Por Camila Machado
As provas do Exame Nacional do Ensino Médio que aconteceriam em novembro de 2020, foram adiadas para os dias 17 e 24 de janeiro deste ano. O Enem 2020 teve o maior número abstenção desde 2009: dos 5,7 milhões inscritos, 51,5% dos estudantes não compareceram. O aumento no número de casos de Coronavírus e o agravamento das desigualdades socioeconômicas pelo isolamento social podem justificar tais números. Foram dez meses sem aula presencial, com milhares de estudantes de escolas públicas dentro de casa e muitas vezes em estado de vulnerabilidade social. Com as escolas fechadas, alunos de baixa renda tiveram dificuldades no acesso à internet para estudar. Um preocupante aumento da desigualdade educacional se desenhou novamente no horizonte brasileiro.
Um levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostra que a maior parte dos estudantes das universidades federais tem renda mensal per capita de até um salário e meio (70,2%) e é negra (51,2%). Em 2010, apenas 37,5% dos estudantes das instituições federais de ensino superior haviam cursado todo o ensino médio em escolas públicas. Em 2018, esse percentual subiu para 60,4%. Mas, existe agora uma preocupação com o impacto que a pandemia trazer nesses números, já que boa parte dos alunos da rede pública não tiveram condições de estudar à distância e o Enem é a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil.
A pandemia agravou a precariedade das condições socioeconômicas de muitos candidatos e tudo indica que criou ainda mais obstáculos para aqueles que já enfrentavam a desigualdade educacional brasileira. Não terá o Enem 2020 contribuído para restringir as vagas ao ensino superior aos estudantes que têm acesso a internet? Uma pesquisa Juventude e Pandemia do Coronavírus, divulgada em junho de 2020 pelo Conselho Nacional da Juventude, mostrou que 49% dos jovens entrevistados já tinham pensado em desistir do Enem. Daqueles que pretendiam fazer o exame, 56% estavam muito preocupados com seu desempenho na prova e 67% não estavam conseguindo estudar desde que as aulas foram suspensas. Não podemos nos esquecer de que uma coisa é utilizar o smartphone para trocar mensagens, postar fotos nas redes sociais, que demanda um pacote mínimo de dados de internet. Outra coisa é usar o aparelho para estudar em plataformas pesadas que necessitam de um tráfego maior.
O Enem ajudou, em conjunto com uma série de outras políticas, a democratizar o acesso ao ensino superior. Na edição de 2019, foram ofertadas 237.128 vagas em 128 instituições de ensino superior públicas de todo o país, segundo dados do Inep. Mas, a preocupação é que essa democratização tenha sido colocada em risco com a prova de 2020. É inegável que a pandemia contribui para este quadro, mas o Inep tinha a opção de cancelar ou adiar o exame. O ministério da Educação, como um todo, realmente fez tudo o que podia para diminuir os impactos negativos que a pandemia trouxe para os alunos de baixa renda? O Inep considerou os obstáculos impostos a estes alunos devido à falta das aulas e como isso impactaria no rendimento destes na prova? E ainda, será que realmente podemos falar de democratização do acesso ao ensino superior? Ou tudo que temos são cortinas de fumaça que tentam mascarar a desigualdade educacional existente no país?
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