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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Jornalismo sitiado

 Por Vitor Faria Silveira

Fenômeno da financeirização de grupos midiáticos, como o caso da Folha de S.Paulo, pode explicar a qualidade cada vez mais deletéria do jornalismo na atualidade


Não é de hoje que o jornalismo brasileiro está em um processo de decadência. A financeirização do capital, a principal face do neoliberalismo, que veio como uma “onda” arrasadora sobre a economia brasileira nos anos 1980 e que perdura até hoje devido ao próprio neoliberalismo, é um fenômeno que pode explicar como o jornalismo praticado no Brasil deixou de ser uma atividade feita em boa qualidade, com privilégio do interesse público para se tornar uma atividade voltada para a geração de lucro.

Para alcançar esse objetivo, a Folha de S.Paulo recorre a sua transformação em “panfleto” do mercado financeiro, pregação do pessimismo e espraiamento do identitarismo. Jornalistas experientes e qualificados saíram de cena do jornal para dar lugar a profissionais medíocres que produzem matérias e colunas deploráveis para o veículo.

Figura 1: texto da coluna do filósofo Luiz Felipe Pondé/Folha de São Paulo


Jornalistas qualificados e experientes, com longos anos de trabalho dedicado a um dos maiores e por muitos anos o mais importante veículo de mídia do Brasil, foram demitidos ou deixaram o jornal devido à decadência - moral e técnica - da Folha. Os últimos bons profissionais, sejam eles jornalistas ou não, que ainda permanecem no jornal, ficam “escondidos” no seu caderno diário. Boas matérias e outros conteúdos que realmente valem a pena serem consumidos ficam ofuscados pelo conteúdo de quem realmente possui maior espaço dentro do jornal – os produtores de conteúdo para o público que vive na bolha da Folha de S.Paulo.


Figura 2: Matéria sobre Lula no Dia dos Pais/Instagram Folha de SP

Há dois meses atrás, o jornal fez uma publicidade em que dizia: “Assine a Folha e saia da bolha”. Foi um ledo engano. Quando o leitor lê o jornal se depara com identitarismo, neoliberalismo, pessimismo e erros. Um conteúdo feito para um nicho específico – identitários, mercado financeiro, classe média que não tem esperança em nada e um monte de “profissionais” que cometem equívocos e conteúdos pífios, com o único objetivo de vender conteúdo para esse nicho.

O jornal também protagonizou episódios de grande desrespeito - e igual constrangimento - com figuras que acabaram de falecer, em 2023, Palmirinha e Rita Lee. Em ambas as oportunidades, o veículo publicou sobre momentos traumáticos sobre ambas, desrespeitando o passado das artistas e expondo o identitarismo do jornal e os problemas pessoais delas, mesmo após seus falecimentos.


Figura 3: Folha de São Paulo noticia passado com drogas da cantora Rita Lee/Poder 360


Figura 4: Folha de São Paulo noticia passado de agressões da apresentadora Palmirinha



O identitarismo, a financeirização e o neoliberalismo são produtos da plataformização do jornalismo, caracterizado pela produção massiva de conteúdo para determinado tipo de público para obter o número necessário de acessos para aumentar o capital do veículo para remunerar seus acionistas. Esse processo não demanda que o veículo produza um material de boa qualidade para alcançar a quantidade de acessos.

Para “salvar” o público que consome esse tipo de conteúdo jornalístico, faz-se necessário municiá-lo de instrumentos que permita-o fazer uma análise crítica para que esse consumo diminua e interrompa esse ciclo vicioso, cujo resultado - e talvez única finalidade - e a indecente acumulação de capital por meio do que agora se convencionou chamar de plataformização - mas que não passa da última fronteira, despida de qualquer ilusão de moralidade ou espírito público, da religião do dinheiro.

segunda-feira, 21 de agosto de 2023

O crescente e contínuo ataque à liberdade de imprensa: o portal Vocativo e o autoritarismo por meio de ações judiciais

 Por: Sarah Faria Santos

O portal Vocativo , criado em 2008 com a finalidade de publicar notícias e reportagens sobre a conjuntura política e ciência com base de atuação em Manaus, no Amazonas, e comandado pelo jornalista Fred Santana, está sendo alvo de uma ação judicial movida pela deputada estadual Joana Darc dos Santos Cordeiro, do partido União Brasil.

