sexta-feira, 2 de abril de 2021

Ineditismo histórico: Papa Francisco visita Iraque

 Por Maria Clara Ribeiro                


Março marcou a história do Cristianismo e do Islamismo, as maiores religiões da atualidade



Na primeira sexta-feira do mês março, o Papa Francisco, líder mundial da Igreja Católica Apostólica Romana e maior autoridade política-cristã, deu início à 33ª viagem internacional de seu pontificado rumo ao Iraque, berço de muitas comunidades muçulmanas. Foram três dias de uma agenda repleta de encontros com autoridades religiosas locais, envolvendo líderes e membros de ambas as doutrinas.
O pontífice se inspirou na necessidade de se estabelecer a paz em todo território, independentemente das crenças religiosas. Para efetivar esse compromisso, o tema escolhido para a visita oficial foi o lema 'Sois Todos Irmãos'. A citação é extraída do Evangelho de Mateus. "Vou como peregrino da paz mendigando fraternidade, animado pelo desejo de rezamos juntos e caminharmos juntos", proclamou o papa em uma mensagem oficial divulgada pelo Vaticano.




Fonte: El Pais

A visita marca a trajetória de ambas as religiões. Ultrapassando os limites do contexto geopolítico do Oriente Médio, a atual pandemia deposita uma dose ainda maior de ineditismo a esse evento de panorama internacional e caráter histórico.

A pandemia da Covid-19 tornou 2020 o primeiro ano, desde 1978, sem viagens pontífices internacionais. Assim como afirmam as estatísticas diárias ao redor do mundo, por governos e órgãos oficiais de integração multinacional, ainda não há uma previsão concreta para o cessar da disseminação do coronavírus. Em contrapartida, o Vaticano considerou que o presente panorama, aliado à imunização de Francisco e aliados da delegação, já instaurou um ambiente minimamente seguro para restabelecer as viagens papais.

Nesse cenário, o Papa presidiu a primeira missa pública em território iraquiano. A celebração foi realizada na Igreja de São José, na capital do país, Bagdá. O encontro foi limitado devido às precauções contra o coronavírus, com público estimado em cem pessoas, mas o santuário registrou a presença de uma multidão – sem a divulgação de números exatos. Apesar do uso obrigatório de máscara, o distanciamento social não foi respeitado.

A visita por si já tem grande valor, mas ganha ainda maior dimensão com encontro do pontífice e aiatolá Ali Al Sistani, maior autoridade xiita iraquiana e que tem poderosa e decisiva voz política nas decisões do país. O encontro sucedeu-se em Najaf, ao sul da capital, caracterizada como a "cidade santa" do islamismo xiita e onde reside o grupo segundo maior componentes crentes islâmicos - também considerados os mais tradicionalistas, segundo Mirticeli Medeiros, vaticacionista e pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

O encontro dos líderes durou cerca de 55 minutos e teve como assunto central a segurança da população cristã do país, que é uma minoria ameaçada. Essa pequena parcela iraquiana é parte dos alvos dos conflitos na região, onde as guerras e a violência de grupos extremistas - como o Estado Islâmico (EI) - ainda assolam todos, mas principalmente as famílias mais desamparadas.

O líder Católico afirmou a importância da criação de laços entre as comunidades religiosas e as vantagens desta relação ao Iraque e ao Oriente Médio. Já o Aiatolá reforçou o papel das lideranças religiosas no combate a violência e mandou um recado às grandes potências, pedindo que abandonem o desejo à guerra, que está presente no cotidiano do país há mais de 40 anos.

Outro local visitado por Francisco durante sua viagem foi Ur, conhecido como Berço de Abraão, cuja razão reside em ser a região de nascimento do profeta em cujo sistema de crenças se baseiam as religiões monoteístas - além de cristianismo e islamismo, a originária judaísmo. Para além dessa razão, nesta mesma região, em 2014, Francisco apoiou a campanha militar internacional para intensificar as forças iraquianas e, em 2019, condenou a repressão de uma revolta popular contra o rígido poder regente.

Para a recepção do Papa, as cidades próximas a Bagdá prepararam mensagens de boas-vindas e apelos de uma boa relação com o país. Mas o destaque foram as mudanças na infraestrutura da região: estradas foram pavimentadas, pontos de segurança foram reforçados e obras de renovação foram instauradas até mesmo em locais que não estavam delimitados como centros de encontros oficiais da visita. Todas estas melhorias foram implantadas para os apenas três dias de visita do pontífice.


Religião em números
O islão é a segunda maior religião do globo em número de adeptos, com cerca de 1,5 bilhão de mulçumanos, compreendendo cerca de 24% da população mundial, estando atrás apenas do cristianismo, com 31%, correspondente a 2,3 bilhões de fiéis – dados de 2012, divulgados pela The Word Factbook, elaborados pela Central Intelligence Agency (CIA).

