domingo, 20 de novembro de 2022

Até quando o jornalismo brasileiro será machista?

 Por Laís Abreu 

 


Nos últimos dias, o nome da futura primeira-dama Rosângela Lula da Silva, mais conhecida como Janja, tem sido assunto frequente nas redes sociais. O motivo é a série de ataques que vem recebendo de veículos empresariais de comunicação. 

 

A jornalista Eliane Cantanhêde, comentarista política e colunista, durante o programa Em Pauta, da GloboNews, afirmou que existe um "incômodo" com a participação política de Janja.  Ainda que o jornalista André Trigueiro tenha tentado defender Janja dos comentários de Eliane, o mal já tinha sido dito.  "Acho importante demolir esse termo. (...) Eu acho que a gente tem que reinventar palavras e expectativas em relação ao papel da mulher do homem mais poderoso do Brasil. Já ficou muito claro que, nesse governo, não será propriamente alguém que vai cumprir o papel de dona de casa subserviente ao marido", disse André. 

 

Dias se passaram após o primeiro ataque e Janja voltou a ser destaque. Ela concedeu uma entrevista exclusiva ao Fantástico, da TV Globo, cuja repercussão fez a misoginia voltar a aparecer. Logo após, o jornal O Globo publicou um editorial que, em linhas gerais, reafirma a opinião de Eliane Cantanhêde. O jornal afirmou que, comparando com a esposa de Bolsonaro e cônjuges de outros candidatos, o papel de Janja na campanha se sobressaiu. O fato é que, dia após dia, não importa como Rosângela se comporte, para os jornalistas o foco é a oprimi-la, considerando que a julgaram até pelo preço da camisa que vestia enquanto era entrevistada no programa da Globo.  

 

Isso nos mostra que a inferiorização das mulheres é estrutural, realizado diariamente de forma “natural” e é um projeto de poder. Enquanto as primeiras-damas cumpriam um papel prescrito, estava tudo bem, apenas o silêncio obsequioso de que tudo estava em seu devido lugar. 

Os jornalistas somos profissionais do discurso e do enquadramento dos acontecimentos da realidade. Isto é: o que dissemos é compartilhado como valor corrente nas relações sociais e forja a realidade. E somos ensinados a manter um espírito cético. É dever do jornalista, portanto, manter-se duplamente atento contra as formas de opressão que parecem tão inofensivas. Ao contrário: se a obsessão do jornalista é o convívio democrático, é necessário agir para promover a igualdade entre mulheres e homens. Que viva a Janja e que viva seu protagonismo! Que se mantenha vivo o protagonismo de todas as outras mulheres que não se calaram ao senso comum quanto ao seu papel na sociedade. E que viva também jornalistas como André Trigueiro, que entendeu a importância de lutar contra esses discursos.


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O Agronejo: a relação da música sertaneja com o agronegócio

 Por Laís Abreu 



O sertanejo, como gênero musical, tem suas raízes na chamada música caipira, de longa tradição no Brasil . Apenas a partir da década de 1970, com a intensificação do êxodo rural e o fenômeno da industrialização do campo, o sertanejo, tal como conhecemos, emerge, mas ainda assim com temáticas sobre o modo de vida do homem do campo, a nostalgia, a romantização de um campo idílico. A partir daí, todavia, a rápida transformação do cenário do agronegócio em um mundo globalizado, transformou o gênero, então chamado de “sertanejo universitário”, que passou a tematizar formas o homem  abandonado, traído e cada vez mais bêbado.

 

Não é novidade para ninguém que o que turbinou o sertanejo universitário foi o investimento milionário do agronegócio. A indústria busca criar uma imagem do homem de bem e do campo, construindo um estereótipo forte de que o “agro é pop, o agro é tech e o agro é tudo”. E se aproveitou disso, para lançar o que chamamos de “agroboy”. O termo se refere aos fazendeiros, que andam de caminhonete, se vestem como cowboy e são os verdadeiros riquinhos da zona rural. Normalmente, um “agroboy” é bem sucedido, malhado e ainda ostenta uma vestimenta super característica. 

 

Se há 20 anos fosse perguntado às pessoas na rua o que é o agronegócio, uma boa parte delas não saberia responder. Hoje, a resposta consensual é “a indústria que alimenta o país”. Paralelamente, houve um incremento da indústria cultural, que abandonava a tendência das décadas de 80 e 90, o axé soteropolitano, para investir massivamente no sertanejo universitário. As letras dessa nova vertente musical, surgem como forma de aguçar ainda mais toda essa imagem positiva do agronegócio. A rápida ascensão de estrelas do gênero, com sua verdadeira fixação com a ostentação, foi mais um elemento para a fama - e a certeza de que o agro de fato é a indústria riqueza do país.

 

Assim, vai se construindo a imagem do “agroboy” e do “agronejo” que veio para operar como máquina nessa propaganda da indústria agropecuária, escondendo todo o desastre humanitário e ambiental do setor. O investimento vai muito além de shows - aliás, como recentemente descoberto, pagos com cachês milionários originários dos recursos parcos de cidades paupérrimas dos rincões brasileiros. E tudo feito sem a devida transparência pública -, mas também na própria divulgação dos cantores sertanejos em rádios, novelas e feiras de pecuária, não esquecendo dos programas de agro e das campanhas realizadas a favor dele.  

