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terça-feira, 19 de julho de 2022

NOVO VELHO JORNALISMO

 O jornalismo praticado pelo canal de TV fechada Jovem Pan News cheira a mofo, mas tudo indica que ele veio para ficar


Por Gilson Raslan Filho



                                      
No surpreendente livro Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista (Editora Unicamp, 2021), o etnomusicista estadunidense Benjamin Teitelbaum fornece pistas importantes para se entender o contexto da guerra política e ideológica que vivemos hoje em dia. O livro nos ajuda a compreender inclusive o jornalismo da TV Jovem Pan News, que é o mote para este texto, mas não apenas ele. Antes, porém, de adentrarmos esse novo velho jornalismo, falemos um pouco da obra, sem entrar, todavia, em detalhes.

Como dito, Teitelbaum é um etnomusicista. De origem judia, o professor e pesquisador, há anos, roda o mundo em busca de expressões musicais, muitas delas extintas, de povos antigos, originários e tradicionais. Em suas investigações, se deparou com o fenômeno do renascimento do movimento tradicionalista, com muita força e alcance global. Trata-se de um movimento político, estético e ético que entende estar o mundo em decadência moral em razão da perda de valores – quase sempre identificados como “cristãos”. Para restituir ao mundo o que entende ser sua idade de ouro, o tradicionalismo defende que há povos melhores e piores e que estes devem se submeter àqueles; que mulheres devem cumprir um papel social submisso em relação aos homens; que a homossexualidade é uma excrescência, um desvio da natureza e deve ser curada. Em poucas palavras: para salvar o mundo de sua decadência moral, causada pela confusão geral de raças, povos, gêneros, é necessário conduzi-lo a uma velha ordem social, que se viu na Idade Média europeia.

Apesar de espantosos, os movimentos tradicionalistas existem há muito tempo, em múltiplas instituições, mas sempre tiveram um alcance muito limitado. O que Teitelbaum traz de surpreendente é o fato de ter havido nos últimos anos uma espécie de instrumentalização dos movimentos tradicionalistas, utilizados com táticas de ataque contra “o sistema” muito bem definidas e com alcance global. O autor identifica – e seu livro disseca justamente seus movimentos – três grandes figuras por trás das táticas: o estadunidense Steve Bannon, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro, falecido neste ano Olavo de Carvalho, respectivamente considerados gurus de Donald Trump, Vladimir Putin e Jair Bolsonaro.

Para não nos estendermos – a leitura, bastante palatável, é altamente recomendada -, fixemo-nos em uma tática: o ataque ao “sistema” quase sempre é traduzido como uma luta da liberdade contra o comunismo. Sim, porque “comunismo” é o nome dado às conquistas de negros, comunidade LGBTQI+, povos marginalizados, mulheres, que teriam tornado o mundo caótico. E tal ataque se dá, entre outros mecanismos, pelo uso muito competente – e pouco ético – das redes sociais, com ampla divulgação de fake news e desinformação de toda natureza. O argumento, no caso específico do jornalismo, é que a imprensa “do sistema” é meramente uma versão “comunista”, que deve ser combatida de qualquer forma, para que seja fragilizada. O resultado da tática é o surgimento, com ações orquestradas, de milhares de blogs, microblogs e influenciadores de redes sociais responsáveis por uma dupla tarefa nessa guerra: ser uma voz dissonante das vozes “comunistas” e arregimentar, geralmente com mirabolantes teorias conspiratórias, uma legião de seguidores, muitos deles com um sincero mal-estar em relação a um mundo tomado por grandes corporações e capitalistas, considerados, estes, os financiadores do “comunismo” global.

Uma das principais caraterísticas desse jornalismo de trincheira é seu desprezo pela verdade factual e sua sustentação em uma bem amarrada argumentação silogística, em que termos estranhos entre si ou alheios à verdade são reivindicados com a única finalidade de validar a tese proposta. Isto é, o que se faz é opinião: não há nada de reportagem, apuração, checagem – nada! 

Pois é justamente isso o que faz o jornalismo da TV Jovem Pan News: são horas a fio de divulgação de pesquisas jamais comprovadas, realizadas por entidades fantasmagóricas e “debatidas” por “debatedores” que estão no mesmo espectro ideológico e que repisam o que foi exposto, garantindo, pela repetição, a validação da tese que desejam que seja aceita.

A bem da justiça histórica, é preciso dizer que o jornalismo de opinião não é novo: ele foi amplamente utilizado pela burguesia revolucionária no século 18 europeu para amadurecer suas ideias de poder, de Estado e de sociedade, ideias que foram vitoriosas nas revoluções e ainda hoje dão a face para o mundo. É plausível, portanto, dizer que é um formato de jornalismo de embate ideológico. Igualmente, é plausível pensar que influenciadores ou a TV Jovem Pan News são apenas manifestações desse fenômeno de que o jornalismo de trincheira é apenas um sintoma – ou arma.



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