Joana Darc, cumpre seu segundo mandato como deputada estadual do Amazonas. Nas eleições de 2022, Joana foi reeleita como a mulher mais votada na história do Estado. Seguindo seus princípios e pilares, o portal publicou notícias sobre a parlamentar as quais eram de interesse público e relataram o apoio da deputada Joana Darc ao influenciador Agenor Tupinambá o qual estava atrelado a uma série de polêmicas e crimes ambientais cometidos pelo seu avô.

A deputada entrou em contato com o jornalista pedindo que sua imagem não fosse veiculada em uma reportagem e foi atendida. Mesmo com a alteração da imagem e sua retirada de todas as redes sociais, a deputada decidiu processar o jornalista e o veículo, pedindo a exclusão da reportagem, uma indenização por danos morais e a proibição de novas publicações.

No centro do debate sobre os limites da liberdade de expressão, o uso do poder judiciário para reprimi-la está cada vez maior Entretanto, essa repressão está respingando na liberdade de imprensa e seus direitos constitucionais, fazendo com que os jornalistas tenham crescentemente nos últimos anos seus espaços silenciados e atacados.

Todo jornalista tem deveres a cumprir para com a sociedade assim como direitos respaldados juridicamente, segundo o código de ética dos jornalistas: no capítulo 1, artigo 2, o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido por nenhum tipo de interesse. Isso se dá pela razão da informação precisa e correta, a qual é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente de sua natureza jurídica - se pública, estatal ou privada - e da linha política de seus proprietários e/ou diretores.

Já no capítulo 2, artigo 6, é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; divulgar os fatos e as informações de interesse público; defender o livre exercício da profissão; combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercidas com o objetivo de controlar a informação. A ação movida pela parlamentar é muito mais do que um simples processo, é uma tentativa de infringir a liberdade de imprensa, de impor autoritarismo e controlar a informação.

Mesmo que o profissional e o veículo de imprensa estejam cumprindo com os deveres de cuidado do jornalismo e se retratando quando necessário, pessoas influentes utilizam de processos judiciais buscando a censura e a intimidação. Como uma deputada, uma servidora pública, é de interesse social saber sobre seu mandato. O que ela está se propondo a fazer e como está gastando o seu tempo, seu nome/espaço dado e o dinheiro público. O jornalista não extrapolou o limite legal, não a assediou moralmente ou a amputou a falsas notícias. Ele estava em seu espaço propagando notícias precisas e de importante precedência para a população e é nosso dever como jornalistas lutar não só pela voz do povo como pela nossa própria voz e pelo nosso próprio espaço.

Em nome do interesse público, o jornalista quase sempre contraria interesses privados de poderosos. Se o poder judiciário não encontrar um termo justo para aplicação da lei e continuar a censurar inclusive notícias apuradas, não é apenas o jornalismo que está a perigo: é a própria democracia.

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

Humor, liberdade de expressão e o apagamento histórico no Brasil: Léo Lins e a banalização do preconceito

 Por Maria Eduarda Salgado 


No centro do debate sobre os limites do humor e a liberdade de expressão no Brasil, o humorista Léo Lins foi alvo de críticas após ser obrigado por uma juíza a deletar do seu canal um show em que fazia piadas de teor controverso e ofensivo. No entanto, mais do que a atenção voltada para o comediante, é o comportamento de uma plateia conivente que ressalta o problema mais profundo.