 

Não é meramente um sucesso orgânico, vindo apenas pelo gosto das pessoas, ele é produzido através dos recursos midiáticos do país. No entanto, é preciso que a sociedade em geral se atente que atrás dessa famosa “modinha”, infelizmente, temos uma série de problemas que essa indústria do agronegócio esconde.  


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segunda-feira, 17 de outubro de 2022

O debate virou lacração

 Por Laís Abreu

As eleições deste ano, entre outras lições, colocam em dúvida o formato dos debates e sua utilidade no processo democrático

 

 

Com a chegada de Jair Bolsonaro na presidência em 2018, sem ter tido grande tempo de campanha televisiva devido ao fato de ter sido vítima de uma facada, tivemos uma mudança na forma como o Jornalismo Político era realizado no Brasil. A ascensão das mídias digitais nesse processo acabou tomando uma proporção maior, no qual as pessoas se expressam mais e replicam a todo momento tudo que é publicado, por isso, para os candidatos à presidência no país, um debate em rede nacional, vai muito além de informar o povo, mas fazer seu próprio marketing pessoal.

Na era política que vivemos, quem assistiu ao debate presidencial da Rede Globo no último dia 29 conseguiu observar a desvão ético, focado em troca de farpas, pegadinhas, alvoroço, perguntas e respostas com intuito de lacrar nas redes sociais, sem ter foco no que realmente importava: o presente e futuro do Brasil. Os internautas chegaram a questionar qual o critério dos escolhidos para participar, considerando que o candidato do PTB, Padre Kelmon, desequilibrou a mesa, inclusive o apresentador William Bonner. Aqui valem a ressalva e o esclarecimento: a lei eleitoral brasileira indica que participam dos debates os candidatos cujos partidos têm superado a cláusula de barreira eleitoral no Congresso Nacional.

 

Seja como for, os debates deste pleito mostram que não apenas a lei eleitoral precisa ser atualizada -  os próprios debates estão desgastados, seu formato já não atrai e muito menos cumpre o papel de esclarecimento público a que se destinam. O que os candidatos querem é vender frases de efeito que a equipe de marketing fará circular naquele mesmo segundo. Um exemplo disso foi a concorrente Soraya Thronicke (UB) ao chamar o opositor de ‘’padre de festa junina’’ que virou meme. 

 

O que se observa é uma criação de material que vai circular e favorecer os candidatos, mas que nada ajudam na democracia, considerando que pouco esclarecem os objetivos dos participantes. O circo é armado e tudo que nele é dito serve apenas como vitrine para as outras formas midiáticas existentes. 

Uma solução para esse show de horror e desqualificação do jornalismo político na TV seria diminuir os embates e guerras entre os pretendentes à presidência e colocar mais a participação do povo. Além disso, uma opção fundamental é informar ao telespectador, ao vivo, sobre o que é dito pelos participantes, haja vista que muitos propagam dados errados e muita fake news, como fez Ciro Gomes (PDT) ao afirmar: "60% das nossas escolas já são em nível médio em tempo integral." Sendo que o dado correto corresponde apenas a 45% segundo o Censo da Educação Básica de 2021.

Que o Marketing eleitoral seja colocado à parte, essa nova ordem da comunicação política, conectada a outros diversos fatores, traz a cobertura jornalística um desafio a rever os padrões e assim diminuir o palco dado para propagação de discursos insustentáveis. Dessa forma, o jornalismo político brasileiro conseguirá atingir maior credibilidade. 


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segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A gravidez de Cláudia Raia e a insensibilidade diante de uma mulher grávida


Por Laís Abreu,

 

No dia 19 de setembro, a internet foi surpreendida por uma notícia: a atriz Claudia Raia revelou, por meio de seu Instagram em um vídeo no reels, que estava grávida aos 55 anos. Com dois filhos adultos, ela já havia entrado na menopausa, mas sonhava em dar à luz a uma criança advinda de seu relacionamento com Jarbas de Mello, com quem se casou em 2018. 

 

A notícia - e as críticas, costumeiramente maliciosas - se espalharam rapidamente. No jornalismo, não foi diferente. O Jornal Folha de S.Paulo, por meio da coluna “Colo de Mãe” escrita por Cristiane Gercina, teve a audácia de publicar uma matéria com a manchete “A gravidez de Claudia Raia e o desserviço a quem tenta engravidar”. Com uma chamada no perfil do jornal no Instagram, artistas como Tatá Werneck e Sasha Meneghel deixaram sua indignação nos comentários do post.  

 

Uma matéria invasiva e etarista, que questionava a omissão de Claudia, ao optar por não anunciar que tinha feito fertilização in vitro, um procedimento feito em laboratório, em uma idade considerada avançada para a reprodução. Diante de um jornalismo como esse, observamos que mulheres são massacradas todos os dias e, de diferentes formas, somos cobradas por simplesmente existir e enquanto o próprio jornalismo brasileiro fomentar esse ódio nada irá mudar. 

