Maria Clara Ribeiro
A partir desta edição, o Observatório Pluris trará uma série de textos analíticos sobre a questão da Palestina e do Estado de Israel.
Embora os conflitos sejam históricos, as recentes e violentas ofensivas bélicas de Israel à Faixa de Gaza, com a justificativa de defender-se de ataques do Hamas, um grupo paramilitar acusado de terrorismo, ganharam contoros de tragédia humanitária, com a morte diárias de dezenas de civis, incluindo muitas crianças.
Muita gente não compreende a complexidade do conflito Israel-Palestina.
Ao propor essa série, o Observatório Pluris entende que contribui não apenas para esclarecer e informar sobre os conflitos e, com isso, alertar para o massacre que está acontecendo. A escalada da violência naquela parte do mundo diz muito sobre os desafios que todo o Planeta enfrentará nos próximos anos.
As origens modernas
Árabes e judeus coexistiram em relativa harmonia no território correspondente a Israel até o fim do século XIX, enquanto província do Império Otomano. Também conhecido como Império Turco, consistia em um Estado muito abrangente, pois ocupava parte significativa do norte da África, do Oriente Médio e do Leste Europeu. Assim, a história do Estado israelense traça seus primeiros episódios com o declínio desse Império, no curso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ao ser derrotado pela Tríplice Entente – aliança entre Reino Unido, França e Império Russo. Simultaneamente, a Liga das Nações cedeu à Grã Bretanha a gestão da Palestina em 1920, dando início ao Mandato Britânico.
Nesse período, estima-se que um milhão de mulçumanos habitavam o território. Este povo se mesclava entre descendentes árabes, oriundos desde o século VII, e cananeus, com origens muito anteriores aos primeiros anos cristãos. Além disso, havia cerca de 100 mil judeus que, em sua maioria, eram imigrantes que chegaram à região devido ao antissemitismo crescente na Europa Ocidental. Acredita-se que os primeiros conflitos foram uma consequência ao aumento exponencial de imigrantes judeus, estimulada pelo movimento.
Imigração da população judaica
O sionismo objetivava fundação de um Estado judeu em solo palestino. Entre 1882 e 1903, aponta-se a chegada de 20 a 30 mil imigrantes, seguidos por novos 35 mil até 1914 e mais 35 mil até 1923. Este movimento internacional era apoiado pelos britânicos, que garantiam aos sionistas a criação de uma comunidade judaica na Palestina junto à população árabe que ali habitava. Entretanto, a imigração em massa gerou conflitos crescentes entre os dois povos.
O primeiro episódio de conflitos violentos é datado em 1921, na cidade de Jaffa. Nos anos seguintes, a região testemunhou conflitos regionais menos agressivos, mas a suposta “harmonia” não perpetuou. Em 1929, houve uma chacina do povo judeu em Hebron, quando árabes assassinaram 69 pessoas - incluindo mulheres e crianças. O grupo foi motivado por rumores, boatos de que judeus planejavam tomar o Monte do Tempo de Jerusalém, mais conhecido atualmente como Esplanada das Mesquitas. Este episódio era o primeiro testemunho da Revolução Árabe, em 1936.
A revolta se estendeu até 1939, dando início a greves e protestos contra a administração britânica. O movimento foi traçado pela elite árabe urbana, mas se disseminou com extrema violência no interior, intensificando os discursos de ódio e ampliando o desejo de rebelião – em destaque após a repressão colonial à população. Ao final do conflito, mais de 5 mil árabes foram mortos e mais de 10% dos árabes adultos, homens de 20 a 60 anos, sofreram consequências do levante – sejam mortos, feridos, presos ou exilados.
Enquanto a Palestina era palco de revoltas populares, os britânicos recuaram em sua promessa e restrições imigratórias começaram a ser adotadas. A resposta foi imediata: a comunidade judaica se organizava rumo à imigração ilegal. Como efeito, entre 1945 e 1948, cerca de 85 mil judeus chegaram à “Terra Prometida” por vias extraoficiais, contornando todas as tentativas de bloqueios navais e patrulhas de fronteira.
Foto: Keystone
Equívoco Britânico
Em 1947, a Grã-Bretanha ordenou o retorno à Europa do navio Exodus - embarcação francesa com mais de 4,5 mil judeus, maioria sobreviventes do Holocausto. Para acirrar a situação, a Marinha britânica cercou o navio, impedindo-o de atracar na costa palestina. A atitude indignou a comunidade internacional, ainda surpreendida com os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, em destaque à realidade dos campos de concentração criados na Alemanha nazista entre 1939 e 1945.
