Por Maria Clara Ribeiro
Na última semana (12), protestos contra o governo ocorreram em vinte municípios de Cuba, mas, em contrapartida, um protesto em defesa da revolução nacional reuniu cerca de 100 mil cidadãos em Havana apenas no sábado (17). Entretanto, as mídias tradicionais narraram apenas as ações desfavoráveis ao governo, mostrando imagens de pessoas insatisfeitas com o governo e querendo mudanças. Aparentemente, nestes veículos, nada se veiculou sobre a grande parcela da população que se mobilizou ativamente na capital para defender o atual regime e seus governantes. Por quê?
Contextualização
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, reconheceu os problemas econômicos, mas sustentou que as manifestações foram parte de uma campanha contrária ao sistema anticapitalista, apontando o envolvimento dos Estados Unidos. Em declaração oficial, o governante classificou esta movimentação como uma “operação de desestabilização política”.
É inegável que há uma crise ocasionada pela atual situação econômica do país, aprofundada com o início da pandemia, pois quase 40% do PIB nacional é advindo do turismo – atividade reduzida ao máximo devido aos protocolos de segurança. Mas, além disso, é preciso ressaltar a escassez de mantimentos, fato diretamente ligado ao enrijecimento do bloqueio e das sanções contra Cuba impostas pelos EUA desde a década de 1960.
Para não restar dúvida sobre a profundidade deletéria do bloqueio econômico estadunidense: todos os brasileiros se lembram bem da greve de caminhoneiros que paralisou o Brasil, de norte a sul, em 2018. O raciocínio é simples: se apenas um setor econômico fosse afetado pela greve, ela já seria suficiente para criar um efeito negativo profundo, já que um setor se alimenta de outro. Isso para o Brasil, que tem uma economia infinitamente mais diversificada que Cuba. O bloqueio econômico imposto pelos EUA a Cuba é como se fosse uma enorme greve de caminhoneiros - e que já dura 60 anos.
Segundo Iroel Sánchez, jornalista cubano e editor do La Pupila Insomne, apenas em 2020, a política do bloqueio à ilha resultou em prejuízos da ordem de US$5,5 bilhões e, apesar do cenário ter sido agravado com a presença de Donald Trump, é importante denunciar a sua manutenção sob o governo atual de Joe Biden.
Tradição ou fabricação?
As campanhas jornalísticas contra Cuba beiram a desinformação: as restrições impostas pelo governo estadunidense, somadas aos efeitos da pandemia, geraram uma situação de desabastecimento e dificuldades na vida da população, mas o problema se agrava quando grupos contrarrevolucionários (autônomos ou financiados, geralmente desde os EUA) aproveitam deste cenário para criar sua base para a disseminação de distorções. Esta “nova” forma de ataque à Revolução Cubana é chamada de ‘guerra de quarta geração’ ou ‘guerra não-convencional’.
“Os atos de vandalismo e violência são parte de uma ação maior, coordenada desde uma feroz campanha nas redes sociais, com agitação e, especialmente, um oceano de notícias falsas. Toda a orquestração nas redes sociais escancara, inclusive, o enorme financiamento que há por trás desta ação. Esta combinação das dificuldades reais com a violência e a desinformação resulta em uma verdadeira guerra psicológica”, explica Sánchez.
Dessa forma, como exemplo prático, podemos citar a Folha de São Paulo que, no último domingo (18), dedicou toda a capa de sua edição para efetivar sua campanha contra o governo vigente em Cuba e em defesa de alguns influenciadores do país - que também se movimentaram em ações desfavoráveis através de conteúdos humorísticos. Entretanto, vale ressaltar que o Brasil não se encontra em suas melhores condições ou em plena tranquilidade para que uma grande mídia nacional, advinda, aliás, de um dos mais importantes estados do território, dedique seu espaço mais importante para um acontecimento estrangeiro. Quais as vantagens adquiridas com esta pauta em repercussão?
Por isso, é preciso defender o jornalismo independente como instrumento fundamental para a construção de sociedades democráticas. As mídias alternativas se tornam ainda mais necessárias quando há uma crise no modelo tradicional – tanto no sistema público, quanto no fazer jornalístico. O Jornalismo precisa atender a pluralidade das possibilidades sociais do indivíduo e da comunidade, assim como a amplitude da complexidade política nacional e internacional, tudo isso sem fazer juízo apenas aos seus interesses como organização lucrativa.
A polarização dos debates provocou um processo de recrudescimento das bolhas sociais e, consequentemente, à superficialidade dos debates públicos. Além disso, vemos cotidianamente que as redes sociais corroboram com essa tendência. É neste cenário que o jornalismo de meios alternativos, não tradicionais, se tornam necessários: nestes veículos menos enraizados, a tarefa de não permitir que o financiamento e a politicagem interfiram no conteúdo se torna mais simples (mas não menos perigosa).
Apoio não veiculado
Apesar das duras narrativas construídas pelos veículos nacionais sobre o cenário cubano, o consulado de Cuba em São Paulo recebeu manifestações político-culturais em solidariedade a ao país. Os protestos aconteceram no domingo (18), em frente ao prédio, e manifestantes de organizações de esquerda levaram faixas e bandeiras, como: MST, Marcha Mundial das Mulheres, Levante Popular da Juventude, PCO, PT, CTB, PCdoB, PSOL, FSM, MTST, PCB, MSC, Democracia Corinthiana e UJS.
Em seu discurso, Cassia Bechara, da direção nacional do MST, fez uma associação entre a situação enfrentada atualmente nos dois países. "Cuba é dignidade, é solidariedade, é o povo vivendo bem. As ruas de Cuba, assim como as ruas do Brasil, são dos e das revolucionárias. Ninguém mais tomará as ruas de Cuba ou do Brasil", declarou. O ato foi transmitido ao vivo pelas redes sociais de vários destes movimentos, evidenciando, novamente, a importância das mídias alternativas para a cobertura de acontecimentos não narrados pela imprensa tradicional.
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