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segunda-feira, 3 de julho de 2023

Lula e a esfinge

 Por Vitor Faria Silveira

Apesar da repercussão global do poderoso discurso de Lula para uma multidão na França, o silêncio da mídia corporativa brasileira é ensurdecedor e revela o tamanho desse personagem para a história

Na penúltima semana de junho, o presidente Luís Inácio Lula da Silva esteve em viagem pela Europa para se encontrar com líderes do bloco europeu . Durante sua passagem pela França, o presidente brasileiro esteve presente na cúpula europeia para o financiamento global e discursou em um festival de música que objetiva lembrar a luta pelo combate ao aquecimento global e ao combate à pobreza. O presidente compareceu ao evento após convite feito pela banda britânica Coldplay, que realizou uma turnê pelo Brasil em 2023.

Lula discursa em Festival em Paris/ Foto: Partido dos Trabalhadores

No evento, Lula fez um discurso para quase 100 mil pessoas que compareceram ao evento, na Cham de Mars, aos pés da torre Eiffel. Em sua fala, o presidente brasileiro mencionou o combate ao desmatamento na Amazônia, destacou o combate à pobreza extrema nos continentes africano e América Latina, além de criticar Estados Unidos e Europa por causa das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. Lula afirmou que o problema teve origem na revolução industrial e também disse que os países desenvolvidos deveriam financiar o combate ao problema ambiental e a pobreza extrema para reparar os prejuízos ambientais causados pela revolução.

Por fim, o presidente também citou que o mundo não pode combater as mudanças climáticas sem combater a desigualdade social. Lula afirmou que não foram os povos africanos e latino-americanos que provocaram o aquecimento global, mas são eles os principais afetados pelo desequilíbrio do clima. No final de seu discurso, Lula convidou todos os presentes no festival para comparecerem na COP-30, a conferência global que será realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Belém, em 2025 e disse que é hora de haver um protagonismo mundial para assumir essas responsabilidades, criticando os fracassos ocorridos pelos acordos firmados em reuniões passadas para conter o avanço do aquecimento global.

A imprensa brasileira, especialmente a corporativa, ligada aos tradicionais e oligopolizados grupos de mídia no Brasil - mas também  a mídia identificada como “independente” e “de esquerda” - pouco repercutiram o alcance histórico do discurso de Lula. 

O portal Poder 360 citou a falta de informações de Lula sobre o motim provocado pelo Grupo Wagner contra o presidente russo Vladimir Putin. O UOL também abordou o não comentário de Lula sobre o motim. O independente jornal Brasil de Fato seguiu pelo mesmo caminho.  O portal G1 repercutiu o cancelamento da reunião do presidente brasileiro com o príncipe da Arábia Saudita. A Jovem Pan publicou que Lula e a Primeira-Dama Janja da Silva receberam 231 presentes desde o início do mandato do governo do petista. A CNN chegou a publicar que jornal francês chamou presidente brasileiro de “decepcionante” e mostrou que é “falso amigo” do ocidente.

A imprensa brasileira não percebeu que o discurso de Lula estabelece ligação entre o combate à pobreza com o combate às mudanças climáticas. O chefe do poder executivo brasileiro destaca que não se pode aceitar promover um clima global agradável à humanidade e permitir que o contingente de pessoas em situação de pobreza extrema continue aumentando.  

A fala durante o festival coloca Lula no espaço deixado por Fidel Castro como líder do chamado “Terceiro Mundo”. Espaço esse que era a de um líder da esquerda e centro-esquerda mundial. O posicionamento mostra que Lula deseja promover o desenvolvimento sustentável dos países pobres e emergentes e que o Brasil pode ajudar os mesmos a chegarem nessa meta. O discurso comprova ainda um maior cacife e legitimidade ao brasileiro devido a sua vitória democrática nas eleições de 2022. 

No final do século XX, a academia brasileira esperava que esse espaço fosse ocupado por Fernando Henrique Cardoso. Todavia o que houve foi exatamente o contrário. FHC baixou a cabeça para o neoliberalismo que estava se instaurando no Brasil ao promover uma onda de privatizações que diminuiu a capacidade do estado de dar assistência aos necessitados e aumentar o capital da elite econômica brasileira.

A displicência da imprensa brasileira quanto a esse marco histórico comprova a futilidade da imprensa em se concentrar em temas que não são do interesse público. Tal fato mostra que o jornalismo brasileiro não alcança a tarefa ética de organizar os acontecimentos em conformidade a sua relevância social. Seja por razões ideológicas ou com incapacidade técnica, a displicência da mídia brasileira neste momento não deixará de ser cobrada pela história.


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