Por Camila Machado
“Quem me vê sempre parado, distante, garante que não sei sambar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar. Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, estudando. Não posso falar. Tô me guardando para quando o carnaval chegar” – Chico Buarque
Com o nome inspirado nessa canção de Buarque, o documentário, lançado em 2019, roteirizado e dirigido por Marcelo Gomes, Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é quase que uma viagem no tempo que nos transporta para as velhas fábricas do século XIX. Porém, em Toritama, no sertão pernambucano, cidade onde se passa a trama, aquele modelo toyotista-fordista não se manifesta mais da mesma forma. Esta é uma obra que carrega críticas econômicas-sociais importantes ao mesmo tempo que transforma pequenos detalhes em poesia.
O filme mostra como hoje o trabalho tem deixado os galpões e invadido as casas das pessoas. Não temos mais as esteiras e os fiscais de produção, mas a exaustiva repetição de movimentos e a remuneração por produção ainda se faz presente. Toritama é considerada um centro ativo do capitalismo local, mais de 20 milhões de jeans são produzidos anualmente nas fábricas caseiras da cidade. Marcelo Gomes, o diretor, não buscava por esta nova Toritama. O diretor chega esperando encontrar a calma e tranquila cidadezinha de sua juventude, mas se depara apenas com a agitação de um capitalismo improvisado e acelerado.
Estou me guardando... se divide em duas visíveis linhas de pensamento: de um lado um artista progressista, que guarda na lembrança uma imagem romântica do agreste silencioso de sua juventude e se frustra ao ver que tudo foi engolido por um capitalismo feroz que aliena, explora e suga a vida de tudo que encontra pela frente. Do outro, pessoas com passado miserável, mas que veem na produção do jeans um salto na sua qualidade de vida. Por mais exaustiva e maçante que seja, para eles a atividade têxtil representa a melhor alternativa possível e, então, fazem de bom grado.
As pessoas de Toritama se sentem orgulhosas de serem elas mesmas seus próprios chefes, porém é difícil esconder o cansaço que aquela rotina infinita de trabalho trás. E o filme faz questão de contrastar tal “orgulho” com as longas jornadas de trabalho e os rostos suados, sujos e cansados, chamando a atenção para questionamentos importantes. Qual é a linha que separa o trabalho dito “autônomo” da auto-escravidão? Como e até que ponto o capitalismo me induz a fazer sempre mais, em menos tempo?
Sua casa vira fábrica. Sua família, funcionários. Um período de inatividade, um artigo de luxo. O “tempo de trabalho” não existe mais, pois o tempo em si agora é trabalho. O suor pinga dos corpos, a energia e a vida são aos poucos sugadas, o desgaste é visível. Mas, ninguém reclama, pois todos ali acreditam serem donos de seu próprio tempo.
É interessante ver como com um simples título de “empreendedor” e um pagamento por produção nos faz entregar numa bandeja de prata nossa subjetividade para ser capturada e colonizada de diferentes maneiras pelo capital.
Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é mais do que um filme de cunho sociológico e político que contrasta perspectivas sobre as manifestações diárias do capitalismo. A trama faz questão também de desvendar o aspecto humano por trás daquela rotina desgastante. É possível perceber a caça por sorrisos, piadas e instantes leves como quando os gatos pulam sobre a produção de roupas ou a criança cisma em tratar a máquina de costura como brinquedo. O diretor busca fazer mais do que uma crítica social: ele quer enxergar nos pequenos detalhes, traços da Toritama de suas lembranças. E então, em meio aquele barulho e movimentos angustiantemente repetitivos dos trabalhadores e das máquinas, poesia.
Estou me guardando para quando o Carnaval chegar se encontra disponível na Netflix. Assista! O Pluris indica.
"tudo foi engolido por um capitalismo feroz que aliena, explora e suga a vida de tudo que encontra pela frente"
ResponderExcluirÉ sobre isso...