QUEM ABSORVE ESSE SANGUE?
Da pobreza menstrual e suas implicações ao papel do Estado na garantia de direitos básicos: mulheres sangram, é preciso falar disso!
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, em 2014, o direito à higiene menstrual como uma questão de saúde pública e de direitos humanos. Porém, não se trata apenas da falta de dinheiro para comprar absorventes, mas também de direitos básicos, como produtos de higiene, educação sexual, água limpa e um banheiro com privacidade. A pobreza menstrual nasce de uma realidade muito mais ampla e preocupante que é a falta de políticas públicas eficientes e acessíveis a todos.
Na pandemia, com a ineficiência do Estado até mesmo na manutenção das políticas já existentes, nos deparamos para além do vírus não apenas com a grave e sistematicamente negligenciada pobreza menstrual, mas também com a fome e o desemprego. Acompanhamos as situações extremas em que muitos brasileiros estão vivendo, nas quais é preciso escolher entre comprar um pacote de absorventes e comer. Isso destrói nossa dignidade humana e vai contra nossos direitos básicos garantidos pela nossa Constituição.
Porém, a questão da pobreza menstrual vem sendo mobilizada, mesmo que lentamente, na esfera legislativa. A deputada federal Tábata Amaral apresentou, em 2020, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei que busca garantir a distribuição gratuita de absorventes femininos em lugares públicos para mulheres de baixa renda e detentas. Na justificativa do PL 428/2020, a parlamentar afirmou que cabe à Casa apontar rumos para solucionar a pobreza menstrual no País, marcada pela dificuldade de acesso a absorventes higiênicos a todos. “Não se trata só de absorvente, mas da dignidade e da saúde da mulher'', disse a primeira-secretária da Câmara, Soraya Santos (PL-RJ) na ocasião.
Tábata estima um custo aproximado de R$ 119 milhões ao ano. A proposta deixa a cargo do governo os custos para manutenção do programa e, portanto, também os critérios de quantidade, tipo de absorventes e locais de distribuição.
Porém, a proposta também gerou posicionamentos contrários, inclusive por membros do governo. Na época, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub insultou não apenas a proposta de distribuição gratuita de absorventes, mas todas as brasileiras em situação de vulnerabilidade menstrual - e o mais irônico: às vésperas do Dia Internacional da Mulher. Exalando misoginia, ele escreveu em sua conta no Twitter:
“A nova esquerda (colar de pérolas e nanciada por monopolistas) quer gastar R$ 5 bilhões (elevando impostos) para fornecer ‘gratuitamente’ absorventes femininos. Como será o nome da nova estatal? CHICOBRÁS? MenstruaBR?”.
O número exorbitante de R$ 5 bilhões citado pelo ex-ministro foi apontado como sem fundamento por muitos economistas e foi contra a estimativa feita pela própria parlamentar. Tábata baseada no cenário de acesso aos itens para mulheres de 10 a 50 anos, com renda de até um salário mínimo afirmou que aproximadamente R$ 119,06 milhões seriam gastos por ano para implementação do projeto, jogando por terra o comentário do ex-ministro. Para Tábata, a reação negativa é fruto do preconceito contra a agenda feminina. "Pautas femininas são invisíveis e ainda um grande tabu na sociedade", escreveu a parlamentar em suas redes.
Outro projeto ainda em tramitação na Câmara dos Deputados sobre o tema é o PL 61/2021, da deputada Rejane Dias (PT-PI), que visa incluir entre as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS) o direito de acesso a absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social e em estado de pobreza extrema. A distribuição gratuita deverá abarcar “mulheres sem moradia convencional regular e que utilizem os logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, bem como aquelas que utilizam unidades de acolhimento para pernoite temporário ou moradia provisória”, segundo a Agência Câmara de Notícias.
Enquanto o Estado não age e busca implementar projetos de combate a desinformação e que visem dar suporte a estas mulheres para que possam cuidar da sua saúde íntima de maneira decente, milhares sangram. E a pergunta que fica é: Quem absorve essa miséria?
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- O PLURIS INDICA:
Absorvendo o Tabu (Period. End of sentence): Vencedor do Oscar em 2019, o curta-metragem indiano revela como as mulheres sofrem preconceito por conta do seu período menstrual, chegando a perder o emprego, largar os estudos, serem impedidas de entrar em templos, sendo consideradas “sujas”. Banhado pobreza informacional e econômica o documentário narra a luta diária destas mulheres quando o tema é menstruação na Índia. O curta escrito e dirigido Rayka Zehtabchi e lançado em 2018 está disponível na Netflix. Confira!
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