a discussão e o debate acerca das questões sociais importantes e de interesse público. Quando as histórias pessoais de figuras caricatas são priorizadas em relação a eventos reais e significativos, a sociedade perde a oportunidade de porfiar pautas cruciais, como a violência de gênero e a insegurança dos povos indígenas.

O verdadeiro desafio agora é repensar o papel da mídia na sociedade e buscar maneiras de superar a priorização inadequada de narrativas menos significativas. A sociedade deve participar de um debate coletivo sobre o que merece destaque e como podemos garantir que questões importantes não sejam negligenciadas em prol do entretenimento vazio.

Embora as soluções possam não ser evidentes em um contexto marcado pelo sensacionalismo midiático embebido do capitalismo tardio, é fundamental começar esse diálogo. Somente através de uma análise crítica do estado atual da mídia e do esforço coletivo para redefinir nossas prioridades informativas, podemos esperar que assuntos relevantes não sejam mais ofuscados por entretenimento superficial.

Esta é uma chamada à reflexão sobre a influência da mídia na percepção pública e um apelo para que a sociedade reafirme seu compromisso com questões que realmente importam, especialmente em momentos cruciais, como a Marcha das Mulheres Indígenas, quando a voz das vítimas de violência deve ser ouvida, respeitada e ampliada.
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