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segunda-feira, 31 de julho de 2023

Jornadas de junho de 2013: os dez anos do movimento sob a abordagem da mídia tradicional

 Por Vitor Faria Silveira

Manifestações foram iniciadas devido a revolta contra o aumento da passagem do transporte público e se transformaram em um movimento que não se via desde as Diretas Já

As jornadas de junho de 2013 completaram dez anos em 2023. O movimento, que se iniciou como uma insatisfação contra o aumento da passagem do transporte público em São Paulo, se transformou em uma onda de protestos contra a política brasileira que se espraiou pelo Brasil. O movimento tomou proporções que não se via desde as Diretas Já.

Protesto em São Paulo em junho de 2003, em que manifestantes levam faixa onde estão escritas as palavras 'contra a tarifa'

Os protestos tiveram início após o prefeito de São Paulo na época e atual ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciar o aumento na passagem do transporte público na cidade. O movimento era composto, majoritariamente por estudantes e jovens que reivindicavam o retorno do preço da passagem ao preço anterior. O chefe do executivo municipal paulista não se intimidou com a insatisfação dos manifestantes e manteve o novo valor do transporte público.

A insatisfação contra o preço da passagem do transporte público deixou de ser apenas essa insatisfação e ganhou outros contornos, adesão, e repressão, repercutiu no estado e no Brasil. A partir daí, Haddad e outros prefeitos pelo Brasil reduziram as tarifas, mas elas já não eram a única pauta: a insatisfação se virou para os gastos com a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a precariedade da educação, saúde, segurança e outros serviços públicos. A política dos governos do Partido dos Trabalhadores causava ali o fim da paciência com a precariedade do serviço público frente às regalias que a FIFA recebia do governo brasileiro para que a entidade pudesse realizar suas competições.

A revolta acontecia no mesmo mês em que a Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo que viria a ocorrer no ano seguinte. Durante uma das partidas do torneio, que estava acontecendo no Mineirão, em Belo Horizonte, era possível ouvir o som das bombas que a polícia lançava contra os manifestantes no confronto que ocorria no exterior do estádio. Naquele momento os protestos tomaram conta do país.

Foram intensos combates entre manifestantes, muitos deles, da ala mais radical na esquerda brasileira e militantes do próprio PT, e polícia, por várias capitais e cidades do interior do Brasil. Vários manifestantes foram feridos e presos, com alguns, até hoje, na prisão.

As jornadas de 2013 tornaram motivo para que o público que estava nos estádios acompanhando os jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014 também saísse às ruas para protestar contra os governos do PT. Todavia as pautas das manifestações que ocorreram a partir de 2014 eram outras: a corrupção e a política do “Toma lá dá cá”.

Os protestos entre 2014 e 2016 ganharam tons de verde e amarelo contra o “vermelho do PT”. As “pedaladas fiscais” foram o mote para a construção de uma narrativa que culminaria, em 2016, a partir da mobilização de forças à direita, com o processo de impedimento de Dilma Rousseff.  Esse era o menor dos problemas que gerava revolta da população de classe média, que detinha a corrupção atávica como única pauta de desagrado contra o Partido dos Trabalhadores.

No ano e no mês em que se completam dez anos do início da insurgência contra a política brasileira, a mídia tradicional brasileira deu a sua abordagem sobre os movimentos que ocasionaram tudo que se viu no país na última década.

A Folha de S.Paulo, sob a batuta da jornalista, mestre em Ciência Política e coordenadora do Pacto Pela Democracia, Flávia Pellegrino, explica que as jornadas de 2013 foram uma jornada de contradições e que o movimento foi um desperdício de um momento raro para enfrentar os desafios da democracia. A jornalista aponta que 2013 não gerou uma grande reforma política, apesar da transformação incontestável da estrutura política do país.

O portal G1, por meio das jornalistas Andréia Sadi, Natuza Nery e Júlia Duailibi, pontua como a esquerda brasileira perdeu as ruas como seu espaço às manifestações para cedê-las à direita, ao bolsonarismo e ao culto à operação Lava Jato.

O Estadão mostra como as jornadas de 2013 deram fim à “Nova República” para promover o surgimento da “República Digital” com a guinada do ex-deputado federal e, agora, ex-presidente da República Jair Bolsonaro nas redes sociais, se espelhando no ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O jornal faz uma linha do tempo contando todo o desenrolar dos fatos ocorridos na última década até a terceira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República.

Por sua vez, o jornal O Globo aponta que as jornadas de 2013 marcaram a política brasileira e ainda são um enigma de interpretações diversas devido a disputa contínua por seus sentidos. Os atos daquele movimento são encarados, de acordo com o jornal, como uma encruzilhada de forças políticas, da esquerda à extrema direita, que impulsionaram crises e diversos desdobramentos.