Fonte: The Word Factbook


A comunidade cristã iraquiana é uma das mais antigas e diversas em todo o planeta, incluindo a existência de caldeus (conhecemos como católicos), ortodoxos e protestantes. Entretanto, em meio às constantes ameaças e riscos que esses grupos enfrentam, o número destes religiosos apresentou uma queda significativa nos últimos anos.

Segundo dados da ONG Hammurabi, focada na propagação e garantia dos Direitos Humanos no país, em 2003, os cristãos compunham 6% de todos os habitantes nacionais - cerca de 1,5 milhões. Já neste ano, os números apontam para 400 mil iraquianos cristãos, aproximadamente apenas 1% da população total. Entretanto, os dados apontados pela fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) são ainda mais espantosos. Seus números indicam que a população cristã do país caiu de 1, 5 milhão, em 2003, para menos de 250 mil atualmente.

Ambos os números coincidem com o fim do governo ditatorial de Saddam Hussein (1937-2006), vigente até 2003, e seguido pela ascensão do grupo jihadista extremista Estado Islâmico. Além disso, atualmente os xiitas são 64% dos iraquianos, seguidos pelos sunitas, com 32%. A importância destes números reside em seu potencial histórico, pois é a primeira vez que um papa visita uma nação de maioria xiita.

Riscos reais

Ataques violentos são comuns na região central do Iraque, alvo da visita pontifícia. Apenas em 2021, ocorreram dois ataques de grande dimensão: em janeiro, um ataque terrorista deixou mais de 30 mortos em Bagdá; já no início de março, apenas cinco dias antes da visita papal, dez foguetes atingiram uma base militar norte-americana. Por esta razão, o Vaticano afirmou em reuniões de assessoria que essa seria a viagem mais arriscada do pontificado de Francisco.

Fonte: BBC Brasil

Apesar de ser seguido por seus próprios agentes do Corpo de Gendarneria em viagens internacionais, a segurança do pontífice também deve ser garantida pelo país anfitrião. Ao contrário da preferência de Francisco, o Vaticano fez o uso de um automóvel blindado para transportar o papa em detrimento dos possíveis atentados riscos sanitários.

Aos nossos olhos
Enquanto é preciso unir forças internacionais para garantir a segurança dos cristãos no Oriente Médio, pelo simples fato de serem uma minoria, no Brasil é perceptível uma posição ambígua.

Em janeiro de 2020, uma pesquisa instituto de pesquisa Datafolha sobre a religião dos brasileiros constatou que 50% da população é católica, um número de proporções grandiosas, seguido por 31% evangélica e 10% sem religião definida. Os menores dados são respectivos à espírita (3%), umbanda, candomblé ou outras religiões afro-brasileiras (2%), ateísta (1%) e judaica (0,3%). Outras religiões não citadas no relatório ocupam, juntas, 2% de toda a população brasileira.

Em consonância com este fato, as denúncias de intolerância religiosa aumentaram 56% no país em 2019, segundo relatórios do Balanço Disque 100 – Disque Direitos Humanos. Antes de apresentar números, vale ressaltar que este é um serviço de informações sobre os direitos básicos sociais, em destaque aos grupos mais vulneráveis, e denúncias de violações. A plataforma realiza atendimentos 24h de forma gratuita e anônima, podendo ser usada por qualquer cidadão.

Fonte: cebi.org.br

Os dados apontam que, entre 2015 e 2019, houve 2.722 casos de intolerância religiosa no país, gerando uma média de 50 ataques por mês. Entretanto, este número assusta especialistas pela possibilidade de serem ainda mais expressivos, pois deve ser considerado o medo dos fiéis em efetivar sua denúncia. Esta insegurança pode se basear na constante ameaça de repetição do ato, seja de violência ou discurso de ódio, ou receio de que as autoridades não concedam o suporte necessário.

É importante destacar que nos casos identificados, os ataques a religiões de matriz africana são os mais numerosos, apesar de serem uma das minorias no país.

Mas, apesar do que afirmam os fatos, Jair Bolsonaro, em um discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em agosto de 2020, contradisse a laicidade e secularidade constitucional do país, afirmando que o Brasil é uma nação cristã. Além desse grave erro, o atual presidente realizou, ainda, um apelo internacional “pela liberdade religiosa e combate à cristofobia”.

Em uma entrevista concedida à BBC News, Renan Quinalha, professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirmou: "É evidente que cristãos são perseguidos em outros países, mas isso não acontece no Brasil, onde eles são a esmagadora maioria". No mesmo encontro, Marco Cruz, secretário-geral da ONG Portas Abertas - que auxilia cristãos sob perseguição religiosa -, apresenta sua perspectiva como cristão. “Nós podemos expressar nossa fé livremente, ninguém é expulso de algum local por ser cristão, nenhuma pessoa morre ou é presa no Brasil por ser cristã", exemplifica.

Além disso, a ONG Portas Abertas produz, há 25 anos, um ranking de 50 países onde os fiéis adeptos ao cristianismo são perseguidos com mais intensidade. A lista é construída a partir de relatos de ataques e violência religiosa. Desde sua criação, o Brasil nunca apareceu na lista.
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