 

Com tantas pautas importantes, tantas coisas boas a se noticiar e falar sobre a gestação de uma mulher, cobrar um posicionamento sobre o método de gravidez, que não foi escondido em momento algum, considerando que em entrevistas de 2020 e 2021 o casal sempre relatou a vontade de serem pais e também sobre o congelamento de óvulos, demonstra que há muito a melhorar.  

 

Em pleno século XXI, nas vésperas de uma eleição importante e decisiva no país, um dos principais veículos de comunicação dá espaço para uma mulher criticar a outra, sendo pior ainda uma mãe criticar uma gestante, isso sim é um desserviço. Uma opinião que não deveria ter ido pro ar, que fez leitores questionarem a ausência de um editor chefe no jornal Folha diante de palavras totalmente desnecessárias.  

 

São por pautas assim, que devemos lutar contra esse tipo de jornalismo, as consequências dessas publicações são sempre enormes, perdem não só as mães, mulheres, mas também, nós, os próprios jornalistas.


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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

PROGRAMAS ESPORTIVOS EM TV: NOTAS INTRODUTÓRIAS

Por Ígor Borges

Os tipos de proximidade e abordagem com o consumidor


Os programas esportivos na TV, aberta e especialmente fechada, brasileira se baseiam em comentários, análises e reportagens relacionadas aos jogos, acontecimentos e fatos ligados ao âmbito. Todavia, são várias as maneiras de abordagem entre esses programas, seja pelo público que acompanha, pela rede televisiva, pelos profissionais ou pelo enfoque do mesmo. Além disso, pode-se considerar que cada meio é diferente de outro, mesmo que os assuntos ou os fatos sejam idênticos.

Dito isso, analisando dois programas esportivos de emissoras diferentes, percebem-se as diferenças de abordagem, uso de termos, enfoque, nível de “expertise” por parte dos apresentadores e repórteres. Essa diferença pode ser explicada por dois fatores: as duas emissoras em questão tratam-se de uma aberta e uma fechada; o público alvo e os profissionais se divergem bastante. 

Um dos programas analisados foi o Jogo Aberto, da TV Bandeirantes. Enquanto isso, a segunda análise foi feita com o Linha de Passe, da TV fechada do grupo Disney, a ESPN, focada na programação esportiva. 


Jogo Aberto

O programa da Band é transmitido de segunda a sexta, durante o período da manhã/almoço e é marcado pela sua bancada. Os apresentadores, Renata Fan e Denílson Show, realizam um giro pelas matérias dos clubes de futebol, mais especificamente dos clubes do Brasil. O programa possui diferentes versões conforme o estado de transmissão, sendo que o analisado, é transmitido pelo estado de São Paulo, e, portanto, foca nos clubes dessa região.

O Jogo Aberto é dividido em duas partes. A primeira delas faz um giro pelos principais acontecimentos esportivos do dia, mostra resultados de jogos, reportagens do dia a dia dos clubes, gols da rodada. Ela ainda conta com pequenos comentários dos apresentadores entre as matérias, sempre de uma forma leve e com linguagem coloquial, e com a presença de brincadeiras e momentos de descontração. 

Na segunda metade do programa, ocorre o debate entre os apresentadores, de que participam outros, outros integrantes são acrescidos ao programa, tais como o ex goleiro Ronaldo Giovanelli, o narrador Ulisses Costa, e o comentarista Heverton Guimarães. Nesse período, o debate discorre sobre o principal assunto do dia, e ocasionalmente, ocorrem “zoações” entre os apresentadores, que nesse caso, tem seus clubes do coração revelados ao público. Um exemplo disso, é a tradicional “maca do eliminado”, que ocorreu em um dos dias analisados, com Denílson Show sofrendo a cena pela eliminação do Palmeiras na Libertadores. 


Linha de Passe

Transmitido todas as segundas, quartas, quintas-feiras e domingos, o Linha de Passe é um dos carros chefes da ESPN Brasil, rede de televisão fechada focada em esportes. No programa, são debatidos vários assuntos recorrentes aos fatos esportivos dos últimos dias, além da apresentação de resultados, matérias e entrevistas exclusivas. Comumente, o programa é apresentado pelos jornalistas mais badalados da emissora, tais como Paulo Andrade, Nivaldo Pietro, William Tavares, além dos escalados nos jogos da rodada, os quais entram ao vivo para comentar sobre.  Durante o desenrolar das pautas, os comentaristas abordam os jogos em si, com análises táticas, discussões acerca de arbitragem, e das polêmicas do extracampo. 

O programa conta com o debate como principal engajamento, uma vez que, os jornalistas presentes na mesa, possuem opiniões fortes e têm discussões pertinentes sobre os assuntos abordados. Além disso, o Linha de Passe possui uma linguagem mais técnica sobre os esportes (majoritariamente futebolística), e por isso, é mais aclamado pelo público que acompanha arduamente, não só seu time do coração, mas todos as partidas de futebol possíveis. Nesse caso, diferentemente dos programas de TV aberta, os apresentadores mantêm seus times do coração ocultos, a fim de evitar mais polêmicas. 


