Por Ana Laura Corrêa
A Globo lançou, na última semana, a campanha “Fatos e Pessoas”, que vai exibir em intervalos da programação momentos da intimidade dos jornalistas da emissora, a fim de “humanizar” esses profissionais.
“Você vai ouvir mensagens de áudio de celular que nós trocamos com parentes nossos, com as nossas famílias”, traz texto disponível no site do Jornal Nacional.
“O motivo dessa iniciativa é desfazer uma ideia equivocada que esses dias tão difíceis ajudaram a criar na imaginação de muita gente. Porque desde o início da pandemia, nós, jornalistas, nunca deixamos de trabalhar. Assim como outras tantas categorias profissionais, as da saúde em primeiríssimo lugar, a nossa também não poderia fazer isso. Nós tivemos que tomar todo cuidado para manter você informado sobre os fatos e protegido das fake news.”
“A partir desta quinta-feira, filmes da campanha “Fatos e Pessoas” vão mostrar que nós, jornalistas, damos as notícias que nós próprios vivenciamos. Nós somos jornalistas e estamos aqui por você. Pelo nosso país. Cada um de nós. É a nossa missão. É como a gente pode ajudar.”
Notícias falsas e queda na audiência
O lançamento da campanha pode ser considerado a partir de diferentes aspectos: além do cenário de crise de credibilidade ‒ com o aumento de notícias falsas e da violência contra jornalistas e veículos ‒, a ação ocorre após o término de mais uma edição do Big Brother Brasil, o que gerou queda na audiência do horário nobre da TV. Há de se ressaltar ainda uma possível preferência do público pela mídia on-line ‒ na qual se destacam os veículos alternativos e independentes ‒, o que pode estar deixando os meios tradicionais para trás, de modo que estes tentam incorporar, de algum modo, a lógica da internet (neste caso, com a exposição da “intimidade” dos jornalistas).
Tateando no escuro
Sob o viés da credibilidade, na “guerra” contra as notícias falsas, os jornalistas parecem ainda estar tateando no escuro, à procura de uma maneira de contornar a situação. O linguista Patrick Charaudeau diz que as mídias "estão em confronto permanente com um problema de credibilidade, porque baseiam sua legitimidade no "fazer crer que o que é dito é verdadeiro". Desse modo, elas estão engajadas num jogo da verdade”, e tratar da verdade não é uma tarefa simples.
Há veículos que apostam na transparência. De acordo com o Projeto Credibilidade, por exemplo ‒ do qual alguns veículos jornalísticos brasileiros fazem parte ‒, indicadores podem auxiliar na avaliação da qualidade e da credibilidade do jornalismo. Parte desses indicadores são: quem financia o veículo, quem são os proprietários, patrocinadores, quem são os jornalistas e quais outras matérias já fizeram, informações sobre os métodos de apuração utilizados e existência de diversidade de vozes nas matérias.
O Intercept, por sua vez, à época da publicação das mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, divulgou um editorial explicando o porquê da veiculação do material e como se deu a apuração.
A estratégia da campanha da Globo é uma iniciativa que se centra nas pessoas enunciadoras para construir a credibilidade, até mesmo com toques de um romantismo ligado à profissão de jornalista, afirmando que se trata de uma “missão” pelo país, pelo telespectador. Além disso, expõe a intimidade dos jornalistas ‒ obviamente, uma exposição autorizada, talvez até encenada ‒ e ainda representa a incorporação da lógica de exposição das redes sociais à prática profissional do jornalista. Vai dar certo?
Por aqui, também seguimos tateando no escuro à procura de uma resposta de como reconstruir a credibilidade ‒ também a jornalística, mas não só: vivemos uma profunda crise de autoridade. Por ora, sobre a campanha da Globo, ficamos com o posicionamento do cientista político Luís Felipe Miguel (disponível em sua página do Facebook ‒ há comentários na publicação que, aliás, também são interessantes):
“Pode ser uma boa jogada de marketing, na tentativa de reerguer uma credibilidade comprometida? Pode. Mas eu não consigo deixar de ver mais um passo na degradação do jornalismo. É o abandono da deontologia profissional e a capitulação diante da lógica das redes, nas quais o valor de verdade de alguma informação está associado à relação pessoal que se tem com o emissor. Vai dar errado, é óbvio. Não importa quantos áudios da Andréia Sadi ou do Heraldo Pereira falando com os respectivos primos sejam divulgados, eles ainda estarão bem mais distantes do que o tiozão do zap”.
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