Em consonância, judeus se organizavam em grupos armados para atacar, como o Haganah, base da atual Forças de Defesa de Israel. Com enorme potência, sua tropa de elite (Palmach) contava com dois mil homens treinados e armados, distribuindo-se em unidades locais com o objetivo de proteger as colônias judaicas e preparados para possíveis operações. Devemos destacar a criação de grupos terroristas por dissidentes, como o Lehi ou Gangue Stern e o Irgun. O último citado foi responsável pela bomba lançada no atentado a Jerusalém, em 1946, deixando 91 mortos. Vale ressaltar que o terrorismo árabe-palestino contra Israel existe há décadas, persistindo com ataques antes e após a criação de seu Estado.
“A Catástrofe”
Uma guerra civil estava instaurada no território. Entre 1947 e 1948, o êxodo palestino surpreendeu qualquer previsão de especialistas: mais de 700 mil palestinos seguiram para territórios vizinhos, formando enormes campos de refugiados. Esta é tida como uma das maiores crises humanitárias do século XX, batizada como al-Nakbah pelos árabes, traduzido como “A Catástrofe”. Além disso, enquanto a zona urbana árabe era destituída, cerca de 600 vilas rurais palestinas foram saqueadas e incendiadas por grupos extremistas judeus.
Diante da impossibilidade de qualquer reversão do conflito, a Grã Bretanha abdicou a administração do território e entregou a situação à Organização das Nações Unidas, ainda recém criada. Assim, a ONU se tornou responsável pela elaboração de um plano de partilha da região, de forma que possibilitasse a originem de dois Estados independentes, árabe e judeu. Como resposta, em novembro de 1947, a proposta foi oficializada na Assembleia Geral. Os judeus, com população de 700 mil, deteria 53% do território e o restante seria dirigido aos árabes, com 1,4 milhão de habitantes, enquanto a cidade de Jerusalém permaneceria sob controle e gestão internacional – haja visto a importância sacra e simbólica para ambos os povos.
Nasce o Estado de Israel
Em 14 de maio de 1948, Israel proclama sua independência. Menos de 24 horas depois, os exércitos do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram o país, forçando Israel a defender a soberania que acabara de reconquistar na denominada Guerra de Independência de Israel. No conflito, as recém-formadas Forças de Defesa de Israel (IDF) expulsaram os invasores com batalhas intensas em menos de 15 meses, mas com um custo alto a se pagar - seis mil israelenses foram mortos, quase 1% da população judaica do país.
O início de 1949 foi marcado por negociações diretas entre Israel e cada um dos países invasores (exceto Iraque), com mediação da ONU. Como resultado, através de acordos armistícios, a Planície Costeira, a Galileia e o Neguev ficaram sob a soberania israelense, enquanto a Judeia e a Samaria (Cisjordânia) ficaram sob o domínio da Jordânia. Da mesma forma, a Faixa de Gaza ficou sob a administração egípcia e Jerusalém ficou dividida, a Jordânia com controle da parte leste (incluindo a Cidade Velha) e Israel sob o lado ocidental.
Marcos da Consolidação
Acompanhe a seguinte “linha do tempo” dos principais marcos históricos durante a construção e consequente consolidação do Estado de Israel:
- Campanha do Sinai, 1956
- Julgamento de Eichmann, 1960
- Guerra dos Seis Dias, 1967
- Guerra de Iom Kipur, 1973
- Operação Paz para a Galileia, 1982
- 2ª Guerra do Líbano, 2000
- Operação em Gaza, 2008
- Guerra de Gaza, 2014
Perspectiva política interna
Entre 1980 e 1990, Israel aceitou mais de um milhão de imigrantes, vindos principalmente da antiga União Soviética, da Europa Oriental, e da Etiópia. A intensa entrada de novos habitantes, consolidando um número significativo de consumidores e trabalhadores, dentre qualificados e não-qualificados, impulsionou a economia. Os anos seguintes foram marcados por um período surpreendente e acelerada expansão.
Com as eleições de 1984, o governo ascendente pode ser dividido claramente entre dois blocos políticos: Trabalhista e Likud, com perspectivas ideológicas mais tendenciosas à esquerda e à direita, respectivamente. Pode se dizer que, até 1995, havia certo revezamento de liderança entre estes grupos. Neste mesmo ano, o assassinato de Yitzhak Rabin, primeiro-ministro, ocasionou novas eleições em 1996, levando Binyamin Netanyahu a assumir o poder gestor do país junto à coalizão Likud.
Porém, em 1999, seu governo foi derrotado e seguido por administrações oponentes. Em 2009, Benjamin Netanyahu foi novamente eleito primeiro-ministro através de eleições antecipadas e, assim, formou um governo de base ampla.
Foto: Boitempo
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