A título de comparação 

Enfim, a discussão entre os dois programas é a seguinte: cada um deles lida com públicos, “chefes” e níveis de abordagem diferentes. Toda a cobertura e possivelmente, proximidade com o fato, varia de emissora para emissora. Com isso, dá a se entender que, o Jogo Aberto, da televisão aberta, busca aproximar o telespectador do programa, utilizando de técnicas e personagens que prezam pelo entretenimento e por uma discussão “rasa”, ou que não se torna massivo ao público. Uma vez que, a Band teria mais variedade de acompanhantes, seja o torcedor, a dona de casa, a criança, o adulto, etc.

Por outro lado, o Linha de Passe faz o caminho “inverso”, ao invés de aproximar novos espectadores, entende-se que ele se preocupa em manter os que já estão fidelizados. Para isso, seu padrão de abordagem é técnico e que necessita de um entendimento maior do público. Isso é dado, de forma que seus telespectadores sejam, supostamente, amantes do esporte, e com isso, já tenham conhecimento sobre o assunto, buscando apenas se informar ou ouvir outra opinião de especialistas. 


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O Agro e a omissão da mídia no período eleitoral do Brasil

Por Laís Abreu


Como já tratamos aqui no Pluris, a forma como a mídia retrata o conteúdo ambiental é vaga e pobre, apresentando sempre um contexto básico sobre assunto, às vezes com manchetes exageradas, seguindo os interesses mercadológicos, focando em uma espécie de chamariz sensacionalista, que a linguagem da comunicação digital tem chamado de “clickbait”, mas sem trazer, todavia, informações de fato relevantes, sem despertar consciência e cidadania nas pessoas.  

 

Durante o período eleitoral de 2022, um levantamento feito pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontou que sócios de empresas ligadas ao agronegócio desembolsaram R$15,3 milhões para campanhas de 480 candidatos, sendo um terço desse valor para o PL, partido do atual presidente do Brasil e candidato à reeleição. O que não nos surpreende são os breves relatos sobre essas notícias na mídia brasileira.  

 

Não é novidade que os grandes grupos econômicos de mídias são silenciadas, por complacência ou interesse mútuo, pelos “donos do agronegócio”, principalmente a Rede Globo, com a Campanha “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”. A negligência em relação ao modo de vida dos pequenos produtores rurais acontece quando tentam passar uma imagem moderna e positiva do agronegócio. Dessa forma, ao deixarem de lado as notícias sobre o investimento agro na campanha do atual presidente, a emissora apenas reforça seus interesses empresariais.  

 

É válido salientar que, durante o seu mandato, Jair Bolsonaro atuou para flexibilizar regras ambientais, reduziu multas, aprovou novos agrotóxicos, além de flexibilizar o armamento para os moradores de áreas rurais. A expansão do agro neste governo e a permanência de um grupo no poder só enfatiza cada vez mais o quanto o Agro é mais tóxico do que Pop.  

 

Ao jornalismo, é necessário acabar com esse retrocesso. Até quando nossos colegas de profissão continuarão silenciados por uma parcela da sociedade? Até quando silenciarão - por autocensura ou igual complacência? Até que ponto vale vender a ética profissional? A omissão sobre a verdadeira versão do agronegócio está tomando uma proporção cada vez maior e cabe a nós mesmos, os jornalistas, mudarmos esse rumo. 

 

As pautas ambientais gritam cada vez mais por nossas coberturas, é preciso propagar veracidade e conscientização.  O agro não é Tech, e não é Tudo, como reproduz a Rede Globo. O agro é também trabalho escravo, desemprego, fome, desmatamento. O agro é agrotóxico, conflitos por terras e desigualdade no campo. E quem perde com isso é sempre a sociedade e claro, a dignidade profissional do jornalismo. 


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segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O NOVO POPULISMO E SEUS RISCOS (I)

 Por Gilson Raslan Filho 

Há um consenso sobre a importância central do Deputado mineiro André Janones 
nas eleições gerais deste ano, mas quais são os riscos do novo populismo que defende?


Textos de observatórios – especialmente os de mídia e de acontecimentos cotidianos, como este, que exigem alguma urgência no tratamento, em razão da temporalidade ultra acelerada da cultura midiática contemporânea – têm a virtude de apontar intuições e pistas para fenômenos complexos, que eclodem aqui e ali no tecido cotidiano. Essa virtude porém denuncia uma limitação importante: a rapidez na formulação de análises de acontecimentos complexos, no calor de sua eclosão, quase sempre torna os textos de observatórios parciais, quase superficiais.

Esse é o risco que se corre ao acompanhar acontecimentos das eleições gerais brasileiras deste ano. E mais ainda quando se entra em um terreno arenoso das lideranças políticas que têm nas redes sociais seu principal campo de atuação. Esse é o caso do deputado mineiro André Janones, sobre cuja atuação este texto e aproxima - e a temática se desdobrará em outros textos nas próximas semanas, dada a riqueza de temas que merecem atenção.

Janones é um verdadeiro fenômeno eleitoral. Mineiro de Ituiutaba, onde se formou em direito, ele se orgulha de suas raízes populares e gosta de lembrar que pagou sua faculdade sendo trocador de ônibus e que é filho de empregada doméstica. O deputado federal e candidato à reeleição retirou em agosto sua candidatura à presidência da República para apoiar o ex-presidente Lula.

