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terça-feira, 30 de maio de 2023

“Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa”

 A morte de Rita Lee, 75, e a repercussão lamentável do jornalismo brasileiro.



Por Laís Abreu

“Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída. Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão ‘Ovelha negra’, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a véia já tivesse morrido, kkk. Nenhum político se atreverá a comparecer ao meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los. Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando minha autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated'” (Trecho de Rita Lee: uma autobiografia, de 2016).

“Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa” foi a frase escolhida pela própria Rita Lee para ornar sua lápide. A cantora e compositora, rainha brasileira do rock, morreu aos 75 anos na noite do dia 8 de maio, após lutar contra um câncer no pulmão. O epitáfio também  foi retirado do livro Rita Lee: uma autobiografia.

Embora a artista tenha previsto sua própria morte, ela não devia esperar tamanha maldade do Jornal Folha de São Paulo, ao noticiar sua partida. Infelizmente, repleto de insensibilidade, publicaram: Rita Lee, rebelde desde a infância, se deixou guiar por drogas e discos voadores”. Uma matéria lamentável, que reflete o quanto o jornal se deixa levar pelo desespero, com chamadas desrespeitosas, cheias de sensacionalismo barato.

Rita foi muito mais que sua vida pessoal. Rita foi artista e mesmo que muitos não concordem com o jeito que ela levava a vida, o respeito nesse momento era primordial, a ela, à família, aos fãs e amigos. Rita ajudou a incorporar a revolução do rock à explosão criativa do tropicalismo, formou a banda brasileira de rock mais cultuada no mundo, os Mutantes, e criou canções na carreira solo com enorme apelo popular sem perder a liberdade e a irreverência.

Rita foi modernidade, referência de criatividade e independência feminina durante os quase 60 anos de carreira. O título de “rainha do rock brasileiro” veio quase naturalmente, mas ela achava “cafona” - preferia “padroeira da liberdade”.

A Folha de S.Paulo, em uma lamentável postura, diante de tantos destaques que poderiam dar, escolheu o pior de todos eles. Faltou ética, faltou sensibilidade, faltou profissionalismo, faltou humanidade, faltou jornalismo. E ainda dizem que esse é o maior jornal do país. Como futura jornalista, tenho medo de conhecer até qual é o menor, se é essa a referência que temos.

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