sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Entre ceticismo e consciência

 O caso de Giovanna Blasi e a discussão sobre saúde mental nas redes sociais

Por Lais Abreu e Maria Eduarda Salgado

Nos últimos tempos, após uma reportagem no Fantástico sobre Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), as redes sociais e a mídia foram inundadas com a história de Giovanna Blasi, uma jovem de 21 anos que ao ser entrevistada pelo programa afirmou conviver com o transtorno, uma condição psiquiátrica rara e severa. O caso de Giovanna trouxe à tona uma série de debates e controvérsias sobre a autenticidade de seu diagnóstico e a forma como ela escolheu compartilhar sua experiência com o público.

Em um mundo cada vez mais consciente da importância da saúde mental, é fundamental abordar essas questões com sensibilidade e precisão. Em primeira análise, vale ressaltar que naquele domingo, 20 de agosto, o Fantástico já esperava uma grande audiência, considerando que na edição anterior conquistou o maior índice com 22,5 pontos de pico, devido ao caso de Larissa Manoela, já citado aqui no Pluris. Sendo assim, com a segunda parte da entrevista da jovem, o programa estaria mantendo a atenção do público. Dessa forma, é importante analisar que a escolha do tema, exposto logo após a reportagem de maior audiência, foi uma escolha bem feita.

O programa conduziu a reportagem de maneira clara, iluminando a sociedade sobre a necessidade de se falar sobre o assunto. Em um trecho, a repórter Ana Carolina Raimundi chega a dizer: “A gente sabe que muita gente vai duvidar do transtorno, dizer que é tudo invenção, mas é preciso deixar claro aqui que se uma pessoa diz ter uma doença mental seja ela qual for, não cabe ao outro questionar, isso é um assunto para os profissionais de saúde que atendem essa pessoa, provavelmente ela está em sofrimento e precisa ser acolhida e não maltratada.”

Após o programa, Giovanna Blasi, entrevistada, ganhou destaque ao listar 18 identidades que alega conviver, todas com nomes distintos. No entanto, ainda que o jornalismo tenha feito sua parte na questão do alerta, sua história suscitou ceticismo, e não apenas entre leigos, mas também entre psicólogos e estudiosos da área.

Um ponto de discussão relevante é a aparente falta de consistência nas descrições de Giovanna sobre suas identidades e como elas se manifestam. Especialistas apontaram que o TDI geralmente envolve lapsos de memória e uma incapacidade de lembrar eventos que ocorreram durante a alternância de personalidades. A capacidade de Giovanna de nomear suas identidades e descrevê-las de forma coerente suscitou dúvidas sobre a precisão do diagnóstico. Após toda repercussão nas redes sociais, foi descoberto a ausência de um laudo oficial sobre o transtorno da jovem.

A espetacularização do transtorno é outra questão debatida. A exposição pública de problemas de saúde mental é sim uma ferramenta poderosa para aumentar a conscientização e oferecer apoio àqueles que enfrentam desafios semelhantes. No entanto, a forma como Giovanna escolheu representar o TDI nas redes sociais levantou preocupações. A transformação do transtorno em personagens para vídeos pode minimizar a seriedade da condição e potencialmente prejudicar a compreensão do público sobre a realidade das pessoas que vivenciam o TDI.

Dessa forma, a irresponsabilidade da jovem com a espetacularização e a ausência de rigor técnico do programa Fantástico, refletem como a mídia e sociedade ainda precisam evoluir com a checagem de fontes. O mínimo, como forma de conscientização social para o programa, deveria ter sido feita uma retratação, informando ao público a ausência de laudo da entrevistada, e como é necessário o cuidado com um assunto tão sério.

Com isso, o caso de Giovanna Blasi com o Fantástico ilustra a complexidade das questões relacionadas à saúde mental e à representação pública. É importante abordar essas questões com empatia e cuidado, garantindo ao mesmo tempo a precisão e a responsabilidade na divulgação de informações sobre transtornos psicológicos, além da checagem dos fatos.

