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terça-feira, 1 de junho de 2021

Quem absorve esse sangue?

Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos:  mulheres sangram, é preciso falar disso!

Camila Machado


Pobreza menstrual – Hoje Macau


A menstruação, apesar de ser uma questão de saúde pública, ainda é tida por muitos como um tabu e a desinformação está entre as principais causas desse problema. Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, a antropóloga Mirian Goldenberg, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou que cerca de uma em cada quatro jovens já faltou à aula por não poder comprar o absorvente e não falam que foi por isso. “Elas têm vergonha, tentam esconder. A falta de absorvente provoca uma sensação de insegurança. É algo que elas sofrem sozinhas, como se fosse um fracasso, uma vergonha, isso é o que mais me chocou”, afirma. Essa fala de Mirian exemplifica, ainda que em linhas superficiais, a dimensão da pobreza menstrual no Brasil. 

Pobreza menstrual: um sofrimento invisível - Jornalismo JúniorNana Queiroz, autora do livro 'Presos que Menstruam', contou ao Fantástico parte da dura realidade das mulheres encarceradas de nosso país quando o tema é menstruação.  Muitas mulheres presas usam miolo de pão, resto de jornal, papel higiênico e até pedaços de plástico quando menstruam, por não terem acesso a kits de higiene adequados. As poucas penitenciárias que disponibilizam absorventes providenciam cerca de 8 unidades em 30 dias para cada detenta. Em seu livro, Queiroz explicita como a falta de políticas públicas para mulheres presas é gritante no Brasil. 


 A pobreza menstrual, porém, ultrapassa as grades do cárcere e atinge meninas e mulheres do país todo.  Colocando algodão, miolo de pão ou qualquer coisa que estanque o sangramento, essas mulheres passam pelo período menstrual trancadas em casa.  Na falta de absorventes o que resta é recorrer ao que se tem em casa, mesmo que sua saúde íntima fique exposta a infecções no trato urinário, nos rins e nos órgãos reprodutores que podem ou não ter um impacto momentâneo. Se duradouro, ginecologistas alertam que resíduos desse tipo de materiais podem afetar a fertilidade dessas mulheres. 

A desinformação sobre o ciclo menstrual e tudo que ele envolve também é um fator que contribui fortemente para a pobreza menstrual que, embora seja um termo que trate da falta de acesso, por questões econômicas, a absorventes e remédios contra cólicas, também é uma pobreza de informação. Esta é uma questão que, se inserida num contexto ainda mais amplo e preocupante, revela-se também um problema de saúde pública, uma vez que muitas dessas mulheres vivem em habitações nas quais falta até mesmo o saneamento básico.


UMA POBREZA EM NÚMEROS: 

Cerca de 21,8 bilhões de mulheres menstruam no planeta e 30 milhões destas são mulheres brasileiras pelo que aponta um relatório da ONG Girl UP lançado em março deste ano. A ONU estima que uma em cada 10 meninas deixe de comparecer às aulas durante a menstruação; no Brasil, esse número é de uma em cada quatro meninas.  Estudos mostram que políticas públicas ineficientes agravam ainda mais o problema e o Brasil tem se mostrado um exemplo disso.

Escócia se torna primeiro país do mundo a oferecer absorventes e tampões de  graça - BBC News Brasil

De quantos absorventes uma pessoa que menstrua precisa por ano? Considerando um ciclo de quatro dias com a troca do item a cada quatro horas, conforme recomendam especialistas, são cerca de 240 absorventes por pessoa. Dos 12 aos 50 anos, são eliminados 33,6 litros de sangue e para absorver o fluxo, são usadas mais de 8.880 unidades ao longo da vida.

Estima-se que 23% das meninas de 15 a 17 anos não tenham condições financeiras de adquirir produtos seguros para usar durante a menstruação, de acordo com uma pesquisa de 2018 da marca de absorventes Sempre Livre (que entrevistou 1.500 mulheres, de 14 a 24 anos de idade).  A mesma pesquisa revelou que em média cada mulher gasta de R$ 3 mil a R$ 9 mil com absorvente ao longo da vida. Em meio ao desemprego e à recessão que assolam o país, os absorventes, infelizmente, se tornaram um artigo de luxo e não ocupam mais a lista de prioridades das compras do mês. 

A marca de absorventes Always realizou uma pesquisa, em parceria com a Toluna1, e os dados mostram como a falta de dignidade na menstruação é um reflexo da desigualdade de gênero e é agravado pelo tabu em torno da menstruação.

 Segundo a pesquisa, uma entre cada quatro jovens não se sente confortável nem mesmo em falar sobre menstruação, e mais da metade (57%) das mulheres afirmaram que a primeira menstruação as deixou menos confiantes. A busca por informação na primeira menstruação vem quase que totalmente da mãe (79%). É comum o uso de eufemismos para evitar falar em menstruação. Cerca de 67% das brasileiras buscam palavras alternativas à “menstruação”, de acordo com a pesquisa da Sempre Livre.

Pelas entrevistas, é possível notar que o absorvente é considerado um produto de primeira necessidade e como, para estas, a falta de absorvente afeta a confiança feminina. Porém, mais de uma em cada quatro jovens (29%) revelou não ter tido dinheiro para comprar produtos higiênicos para o período menstrual em algum momento de suas vidas. 

Três em cada quatro afirmaram que o período menstrual tem um impacto muito negativo na sua confiança pessoal. Para meninas que não tem acesso à absorventes, o impacto na confiança é ainda pior (a falta do absorvente abalou a confiança de 51% das mulheres, trazendo vergonha a 37%). 

Ter acesso a itens de higiene durante a menstruação é mais do que uma questão de necessidade básica. Absorventes trazem dignidade e previnem doenças. Cuidar da sua saúde intima não deveria ser um tabu, porém muita gente ainda abomina o tema.


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