Por Maria Clara Ribeiro
Como uma das regiões de maior influência e importância no país, a remoção das sanções penais sobre a maconha no estado de Nova York pode repercutir em novos debates. A proposta partiu de iniciativa do governador Andrew Cuomo. Em dezembro de 2018, o político afirmou que o processo estava entre suas prioridades legislativas e, assim, junto aos legisladores, chegou em comum acordo acerca do documento de legalidade.
O histórico nova-iorquino não é recente: o Estado discute a descriminalização da maconha desde 1977. Em 2014, Nova York regulamentou a planta para uso medicinal e a atual legislação, que compreende a descriminalização da erva, consiste no pagamento de multas. Pela legislação em vias de ser modificada, cidadãos flagrados com posse de menos de 20g devem pagar US$50,00. Já a posse de 28g a 56g de maconha se torna passível de multa de até US$200,00 - com condições variáveis. Vale ressaltar a alcance da alteração, haja vista que, anteriormente, o cidadão era enquadrado como contraventor Classe B.
Fonte: G1 Globo |
Atualmente, mais de 30 dos 50 unidades federativas estadunidenses permitem o uso da erva para fins medicinais. Em contrapartida, segundo o grupo ativista Marijuana Policy Project e o The GrowthOp, dez estados, mais o Distrito de Columbia (DC), já optaram pela legalização.
Propostas do Projeto
O projeto visa a permissão do uso legal e recreativo da maconha para adultos com mais de 21 anos de idade, incluindo a compra de produtos derivados de varejistas licenciados. Inclui-se também o cultivo de até seis pés da planta para uso pessoal, das quais apenas três podem ser amadurecidas concomitantemente. Além disso, o projeto permite a abertura de centros comerciais dedicados ao consumo do produto. Vale ressaltar que os municípios não podem proibir estas medidas, apenas impor regulamentos.
Sobre as delimitações comerciais, as dez operadoras de maconha medicinal do estado podem funcionar com três lojas cada. Os produtos serão tributados em 13% e, destes, 9% iriam para os cofres do estado e 4% para os municípios.
Fonte: Reprodução |
Caso aprovada, as vendas devem ter início apenas em dezembro de 2022 de acordo com os prazos necessários para o estabelecimento de normas do novo mercado. O Marijuana Business Daily projeta a circulação de US$2,3 bilhões anuais em até quatro anos de instauração do novo comércio. Se correto, o estado se tornará o maior mercado de maconha dos Estados Unidos, ultrapassando a Costa Leste.
Impacto Econômico
De acordo com a apuração do Money Times, NY estipula a arrecadação de mais de US$350 milhões em impostos anuais com a comercialização legal de canabis. A questão principal é quanto deste total será repassado às comunidades mais atingidas pela guerra às drogas, além de recuperar o déficit de US$15 bilhões durante a pandemia. Outra questão que entra na disputa financeira do estado é a redução de aluguel e a recuperação de pequenas empresas.
Em janeiro deste ano, Cuomo solicitou que US$100 milhões da nova receita tributária possa ser destinada ao Fundo de Equidade Social da Cannabis por um período de quatro anos e US$50 milhões nos anos seguintes. Ao perceber a delicadeza da situação, é possível inferir que, nos próximos tempos, será travada uma batalha fiscal. A negociação se baseia na Lei de Regulamentação e Tributação da Maconha, de 2013, que define o repasse de maior parcela do dinheiro às minorias.
Segundo dados da proposta oficial, 40% da receita seriam destinados a comunidades formadas por minorias, 40% para investimentos de educação pública e os demais 20% para programa de tratamento de prevenção às drogas. O texto também prevê a concessão de créditos para fomentar a criação de empregos e garantias de participação a pequenos fazendeiros, mulheres e veteranos de guerra portadores de deficiência física, assim como membros de grupos minoritários.
Racismo estrutural e sistema carcerário
Segundo o diário The New York Times, cerca de 160 mil pessoas com condenações em primeiro grau passarão por revisão de caso e terão a ficha limpa. Segundo especialistas do jornal, a decisão poderá beneficiar, principalmente, negros e hispânicos. Essas comunidades são as mais afetadas na guerra às drogas do país norte-americano, sendo também os mais impactados pelas rígidas leis contra o consumo da erva.
Fonte: Reprodução |
Negros e latinos correspondem a 86% dos população do sistema carcerário em Nova York. Segundo dados da União de Liberdades Civis de Nova York, esse número equivale a mais de 800 mil pessoas. A taxa de prisão de negros foi cerca de 14 vezes superior ao de brancos - em casos de prisão por porte e/ou uso da maconha, entre 2000 e 2008. No mesmo período, a prisão de hispânicos correspondia a sete vezes mais. Apenas em 2018, a Big Apple prendeu mais de 17,5 mil pessoas por posse da erva.
Segundo Jeffrey Miron, professor de Harvard, os índices de assassinatos nos EUA aumentaram massivamente quando o álcool foi banido e, diretamente relacionado, caíram quando voltou a ser legalizado. Segundo o especialista, não é possível que nenhum país imponha leis de drogas a todos os cidadãos que as infringem e cita que 50% da população já agiu fora da lei. Isto é, nenhum país pode aprisionar metade de sua população.