Independentemente das dúvidas em torno do caso de Giovanna, seu exemplo ressalta a necessidade contínua de educação e compreensão em relação à saúde mental em nossa sociedade, além da importância do jornalismo em reconhecer quando um erro é cometido, afinal, pessoas sempre serão afetadas com as informações e notícias que produzimos.
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segunda-feira, 18 de setembro de 2023

O que revela a cobertura do caso Larissa Manoela

 Aumento da audiência de casos que envolvem personalidades do mundo do espetáculo pode indicar um ciclo vicioso cujo resultado é a democracia ferida de morte

Por Vitor Faria Silveira

Nas duas últimas semanas de agosto o caso de desgaste entre a atriz Larissa Manoela e seus pais foi o assunto de maior audiência nos noticiários. A atriz concedeu uma entrevista exclusiva para a Jornalista Renata Capucci que foi ao ar no programa Fantástico, no dia 13 de agosto. O contexto da entrevista foi o rompimento da relação com seus pais Silvana e Gilberto Taques. Na entrevista, a artista revela que havia deixado todo seu patrimônio construído em 18 anos de carreira para os pais e que, a partir daquele momento, assumiria o controle de suas finanças.

Repercussão do caso Larissa Manoela na imprensa/Imagem: F5

A revista eletrônica dominical, apresentada por Maju Coutinho e Poliana Abritta, teve um crescimento de 12% em seu Ibope nas edições em que o caso ganhou destaque. A média anual do programa, que é de 17,9 pontos na Grande São Paulo, foi para 20 pontos nos dois últimos domingos. Cada ponto equivale a 207 mil indivíduos.

Quem também melhorou sua visibilidade abordando o assunto foi o Domingo Legal, do SBT. No dia 20 de agosto, com uma prévia de 15 minutos de entrevista feita por Chris Flores com a mãe da jovem, Silvana Taques, o programa semanal marcou 7,4 pontos de média e 9,3 pontos de pico —os maiores índices de 2023. É um número 20% maior que a média do ano, atualmente na casa dos 6 pontos. Durante a exibição dos trechos da entrevista, o programa ficou na liderança, à frente da Globo.

Com a íntegra da entrevista, o programa diário do SBT, Fofocalizando, alavancou seus números no dia 21 de agosto. Ao colocar Silvana Taques por mais de meia hora no ar, a atração marcou 3,5 pontos de média com picos de 5. Foi o maior número alcançado pelo programa às segundas, com um crescimento de 17% em relação à média que o programa acumulou nesse dia da semana em 2023.

Na Record, quem se beneficiou foi o Balanço Geral, que mostrou uma entrevista com a suposta ex-empregada da família de Larissa Manoela, que afirmou que Silvane batia na filha e em animais de estimação.

Na segunda, quando mostro a entrevista, o programa teve 7 pontos de média entre 12h e 15h30. No momento em que a reportagem foi ao ar, das 14h50 às 15h, o programa alcançou 8,4 pontos com picos de 8,6. Na terça (22), um ibope ainda maior quando foi exibida uma outra entrevista sobre o assunto: 9,3 pontos, ficando a menos de um ponto da Globo —que marcava 9,9 pontos naquele momento.

Figura 2: entrevista de Larissa Manoela para o Fantástico/Imagem: site F5

Nas opiniões sobre o assunto, houve quem se posicionasse a favor da atriz, houve quem se posicionasse a favor dos pais dela e houve quem se posicionasse contra a abordagem do caso. A apresentadora da RedeTV, Sônia Abrão, criticou a Globo por exibir a polêmica no dia 13 de agosto, data em que foi celebrado o Dia dos Pais - que já foi tema do Pluris.

Sônia argumentou que o assunto não era apropriado para ser tratado em uma data como o Dia dos Pais, o que, no posicionamento da apresentadora, transpareceu inveja da mesma, já que a revista eletrônica dominical alcançou muitos pontos de audiência enquanto exibia a entrevista.

Vale destacar a diferença de pico na pontuação entre Globo e demais emissoras na abordagem do mesmo caso. Enquanto a primeira bateu 20 pontos de ápice na entrevista com a atriz, a emissora de Sílvio Santos somente alcançou 9,3 pontos de pontuação máxima, levando em conta que o programa Domingo Legal disputa audiência com programas de menor audiência de outras emissoras no mesmo horário de domingo.

