Por Maria Clara Ribeiro
Foto: Sputnik
Berlim será sede internacional da segunda Conferência sobre a Paz na Líbia, sob a égide da ONU, e pela primeira vez com a participação do governo de transição líbio, segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros alemão. O encontro será realizado no dia 23 de junho, na capital alemã, e terão como participantes especiais o presidente do Governo de Acordo Nacional líbio (GAN), Fayed Serraj, e o líder do Exército Nacional (ENL), Khalifa Haftar.
O ministro alemão de Negócios Estrangeiros, Heiko Maas, e o secretário-geral da ONU, António Guterres, convidaram todos os países e instituições implicadas no conflito. Os participantes discutirão a situação da transição política na Líbia, analisando desde a conferência de 2020 até as próximas etapas para efetivar a estabilização.
Além disso, o comunicado oficial determina que "a atenção será colocada nos preparativos das eleições previstas para 24 de dezembro e a retirada, prevista nos termos do cessar-fogo, das tropas estrangeiras e mercenários da Líbia", assim como a possível unificação das forças de segurança nacional – com intuito de consolidar o apoio internacional.
A última conferência, em janeiro do ano passado, conquistou avanços no caminho da pacificação, por meio do inédito acordo de cessar-fogo entre os envolvidos. Esse último encontro foi considerado um êxito diplomático, pois os 12 atores internacionais, incluindo a Rússia, a Turquia, os EUA, o Egito, França e Itália, se uniram para delinear soluções.
Entretanto, não se deve esquecer que a Líbia foi destruída em 2011 em nome da “comunidade internacional” e do “direito internacional”, assim como visto no Iraque. Por isso, a Missão de Apoio das Nações Unidas (UNSMIL) convoca regularmente o Fórum de Diálogo Político da Líbia (LPDF). Este miniparlamento atua com 75 membros e é responsável por elaborar uma agenda com foco na segurança do povo, unificando as instituições governamentais e, posteriormente, realizando eleições.
Entenda a guerra na Líbia
Em 2011, a Líbia foi o terceiro país árabe a enfrentar uma onda de revolta popular e, assim como em seus vizinhos, os protestos contra o regime vigente se agravaram e acarretaram uma guerra civil. As reivindicações se iniciaram no leste do país, onde a popularidade do então líder líbio, Muammar al-Kadhafi, era mínima. As cidades de Benghazi, Tobruk e Derna, epicentro dos protestos, foram tomadas por oposicionistas e a repressão provocou milhares de mortes.
Liderados pela postura dos EUA, vários países começaram a protestar e exigir a saída imediata de Kadhafi do poder. A ONU e organizações de direitos humanos relataram abusos das forças de segurança à população, assim como a afirmação de que manifestantes antigoverno estariam à serviço da al-Qaeda – até então sob comando de Osama bin Laden.
Em meio a protestos e manobras diplomáticas da comunidade internacional, tropas de Kadhafi atacaram os rebeldes nas frentes de combate e recuperaram grande parte de seu terreno. Como consequência, o Conselho de Segurança da ONU exigiu cessar-fogo imediato e autorizou o uso de forças militares contra o regime líbio.
As operações militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com participação destaque dos EUA, Reino Unido, França, Itália e Canadá, começaram apenas 48h após permissão.
A Líbia mergulhou no caos após uma revolução apoiada pela Otan, ainda em 2011, que resultou na morte do ditador Muammar Kadafi. Desde então, o país está dividido entre governos rivais e uma série de grupos armados que disputam poder e petróleo. Em seu cerne, o conflito é baseado nas diferenças entre islâmicos e nacionalistas, isto é, rivalidades étnicas acerca das identidades regionais-locais e sua soberania sobre o acesso aos recursos nacionais.
Em 2014, a contestação das eleições parlamentares resultou na solidificação de “apenas” dois governos rivais situados na capital ocidental, Trípoli, e outro no leste do país. A divisão se deu após um bloco islamista (apoiado por grupos armados) se recusar a encerrar o mandato transitório do Conselho Geral Nacional.
Em 2015, a ONU mediou um acordo de compartilhamento de poder que estabeleceu um órgão conhecido como Conselho Presidencial, liderado por Fayez al-Sarraj. O governo é reconhecido internacionalmente, mas enfrenta dificuldades para controlar o país e sua rede de milícias.
O Conselho Presidencial e o Governo Interino do Acordo Nacional deveriam cessar com diferenças políticas entre os rivais, mas, para piorar a situação, a Câmara dos Representantes não endossou o Governo do Acordo Nacional - como previsto no acordo com a ONU.
Assim, o Parlamento apoiou o governo oriental e reconheceu o Exército Nacional Líbio de Haftar. Como resultado imediato, tem-se a formação de forças de segurança concorrentes, Leste-Oeste, e corporações petrolíferas nacionais concorrentes.
Influência dos recursos petrolíferos
A disputa em torno dos recursos naturais do país tem sido um dos principais motores do conflito. Riquíssima em gás e petróleo, a Líbia tem a extração como sua principal fonte de receitas públicas, mas as disputas locais foram agravadas por reivindicações históricas: a população do leste argumenta ter menos recursos que o lado oposto – mesmo produzindo 80% do petróleo nacional.
Desde 2014, as forças de Haftar assumiram medidas para retirar o controle do petróleo sob as milícias e grupos islamistas e, no início deste ano, suas forças de segurança lançaram uma ofensiva no sul do país. A ação garantiu o controle sobre postos de fronteira, segunda região mais rica da Líbia.
Posição da comunidade internacional
A guerra civil na Líbia foi complicada por rivalidades internacionais. Preocupados com o papel da organização islâmica radical Irmandade Muçulmana em Trípoli, o Egito e os Emirados Árabes Unidos apoiaram o governo no leste e deram apoio militar ao Exército Nacional Líbio. A Rússia também apoia Haftar.
A União Europeia, os Estados Unidos e a Turquia declararam apoio ao governo de Trípoli, mas as rivalidades entre a França e o antigo colonizador local, Itália, minaram uma posição europeia comum: Governo do Acordo Nacional. Para eles, Haftar representa uma importante liderança na luta contra militantes islamistas, oferecendo até mesmo apoio militar e de inteligência.
Em contrapartida, a Itália se preocupa com a Líbia “atual”, vista como uma passagem de fácil acesso para migrantes chegarem à Europa. O país também apoiou o Governo do Acordo Nacional, mas trabalhou junto a milícias para conter fluxos migratórios para o continente.
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