Sua carreira política é tão meteórica quanto tortuosa: foi militante da corrente petista Democracia Socialista do Partido dos Trabalhadores até 2012, quando dá uma guinada à direita e se filia ao conservador Partido Social Cristão – que atualmente abriga o deputado estadual por MG e candidato ao Senado com apoio do presidente Jair Bolsonaro Cleitinho Azevedo, como Janones, ambientado nas redes sociais e com quem chegou a atuar proximamente. Em 2018, foi eleito no não menos conservador e ideologicamente disforme Avante, na esteira da estridente atuação em defesa dos caminhoneiros em greve naquele ano, um movimento que, apesar da pauta difusa, foi tomado por agenda proto-fascistas e deu forma ao refluxo ora conservador, ora autoritário que floresceu no Brasil nos últimos quatro anos.

Atualmente, o deputado André Janones tem um papel considerado decisivo nas eleições gerais, atuando em suas redes sociais como um “Carluxo do bem” da campanha do petista. Nas redes, Janones vem adotando uma estratégia belicosa, no mesmo molde das estratégias dos militantes de extrema-direita que mantêm um patamar de popularidade do presidente da República que lhe garante legitimidade no cargo. A estratégia, até o momento, tem dado certo e como o próprio deputado volta e meia lembra, o barulho e as provocações têm pautado e desnorteado a campanha de Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, suas manifestações de campanha e as muitas entrevistas que tem dado proferem um discurso facilmente identificado com pautas do campo ideológico das esquerdas.

O caminho trilhado por Janones poderia muito bem ser taxada de errático e, no limite, oportunista. Ele próprio, todavia, denomina sua trajetória como uma manifestação do que chama de populismo, isto é, ele próprio se pauta pelas temáticas urgentes, as demandas das camadas populares – e, por essa razão, para se adaptar ao momento histórico “do povo”, ele provoca idas e vindas em sua postura.

Como se vê, há muito a se refletir sobre o fenômeno do “novo populismo” encarnado por André Janones, em razão da relevância político-eleitoral que alcançou e seu extraordinário manejo das redes sociais. Os próximos textos tentarão se aproximar um pouco do fenômeno.


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segunda-feira, 15 de agosto de 2022

O direito à preguiça

 Por Gilson Raslan Filho 

Mesmo se for considerada uma forma de resistência às condições cada vez mais precárias de trabalho, o jornalismo preguiçoso é uma ameaça à democracia





Em um texto anterior do Pluris (Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo), fiz uma crítica a uma prática muito comum de jornalistas e do jornalismo produzido regionalmente em portais noticiosos e TVs locais: a de não realizar de fato um trabalho de reportagem, um trabalho de abertura do contexto dos acontecimentos, essa sim uma tarefa imprescindível para a democracia. 

Neste texto, quero me ater ao fenômeno que há muito me chama a atenção – e que abordei brevemente no texto anterior: o uso indiscriminado e sem sentido do stand up no jornalismo das TVs locais. Antes, porém, de voltarmos ao fenômeno para explorá-lo, olhemos para o título deste artigo.

O direito à preguiça é uma referência direta ao manifesto homônimo, de 1880, escrito pelo líder operário de raízes francesas Paul Lafarge, genro de Karl Marx. No manifesto político-utópico, Lafarge aponta uma situação em que o maquinário, nas condições do século 19, era usado para impor um ritmo de trabalho inumano aos trabalhadores. Ao mesmo tempo, ele faz um elogio a esse maquinário, desde que os trabalhadores dele se apropriem e o utilizem para viverem uma vida menos dolorosa e submetida ao trabalho incessante e indigno.

Mais tarde, o sociólogo italiano Domenico de Masi retomou as teses de Lafarge em seu não menos utópico e hoje um best seller O ócio criativo, em que defende que o ócio como necessário para a criatividade – e portanto como um incremento de produtividade. 

A simples existência de manifestos que defendem a preguiça e o ócio como necessários até mesmo para o sistema de produção é um sintoma de que vivemos, desde o século 19, o avesso disso. Isto é: o arranjo produtivo capitalista vem aperfeiçoando as formas de superexploração da vida – do trabalhador, dos recursos naturais, dos sentidos e da percepção. E é exatamente esse o cenário em que se encontram os trabalhadores do jornalismo, cuja produção foi considerada, em algum momento, resultado do trabalho intelectual e criativo. Mas, pergunta-se: como ser criativo em uma situação em que se exibe como virtude a multiplicidade de funções que hoje são exercidas por um único jornalista? 

A tese que defendo aqui é a seguinte: o jornalismo preguiçoso é sintoma desse contexto de super-exploração de degradação profunda das condições de trabalho do jornalista. Foquemos, antes, porém, em entender melhor o que denomino de jornalismo preguiçoso e muito especialmente no caso da generalização do stand up no jornalismo televisivo regional.

Como exposto anteriormente, o stand up, em jornalismo de TV, é a prática comum e muito útil de informar sobre um acontecimento de forma breve e rápida. A tradução da locução verbal do inglês indica duas situações: “ficar de pé” pode se referir tanto à posição do repórter em frente à câmera, quanto a “levantar-se”, estar de prontidão para dar uma notícia rápida sobre um acontecimento importante demais para ser ignorado, enquanto se prepara a reportagem. 

Geralmente, no stand up, o repórter entra ao vivo. É claro que nada impede que esse boletim seja gravado e essa gravação seja utilizada para substituir a nota seca ou nota coberta realizada pelo âncora, com a mesma finalidade. Nesse caso, seria um recurso editorial, para fornecer dinâmica à edição. Seja como for, seu uso é pontual nas edições dos telejornais e nunca, jamais substitui o trabalho artesanal da reportagem. 

Pois é exatamente o contrário do que acontece no telejornalismo produzido regionalmente em Divinópolis. Por aqui, as (resumidas) equipes entram diversas vezes em uma mesma edição em stand up, tantas vezes que é possível dizer que o trabalho de reportagem, aquele em que o jornalista faz movimentar sua criatividade para narrar acontecimentos, é a exceção. 

O problema disso é que o espectador fica sem opção para compreender a torrente de acontecimentos do cotidiano, já que apenas a reportagem é capaz de fornecer elementos mais complexos para o recorte da realidade. Isto é: a reportagem é fundamental para o exercício consciente da cidadania e, consequentemente, para a democracia, pois é ela, não a nota rápida e seca do stand up, que permite um reconhecimento, a construção de sentido da realidade.

Ocorre que a reportagem é muito mais trabalhosa do que o stand up. Ela exigiria um trabalho artesanal de recolher informações, compreender os personagens envolvidos, montar e contar uma história. Como fazer tudo isso se as equipes foram se reduzindo diante da “necessidade” de o jornalista exercer múltiplas funções – nesse caso, de produtor, repórter, não raro cinegrafista, editor, além de fotógrafo e redator para outras plataformas? O stand up, seu uso generalizado se tornou, então, um sintoma da precarização do trabalho: os jornalistas – e são todos: dos gerentes aos repórteres – permanecem preguiçosamente no stand up diante do turbilhão de exigências e do volume de trabalho a que estão submetidos.

Então, sim, o jornalismo preguiçoso é uma forma de os profissionais resistirem – ainda que não conscientemente – ao quadro de profunda e contínua degradação das condições de trabalho. Seria uma virtude não fosse o fato de o jornalismo preguiçoso ser uma séria ameaça à democracia.



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A cobertura ambiental e a seca no jornalismo brasileiro

 A necessidade de compreender mais sobre assuntos ambientais e não se iludir com frases como “Agro é pop” 

 

Por Lais Abreu, 

 

Nos últimos anos, presenciamos no Brasil uma série de propagandas e reportagens do agronegócio, campanhas como “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”, circularam fortemente por todo território nacional. Embora seja uma publicidade, é de responsabilidade da empresa jornalística manter uma postura ética diante do silêncio sobre os problemas ambientais que essa indústria traz ao país. 

 

A campanha que se intitula como “Agro: a Indústria-Riqueza do Brasil” tem como objetivo alegado a conexão entre o consumidor eo produtor rural, e ao mesmo tempo desmistificar a produção agrícola aos olhos da sociedade urbana. No entanto, é importante ressaltar que a emissora é financiada por pessoas e empresas ligadas ao setor do agronegócio - e ela própria faz parte de um grupo econômico que tem entre seus negócios o “agro”. Desse modo, busca sempre criar uma imagem moderna e positiva do sistema capitalista no campo, negligenciando as relações e modo de vida no ambiente rural que passa pelos pequenos produtores rurais e que exercem papel fundamental na produção agropecuária. 

 

Nessa perspectiva, é fundamental citar as ondas de calor no verão europeu 2022, em um momento em que o mundo inteiro está discutindo sobre os impactos climáticos, a preocupação com crise hídrica e a relação do agronegócio com a devastação ambiental, o jornalismo brasileiro se omite, noticiando apenas o que lhes convém. Sendo assim, tais questões ambientais passam pelos noticiários da imprensa, mas os fatos noticiados nesta grande mídia não são destrinchados em uma perspectiva crítica e alarmante aos telespectadores sobre a verdadeira versão do agronegócio. 

 

A forma como a mídia retrata o conteúdo ambiental é leviana e pobre, apresentando sempre um contexto genérico do assunto de forma sensacionalista, seguindo os interesses mercadológicos, focando naquilo que o público quer ver, mas sem despertar consciência e cidadania nas pessoas. Os meios de comunicação precisam pensar em abordagens que vão muito além de noticiar os fatos, como as ondas de calor no euro summer, mas que também desenvolvam no ser humano reflexões que possibilitem a autocrítica das suas atitudes diante do meio ambiente. 

 

Além disso, é importante que o jornalismo brasileiro se desprenda da grande cadeia do agronegócio, haja vista que a própria Rede Globo oculta as informações dos telespectadores sobre como e por quem são produzidos os produtos agropecuários.

 

Diante disso, nota-se que as pautas ambientais são cada vez mais urgentes, enquanto os interesses dos “donos do agronegócio” as silenciam através da mídia. A defasagem não é apenas climática, mas também da sociedade e do mundo jornalístico.  


