Sobre o Observatório

quarta-feira, 24 de maio de 2023

Entre fatos e afetos

 Por Paulo Lima

A exigência de objetividade no exercício do jornalismo não significa abrir mão da empatia

A presença da subjetividade em textos jornalísticos é um tema controverso. Tradicionalmente, o jornalismo tem como objetivo principal captar informações e reportá-las de forma imparcial (ou equidistante) e baseada em e exclusivamente em fatos. Essa abordagem visa a garantir a confiabilidade e reforçar a autoridade pública de que o jornalista se limitou (ou ao menos se esforçou ao máximo)  a tratar dos fatos, e não de opinião sobre eles. 

A objetividade, por isso mesmo, se torna um valor inegociável para o exercício do jornalismo, a fim de que, na tarefa de informar, os jornalistas evitem manipular a opinião pública com interesses, na maioria das vezes invisíveis nos relatos. No entanto, essa busca pela objetividade se mecaniza a tal ponto que ela é confundida com falta de compaixão, de empatia mínima, o que pode impactar a forma como certos eventos são considerados. Ainda que essa abordagem tenha suas vantagens ao evitar o sensacionalismo e fornecer informações encorajadas e fundamentadas.

É necessário reconhecer, todavia, uma obviedade, há muito revelada nos cursos de Jornalismo, mas que não deixa de atormentar estudantes, professores e, em boa medida, profissionais:  a objetividade é um ato difícil de alcançar. Os jornalistas são seres sociais, com interesses e paixões próprias, e suas experiências, valores e perspectivas pessoais influenciam seu trabalho, mesmo que de forma imperceptível a eles. Além disso, a seleção de quais histórias serão cobertas e como elas serão abordadas também envolve certo grau de subjetividade.

Quando se trata de eventos trágicos, como a morte da cantora Marília Mendonça, a cobertura jornalística geralmente se concentra em fornecer informações básicas, como a confirmação do falecimento, detalhes sobre as circunstâncias da morte e reações de fãs e colegas. Nesses casos, a subjetividade é geralmente ofuscada, pois o objetivo principal seria transmitir os fatos de maneira clara e objetiva. É importante notar que, em casos de figuras públicas, a morte pode levar a discussões mais amplas sobre seu legado, impacto cultural e contribuições para a sociedade. Nesses momentos, é natural que os jornalistas expressem suas opiniões e interpretem pessoalmente em artigos de opinião ou análises mais aprofundadas. Nesses casos, a subjetividade é esperada e pode ser valorizada pelos leitores que buscam uma reflexão mais ampla sobre o significado daquela pessoa e seu trabalho - e no pacto de leitura, o consumidor não espera um tratamento “objetivo” dos fatos e reconhece a validade da opinião, que pode ou não ser aceita como relevante.

No caso da morte da cantora Marília Mendonça, a falta de subjetividade em textos jornalísticos pode se manifestar na forma como a notícia é apresentada. O foco principal seria fornecer informações precisas sobre a morte da cantora, como local, causa e possíveis repercussões, mas muitas vezes isso ocorre sem a exploração da dimensão emocional e cultural do evento.


A ausência de subjetividade pode resultar em uma cobertura jornalística que não capta completamente o impacto emocional que a morte de uma figura pública como Marília Mendonça pode ter na sociedade e na comunidade de fãs. Ao não explorar a história pessoal da cantora, suas contribuições para a música e a conexão que ela tinha com seus fãs, o texto jornalístico pode parecer frio e distante. Marília já fazia críticas ao método de trabalho insensível da imprensa.

Quando ocorreu sua morte, alguns veículos violaram a artista de diversas formas, como se levasse em consideração apenas as remunerações que aquilo poderia gerar. O ato de engajar, de cobrir e noticiar a fatalidade trouxe à tona uma onda de notícias falsas a seu respeito. Houve ausência de sensibilidade em todos os processos. Ao serem vazadas, recentemente, arquivos do IML, a família foi desrespeitada. A produção dessa objetividade compulsória cria a notícia como um fator mercadoria, isentando o respeito e sensibilidade no trabalho. Tendo em vista que isso propicia o compartilhamento em massa de conteúdos inverídicos, consequentemente, ocorre a falta de reflexão por parte do leitor.


Para encontrar uma análise mais subjetiva da morte de Marília Mendonça e sua importância, é comum acompanhar outros tipos de mídia, como reportagens especiais, documentários ou artigos de opinião. Esses formatos oferecem espaço para explorar as emoções, o legado e o impacto cultural da cantora, bem como as reações de seus fãs. Apesar de contar com o apoio de outras formas de mídia para explorar a profundidade do caso, os textos jornalísticos por vezes necessitam dessa cobertura subjetiva.

A morte de uma celebridade, como Marília Mendonça, é um evento impactante para muitas pessoas e, naturalmente, desperta emoções e sentimentos na sociedade. Nessas situações, a falta da subjetividade nos textos jornalísticos pode ser percebida como uma desconexão com a realidade das pessoas que estão emocionalmente envolvidas. Ao abordar a morte de uma personalidade, é importante que os jornalistas considerem a sensibilidade do assunto e busquem um equilíbrio entre a neutralidade e a empatia. Embora seja necessário relatar os fatos relevantes e fornecer informações precisas sobre as circunstâncias da morte, é igualmente importante reconhecer o impacto emocional que a perda pode ter na vida de fãs, amigos e familiares.

Uma abordagem jornalística mais afetiva e empática poderia incluir entrevistas com fãs, colegas de trabalho ou pessoas próximas à cantora, que podem compartilhar suas experiências pessoais e os sentimentos despertados pela perda. Isso ajuda a humanizar a notícia e a criar uma conexão mais profunda com o público. Além disso, é válido ressaltar que a falta de subjetividade em textos jornalísticos não é exclusiva em casos de morte de celebridades, mas pode se estender a outros assuntos. A objetividade é importante para evitar a transmissão de informações falsas e garantir a imparcialidade, mas os jornalistas também devem ser conscientes da necessidade de compreender o contexto social, cultural e emocional que envolve as notícias que estão relatando.

De fato, a falta da subjetividade no jornalismo pode distanciar o público do conteúdo, especialmente em casos sensíveis como a morte de uma figura pública. Os profissionais devem considerar a importância de uma abordagem sensível e humanitária, que possa reconhecer e compreender as emoções e experiências das pessoas envolvidas, sem comprometer a busca pela veracidade dos fatos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário