Ana Laura Corrêa
O pão
A possível instalação de um McDonald’s foi a principal notícia em Divinópolis na sexta-feira, 14 de maio. Por si só, o fato já mereceria uma análise por conta de toda a aura que o sanduíche carrega – é o que Karl Marx chama de fetichismo da mercadoria.
O anúncio foi feito pelo prefeito da cidade, Gleidson Azevedo, em seu Instagram – é claro – e foi assunto até mesmo de release encaminhado pela assessoria de comunicação da Prefeitura. No texto, o prefeito enaltece uma suposta geração de empregos e diz que é uma ação para fazer o “divinopolitano feliz”.
“Como amante de hambúrguer, não só como prefeito, é uma satisfação imensa poder trazer essa empresa para a cidade. O McDonald’s tentou, por vários anos, se instalar na cidade e essa gestão, sem nenhuma interferência ilegal ou imoral, conseguiu fazer com que a empresa viesse para Divinópolis. É mais uma ação para fazer o divinopolitano feliz e gerar mais empregos para a cidade. Continuaremos, cada vez mais, trazendo mais empresas para a cidade e gerando mais empregos porque só assim poderemos dar dignidade para a população de Divinópolis”, disse.
Infelizmente não encontramos, em busca no Google, quantos funcionários uma loja McDonald’s tem, a ponto de o prefeito comemorar “mais empregos para a cidade”. Encontramos, no entanto, reportagem do fantástico site O Joio e o Trigo que aponta que os empregados da franquia recebem baixos salários e têm jornadas longas (https://ojoioeotrigo.com.br/2021/04/jornadas-longas-e-salarios-baixos-a-vida-dos-funcionarios-do-mcdonalds/). Além disso, a empresa é alvo frequente de ações trabalhistas – então, seria o caso, realmente, de comemorar uma suposta geração de empregos?
O prefeito diz ainda que se trata de uma ação para fazer o divinopolitano feliz – isso quando o número de pessoas passando fome aumentou consideravelmente devido à pandemia e a Prefeitura não teve condições sequer de estabelecer o pagamento de um auxílio emergencial municipal e ainda pede doações de alimentos para distribuir cestas básicas. Quem poderá comprar um McDonald’s?
O circo
Na mesma data, um vereador gravou um vídeo com o prefeito, no gabinete deste, durante o expediente, fazendo uma dancinha do TikTok, divulgado no perfil do parlamentar no Instagram. Vídeo bastante emblemático, por diversos motivos.
Em primeiro lugar, imaginemos se, em vez de um prefeito, a cidade tivesse uma prefeita, gravando vídeo de dança no gabinete, durante o expediente, com o “figurino” que a “coreografia” exige? Certamente a prefeita seria alvo de todo tipo de crítica, teria que, no mínimo, pedir desculpas e talvez seria até alvo de uma CPI na Câmara e pedidos de impeachment.
Em segundo lugar, há de se considerar o fato de o vídeo ter sido gravado no gabinete do prefeito, durante o expediente – em um momento no qual o comandante da cidade deveria estar dedicado a resolver os (muitos!) problemas da cidade: faltam vacinas, a Prefeitura (diz que) não tem condições de pagar um auxílio emergencial, o hospital regional segue fechado...
Por fim, a gravação ocorreu na semana em que a própria Prefeitura alertou para um novo crescimento da ocupação hospitalar no município, com o risco da volta à onda roxa do Minas Consciente e, ainda, depois do pior mês da pandemia na cidade – abril teve mais mortes por coronavírus do que todo o ano de 2020.
Por que será que o prefeito estava dançando? Faltou explicar. Em sua página no Instagram, nenhum pedido de desculpas, pelo menos até agora, ou justificativa sobre gravar vídeo dançando durante o expediente. Ao contrário, preferiu apenas atacar a vereadora que questionou o comportamento e, além disso, não deu esclarecimentos para a população que também ficou indignada com o vídeo. Reduziu toda a problemática a um embate contra uma mulher, classificada pelos eleitores do prefeito como “comunista” – e é claro que para eles isso foi suficiente. Nada como o privilégio de ser homem.
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