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Racismo no futebol

Por Igor Lemos

Caso de racismo no jogo entre São Paulo e Fluminense abre margem de interpretações “regionalistas”


Infelizmente, um dos maiores problemas sociais até a atualidade é o racismo e os diversos preconceitos com o próximo. Tais comportamentos estão presentes em vários meios da sociedade, seja no trabalho, ambiente escolar, locais públicos. No futebol, casos assim ocorrem com certa frequência, e é claro, a mídia sempre retrata esses acontecimentos com a gravidade necessária.

Na partida entre São Paulo e Fluminense, no dia 17 de julho, e que correspondia à 17ª rodada do Campeonato Brasileiro, houve uma denúncia em forma de vídeo, por parte de um torcedor da equipe carioca. O tricolor carioca, que não foi identificado pelas mídias alegou em seu vídeo que um são paulino estava fazendo gestos de macaco em direção a ele, como forma de ofensa.  Os clubes, por sua vez, deixaram em suas redes sociais, manifestações contra a atitude.

Entretanto, os veículos comunicativos, abordam o caso de formas diferentes. O vídeo, embora seja claro e nítido, dá margem de abertura para outras compreensões, como por exemplo, a imitação de um “cara forte”, assim redigido pelo portal da UOL, em uma de suas matérias do caso. 


As abordagens 

O caso é abordado através dos dois lados da história, tanto do torcedor vítima, quanto do praticante. O UOL faz suas matérias do caso em razão da hipótese de o gesto simbolizar outra coisa, e não o ato de racismo. O Globo Esporte trabalha o caso de forma indiscutível, quase afirmando que o crime ocorreu. 

De certa forma, essa discussão é plausível e “normal”, tratando-se do fato de opiniões jornalísticas fortes, e que expressam dois lados da moeda. Porém, o que deixa a situação controversa é o “bairrismo” das abordagens. 

No mundo esportivo, casos de racismo geram punições aos clubes, desde multas, perdas de mando de campo, jogos sem torcida, entre outros. E com isso, cada portal pode estar pesando o lado do seu clube mais próximo. Nesse caso, o GE estaria acusando o caso, que foi contra um torcedor do Fluminense, clube carioca, cujo Estado abriga a maior parte do complexo produtivo e é o berço do grupo Globo. Já o UOL é um portal paulista, que perderia muito com uma possível punição do São Paulo.

Até o momento, o caso está sendo apurado pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e deve ser solucionado em breve. Já as mídias, vão continuar noticiando sobre o ocorrido, até o veredito final. As abordagens, todavia, mal alimentam o necessário debate sobre o racismo e o papel de uma indústria poderosa como a do futebol no combate a ele. Sem medo de errar, podemos dizer que, nesse, como em outros casos, a mídia esportiva é um agente do subdesenvolvimento brasileiro.


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terça-feira, 26 de julho de 2022

O caso de Klara Castanho e a quebra do código de ética do jornalista

 Por Lais Abreu 


A última semana de junho de 2022 foi marcada pela carta aberta da atriz global Klara Castanho. Em suas redes sociais, a jovem conta que foi vítima de um estupro tempos atrás, engravidou e entregou legalmente o bebê para a adoção. Entretanto, a história não veio a público por vontade da atriz – que, dentro da lei, optou por manter o sigilo –, mas, sim. porque se sentiu obrigada a se posicionar diante de uma série de notícias divulgadas por alguns jornalistas. O caso levanta uma série de questionamentos sobre a ética jornalística no Brasil contemporâneo.  

 

Adelmo Genro Filho conceitua o jornalismo como uma ação cultural criada pelo capitalismo e que possibilita apropriação do conhecimento da realidade a partir da singularidade dos fatos. Atualmente, as redes sociais confundem os temas de interesse público com aquilo que é curiosidade pública, o que faz com que alguns jornalistas tenham como medida a necessidade da audiência, que não deveria ser o fator mais importante. A gravidez de Klara foi tornada pública pela primeira vez em 24 de maio, pelo jornalista Matheus Baldi, mas,  a pedido da jovem, a notícia foi apagada. No entanto, poucos dias depois, Antônia Fontenelle, em uma live, revelou mais detalhes do caso sem citar nomes e no sábado, 25 de junho, o jornalista Léo Dias fez a publicação completa da matéria. 

 

Em sua carta aberta a atriz expõe: “Mas apenas o fato de eles saberem mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança. Bom, agora, a notícia se tornou pública, e com ela vieram mil informações erradas e ilações mentirosas e cruéis”. 

 

Nessa perspectiva, fica o questionamento: até quando jornalistas vão agir fora do código de ética a troco de likes e visualizações e sem punição? O artigo 7º do código diz claramente que o jornalista não pode “expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais”.  

 

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) emitiu uma nota oficial sobre o caso e se mostrou indignada com o vazamento de informações, no entanto ainda é necessário mais. A necessidade por um Conselho Federal de Jornalistas (CFJ) é cada vez maior, sendo uma forma de garantir uma profissão mais digna, de qualidade, pautada em princípios e com ética diante da sociedade. A história do CFJ é triste, uma luta de anos que vem sendo silenciada pela vontade dos “grandes donos da mídia brasileira” – como o próprio Grupo Globo, e que em casos como esses são os primeiros a se acharem em um tribunal para condenar os colegas de profissão. No domingo, 26 de junho, o programa Fantástico da emissora exibiu uma reportagem completa sobre a história da atriz e denunciou os jornalistas envolvidos no caso. Mas ainda assim não é suficiente.  

