Cobertura midiática de saúde mental oculta o adoecimento geral causado pelo neoliberalismo
Por Ana Laura Corrêa
No Brasil, os dados sobre saúde mental já eram preocupantes antes da pandemia: em 2019, o país liderava rankings de depressão e ansiedade. No ano passado, os números pioraram. Diante de um problema tão expressivo para a sociedade brasileira, como se dá a cobertura das questões de saúde mental na mídia?
Observemos, por exemplo, a matéria “Ansiedade: confira dicas para controlar esse transtorno”, publicada no site Terra em 8 de julho de 2021 ‒ selecionamos aqui de uma notícia cujo tema é a ansiedade, mas a análise também poderia se desenvolver sobre qualquer outra reportagem relacionada a transtornos mentais (depressão, álcool e outras drogas, por exemplo) e as observações provavelmente seriam as mesmas.
Segundo o texto, as causas da ansiedade estão ligadas à pandemia, a um instinto natural do ser humano de medo, além de outros medos gerados por aquilo que a reportagem chama de “a vida moderna”: errar nas atividades do trabalho, ser demitido, não atender expectativas de chefes exigentes demais, não conseguir educar bem crianças desafiadoras, incertezas econômicas, doenças, violência urbana, insucesso nos relacionamentos amorosos.
Assim, a reportagem reduz a explicação das causas da ansiedade a cenários individuais, mesmo que o Brasil seja o país com maior prevalência de ansiedade no mundo. O que estaria por trás de todos esses casos individuais de ansiedade? Somente esses episódios cotidianos da vida de cada pessoa? Senão, qual seria a causa maior desse problema que atinge milhões de pessoas no Brasil? Isso o texto não traz. Seria possível, por exemplo, problematizar o que se entende por “vida moderna”.
Além disso, a matéria apresenta os sintomas mais comuns da ansiedade e aponta “dicas” para enfrentar o problema. Embora seja um transtorno que atinge milhões de pessoas, as “dicas” apresentadas também se reduzem a contextos individuais: atividades físicas, controles do pensamento e da respiração. Será que essas estratégias são mesmo suficientes?
Por meio da apresentação das causas individuais (com motivos ligados a situações cotidianas, como “errar nas atividades do trabalho”) e com o foco na descrição dos sintomas e de soluções também individuais, é possível afirmar que a reportagem se prende àquilo que o Adelmo Genro Filho nomeia em sua teoria do jornalismo de singularidade, da descrição dos fatos soltos, tidos fora de um contexto.
Não há, como o autor sugere em sua abordagem, uma explicação, na matéria jornalística, relativa a um cenário mais amplo, que problematize as questões de saúde mental com o desemprego em massa (que vem aumentando a cada dia no país), a perda de direitos trabalhistas, a dificuldade de comprar o básico e pagar as contas para viver, o crescimento da fome, enfim, o aprofundamento das políticas neoliberais no país.
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