Por Camila Machado
Abusos, privilégios e listas de denúncias sobre desvios de vacinas de Covid-19 marca o início da vacinação no Brasil
No mês de fevereiro completamos um ano do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Foram doze meses em que vimos hospitais lotados, túmulos e mais túmulos sendo abertos e a negligência do Estado aumentando a cada triste marco do avanço da pandemia no país. O sentimento é de como se estivéssemos voltando no tempo, salvo o detalhe de que de fevereiro para cá a situação piorou bastante.
Fonte: EBC |
Na semana que escrevo este texto tivemos o maior número de mortes registradas em um dia durante toda a pandemia (1.910 pessoas morreram no dia 03 de março). Quando a publicamos, esse número se aproxima de 4000. No total o número de óbitos, desde o início da pandemia, está em 325 mil - e com curva de alta. Histórias que não foram contadas, sonhos que não puderam ser realizados, vozes que foram sufocadas pelo vírus, mas também pela irresponsabilidade e negligência estatal.
A única coisa que permanece igual desde o início disso tudo é a esperança na vacina, que vem se concretizando em muitos países do mundo, mas que no Brasil segue a passos lentos. A falta de preparo e planejamento atrasou o início da vacinação por aqui e fez com que fosse suspensa em muitos estados por falta de doses. Seguimos na corrida para a compra dos imunizantes e o que nos resta, de novo, é apenas a esperança de que as vacinas cheguem logo.
Mas, em muitos momentos essa esperança se enfraquece, principalmente em relação à nossa própria população. Mesmo em meio da maior crise sanitária do mundo, de um número de casos e mortes que não para de crescer a corrupção se faz presente no país. O pequeno, mas importante, número de doses que primeiro foi (ou deveria ter sido) distribuído para nossos profissionais de saúde se perdeu pelo caminho em muitas regiões.
Até o dia 26 de janeiro, o Ministério Público Federal (MPF) havia recebido 24 denúncias sobre desvios de vacinas de Covid-19, que estariam sendo usadas para imunizar pessoas fora da lista de prioridades, numa prática que segundo a instituição se configura em crime. De acordo com o balanço, João Pessoa lidera o número de denúncias (com dez). Também estão na lista dos municípios onde pode ter havido irregularidades. De acordo com o MPF, furar a fila da vacina pode ocasionar em crime de improbidade administrativa contra o agente público responsável pela distribuição das doses, porque configura-se em desvio de bem público que tem destinação pré-definida.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro também apura algumas denúncias apresentadas pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ) referentes ao desrespeito da prioridade por profissionais da categoria na vacinação contra a covid-19 no estado. “No dia 20, fomos surpreendidos no Conselho Regional de Enfermagem por inúmeras denúncias, que começaram logo após a deflagração da campanha nacional de imunização, que, em sua maioria, eram de não priorização da equipe de enfermagem na vacinação”, disse Lilian Behring, em entrevista à Agência Brasil. Apenas 24 horas após o início da vacinação, o Conselho recebeu denúncias em quase metade dos municípios do estado, o que o levou a montar uma força-tarefa para apurar as ocorrências. O Coren-RJ pede também a colaboração dos responsáveis técnicos das instituições para ter dados sobre abusos e privilégios.
O Ministério Público do Amazonas também trabalha com a hipótese de peculato – subtração ou desvio de dinheiro público – nas investigações sobre desvios de vacinas contra a Covid-19 em Manaus. A cidade, que, em janeiro, sofreu um colapso no sistema público de saúde por falta de oxigênio, também é suspeita de privilegiar pessoas fora do grupo prioritário na imunização que se iniciou na semana passada.
Na última semana de janeiro, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara da Justiça Federal do estado, chegou a suspender a entrega de vacinas a Manaus por falta de transparência e determinou que quem furou fila da vacina não terá direito à segunda dose. Há diversas denúncias e a polícia coleta provas para a devida análise. O promotor Armando Gurgel Maia, um dos responsáveis pela investigação do MP-AM, indica que há “omissão dolosa” por parte das autoridades públicas.
No dia 25 de janeiro, o MP pediu a prisão do prefeito de Manaus, David Almeida, investigado por fraudar a fila de vacinados na cidade e usá-las para interesses particulares. Segundo as investigações, dezenas de pessoas que têm ligações com o prefeito e com o alto escalão da Prefeitura de Manaus, e que não faziam parte dos grupos prioritários para vacinação receberam os imunizantes. O esquema envolveria a Prefeitura e outras secretarias de Manaus.
São Paulo também está na lista de irregularidades na vacinação. Em Santa Isabel doses da vacina contra a Covid-19, que deveriam ser aplicadas em moradores da cidade, foram desviadas. De acordo com a Prefeitura, uma funcionária suspeita de participar do esquema chegou a ser afastada. O Ministério Público abriu um inquérito para apurar a venda do imunizante na cidade. A denúncia aponta que a funcionária da rede municipal de saúde vacinou, pelo menos, quatro pessoas que estavam fora da fila determinada no plano de imunização.
Casos assim se repetiram em inúmeras regiões e não sabemos se isso reflete o desespero da população diante desta grave situação que nos abala a um ano ou se o que temos é, pelo contrário, uma falta de consciência da gravidade desta pandemia e da necessidade de se agir estrategicamente. Estamos em uma guerra e não se ganha uma guerra se cada um resolveu seguir seus próprios interesses. Apenas estratégias e planejamentos coletivos podem nos ajudar a ser vitoriosos, mas isso não acontecerá se a população não compreender bem isso. Estamos no mesmo barco e, se você ainda não percebeu, estamos afundando. Seremos lentamente asfixiados pelo vírus e pode ser que não tenhamos uma tábua para nos apoiar como aquele no romance do navio. A realidade tende a ser mais trágica do que poética.
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