Por Gilson Raslan Filho
O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia
Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico.
Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.
O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.
Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística.
Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.
As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo.
É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.
O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.
É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.
Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.
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