domingo, 20 de novembro de 2022

Até quando o jornalismo brasileiro será machista?

 Por Laís Abreu 

 


Nos últimos dias, o nome da futura primeira-dama Rosângela Lula da Silva, mais conhecida como Janja, tem sido assunto frequente nas redes sociais. O motivo é a série de ataques que vem recebendo de veículos empresariais de comunicação. 

 

A jornalista Eliane Cantanhêde, comentarista política e colunista, durante o programa Em Pauta, da GloboNews, afirmou que existe um "incômodo" com a participação política de Janja.  Ainda que o jornalista André Trigueiro tenha tentado defender Janja dos comentários de Eliane, o mal já tinha sido dito.  "Acho importante demolir esse termo. (...) Eu acho que a gente tem que reinventar palavras e expectativas em relação ao papel da mulher do homem mais poderoso do Brasil. Já ficou muito claro que, nesse governo, não será propriamente alguém que vai cumprir o papel de dona de casa subserviente ao marido", disse André. 

 

Dias se passaram após o primeiro ataque e Janja voltou a ser destaque. Ela concedeu uma entrevista exclusiva ao Fantástico, da TV Globo, cuja repercussão fez a misoginia voltar a aparecer. Logo após, o jornal O Globo publicou um editorial que, em linhas gerais, reafirma a opinião de Eliane Cantanhêde. O jornal afirmou que, comparando com a esposa de Bolsonaro e cônjuges de outros candidatos, o papel de Janja na campanha se sobressaiu. O fato é que, dia após dia, não importa como Rosângela se comporte, para os jornalistas o foco é a oprimi-la, considerando que a julgaram até pelo preço da camisa que vestia enquanto era entrevistada no programa da Globo.  

 

Isso nos mostra que a inferiorização das mulheres é estrutural, realizado diariamente de forma “natural” e é um projeto de poder. Enquanto as primeiras-damas cumpriam um papel prescrito, estava tudo bem, apenas o silêncio obsequioso de que tudo estava em seu devido lugar. 

Os jornalistas somos profissionais do discurso e do enquadramento dos acontecimentos da realidade. Isto é: o que dissemos é compartilhado como valor corrente nas relações sociais e forja a realidade. E somos ensinados a manter um espírito cético. É dever do jornalista, portanto, manter-se duplamente atento contra as formas de opressão que parecem tão inofensivas. Ao contrário: se a obsessão do jornalista é o convívio democrático, é necessário agir para promover a igualdade entre mulheres e homens. Que viva a Janja e que viva seu protagonismo! Que se mantenha vivo o protagonismo de todas as outras mulheres que não se calaram ao senso comum quanto ao seu papel na sociedade. E que viva também jornalistas como André Trigueiro, que entendeu a importância de lutar contra esses discursos.


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O Agronejo: a relação da música sertaneja com o agronegócio

 Por Laís Abreu 



O sertanejo, como gênero musical, tem suas raízes na chamada música caipira, de longa tradição no Brasil . Apenas a partir da década de 1970, com a intensificação do êxodo rural e o fenômeno da industrialização do campo, o sertanejo, tal como conhecemos, emerge, mas ainda assim com temáticas sobre o modo de vida do homem do campo, a nostalgia, a romantização de um campo idílico. A partir daí, todavia, a rápida transformação do cenário do agronegócio em um mundo globalizado, transformou o gênero, então chamado de “sertanejo universitário”, que passou a tematizar formas o homem  abandonado, traído e cada vez mais bêbado.

 

Não é novidade para ninguém que o que turbinou o sertanejo universitário foi o investimento milionário do agronegócio. A indústria busca criar uma imagem do homem de bem e do campo, construindo um estereótipo forte de que o “agro é pop, o agro é tech e o agro é tudo”. E se aproveitou disso, para lançar o que chamamos de “agroboy”. O termo se refere aos fazendeiros, que andam de caminhonete, se vestem como cowboy e são os verdadeiros riquinhos da zona rural. Normalmente, um “agroboy” é bem sucedido, malhado e ainda ostenta uma vestimenta super característica. 

 

Se há 20 anos fosse perguntado às pessoas na rua o que é o agronegócio, uma boa parte delas não saberia responder. Hoje, a resposta consensual é “a indústria que alimenta o país”. Paralelamente, houve um incremento da indústria cultural, que abandonava a tendência das décadas de 80 e 90, o axé soteropolitano, para investir massivamente no sertanejo universitário. As letras dessa nova vertente musical, surgem como forma de aguçar ainda mais toda essa imagem positiva do agronegócio. A rápida ascensão de estrelas do gênero, com sua verdadeira fixação com a ostentação, foi mais um elemento para a fama - e a certeza de que o agro de fato é a indústria riqueza do país.

 

Assim, vai se construindo a imagem do “agroboy” e do “agronejo” que veio para operar como máquina nessa propaganda da indústria agropecuária, escondendo todo o desastre humanitário e ambiental do setor. O investimento vai muito além de shows - aliás, como recentemente descoberto, pagos com cachês milionários originários dos recursos parcos de cidades paupérrimas dos rincões brasileiros. E tudo feito sem a devida transparência pública -, mas também na própria divulgação dos cantores sertanejos em rádios, novelas e feiras de pecuária, não esquecendo dos programas de agro e das campanhas realizadas a favor dele.  

 

Não é meramente um sucesso orgânico, vindo apenas pelo gosto das pessoas, ele é produzido através dos recursos midiáticos do país. No entanto, é preciso que a sociedade em geral se atente que atrás dessa famosa “modinha”, infelizmente, temos uma série de problemas que essa indústria do agronegócio esconde.  


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