Para nós do Pluris, a despeito de constatar que a mídia corporativa brasileira representa apenas uma porção da sociedade brasileira, entendemos que ela ou qualquer outra que tente cravar o que representou e ainda representa aqueles dias intensos estará fatalmente sob erro. Pois entendemos que as “jornadas”, se foram um rasgo histórico inequívoco, ainda não terminaram - pois, devemos aprender, eventos com tamanho potencial de transformação não podem ser compreendidos e seus desdobramentos observados se não no longo processo histórico.

Por isso, o Pluris não tem dúvida em afirmar: é muito cedo ainda para indicar os perdedores ou os vencedores que saíram das jornadas de junho de 2013, passados apenas 10 anos de sua eclosão. Seguimos observando seus desdobramento no dia-a-dia da midia e dos movimentos civis brasileiros.


segunda-feira, 3 de julho de 2023

Lula e a esfinge

 Por Vitor Faria Silveira

Apesar da repercussão global do poderoso discurso de Lula para uma multidão na França, o silêncio da mídia corporativa brasileira é ensurdecedor e revela o tamanho desse personagem para a história

Na penúltima semana de junho, o presidente Luís Inácio Lula da Silva esteve em viagem pela Europa para se encontrar com líderes do bloco europeu . Durante sua passagem pela França, o presidente brasileiro esteve presente na cúpula europeia para o financiamento global e discursou em um festival de música que objetiva lembrar a luta pelo combate ao aquecimento global e ao combate à pobreza. O presidente compareceu ao evento após convite feito pela banda britânica Coldplay, que realizou uma turnê pelo Brasil em 2023.

Lula discursa em Festival em Paris/ Foto: Partido dos Trabalhadores

No evento, Lula fez um discurso para quase 100 mil pessoas que compareceram ao evento, na Cham de Mars, aos pés da torre Eiffel. Em sua fala, o presidente brasileiro mencionou o combate ao desmatamento na Amazônia, destacou o combate à pobreza extrema nos continentes africano e América Latina, além de criticar Estados Unidos e Europa por causa das mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global. Lula afirmou que o problema teve origem na revolução industrial e também disse que os países desenvolvidos deveriam financiar o combate ao problema ambiental e a pobreza extrema para reparar os prejuízos ambientais causados pela revolução.

Por fim, o presidente também citou que o mundo não pode combater as mudanças climáticas sem combater a desigualdade social. Lula afirmou que não foram os povos africanos e latino-americanos que provocaram o aquecimento global, mas são eles os principais afetados pelo desequilíbrio do clima. No final de seu discurso, Lula convidou todos os presentes no festival para comparecerem na COP-30, a conferência global que será realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em Belém, em 2025 e disse que é hora de haver um protagonismo mundial para assumir essas responsabilidades, criticando os fracassos ocorridos pelos acordos firmados em reuniões passadas para conter o avanço do aquecimento global.

A imprensa brasileira, especialmente a corporativa, ligada aos tradicionais e oligopolizados grupos de mídia no Brasil - mas também  a mídia identificada como “independente” e “de esquerda” - pouco repercutiram o alcance histórico do discurso de Lula. 

O portal Poder 360 citou a falta de informações de Lula sobre o motim provocado pelo Grupo Wagner contra o presidente russo Vladimir Putin. O UOL também abordou o não comentário de Lula sobre o motim. O independente jornal Brasil de Fato seguiu pelo mesmo caminho.  O portal G1 repercutiu o cancelamento da reunião do presidente brasileiro com o príncipe da Arábia Saudita. A Jovem Pan publicou que Lula e a Primeira-Dama Janja da Silva receberam 231 presentes desde o início do mandato do governo do petista. A CNN chegou a publicar que jornal francês chamou presidente brasileiro de “decepcionante” e mostrou que é “falso amigo” do ocidente.

A imprensa brasileira não percebeu que o discurso de Lula estabelece ligação entre o combate à pobreza com o combate às mudanças climáticas. O chefe do poder executivo brasileiro destaca que não se pode aceitar promover um clima global agradável à humanidade e permitir que o contingente de pessoas em situação de pobreza extrema continue aumentando.  

A fala durante o festival coloca Lula no espaço deixado por Fidel Castro como líder do chamado “Terceiro Mundo”. Espaço esse que era a de um líder da esquerda e centro-esquerda mundial. O posicionamento mostra que Lula deseja promover o desenvolvimento sustentável dos países pobres e emergentes e que o Brasil pode ajudar os mesmos a chegarem nessa meta. O discurso comprova ainda um maior cacife e legitimidade ao brasileiro devido a sua vitória democrática nas eleições de 2022. 