Podem-se apontar, pelo menos, três motivos causais para esse acontecimento: o primeiro que, por anGlobo ter abordado o caso primeiro, o SBT, por meio do Domingo Legal, tentou responder à grande repercussão da entrevista da atriz no Fantástico ao entrevistar a mãe de Larissa sobre o caso. As demais emissoras tentaram atrair a atenção de seu público repercutindo ambas as entrevistas.

O segundo motivo seria a comoção do público com a situação da atriz, que apresentou elementos que comprovam as queixas da atriz contra seus pais, enquanto a progenitora de Larissa foi entrevistada por Chris Flores sem apresentar elementos que a pudessem defendê-la contra as acusações da artista e somente utilizou de um questionável sentimentalismo para convencimento do público quando a mesma se emociona durante a entrevista e diz querer se reaproximar da filha.

O terceiro possível motivo do maior alcance de público por parte da emissora global pode ser a tradicional e mais que conhecida grande audiência que a Globo, historicamente, possui contra as demais emissoras de TV Aberta do país.

Embora em números absolutos a TV Globo tenha consolidado sua liderança, relativamente o crescimento alcançado pelo SBT foi maior: 12% a 20%. Os números, todavia, vistos isoladamente revelam pouco sobre o fenômeno.

O espaço dado pelas emissoras de TV aberta brasileiras ao caso revela algo óbvio, mas que também é preocupante. O óbvio: os produtores de mídia profissionais têm se pautado - e pautado a agenda de cobertura midiática - de olho no burburinho das redes sociais e seus algoritmos. O que gera engajamento vira pauta.

De um lado, a mídia “tradicional” se alimenta das mídias digitais - e de outro as mídias digitais ganham com o aumento do alcance do engajamento alimentado pela mídia “tradional”.

Se isso não é novo, não deixa de ser preocupante, dado o alcance invisível e impenetrável dos algoritmos das chamadas big techs, as grandes e poderosas empresas de comunicação digital. Pautar a agenda de cobertura a partir da repercussão agenciada e muitas vezes deliberadamente planejada e incentivada pelos algoritmos pensados para manter a atenção do máximo de usuários possíveis pode significar um ciclo infinito de empobrecimento do debate público.

O que se perde nesse processo não é apenas a ilusão do papel da mídia no esclarecimento e qualificação do debate público - o que se perde é a própria consistência do tecido democrático.
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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Por uma pedagogia das mídias

 Por Laís Abreu


Caso Larissa Manoela e seus desdobramentos deixam, mais uma vez, clara a necessidade e a urgência de uma educação para a mídia nas escolas


No domingo 13 de agosto, foi ao ar no programa Fantástico da Rede Globo a entrevista de Larissa Manoela, a atriz que acusa os pais, Silvana e Gilberto, de controlarem de forma abusiva suas finanças e carreira, decidiu falar publicamente pela primeira vez.

Na era das redes sociais, a internet potencializou a entrevista, os pequenos cortes que foram soltos antes de começar o programa fizeram um alvoroço no Twitter e Instagram, não obstante, parece inegável o quanto uma entrevista exclusiva em uma mídia “tradicional”, como a TV aberta, ainda são fundamentais para o jornalismo e para o debate público.

O programa, naquele domingo, conquistou o maior índice de audiência, desde 8 de janeiro, quando houve uma edição estendida que mostrava o atentado à democracia naquele dia. O Fantástico também bateu 22,5 pontos de pico, cada ponto de Ibope equivale a 76.953 domicílios na região paulista, portanto, obteve um público estimado em mais 1,5 milhão de casas.

Várias são as análises feitas diante desse jornalismo, a primeira delas é que as redes sociais conferem às pessoas famosas uma sensação de intimidade com seus seguidores, e isso fez com que grande parte dos 49 milhões de usuários que seguiam a famosa, se interessassem pela entrevista em TV aberta. O suspense, a espera durante todo o programa, foi o que fez a diferença neste dia.

