Por Ana Laura Corrêa
(Foto: Divulgação/PM)
O fenômeno é geral. Basta acessar os sites de notícias da cidade e fazer uma leitura mais atenta dos textos da cobertura policial para observar: a polícia (geralmente a Militar) é a única fonte consultada nas matérias ‒ e, nos raros momentos em que os suspeitos aparecem, o jornalista parece ser, na verdade, o juiz. Outras vezes, a cobertura policial busca mobilizar os afetos dos leitores ou telespectadores, despertando a raiva ou a comoção dos ouvintes/leitores/telespectadores.
Acreditamos, no entanto, que nenhuma dessas coberturas corresponde ao que se espera do exercício do jornalismo em uma sociedade democrática. Mas como fugir dessa cobertura sensacionalista?
Por que os suspeitos não têm voz?
Temos uma hipótese: as matérias policiais veiculadas pelos meios de comunicação da cidade são, na verdade, textos prontos enviados pelas polícias (Civil ou Militar) aos jornalistas, que apenas editam (se editam) o conteúdo. Se jornalismo é apuração, daí já podemos afirmar que essas notícias não são jornalismo policial. Bem longe disso… Talvez apenas uma assessoria de imprensa generalizada para a polícia, feita de graça (?) pelos sites de notícias.
Qual o resultado dessa cobertura policial em que apenas a polícia é quem fala?
O Brasil é um país que tem dificuldade em elaborar seu passado autoritário, eivado de ditaduras de todo tipo, inclusive a mais recente, militar, de tal modo que ainda hoje há quem peça a volta do autoritarismo. Além disso, muitos defendem que “bandido bom é bandido morto”. É preciso questionar qual a participação da mídia na elaboração desses discursos ‒ afinal, manchetes que sempre destacam as ações da PM (“Polícia apreende drogas”, “Polícia recupera animais roubados”, “Policiais localizam foragido”, “Polícia deflagra operação”) mostram sempre uma suposta eficiência da polícia, que se associa, assim, aos imaginários de segurança e proteção. Será que ela é sempre isso, para todo mundo?
Qual o grau de noticiabilidade das matérias policiais?
Se a seleção das reportagens a serem publicadas se guia por um suposto interesse público, qual é esse interesse, por exemplo, em matérias sobre apreensão de pés de maconha, recuperação de celulares roubados ou apreensão de drogas, em textos que raramente passam de dez linhas?
Jornalismo policial é outra coisa
Em sua teoria do jornalismo, o teórico Adelmo Genro Filho propõe que o jornalismo deve reinverter a pirâmide invertida. Assim, as notícias devem partir do lead, dos fatos imediatos, para uma explicação do contexto mais amplo relacionado ao acontecimento principal.
No caso do jornalismo policial, a aplicação da teoria marxista de Genro Filho consistiria em trazer para o texto o debate sobre o fracasso da guerra às drogas, desigualdade social ou sobre o fato de que entidades cristãs receberam quase 70% da verba para comunidades terapêuticas no primeiro ano do mandato de Jair Bolsonaro, por exemplo.
Mas não é isso que vemos por aqui: as notícias apresentam apenas o fato imediato, o lead, de tal modo que os acontecimentos parecem estar desconectados de um contexto mais amplo ‒ um sensacionalismo que reduz toda a complexidade do mundo a uma simples oposição entre o bem (a polícia) e o mal (os suspeitos).
Para um bom jornalismo policial, além de Adelmo Genro Filho
No livro reportagem “Rota 66: A História da Polícia que Mata”, Caco Barcellos dá uma aula de jornalismo investigativo. O autor mostra a ligação Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar (Rota) com as mortes de milhares de inocentes, principalmente pretos, pobres e periféricos.
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