No final do século XX, a academia brasileira esperava que esse espaço fosse ocupado por Fernando Henrique Cardoso. Todavia o que houve foi exatamente o contrário. FHC baixou a cabeça para o neoliberalismo que estava se instaurando no Brasil ao promover uma onda de privatizações que diminuiu a capacidade do estado de dar assistência aos necessitados e aumentar o capital da elite econômica brasileira.

A displicência da imprensa brasileira quanto a esse marco histórico comprova a futilidade da imprensa em se concentrar em temas que não são do interesse público. Tal fato mostra que o jornalismo brasileiro não alcança a tarefa ética de organizar os acontecimentos em conformidade a sua relevância social. Seja por razões ideológicas ou com incapacidade técnica, a displicência da mídia brasileira neste momento não deixará de ser cobrada pela história.


domingo, 2 de julho de 2023

Dois pesos, duas medidas: a cobertura midiática diante do submarino de bilionários e do navio de imigrantes

 Por Laís Abreu 


Por que a imprensa liga mais para a viagem de luxo de ricos do que para os refugiados no mediterrâneo? 


Nos últimos dias, o mundo vivenciou o desaparecimento do submarino Titan, que carregava quatro passageiros e um piloto em uma viagem turística  em direção ao fundo do mar para observar os escombros do Titanic. No entanto, o que nos choca aqui no Pluris é que, uma semana antes, 78 imigrantes oriundos de Afeganistão e Paquistão morreram em um acidente com um pesqueiro no Mediterrâneo. Eles tentavam fugir do Talibã e do Daesh em busca de uma nova vida na Europa. Segundo investigações, foram vítimas de negligência do estado grego, que demorou para agir no resgate. 

É claro que a inusitada história do submarino fez com que o público clicasse com voracidade nas matérias: as condições eram péssimas, a viagem custou uma fortuna (US$ 250 mil ou R$ 1,2 mi por cabeça) e seus passageiros eram bilionários. Na mídia, houve até contagem regressiva em relação a quantidade de oxigênio, que se reduzia conforme os dias iam passando. Para as buscas, foram mobilizados aviões, barcos, satélites e submarinos. Após o tempo esgotado, a Guarda Costeira americana informou que foram encontrados fragmentos do submersível, depois de ocorrer uma implosão. 

É importante observar, contudo, que dias antes os mesmos meios de comunicação que correram para essa divulgação não cumpriram o seu papel de alerta e de pressão sobre o governo, quando centenas de imigrantes desesperados enviavam mensagens SMS como pedido de socorro. Embora fosse possível salvá-los do afogamento, as autoridades deixaram-nos propositalmente findar no mar.

O que nos assusta é a profundidade e relevância dada a momentos como esses, em que a comunicação tende a visibilizar atitudes insanas em detrimento de outras notícias. Desde 2016, essas cenas de refugiados se tornaram cada vez mais comuns na costa do Mediterrâneo. Porém, isso não ganha tanta atenção na imprensa dos EUA e na imprensa brasileira.

Na era dos caça-cliques, os portais de notícia preferiram dar mais informações sobre quem eram os milionários que estavam a bordo do submarino, detalhes sobre como era feita a viagem, além de uma cobertura diária dos esforços de resgate. No caso do barco dos migrantes, não foram feitos perfis dos sobreviventes ou sequer foram divulgadas as nacionalidades daquelas pessoas. 

Os questionamentos são inúmeros: como a morte de imigrantes no fundo do mar se tornou tão corriqueira para o jornalismo? Por que tudo isso merece menos atenção? A vida dos refugiados vale menos que a vida dos turistas bilionários? Essa disparidade de atenção diz muito sobre nossa imprensa e nosso público que a consome.

Não estamos aqui para dizer que não se deveria falar sobre o submarino, mas sim que a atenção aos refugiados deveria ser, no mínimo, a mesma. Como respostas, sabemos que existem diversos fatores que influenciam nessa dinâmica: o racismo, o orientalismo e o próprio discurso anti-imigração que se tornou padrão nos países do primeiro mundo. E, infelizmente, a imprensa brasileira se espelha na imprensa desses mesmos países para fazer sua cobertura. 

É preciso acabar com essa política de dois pesos, duas medidas. É preciso socorrer a todos, noticiar, promover empatia e respeito. Para os imigrantes, apenas condições forçadas. Para os bilionários, escolhas de luxo. No fim, só cabe a nós questionarmos: Quantos refugiados lançados ao mar num navio poderiam ser salvos, com bilhões também lançados ao mesmo mar dentro de um submersível?  

A desigualdade grita. A vida é injusta. O jornalismo também tem sido. E a conclusão que temos é que morrer no mar é sempre aterrorizante e frio.