Essas são questões importantes, não há dúvida - talvez merecedoras de um texto exclusivo. Mas o que nos traz aqui no Pluris hoje é a análise feita pela apresentadora da RedeTV!, Sônia Abrão, que, na esteira da repercussão pública da entrevista, deu depoimentos algo ambíguos - para não perdermos a elegância -, reivindicando uma sacralidade do dia dos pais, se consideramos sua notória conduta anti-ética.

“Gente, o que é isso? Onde é que essa história vai parar? Quando vai parar? E ainda por cima é Dia dos Pais! Se toca, Fantástico! A data é comemorativa, pra celebrar o amor entre pais e filhos, não cabe reportagem sobre uma relação em fase destrutiva como essa da Larissa Manoela”, criticou Sônia. 


“Por que não levar ao ar a história linda de Tatá Werneck com os pais, que tanto emocionou no decorrer da semana, quando a atriz completou 40 anos? Sim, a história de Larissa é polêmica, mas não perderia a atualidade se fosse exibida no próximo domingo, mesmo porque, infelizmente, não se sabe quando vai terminar e nem parece que terá um final feliz”.

Por fim a apresentadora completou: “Colocar conflito acima do amor foi um critério muito duvidoso na escolha da matéria! Triste isso” 


Em primeira análise, vale abordar que o programa dividiu a grande audiência da jovem em dois episódios, mas que o público não sabia ainda, como sugeriu Sonia em sua crítica. Mas o fato é que tudo isso nos traz reflexões sobre os juízes do jornalismo: quem de fato pode julgar as reportagens e entrevistas?

Sônia, conhecida fofoqueira das tardes na TV brasileira, foi, em 2008 e apenas para ficarmos em um momentos trágicos que a costumeira atitude da Abrão provoca, uma das personagens decisivas no caso de Eloá. Na ocasião, Abraão teve uma conversa ao vivo com Lindemberg, o ex-namorado e assassino da adolescente. A partir daí, a negociação que estava sendo feita pelas autoridades policiais acabou sofrendo uma regressão e culminou ao assassinato, transmitido ao vivo.

Para nós, jornalistas, é triste ter que expor um caso tão doloroso como o de Sônia e Eloá, para dizer: quem é a apresentadora para julgar e corrigir o Fantástico? Será que, de fato, ela pode dizer sobre ética jornalística? Como a sociedade brasileira lida com essas críticas? Não cabe a nós concordarmos ou discordamos de Sônia, o que trazemos aqui é sobre o alcance que ela tem e o poder de influenciar a opinião da sociedade.

Diante de falas como essas de Sônia, nós, do Pluris, enxergamos cada vez mais a necessidade de uma pedagogia para a mídia, um programa de educação midiática, de leitura crítica da mídia nas escolas. É notório o quanto compreender as práticas do jornalismo desde cedo se faz necessário. Os jovens, que estão diariamente nas redes sociais e que, no dia da entrevista de Larissa Manoela para o Fantástico, foram “transferidos” para a TV aberta precisam saber de um desenvolvimento mais sistematizado sobre o discurso midiático - afinal, se a educação é a preparação para a vida, como não ler de forma crítica a mídia, se ela é a principal fabricante da realidade?

Com a internet, estamos cada dia mais atropelados pelas notícias e acontecimentos, em questão de segundos uma publicação viraliza, uma reportagem se torna velha demais ou desinteressante. Na era em que cada vez mais se leem apenas as manchetes, é preciso que seja introduzido nas escolas uma forma de estudar, ler criticamente, saber interpretar enfim desenvolver competência para filtrar e apurar uma informação - o que, ao menos teoricamente, é feito no jornalismo, seja ele digital, impresso, televisivo ou radiofônico.

Seja como for, apenas a sociedade devidamente equipada com capacidade crítica poderá exigir que um jornalismo que respeite a inteligência do público e não o manipule em nome de audiência fácil. Somente com jovens com competência para desmontar as armadilhas de maus jornalistas e fofoqueiras em geral.

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