De volta à grade de programação, o Linha Direta da TV Globo joga luz sobre a responsabilidade da cobertura midiática em casos sensíveis que envolvem violência pública
Por Vitória Martins
O Linha Direta foi ao ar pela primeira vez no dia 29 de maio de 1990, apresentado pelo jornalista e político Hélio Costa. Porém o programa deixou de ser exibido no mesmo ano, retornando, em 1999, sob comando de Marcelo Rezende e, na sequência, Domingos Meirelles, em 2000, ficando no ar até dezembro de 2007. O programa retorna agora, em 2023, sob a batuta de Pedro Bial, o primeiro apresentador do Big Brother Brasil.
O programa se dedicava a produção de matérias jornalísticas de cunho sensacionalista (mas travestida de investigação), se unindo em uma narrativa com reportagem, entrevista e simulações dos casos policiais ou jurídicos mais famosos no Brasil. Entre críticas, por seu tom de criminalização, o show true crime foi muitas vezes aclamado após contribuir para solução de casos e prisão de foragidos depois de denúncias anônimas ao programa.
Na temporada 2023, a promessa é de que serão exibidos episódios todas as semanas, porém cada episódio tem propósito em relembrar os principais casos contando melhor os fatos através de entrevistas com especialistas, vítimas e sobreviventes dos casos e simulações, bem próximo à linha que seguiam no princípio.
O primeiro episódio do programa chamou atenção do público ao relembrar o caso Eloá, no qual uma adolescente de 15 anos foi sequestrada e assassinada por seu ex-namorado. A abordagem do programa foi surpreendente: Pedro Bial expõe como a interferência dos veículos de mídia atrapalhou nas ações policiais do crime e reforça que ela foi uma das milhares de vítimas de feminicídio.
O ponto positivo desse reexibição é poder trazer reflexões atuais aos telespectadores como a violência contra as mulheres, gerando impacto sobre a sociedade sob um novo olhar, tentando reconstruir a narrativa e incentivar as denúncias contra violência doméstica.
Entretanto, nem tudo são flores: o show true crime retoma os erros tanto da mídia quanto da polícia em relação ao caso, ponderando se o fim trágico poderia ter sido diferente se houvesse seriedade e responsabilidade entre ambos.
Desde o primeiro acontecimento até a morte da jovem os veículos de comunicação estavam por perto feito abutres. Isto foi inegavelmente o pior erro de todo o caso. Durante todas as horas do sequestro, eram reportados em rede nacional os passos da polícia, quais foram as negociações ao assassino, as imagens fortes de Eloá na janela pegando a comida com arma apontada para cabeça. Ao todo, foram mais de 100h de transmissão ao vivo pela TV e mais uma infinidade de programas e quadros e coberturas sobre o caso.
O Antônio Nobre Salgado, o promotor do caso, entrevistado pelo Linha Direta, vai direto ao ponto: uma conversa ao vivo de Lindemberg, o ex-namorado e assassino da adolescente, com a apresentadora Sônia Abrão, notória fofoqueira das tardes na TV brasileira,. foi decisiva para que o assassino tomasse pé do impacto que seu ato tinha na opinião pública. A paritir daí, a negociação que vinha sendo mantida pelas autoridades policiais sofre uma regressão, até o acontecimento culminante do assassinato, transmitido ao vivo.
O promotor, todavia, também não isenta a própria abordagem policial, que deveria, segundo Antônio Nobre, ter limitado o acesso de jornalistas e mídia na cena dos acontecimentos.
O fato de Linha Direta ter retornado com uma abordagem crítica à cobertura da mídia em casos do tipo são uma boa notícia. Se será fiel a essa escolha e não sucumbirá ao sensacionalismo desde sempre presente em programas diários dos concorrentes, só o tempo dirá.
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