Enquanto isso, no Brasil
O Estado usa a “guerra contra as drogas” como pretexto para reprimir parcelas da população, motivado por seus interesses político-econômicos. No Brasil, é perceptível que estes grupos se referem à população mais pobre, vitimando principalmente jovens negros de periferia. Com este pretexto, as operações invasivas e extremamente violentas se tornem aceitáveis por grande parcela da sociedade e como resultado direto desta “guerra”, acarretada pela proibição das drogas, como afirma a juíza Maria Lucia Karam, tem-se a média anual de 30 mil dos assassinatos no Brasil (2019).
Os buracos nas paredes das casas confirmam a constante ameaça a todos das comunidades, mas, ainda assim, a população brasileira apresenta posição majoritariamente contrária à legalização de drogas. Segundo uma apuração do mesmo veículo, dois a cada três brasileiros se dizem contrários à liberação recreativa da maconha, em 2018. Contudo, o governo federal tenta instituir propostas de flexibilização, como o encaminhamento do projeto de lei 399/2015 que propõe a legalização da Cannabis para uso medicinal no país.
Dentre as principais queixas contra o documento, temos a preocupação com os efeitos nocivos do uso crônico da erva e a possibilidade de um grave problema de saúde pública. Porém, estudos epidemiológicos psiquiátricos apontam rasas alterações no uso de maconha nos estados americanos nos quais houve permissão para o uso medicinal. Segundo pesquisa do Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde dos Estados Unidos (NSDUH), mesmo em estados com liberação de uso recreativo, o aumento foi mínimo.
No Brasil, é preciso encarar outro problema central: o preconceito. Há uma intensa criminalização dos usuários.
Números brasileiros da guerra às drogas
Segundo o Atlas da Violência de 2020, os negros são 75% das vítimas de homicídios no país, apesar de constituírem 56% da população brasileira. Este dado mostra que esta parcela de brasileiros apresenta 2,7 mais chances de serem assassinados. Dados da pesquisa Datafolha de 2018, mostram que o Rio de Janeiro apresentava uma taxa de 37,6 homicídios a cada 100 mil habitantes, maior que a média nacional – de 31,6. Apesar dos conflitos entre facções criminosas, que disputam entre si por controle de territórios, as forças policiais são responsáveis por 1/3 das mortes. Na capital fluminense, em 2019, a polícia matou 726 pessoas.
Mas este alto número não é cabível apenas neste estado, pois 11% das mortes violentas intencionais, em 2018, foram provocadas pelas forças policias. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dos 57.358 homicídios, 6.220 foram ocasionados por estes profissionais – sendo 99,3% homens, 77,9% entre 15-29 anos e 75,4% negros. Estes dados estão intrinsicamente relacionas à presença violenta do estado nas regiões mais carentes do país.
Fonte: Agência Brasil |
Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro gastaram cerca de R$5,2 milhões para aplicação da Lei das Drogas, em 2017. Este valor equivale a 12% das despesas de segurança pública, segundo o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), divulgados nesta segunda-feira (29). Como instrumento de comparação, especialistas afirmam que os gastos seriam suficientes para comprar mais de 90 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 desenvolvidas pelo Instituto Butantan e, consequentemente, imunizar 21% da população brasileira.
Economistas estimam que, apenas em 2017, o governo federal tenha gasto R$15,4 bilhões com a “guerra às drogas”, caracterizando 5.9% no PIB nacional. Este valor é tido como extremamente alto, principalmente por equivaler a apenas 0,57% do mercado de droga no planeta – mesmo estabelecendo relações de fronteira com os três maiores produtores de cocaína do mundo (Colômbia, Peru e Bolívia).
Além disso, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do globo, com 750 mil indivíduos encarcerados, estando atrás apenas dos EUA (2,1 milhões) e China (1,7 milhões). O número pode espantar ainda mais ao estabelecer a seguinte correlação: são 350 presos para cada cem mil pessoas. Dentre as teorias dos especialistas, a explicação mais aceita é a atual Lei de Drogas, de 2006, que permite margem para enquadrar usuários como traficantes.
O tráfico de drogas é o segundo crime com maior incidência no sistema carcerário brasileiro, correspondendo uma a cada cinco prisões, mas o índice apresenta dados crescentes entre as mulheres (51%), jovens de até 29 anos (45%) e negros (67%). O mais agravante da situação é que 30% dos presos brasileiros ainda não foram a julgamento.
Com o início da pandemia da Covid-19, as operações policiais nas comunidades foram limitadas pelo Supremo Tribunal Federal, o qual exige justificativa e comunicação ao Ministério Público. O interessante é que, após essa limitação das forças policiais e sua política de repressão, houve uma redução de 20% dos números de assassinatos no mesmo período, 798 pessoas mortas entre junho-agosto contra 1.001 no mesmo período do ano anterior.
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