 

Os pedidos de desculpas de Léo Dias e do Jornal Metrópoles vieram, mas, apesar de necessários, são tardios. O que fica são consequências enormes: para as mulheres, para os jornalistas e para a democracia.  


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Pirâmide, pirâmides e a falta que faz o jornalismo

 Por Gilson Raslan Filho

O jornalismo produzido em Divinópolis não apenas está atrasado em relação a técnicas; como vem sendo feito, é um agente que mina a democracia




Uma das técnicas do jornalismo mais difundidas é aquela que, entre os profissionais da área, é conhecida como pirâmide invertida. Trata-se de uma estratégia de codificação profissional surgida no início do século 20, com a emergência do chamado “jornalismo industrial”, que se propunha a ser um parâmetro técnico de prescrição para os jornalistas e o fazer jornalístico. 

Pela técnica, os procedimentos para enquadramento dos acontecimentos se davam do mais importante ao menos importante: acima, no chamado lead, o primeiro parágrafo deveria responder aos famosos “5Q”: quem, o que, quando, onde, por que. Abaixo do lead, chamado de sublead, há a codificação, como desdobramento, do “Q” mais importante e assim sucessivamente nos parágrafos seguintes, sempre deixando os detalhes do acontecimento, considerados desimportantes, para o fim do texto.



O procedimento tinha múltiplas funções alegadas, que podem ser resumidas em duas: garantir objetividade e imparcialidade ao texto noticioso, em um momento histórico que a indústria da notícia separava a opinião do relato dos fatos; e na esteira dessa função, a de garantir agilidade para a leitura, pois, alegava-se, o leitor poderia ter acesso às informações mais importantes logo no início do texto.

Trata-se, como se vê, de técnicas que visavam a ampliar a capacidade de comunicação – e de consumidores. Elas deram tão certo que o texto jornalístico se tornou gênero e algumas de suas técnicas são ensinadas em escolas de educação básica, de modo que há um conhecimento geral sobre a gramática da codificação jornalística. 

Obviamente, estudantes de jornalismo iniciantes também chegam ao ensino superior com esses rudimentos técnicos da profissão. Na universidade, os futuros profissionais aprendem a problematizar essas técnicas e, inclusive, a superá-las. Na verdade, a superação das técnicas do lead e da pirâmide invertida é uma exigência profissional, uma vez que, especialmente em razão de novas formas de consumo – e de produção – surgidas com as tecnologias digitais, novos caminhos foram apontados.

As “novas” tecnologias, que permitem a utilização de múltiplas linguagens (texto, imagens, áudio, vídeos) em uma mesma cobertura de um mesmo acontecimento, exigiram formulações de novas técnicas. Algumas teorias já começam a aparecer, dando conta da formalização dessas técnicas, que passaram a ser ensinadas nos cursos superiores de Jornalismo. 

É o caso, para ficamos em um exemplo apenas, da proposta de “pirâmide deitada”, feita pelo professor português João Canavilhas. Pela proposta, em vez da pirâmide invertida, que codifica o acontecimento do mais ao menos importante, a pirâmide deitada é uma espécie de cobertura contínua dos acontecimentos. Isto é: em um primeiro momento, no calor do acontecimento, o jornalista publica o lead, e apenas ele, com as informações mais “quentes”. Com a possibilidade de qualificar a informação, novos links, com múltiplas linguagens, são acrescentados, de modo que, ao final, haverá uma gama bastante complexa de informações, capaz de fornecer ao consumidor um amplo espectro e de ajudá-lo a formar uma opinião sobre os acontecimentos do cotidiano. A promessa então é que o jornalismo profissional se distinga da torrente de informações circulantes, muitas delas falsas, e dessa forma seja um instrumento no exercício da cidadania e da democracia.

O problema é que, se olhamos para a produção jornalística de portais de notícias – e mesmo de telejornais – regionais de Divinópolis, parece que os profissionais ou ficam no primeiro instante da cobertura, publicando apenas o lead; ou, o que tem sido o mais comum, se limitam à codificação generalizada que aprenderam no ensino básico.

É incompreensível, por exemplo, que equipes de telejornais locais gastem tempo, energia e talento para realizar uma cobertura gravada em formato de stand up, quando o jornalista parece entrar ao vivo, no calor do acontecimento, para fornecer informações rápidas, até que consiga compreender e narrar o que aconteceu, em um trabalho de reportagem posterior. E os telejornais locais têm sido publicados inteiramente com stand up e quadros de entretenimento.

Há muitos aspectos a serem abordados nessa prática jornalística e em como é autodestrutivo, e tentaremos fazer em outras análises. Por ora, fiquemos no seguinte: o jornalismo é imprescindível para a democracia, não resta dúvida. Mas o que o jornalismo regional está produzindo não apenas deixa de explorar técnicas e potenciais que as tecnologias digitais oferecem e assim se confunde com a informação produzida por jornalistas não profissionais – os usuários comuns, que publicam em suas redes sociais. O que o jornalismo regional tem feito é ajudar a minar a democracia, em vez de construí-la.


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