terça-feira, 1 de junho de 2021

Só os pobres aglomeram em Divinópolis?

Ana Laura Corrêa  



É nítido e notório que, infelizmente, no Brasil, só preto e pobre vai preso ‒ ou para parafrasearmos a canção de Caetano Veloso: preto de tão pobres, pobres de tão pretos.


A pandemia, pois, piorou essa realidade: no país, também só pretos e pobres se aglomeram ‒ rico se diverte, realiza evento social, dá uma espairecida. Pelo menos é essa a impressão que se tem quando se observa as notícias sobre aglomerações nos portais de notícias de Divinópolis.


O Pluris fez uma busca pela palavra “aglomeração” em um site de notícias da cidade ‒ o Divinews ‒, mas que poderia ter sido feita em qualquer outro portal. Vamos restringir nossa abordagem aqui às notícias que tratam sobre aglomerações em Divinópolis, já que há matérias sobre outros municípios.



Quem aglomera e onde


Uma das notícias encontradas se refere a uma aglomeração na rua Rio Grande do Sul esquina com Minas Gerais. Na foto que acompanha a matéria, um policial militar revista jovens, que estão encostados na parede e com as mãos na cabeça. A reportagem está neste link, observe o perfil dos jovens abordados https://divinews.com/2021/05/24/divinopolis-policia-militar-e-vigilancia-sanitaria-abordam-torcedores-do-atletico-por-causarem-aglomeracao/.



Em outra matéria, a aglomeração noticiada é de adolescentes em um parque de diversões em frente a shoppings da cidade. O texto está disponível neste link, junto a um vídeo, no qual é possível ver também o perfil de quem se aglomera https://divinews.com/2021/05/16/shopping-patio-divinopolis-e-boate-mandalla-emitem-nota-de-esclarecimento-sobre-video-lhes-atribuindo-responsabilidade-de-aglomeracao/.


Em vez de buscarmos a palavra “aglomeração”, poderíamos ter procurado pelo termo “batidão” ‒ que parece ser um evento privilegiado pela PM para fiscalização e divulgação à mídia. Outro texto encontrado no Divinews, por exemplo, diz respeito a jovens baleados em uma aglomeração em um “batidão clandestino”, termo que nem mesmo deveria ser usado por carregar todo um estereótipo sobre os frequentadores. Notícia aqui https://divinews.com/2021/05/10/divinopolis-aglomeracao-jovens-sao-baleados-em-batidao-clandestino-na-comunidade-rural-do-inhame/


Já uma reportagem do último fim de semana mostra a abordagem a jovens aglomerados na Praça do Santuário, no Centro de Divinópolis. Mais uma vez com as mãos na cabeça, revistados por policiais. https://divinews.com/2021/05/29/divinopolis-123-pessoas-aglomeradas-na-praca-do-santuario-sao-abordadas-e-notificadas-por-fiscais-da-vs-com-apoio-da-pm/


Não é necessário fazer um amplo estudo sociológico para identificar qual a classe social e a cor dos jovens alvos das notícias acima: mais uma vez, apenas pretos e pobres são penalizados, responsabilizados pelas aglomerações na cidade ‒ pelo menos essa é a sensação se olhamos para a cobertura midiática local. 



A classe média branca não aglomera? 


Um único registro, por fim. Há no Divinews também a notícia de uma festa de lançamento de um DVD, que reuniu mais de 500 pessoas segundo a matéria. Para verificar o perfil das pessoas presentes, basta ver as fotos da matéria, que trazem também uma imagem do estacionamento do evento, com carros que valem alguns milhares de reais. https://divinews.com/2021/02/21/covid-19-show-de-lancamento-de-dvd-autorizado-pela-prefeitura-de-divinopolis-causa-aglomeracao/





Aparentemente, trata-se de um público muito maior do que qualquer outro das reportagens citadas acima. Mas, desta vez, a Polícia Militar apenas “estaria” no local: ou seja, sua presença nem mesmo foi confirmada. Muito menos, desta vez, há fotos dos inconscientes que se aglomeram em plena pandemia. Menos ainda, é óbvio, com as mãos na cabeça encostados na parede. 


Diante disso, é possível, no mínimo, questionar a Polícia Militar sobre os critérios de fotos de quem se aglomera ‒ por que nem todo mundo é fotografado com as mãos na cabeça? ‒ ou das ocorrências que são divulgadas à imprensa ‒ por que nem todas são divulgadas? ‒ e até mesmo de quais ocorrências a PM prefere atender ‒ afinal, a Praça do Santuário e a Rio Grande do Sul parecem ser lugares privilegiados. 


O Pluris está aberto às respostas ‒ e também atento à necessidade da autorreflexão: de nossa parte e dos outros agentes políticos.


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