O show em questão continha piadas abusivas sobre temas sensíveis como escravidão, perseguição religiosa, minorias, pessoas idosas e com deficiências. A plateia, em sua maioria branca, riu diante de conteúdos que não deveriam ser encarados com humor, revelando, no mínimo, ignorância e insensibilidade diante das graves questões sociais que o país enfrenta. Em uma das falas que mais geraram revolta, Lins tira sarro de “pretos que reclamam por não conseguirem emprego, mas que acham ruim os tempos de escravidão onde eles já nasciam empregados.”


É preocupante que, em pleno século XXI, temas como o desemprego entre a população negra ainda sejam tratados como piada. Em vez de abrir espaço para debates necessários, o conteúdo do show de Léo Lins apenas reforça o apagamento histórico que ocorre no Brasil, permitindo que feridas profundas não sejam devidamente discutidas e superadas.


Ao olharmos para outras nações, como a Alemanha, que enfrentou os seus traumas históricos e fantasmas, e busca ativamente combater, por exemplo, os efeitos do Holocausto, percebemos a diferença gritante. Enquanto lá existe uma lembrança crítica sobre o passado, no Brasil, o genocídio indígena e a escravidão negra ainda são minimizados e tratados como se não fossem causas de injustiças históricas.


A ausência de políticas públicas efetivas e a impunidade dos envolvidos em ditaduras militares também são retratos de um país que falha em reconhecer e enfrentar o seu passado. O apagamento histórico se estende à história preta e nativa do Brasil, onde a população negra e indígena ainda luta por reconhecimento, respeito e indenizações que se fazem necessárias para combater as desigualdades construídas ao longo da história. Mas aqui, na terra do genocídio indígena, a demarcação de terra ainda é visto por muitos como privilégio. Ainda em 2023, as escolas ensinam sobre a catequização dos indígenas como uma interação positiva entre culturas distintas.


Enquanto a Argentina e o Chile, ao longo dos anos fizeram julgamentos históricos e condenaram diversos militares envolvidos nas ditaduras de seus países, e o Uruguai chegou a fazer um ex ditador morrer de velhice na cadeia, a lei que anistia os militares brasileiros fez com que ninguém fosse condenado por nada, que esses processos não só servem para amenizar para o lado de quem deveria pagar, mas também têm como objetivo reescrever a história e, se possível, apagá la. Se na Alemanha negar o Holocausto é um crime que leva a cadeia, por aqui nada acontece com quem homenageia abertamente torturadores. Por vezes, quem o faz é até alçado à presidência.


Discutir indenizações, de fato faz sentido quando se vive em um país onde a sua fortuna foi construída sobre mãos escravizadas durante 2/3 de sua história, seja o trabalho escravo ou o condicionamento de subemprego da população preta de hoje em dia, ambos têm a ver com a geração de riquezas. Portanto, é justo o debate econômico quando até tirar sarro da pobreza preta faz o humorista rico.


Não se trata, portanto, de censurar o humor ou a liberdade de expressão, mas sim de questionar o tipo de humor que perpetua o preconceito e reforça estereótipos, ignorando a realidade de tantas pessoas que ainda sofrem com as consequências de um passado marcado por violência e opressão.


O debate sobre os problemas históricos do Brasil deve ser constante, incômodo e insistente. Quando evitamos enfrentar essas questões, permitimos que elas se perpetuem e, pior ainda, que sejam tratadas com graça. Léo Lins é apenas um exemplo do sintoma de um problema maior que necessita de reflexão e ação da sociedade como um todo.


Portanto, cabe a todos nós, cidadãos e mídia, a responsabilidade de discutir e confrontar os problemas do nosso passado e presente. A liberdade de expressão é importante, mas deve caminhar lado a lado com a responsabilidade social e o respeito pelas vítimas da nossa história.


Neste sentido, é fundamental que a sociedade brasileira se questione sobre como pode contribuir para mudar esse cenário, ampliar a conscientização e construir um país mais justo e igualitário para todos os seus cidadãos.