quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Onde estão os dados?


As subnotificações da LGBTfobia no Brasil

Por Talita Brandão

"Ninguém prestou nenhum tipo de socorro a ela. Todo mundo viu o menor atirar, machucá-la com a pá, arrastar e jogar o corpo no rio. O corpo dela só foi retirado no dia seguinte. As pessoas viram, sabiam, mas nada fizeram"- Euricélia Nogueira

Está foi a declaração da delegada Nogueira, sobre o assassinato de Crismily Pérola, mulher trans de 37 vítima de um crime “por puro ódio” no dia 5 de julho deste ano.  Também conhecida como “Piu Piu”, Crismily era cabeleireira e segundo sua família já sofria violência física lgbtfóbica antes da tragédia.  

Infelizmente Piu Piu faz parte de uma realidade brasileira violenta e assustadora. Segundo levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) 80 pessoas transexuais foram mortas apenas no 1° semestre de 2021.

De acordo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) divulgado em 2019 a cada 23 horas um LGBTQIA + morre de LGBTfobia. Em 2020 o relatório GGB contabilizou 224 homicídios e 13 suicídios. 

As estatísticas do Estado

O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA + no mundo. Porém você reparou que todos dados mostrados até agora partem de entidades da sociedade civil? Estas iniciativas contabilizam as mortes violentas de LGBTQIA+ a partir de casos divulgados pela imprensa, elas têm um papel essencial no combate à LGBTfobia. Ainda assim, esta responsabilidade não deveria ser somente destas organizações.

Foto reprodução. Parada LGBTQIA+ de São Paulo.

Na esfera pública os dados para mapear crimes contra pessoas LGBTQIA + apresentam subnotificações, como é o caso do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no último mês. O anuário é baseado nas informações fornecidas pelos órgãos de Segurança Pública do país, segundo o relatório “Direito trancados no armário: LGBTFobia e racismo no Brasil”, tais subnotificações podem ser evitadas com inserção de políticas públicas.

“Como destacado na edição anterior deste Anuário, há meios para contornar dificuldades inerentes à identificação de vítimas LGBTQI+ a serem empregados por profissionais da Saúde e da Segurança Pública, que poderiam ser incorporados enquanto protocolos de investigação, contudo sua implementação requer vontade política. Os dados oficiais expressam aumento nos registros de lesão corporal dolosa (20,9%), homicídio (24,7%) e estupro (20,5%) de LGBTQI+, todos superiores a 20%. Os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, contudo, sinalizam para um aumento significativo (41%) no número absoluto de mortes de pessoas trans auferido pela organização, que saltou de 124 em 2019 para 175 em 2020 (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021).” . Explica Dennis Pacheco no relatório. 


A pesquisa não obteve informações sobre os homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIA + em 8 estados, entre eles Minas Gerais. A pasta mineira declarou sobre a subnotificação que "Trata-se de uma informação autodeclarada e que não é de preenchimento obrigatório, o que dificulta a extração das estatísticas".

Entre as barreiras encontradas pelo Anuário para o reconhecimento institucional da criminalização da LGBTFobia, foram identificadas a falta de vontade política das instituições e a falta de produção de dados. Assim como o caso de Crismily Pérola, no mapeamento institucional destes crimes de ódio os órgãos viram, sabiam, mas nada fizeram.

Quais as consequências?

Sem dados precisos sobre a comunidade LGBTQIA + as políticas públicas para o enfrentamento do preconceito não são aplicadas ou não apresentam a qualidade necessária para inclusão efetiva da população queer brasileira.

Pesquisas como o  Anuário Brasileiro de Segurança Pública são importantes para que o contexto social do Brasil seja compreendido. É a partir das estatísticas que as necessidades da população são identificadas, com elas os direitos humanos são assegurados.


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