quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

A Imprensa se tornou “inimiga da nação” no governo Bolsonaro

 

Por Camila Machado                

O Presidente Jair Bolsonaro foi responsável por mais de 200 ataques a imprensa só no primeiro semestre de 2020. Imagem: Bancários Bhaia

Ataques à imprensa se tornaram uma “marca” do governo atual. Antes mesmo de ser eleito, Bolsonaro já atacava a imprensa em suas redes sociais, chegando a promover, por exemplo, o linchamento virtual de jornalistas da Folha de São Paulo, em outubro de 2018, depois de o jornal publicar uma reportagem mostrando a relação de empresários, que apoiavam sua campanha, com a da propagação de informações falsas sobre o PT pelo Whatsapp. Três jornalistas da Folha foram virtualmente atacados e a autora da reportagem chegou a ser confrontada por apoiadores de Bolsonaro, ainda no mesmo ano. Mas as coisas pioraram depois da posse. Bolsonaro fez da imprensa não só sua “inimiga”, mas também da nação.

Um monitoramento feito pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), divulgado em julho de 2020,  mostra que 245 ataques contra o jornalismo por parte do Presidente Jair Bolsonaro foram registrados só no primeiro semestre daquele ano. Desses, 211 foram categorizadas como descredibilização da imprensa, 32 ataques pessoais a jornalistas e dois ataques contra a própria FENAJ. Foram quase dez ataques ao trabalho jornalístico por semana em 2020, segundo a Federação. Esses ataques são feitos em declarações públicas do presidente em suas lives para o YouTube,  em sua conta pessoal no Twitter, em vídeos de entrevistas coletivas em frente ao Palácio do Alvorada, discursos e também em entrevistas disponibilizadas no portal do Planalto.

Qualquer que seja a notícia sobre as ações do governo ou a postura negativa do presidente fazem com que a imprensa e os jornalistas sejam colocados como “inimigos do país”.  Bolsonaro se refere ao trabalho da imprensa, por diversas vezes, como mentirosa, omissa, sem credibilidade ou confiabilidade, e já chegou a afirmar que a imprensa atrapalha, é uma vergonha, deturpa, esculhamba e tripudia de assuntos sérios.  Para o presidente, faltam notícias verdadeiras,  chamando de fake news todas as que, segundo ele, “destroem reputações”. O jornalismo profissional também sofre com ataques misóginos e homofóbicos por parte do presidente e com os gestos ofensivos feitos por ele aos jornalistas que atuam na cobertura em frente ao Palácio do Alvorada, em Brasília. Todos devem se lembrar da cena patética de contratar um humorista para distribuir bananas aos profissionais da imprensa, em fevereiro de 2020.

A agressiva relação do presidente com a imprensa piorou ainda mais com a pandemia. Em março, Bolsonaro fez pronunciamento para TV e rádio afirmando que meios de comunicação “espalharam exatamente a sensação de pavor” e pela primeira vez associou a atuação da imprensa no contexto da pandemia como causadora de “histeria”. Esse discurso foi mantido por meses até que em junho uma mudança de postura do presidente foi adotada. Bolsonaro passa a se referir com ironia à imprensa em suas redes sociais e discursos. Sobre as agressões físicas a jornalistas no exercício profissional, por parte de seus apoiadores, Bolsonaro se manifestou dizendo apenas: “se são agredidos, saiam dali, pô! Vocês não são obrigados a ficar ali”.

 Mas não só o presidente Jair Bolsonaro ataca a imprensa. Em setembro de 2020, a entidade internacional Artigo 19 apresentou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU um relatório que mostrava  que o presidente, seus filhos, ministros e assessores realizaram um total de 449 ataques contra jornalistas desde o início de seu mandato até setembro de 2020. Os filhos de Jair Bolsonaro foram autores de quase metade (220) dos ataques, segundo o documento, e do total de violações registradas, Eduardo Bolsonaro é autor de 24%, Carlos Bolsonaro de 19%, e Flávio Bolsonaro, 6%. Os ministros indicados pelo presidente, ainda que tenham sido exonerados e indicados de forma frequente, figuraram em 27% dos ataques (119).

Claramente os números são muito maiores hoje, uma vez que o governo enfrenta agora uma queda de popularidade devido aos vários “escândalos” referentes à má eficácia do governo no combate à pandemia. A falta de seringas, o mau planejamento da compra de vacinas, a falta de oxigênio em Manaus e as incontáveis mudanças de discurso do presidente estão abalando negativamente o governo e a “única saída” nessas horas é atacar a imprensa.

O ministro da saúde, Eduardo Pazuello, vem fazendo inúmeros comentários acusando a imprensa de ser tendenciosa. No dia 07 de janeiro, por exemplo, o ministro disse: “Quero assistir a notícia e ver o fato que aconteceu, deixem a interpretação para o povo brasileiro, para cada um de nós”, questionando um dos principais papéis do jornalismo que é traduzir a realidade, o que implica, é claro, a interpretação dos dados e eventos.  Mas, o próprio ministro veio a se contradizer minutos depois: “Se cada um interpretar como quer, a desinformação é completa. Numa pandemia, a desinformação e a interpretação equivocada ou tendenciosa leva a consequências trágicas [...]”.

O ministro só esqueceu-se de dizer que a desinformação começa quando o trabalho jornalístico é ameaçado e a credibilidade da produção de notícias é questionada. “Se uma pessoa diz que está chovendo e outra diz que não está, a obrigação do jornalista não é citar os dois lados, mas olhar pela janela e descobrir a verdade”, já dizia o escritor Jonathan Foster. É preocupante que no Brasil não somente o vírus esteja deixando um rastro de incertezas e luto, pois hoje a maior ameaça aos jornalistas brasileiros e à liberdade de imprensa tem sido o próprio Presidente da República.


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